terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Onde o Sol se põe

Magreb em árabe é o nome da última das cinco orações diárias que todo muçulmano deve fazer, portanto a do pôr do sol. E é também a denominação dada ao noroeste da África, região que contempla Marrocos, Argélia, Saara Ocidental, Tunísia, Líbia e a Mauritânia. O nome deriva exatamente da ideia de que ali seria o último lugar onde o sol se poria dentro do Império Árabe que possuía vastas extensões desde sua origem na Península Arábica até a Península Ibérica.

A história que vou contar aqui se refere exatamente ao último país citado, a Mauritânia, mas há práticas nesse lugar que remontam aos tempos do califado. Última nação a abolir a escravidão no mundo, apenas em 1981, a prática só se tornou crime no ano de 2007. Ainda assim, como não faltam exemplos, inclusive nosso próprio país, o simples fato de proibir não indica necessariamente que mais ninguém será escravizado no local. Além disso, as fraturas sociais criadas entre aqueles que mantinham seres humanos como posse e seus subordinados são dificílimas de serem rompidas, o que também é verificado em diversos lugares.

Sendo assim, 40% da população da Mauritânia, composta por negros, tem uma importante parcela deste grupo ainda servindo como escravos, evidentemente de uma pequena parte, da maioria árabe-berbere, como de maneira simplificada são chamados os brancos naquela região. Estimativas indicam que dos 3,5 milhões de habitantes que a Mauritânia possui, de 10 a 20% deles trabalham em regime de escravidão, mesmo que não comprovada por organizações internacionais nas quais esse número é de 4%, de longe o maior no mundo.

Pouquíssimos negros ocupam cargos de comando e as prisões por conta do crime de escravidão são poucas e sequer costumam cumprir a pena mínima de 10 anos estabelecida. Na prática filhos de escravas seguem sendo escravos e o Partido Abolicionista (sim, no século XXI) tem seu líder perseguido e frequentemente preso. O país não é tão pobre em relação às condições de outros no Oeste da África, mas a segregação cria grandes bolsões de pobreza principalmente para os negros.

O sol há de se pôr na Mauritânia e essa prática por pressões internas e externas deve pelo menos ser muito reduzida na próxima década. Mas o que vem disso? Jovens pobres e frustrados em um país com poucas opções, cenário perfeito para a ascensão de grupos radicais que seguem uma versão distorcida do Islã. O vizinho Mali com sua Al Qaeda do Magreb Islâmico e o Boko Haram são grandes exemplos de um futuro que pode aguardar a Mauritânia se nada for feito.

Árabes de uma elite subjugando negros em um regime ditatorial? É o que simplificadamente também explica a terrível guerra civil que o Sudão vem enfrentando há anos, e se nessa década o assunto ficou fora das manchetes, não é porque a situação ficou melhor. É preciso muita ajuda da comunidade internacional para resolver essa delicada situação. Mas enquanto houver escravidão nesse lugar, o mundo nunca pode achar que o sol de fato se pôs no Magreb.

sábado, 26 de dezembro de 2015

Enfim um Feliz Ano Novo

Fim de ano é uma boa época para se distanciar do cotidiano com suas picuinhas e focar no que realmente importa. Aqui, como no ano passado, vai mais uma vez o assunto que independente de serem sírios, alemães, palestinos, bengaleses ou brasileiros, é o principal na vida de todos: o clima. E dessa vez as coisas animam.

Olhando de qualquer jeito, não dá para ficar muito otimista com as notícias desse ano: boa parte da população e dos candidatos do país mais importante do mundo não acredita no homem como agente que muda o clima; o fato de a economia do maior poluidor do mundo desacelerar levar a um colapso global; Kátia Abreu no Ministério da Agricultura e Pecuária do país com mais florestas no mundo. Mariana. Lama. E por ai vai.

A questão é que cientistas, e o que a imprensa repassa, fazem parte de uma intenção que pode ser denominada no consenso popular como maquiavélica, aqui, sem juízo de valor. Seguindo a ideia depreendida de Nicolau, de que os fins justificariam os meios, a estratégia para sensibilizar a opinião pública e consequentemente seus comandantes é a de criar um futuro sombrio e de caos no imaginário comum. A partir daí, torna-se mais fácil, por exemplo, um acordo como o de Paris, que vai reduzir o crescimento econômico e será mais facilmente digerido.

E por que isso é difícil? Há uma máxima que diz que um populista pensa nas próximas eleições, e um político nas próximas gerações. A questão é que hoje em dia, se alguém não pensar nas próximas eleições nunca será um político, já que não terá sequer o mínimo para financiar sua campanha. E ai, sabemos exatamente que quem vai dar dinheiro para estas campanhas não será um ambientalista, e sim, por exemplo, no Brasil, a maior empresa privada em lucros no país, a JBS, que tem boa parte de seu faturamento relacionada ao agronegócio, e que sabemos, não é o ideal para o clima. Nos EUA? Petroleiras. E que financiam boa parte dos republicanos que dizem não acreditar nas mudanças climáticas.

Mas não é fácil assim. Uma das parcelas mais ricas da população não ia deixar suas fortunas a mercê de um raciocínio pouco complicado. Então começaram a usar a tática dos próprios cientistas contra eles.

Os principais meios de propaganda que afirmam que o homem não causa o aquecimento global fazem o seguinte: usam previsões de cientistas que não se confirmaram e as colocam contra eles. Isso, por exemplo, na população média norte-americana, mais preocupada com sua hipoteca e em pagar a gasolina do seu 4x4, tem um efeito enorme. Daí, o fato de uma parte dos EUA não acreditarem nas mudanças climáticas como causadas pelo homem.

Pesquisas do tipo das que afirmam que o Golfo Pérsico estará inabitável em 2100 e que nesta época países como Tuvalu e as Ilhas Marshall estarão completamente inundados saem a todo instante. Essa máquina de propaganda pega algumas pesquisas de um determinado espaço de tempo, como os anos 2000, e desconstroem aquelas que se confirmaram erradas, desfazendo a credibilidade de uma boa parte da comunidade cientifica. Mas vale lembrar que meteorologistas erram a previsão do tempo para o dia seguinte. Acertar o que acontecerá daqui 15 anos é dificílimo, e um século então?

E para combater essa contrapropaganda, cientistas soltam dados cada vez mais alarmistas, criando um grande ciclo. Se eles estão errados? Complicado. Cabe um grande debate filosófico, mas já aviso, há pessoas usando meios piores para fins pouco altruístas neste exato momento.

Os fatos que temos que ter em conta, e que ai não tem contra argumentação: 2014 foi o ano mais quente já registrado, e tudo indica que 2015 tenha sido ainda mais. De 28 problemas ambientais seriamente analisados em 2014, metade foi constada como causada pelas mudanças climáticas do homem. O El Niño, fenômeno do aquecimento das águas do Pacífico, foi mais forte que o normal e afetou o mundo inteiro. Isso fica a parte de discussões, são fatos científicos que comprovam a importância de uma ação urgente para o clima.

Enfim, a boa notícia é que aqueles que decidem nosso futuro vão cada vez mais entendendo que a questão climática não é um jogo de soma zero, no qual uns ganham e os outros perdem. Isso vinha por muito tempo tomando conta do cenário, já que países em desenvolvimento acreditam que podem poluir mais até atingir um nível estável como o dos desenvolvidos, que poluíram por anos sem restrições. É um argumento importante, mas que deve ser colocado de lado pelo simples fato de que se fracassa um na questão do clima, fracassam todos.

E as soluções na COP21 de Paris foram interessantes. Um acordo firmado por 195 países (Kyoto só tinha 37) indicou que todos devem reduzir suas emissões de tal maneira que a temperatura no fim do século não suba mais do que 1,5 grau, uma redução importante já que nas condições normais, esse aumento seria de 4 graus. E é bom ver que a intenção inicial era de que a meta fosse de 2 graus, mas uma iniciativa liderada pelas Ilhas Marshall, fortemente afetada, colocou todos em uma resolução melhor.

A questão entre desenvolvidos e em desenvolvimento ficou acertada em um fundo anual de 100 bilhões de dólares financiado pelos mais ricos para ajudar os menos favorecidos. A divisão é complicada, mas é o menos importante. O outro dado econômico que leva ao otimismo no ano é a queda no preço do petróleo, a menos de 40 dólares o barril, lembrando que há pouco tempo o produto passava dos 100 dólares, o que em curto prazo pode aumentar a utilização, no entanto a longo beneficia investimento nas energias renováveis.

É o suficiente? De forma alguma. O cenário é tão terrível quanto o que vão plantar? Nem tanto. Mas que venha 2016, com suas notícias ruins na imprensa e com seus avanços valendo, nem que seja por de baixo dos panos.

Obs: Budweiser e Bira, papai faz isso pensando em vocês.




segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Obrigado? É pouco

Duas vezes já fui enquadrado naquelas discussões que não levam a lugar nenhum, só fortalecem a amizade, mas são ruins de perder igual a uma partida no FIFA com um gol aos 90 minutos. Nas duas o tema era minha idolatria por Rogério Ceni (M1TO), e foram bem parecidas:

-Kibe, o que você vê tanto nesse cara?
-É o maior ídolo do São Paulo, ganhou vários títulos, dedicou a vida ao time.
-Mas Raí, vários outros ganharam até mais títulos, só saíram porque não eram goleiros, ganharam as Copas do Mundo que você valoriza tanto...
-Mas ele é o maior goleiro artilheiro da história, fez algo inédito na posição, revolucionou o modo de defender.
-Ok, mas e se um meia batesse os pênaltis e as faltas? Não dava no mesmo? Por que o goleiro? Só pra ser diferente?
-Mas não é só isso, ele foi totalmente diferente, tem personalidade, motiva o time, é chato quando tem que ser, coloca ACDC no vestiário...
-Eu sou chato, tenho personalidade, motivo as pessoas, e ouço ACDC onde eu estiver.
-Bom (esse é o momento que se o tema fosse política, economia, culinária, moda, ou qualquer outro assunto que dois amigos sem nada pra fazer estiverem a fim de discutir, poderia representar um nocaute). Eu até concordo com alguns pontos, mas...
-Mas o que? Eu quero saber.
-Futebol não é exato, não pode ser só fatos. Você sente e pronto, se eu pensasse tanto antes de torcer eu xingaria o juiz mesmo sabendo que foi falta contra o meu time, e que ele é um profissional absolutamente mal preparado pelas milionárias e corruptas federações que dão salários enormes aos seus membros, mas não dão condição da arbitragem se dedicar exclusivamente ao dever dela? Chamaria alguém que sempre passou dificuldades de mercenário só por aceitar uma proposta ótima do exterior?
-É Kibe, acho que entendi...
-Acha que...
-Não, tá certo, deixa seu ídolo. Mais uma Brahma?

Deixando os porquês a parte, só tenho a agradecer. Agradecer aquele que me inspirou a bater uma falta quando eu achava futebol chato, já que minha habilidade mal me permitia ficar no gol pra completar time. Agradecer por aquela bola, que eu fechei os olhos e chutei de bico, ter entrado e eu sentir pela primeira vez o que era fazer um gol. Agradecer por depois daquilo, ter me tornado um oportunista nato dentro da pequena área, apaixonado por fazer gols e com o futebol como melhor passatempo (oportunista nem tão nato, mas não com menos amor). Agradecer por ter tido alguns dos melhores momentos da minha vida, assim como os grandes amigos, graças ao esporte bretão.


E não sei se agradecer é forte o suficiente para falar da alegria que sinto de torcer pelo gigantesco São Paulo Futebol Clube, graças ao senhor. Os vários momentos felizes que esse clube maravilhoso me proporcionou vão ficar para sempre na minha memória, estando mais ou menos afastado do futebol, que graças ao senhor, M1TO, aprendi a amar.

Não tenho esperança de ver a Libertadores torcendo e me emocionando do mesmo jeito que quando o senhor jogava. Não só por isso, a paixão esfriou e os oito jogos na televisão por semana deram lugar a um máximo de três, acompanhados de leitura sobre o financiamento suspeito de times. Pelo menos vê-lo no gol e lembrar-se das defesas fantásticas ou da minha primeira alegria no futebol não vai dar espaço à indignação com empresários corruptos.

Espero que o senhor saiba, que as palavras de agradecimento que faltam neste momento, podem simplesmente dar espaço a xingamentos assim que o senhor voltar ao São Paulo em outra função. Mas acho que não preciso me preocupar, já que o chato pra caralho, goleiro comum embaixo das traves, velho e acabado sempre deu a volta por cima e para como o maior atleta que eu vi atuar. Obrigado M1TO. Até breve. 


domingo, 22 de novembro de 2015

Homer Simpson e o terrorismo

Em um dos brilhantes episódios de Simpsons, infelizmente não me lembro qual, Homer parecia em uma situação desfavorável, até que solta a seguinte frase: "Você só não contava com uma coisa: a minha indiferença com a vida humana." Isso serve bem para definir a volta das atenções à Al Qaeda depois do último ataque em um hotel no Mali.

Diversas pessoas depois dos atentados de Paris desmereceram a capacidade da Al Qaeda em detrimento do Daesh (ISIS). A questão é que quando se lida com gente que acredita que não tem nada a perder, as análises não podem ser comuns como, por exemplo, dizer que o Reino Unido não tem o mesmo poder de antes ou que a China virou um grande ator global. Basta a oportunidade para um tipo de ação como a atentado em Bamako, que matou 27 pessoas, que pronto, um grupo volta a ter destaque.

É fato que a Al Qaeda não é tão forte quanto na última década, quando além do 11 de setembro, o grupo cometeu ainda grandes atentados em Londres, Madri (o maior da Europa) e Bali. Ainda assim, com suas ramificações, consegue ser um ator fundamental em pelo menos quatro grandes conflitos: Al Qaeda do Magreb Islâmico no Mali, Al Qaeda da Península Arábica no Iêmen, Al-Shabab na Somália e Frente Al Nusra na Síria. Além disso, há diversos grupos que já pelo menos declararam se aliar aos ideais destes terroristas em muitos locais, como Afeganistão e Filipinas.

O Mali reúne praticamente todos os elementos perfeitos para a ascensão de uma ramificação radical como a Al Qaeda. País paupérrimo é palco de grande instabilidade desde a chamada Revolução Tuaregue em 2012, que foi sufocada com tropas francesas. Ou seja, possui diversos jovens frustrados e indignados dispostos a morrer por uma causa aparentemente justa. O ataque ao hotel visava matar estrangeiros, que nesse tipo de situação, são vistos apenas como ocidentais e a nacionalidade de fato faz pouca diferença.

O que vale para a enfraquecida Al Qaeda, vale para a preocupação do momento, Daesh. Ações contra estes grupos podem surtir efeitos importantes contra o terrorismo, como vimos no caso da rede de Osama Bin Laden, que alguns chegaram até a pensar que estivesse acabada. A intervenção na Síria e no Iraque provavelmente vai diminuir muito o poder do Daesh, mas enquanto a ideia de jihadismo destes terroristas não for derrotada, o cenário será apenas a morte de mais jihadistas.

O caminho para isso passa por uma discussão sobre quem de fato financia o terrorismo pelo mundo, além de colocar em pauta a vertente wahabista do islã que vem sendo exportada há anos pelo regime saudita e é a base de grande parte dos grupos extremistas islâmicos. Mas estes são temas que uma hora ou outra vão ter de ser abordados.

O foco é que a análise de grupos extremistas não pode ser feita de maneira simples, já que a grande arma destes normalmente é a total indiferença com a vida humana, o que como estamos assistindo, pode ser mais valioso que um serviço de inteligência de qualidade e um exército bem armado.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

O texto do Estadão que nos denunciou

Não é o tipo de momento que me sinto mais a vontade para escrever sobre o tema da atualidade, e felizmente não depender disso hoje profissionalmente permite meu silêncio. Acho que visões complexas ficam perdidas em meio à infinidade de informação que recebemos depois de uma tragédia como a do último dia 13, e prefiro então tentar absorver o que tem de mais útil.

Eu fazia isso no domingo até me deparar com o texto “Por que a França” no Estadão. A opinião do correspondente na França, Gilles Lapouge, tinha bons elementos, dos quais eu concordo bastante. Tudo ia muito bem, em uma análise que saia da obviedade dos principais motivos do ataque ter se direcionado à França que ouvimos no noticiário, até a seguinte frase: “O EI não perdoa a França por ter assinado, em 1916, o acordo de Sykes-Picot, que desmantelou o Império Otomano e dividiu seus despojos entre a França, que recebeu o Líbano, e a Inglaterra, que ficou com a Síria.”. Eu concordo com a ideia, e voltaremos nela, mas há algo grave e vou explicar.

Não é demérito nenhum não conhecer o acordo de Sykes-Picot. A questão é que as fronteiras artificiais definidas por ele são fundamentais para entender os conflitos de hoje no Oriente Médio. Há um enorme ranço de parte das populações dominadas pelo Império Britânico (termo bem melhor que “Inglaterra” usado) e a França. Agora, o acordo previa que a Síria ficaria sobre influência francesa, enquanto Jordânia, Palestina, Iraque e uma parte do Kuwait ficariam com os britânicos (só por curiosidade, ai se dá a escalada do conflito árabe-israelense). Tudo bem o autor do texto ter errado, quem sabe pode até ter sido algo na tradução. O ponto que quero chegar se refere aos comentários.

Imagine um texto sobre o Tratado de Tordesilhas, mas nele há a informação de que o ocidente ficaria com Portugal e o oriente com a Espanha. Seria algo completamente incorreto e que inverteria a intenção do tratado. Foi isso o que aconteceu com o texto sobre Sykes-Picot. Qualquer pessoa que tivesse de fato interessada em saber um pouco mais sobre a origem de conflitos no Oriente Médio teria feito uma simples pesquisa sobre o acordo, notado a falha gigantesca e feito referência a ela. Procurei bastante e ninguém havia feito isso.

Em compensação, teóricos da conspiração sobravam nos comentários criticando o imperialismo atual das grandes nações. Os solidários por Mariana, que podem fazer doações além de falar na internet, questionavam o imenso espaço dado à tragédia francesa. Islamofobia, xingamentos a Dilma Rousseff e outras coisas típicas dos comentários recentes, também tinham seu lugar. Não sei se fiquei acostumado com o Globoesporte, mas senti falta de menções ao campeão de 87.

O que essa situação simbólica demonstra é que podemos até estar dispostos a sermos todos Mariana, Paris, Beirute, Maiduguri e onde mais alguém estiver sofrendo. Mas enquanto seguir faltando a hashtag #SomosMenosIgnorantes, o desconhecimento e o preconceito vão seguir reinando até o próximo momento de comoção, seja com grande atenção da mídia ou não.

Foi algo como eu disse bastante simbólico e que infelizmente representa boa parte de nós, seja neste caso especifico ou em outros assuntos. Mas em contrapartida gostei da quantidade de pessoas pesquisando e perguntando sobre os contextos da tragédia. Acredito que apesar de problemas como o caso aqui retratado, muitas pessoas vêm buscando conhecer mais sobre termos tão discriminados hoje em dia como árabes, Oriente Médio, Islã, muçulmanos e o mais importante: descobrir que não são nem um pouco sinônimos de terrorismo.

E sim, concordo muito na influência que o Sykes-Picot tem na escolha da França como alvo. Mas é assunto pra depois.

                                                                Acordo de Sykes-Picot

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Brasil decime qué se siente...

A ideia da continuidade de um regime político por mais quatro anos, após permanecer doze no poder, sendo ameaçada, o que era impensável em prévias das eleições é só mais uma das semelhanças entre as tentativas do PT e do kirchnerismo de um quarto mandato. A insatisfação que levou votos para a oposição não difere muito entre Brasil e Argentina: mau desempenho econômico gerando elevação de taxas de desemprego, inflação, esquemas de corrupção e acusações de má gestão de recursos.

A aposta que elevou o Brasil a uma potência econômica durante o governo Lula e que tirou a Argentina da situação deplorável que se encontrava em 2001 foi uma aproximação com a China, especialmente na exportação de commodities. A desaceleração do crescimento chinês complicou a economia dos dois países, que haviam utilizado da expansão econômica para aumentar gastos do governo em detrimento de reinvestir os ganhos.

O resultado foi de um panorama ruim após o fim do boom, mas não para uma oposição até então enfraquecida por conta do sucesso das políticas de distribuição de renda. Antes das eleições, a maior discussão de quem analisava o pleito argentino era se o candidato governista, Daniel Scioli, conseguiria a quantidade de votos necessária para vencer ainda no primeiro turno, para tanto deveria alcançar no mínimo 45% destes, ou pelo menos 40% e uma margem de diferença maior do que 10 pontos porcentuais sobre o segundo colocado. No fim das contas, o candidato da oposição, Mauricio Macri, ficou com praticamente 2% a menos de votos do que o rival, levando as eleições mais acirradas da história da Argentina pós-ditadura para um segundo turno.

Até a morte de Eduardo Campos, que alçou Marina Silva a uma real chance de vencer as eleições presidenciais de 2014, Dilma Rousseff aparecia com uma larga vantagem nas pesquisas frente ao segundo colocado Aécio Neves. Em dados momentos, analistas desacreditaram totalmente nas possibilidades do opositor de se tornar presidente. No entanto, uma série de fatores como a evolução das denúncias de corrupção do governo petista e a campanha ferrenha de desconstrução de Marina por parte da situação, criaram um cenário que tornou o segundo turno das eleições o mais acirrado desde o retorno da democracia brasileira. Em algumas pesquisas, Aécio chegou a aparecer na frente de Dilma.

Os argumentos de desconstrução do adversário são parecidos entre os dois candidatos governistas. Frequentemente o nacionalismo é invocado para defender uma não aproximação com os Estados Unidos, proposta pelos opositores. O apelido de “candidato dos mercados” é usado tanto para denominar Aécio quanto Macri. As críticas pessoais não são tão diferentes, sendo os dois considerados por alguns como “playboys”: o argentino é um empresário que já foi presidente do Boca Juniors, enquanto o brasileiro tinha as facilidades conseguidas por conta dos cargos de familiares muito lembradas. Até as esposas dos dois não foram de todo esquecidas.

O fator determinante são os cerca de 20% dos votos dos terceiros colocados. Apesar do apoio declarado por Marina Silva, Aécio não conseguiu capitar a parte necessária deste eleitorado e acabou derrotado no segundo turno. Na Argentina, Sergio Massa detém essa parcela dos eleitores que será fundamental tanto para Scioli quanto para Macri.

Scioli é governador da província de Buenos Aires, onde os kirchneristas perderam boa parte dos cargos na eleição de domingo. Isso pode contar a favor de Macri, prefeito da capital argentina. Mas fazer previsões para o pleito do dia 22 de novembro em um cenário que surpreendeu tanto é complicado.

Gostaria de destacar quatro vitórias da democracia argentina: foi realizado para estas eleições o primeiro debate televisivo entre os presidenciáveis desde a redemocratização, ainda que sem Scioli, que já anunciou que participará contra Macri no segundo turno. A realização de um segundo turno já é uma boa amostra de que a pluralidade de pensamentos está mais presente na política. Além disso, um dos principais temores quanto a essas eleições não passou nem perto de ser um destaque: as fraudes eleitorais, infelizmente comuns por conta da utilização de cédulas. E por fim, parece que depois de muito tempo é possível falar da política hermana sem citar Perón.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Como seriam os países mais ricos do mundo no Brasileirão?


É óbvio que o que vou tentar fazer aqui é impossível de ser algo exato e levado como uma verdade incontestável, por um motivo muito simples: futebol não é geopolítica, muito menos economia e os times brasileiros são bons exemplos disso. Ainda assim, acredito que esse tipo de comparação tende a ser válida para tornar termos complexos mais palpáveis ao cotidiano. O que estará em questão aqui é a avaliação dos mercados para as 20 maiores economias do mundo nos últimos anos, sem necessariamente levar em conta o tamanho do PIB ou a importância do país.

O Brasil seria como o Fluminense, fez algumas escolhas controversas, com aviso prévio de boa parte da mídia. Essas acabaram criando conflitos internos, culminando em resultados ruins que só acirraram os ânimos de todos e geraram ainda mais desconfiança. Seria um time de meio de tabela caso não fosse a apresentação de um relatório deficitário nas contas públicas, e como muitos sonham no futebol, o mercado acabou agindo como um fair play financeiro, tirando boa parte da confiança no Brasil e colocando o país próximo da zona de rebaixamento. Os dois tem um problema claro de estrutura, já que o Fluminense não tem uma defesa confiável desde quando Thiago Silva era do clube, e o Brasil, apesar do crescimento, nunca fez os investimentos necessários em infraestrutura, o que nesses tempos de crise se mostrou um grande equívoco. A situação é muito ruim, mas vale lembrar que ainda se trata da elite econômica global e que já superamos adversidades maiores, não vamos sequer precisar de viradas de mesa. E claro, assim como no Brasileirão que tem o Vasco, há gente pior.

Um líder falastrão autoritário, que gosta de se meter onde não tem mais como apitar tem muitos anos. Putin ou Eurico, o fato é que a semelhança entre as duas figuras ajudou a colocar tanto a Rússia como o Vasco no fundo do poço. Soma-se a isso a extrema dependência de peças que há alguns anos renderiam bastante, mas que não estão bem hoje em dia, como Dagoberto, Guiñazu, petróleo e gás natural.

Com constância no topo e ótimos resultados nos últimos anos, a China seria o Corinthians. O fato dos dois serem tão importantes e estarem bem faz com que qualquer crise, seja uma queda na bolsa ou um resultado ruim fora de casa, tenha enorme repercussão e já coloque em cheque todo o êxito dos últimos anos. Ainda assim segue no topo, mesmo com os alardes na imprensa.

O Flamengo seria a Índia. Enorme, mas normalmente com uma administração confusa, às vezes se acerta e consegue grandes resultados que animam a todos, especialmente a mídia. Os resultados econômicos indianos já viraram rotina em publicações como a The Economist e a figura do atual primeiro ministro, Narendra Modi, já é tão comum nestes espaços como a de Paolo Guerrero nos tabloides cariocas. O topo do mundo ou o hepta sempre são logo ali, mas às vezes tem problemas no caminho.

Inter e México fizeram grandes investimentos, apareceram muito bem na imprensa, no entanto velhos problemas acabaram complicando o seguimento dos dois. Em um caso, o fato de deixar o Brasileirão de lado, que já não ganha desde 1979, e o excesso de medalhões rendendo pouco. No outro, corrupção e narcotráfico, problemas tipicamente latinos.

A maior potência no cenário internacional não vive grandes momentos desde 2008, alternando fases ruins e estabilidade, mas sem ser o protagonista de outrora. A economia dos EUA se recupera a passos lentos, enquanto o São Paulo faz bons jogos no campeonato brasileiro. Os dois tem um problema que parece latente e nunca se saem bem, no caso dos americanos, o complexo Oriente Médio, já para os são paulinos a Copa do Brasil, que as últimas eliminações: Bragantino, Coritiba e Avaí, fazem parecer a competição mais complicada que conflitos sectários.

Tanto o Palmeiras quanto a União Europeia já foram bem mais imponentes no passado, no entanto de uns tempos para cá, decisões equivocadas acabaram atrapalhando ambos e enormes crises se instalaram. A medida encontrada foi a austeridade, que por momentos criou graves problemas, como no quase rebaixamento do Verdão no ano passado, ou o caos que se instaurou em economias mais frágeis, o que é evidente no caso grego. Ainda assim, parece que as coisas se estabilizaram, a Europa voltou a crescer a passos curtos, e o Palmeiras faz boa campanha no Brasileirão brigando pelo G4. E um aviso aos europeus, a extrema-esquerda contra a austeridade do Syriza e do Podemos não são nenhum Gabriel Jesus, ou seja, um achado raro que vai ajudar as coisas a se resolverem mais rápido.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

A humanidade em uma lente

Na medida em que você ouve e lê relatos sobre as atrocidades da humanidade, esses parecem cada vez mais perderem a capacidade de comover e nos fazer lembrar de que aquilo se trata de outros seres humanos. Uma frase creditada a Stálin diz que “Uma única morte é uma tragédia, um milhão de mortes é uma estatística”, e ilustra bem isso. Recentemente li um dos livros que considero entre os mais difíceis da minha vida, “Gostaríamos de informa-lhe de que amanhã seremos mortos com nossas famílias” trata do genocídio de Ruanda e relata como vizinhos de uma hora para outra passaram a matar famílias inteiras com facões simplesmente por uma suposta diferença entre etnias. Não consegui ler dois capítulos seguidos sem uma longa pausa para lamentar.

Outra obra que tive acesso há pouco, “A Civilização do Espetáculo”, do Nobel Mario Vargas Llosa, trata exatamente da diferença que as imagens têm de nos mobilizar em comparação aos outros meios. Nestes últimos tempos eu já havia ouvido e lido sobre as maiores barbaridades cometidas pelos três lados da Guerra da Síria, ficado chocado com o número estimado de mortos no ano passado, mais de 70 mil, no entanto a foto do menino morto na praia, tentando fugir dos horrores que lutamos para entender, teve um impacto sem precedentes.

Não sei se a comoção pelo caso se dá pelo fato de praticamente todos nós conhecermos, e termos enorme carinho, com alguma criança de idade parecida, ou meramente pelo tão perturbante e surreal que é aquela imagem. A questão é que o drama dos refugiados e o desastre na Síria tomaram outra esfera de mobilização depois do caso. O problema disso, que é o endossado na obra de Llosa, é que a mesma capacidade que uma foto tem de comover, ela pode ter para alienar sobre o seu real significado.

O que ocorreu naquela praia turca foi um reflexo de um drama vivido por milhares de pessoas em um país devastado por uma guerra, que cabe a nós refletirmos, interessa a quem? A outra parte da história são as péssimas condições que os refugiados enfrentam para tentarem parar de lutar pela sobrevivência e passarem a ter uma vida. O impacto que uma imagem como essa tem em nossos instintos é perigoso, já que vale lembrar que a revolta gerada pelos vídeos do 11 de setembro acabaram dando embasamento para a invasão do Iraque, uma operação desastrosa que tem inclusive como consequência a atual Guerra na Síria que vitimou o pobre menino. A falta de racionalidade em uma situação como esta, pode acabar levando a adoção de medidas equivocadas, em um momento que apesar das enormes dificuldades, Irã, EUA e Rússia parecem estar concordando em uma estratégia comum, o que seria um grande passo para o fim da catástrofe.

Enquanto isso na Europa, não podemos nos esquecer da quantidade enorme de movimentos xenófobos, que inclusive vêm se refletindo na política. A Suécia, famosa pelo bom trato aqueles que precisam de ajuda, elegeu recentemente para cargos legislativos políticos de ideologia próximas ao neonazismo. Na França, o berço dos atuais princípios democráticos, quem lidera as pesquisas para as eleições do próximo ano é Marine Le Pen, da Frente Nacional, famosa pelas tentativas de combate aos imigrantes. Seu pai, Jean-Merie Le Pen, fundador do partido, chegou a declarar que o “Sr. Ebola” seria a solução para os problemas relativos à migração, em uma frase indigna de ser comentada.

A reação frente a uma imagem como aquela, tende a não ser das mais fáceis. O El País decidiu sequer publicar a imagem, enquanto outros veículos de igual prestígio quiseram demonstrar o drama que a foto representa. Chorar, se indignar, ou qualquer outra coisa nesse sentido é absolutamente comum. Mas não devemos nos esquecer de tentar buscar as soluções para que nunca mais tenhamos de nos deparar com uma imagem como esta e lembrar que lágrimas não servem apenas para lubrificar os olhos.


Descanse em paz Aylan Kurdi.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Dilma no Divã

Vejo sintomas na personalidade de Dilma que podem ter ajudado a colocar o Brasil na profunda crise atual. O motivo é que apesar de discordar em quase tudo da presidente, vejo grandes semelhanças no modo de agir dela com o meu.
Dilma é economista formada na Unicamp, graduação famosa no Brasil pelo viés de esquerda keynesiana. Eu me recuso a acreditar que durante seu primeiro mandato, Dilma não foi avisada das grandes implicações que a manutenção da política econômica brasileira em meio a uma projeção de dificuldades no cenário internacional, faziam com que a continuidade de elevados gastos sociais sem reinvestimento em infraestrutura pudesse colocar o Brasil onde está. Acredito que a presidente deva ter ouvido os avisos, agradecido por estes, no entanto dito que havia sido eleita com as propostas de não cortar benefícios sociais, e que daria a última palavra, por conta de seu cargo. Deu no que deu.
Se Dilma fosse uma ministra da Fazenda que tivesse dado os avisos e estes tivessem sido dispensados pelo presidente, acredito que ela teria simplesmente feito um ultimato, dizendo que não colocaria seu nome em risco por conta de uma política que não era aquela com a qual ela concordava. A postura se repetiu na articulação política, com a enxurrada de ministros que foram demitidos por Dilma no começo do seu primeiro mandato, o que certamente estremeceu sua relação com a base aliada que hoje em dia é sua maior inimiga. Sem dúvida, houve aviso.
Dilma fez seu mandato de 2011 até as eleições de 2014. Com o país em crise e sua popularidade em baixa, a presidente viu que para manter o poder deveria começar a compor um governo, e óbvio, não gostou disso. Para uma economista ver sua política econômica aplicada durante quatro anos levar o país à ruína, e depois ter que chamar um liberal com uma visão completamente diferente da sua para dar uma guinada totalmente oposta no país, não é fácil.
O mesmo vale para a articulação política, que ficou com o vice Michel Temer, praticamente decretando a soberania do PMDB no poder. A presidente de certa forma terceirizou seu mandato, delegando a economia e a composição do governo a duas visões diferentes da sua e parece que dificilmente vai mudar isso. O resultado é a apatia de Dilma, que parece simplesmente querer a chegada de janeiro de 2019 logo, com o menor número possível de bobagens ditas em seus discursos, e finalmente descansar tranquila deixando picuinhas e ofensas de lado. A lista de interessados pela posição é grande e não quer de forma alguma esperar até as eleições de 2018.
Em uma comparação esdrúxula, mas acho que motivada pelo mesmo fim, acredito que Dilma, assim como eu, detestava trabalho em grupo na escola ou na faculdade. Ela só devia aceitar duas maneiras para fazer tal: ou escolhia e mandava em tudo, independente do que qualquer colega falasse, como seu primeiro mandato; ou simplesmente ficava de lado, sem participar de nada, apenas ouvindo e torcendo para tudo aquilo acabar logo e enfim ela poder tomar uma cerveja no Sebá, assim como seu segundo governo. Talvez a parte do Sebá não seja coisa exatamente da Dilma, mas dá no mesmo.
A questão é a seguinte: há um governo. Ele é composto por deputados, senadores, ministros e boa parte das pessoas mais competentes de um país para fazê-lo funcionar da melhor maneira possível. O líder disso tudo deve saber ouvir e tomar a melhor decisão possível, depois de intensas discussões para saber qual é esta. Eu quero ser um jornalista, não um político, exatamente por saber que eu não sei fazer isso. Se cinco anos atrás alguém também tivesse tomado essa decisão, provavelmente estaríamos bem melhores.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

O Prêmio das Delações

É bem complicado falar sobre a política de um país em que o resultado de uma investigação tem mais impacto do que as próprias peças do cenário. Soma-se a isso a clara divisão criada no país desde as eleições do ano passado em que comentários um pouco mais críticos ao governo podem levar a uma sentença de golpismo e em contrapartida um elogio já é quase uma nota fiscal para demonstrar que você foi comprado pela situação. Se alguém ainda não percebeu isso, faça o seguinte exercício: abra uma notícia sobre política de um jornal estrangeiro e leia os comentários. Há discussões e argumentos e poucas vezes vi Angela Merkel ser chamada de vaca ou Isaac Herzog ser acusado de golpista.
Claro que o cenário de crise política deriva em grande parte dos fracassos econômicos recentes do Brasil e que enquanto inflação e desemprego estavam controlados, os nomes do vice, do presidente da câmara e do ministro da Fazenda sequer eram de fato conhecidos pela maioria. A partir do momento que uma eleição termina com a oposição fortalecida e o mais alto escalão do governo sob suspeita em uma investigação, o cenário se faz perfeito para a disputa pelo poder.
O PMDB soube explorar isso muito bem, exemplo foi a articulação política ter ficado com Michel Temer com menos de seis meses de novo governo. Uma movimentação que deixou claro que desta vez o partido seria protagonista. A presidência da câmara foi a grande vitória do PMDB que se aliou a oposição e se impôs sobre um governo enfraquecido e que tinha cada vez menos apoio. Medidas de grande apelo popular, junto a uma enorme quantidade de votações que dão a impressão de que a câmara está de fato trabalhando, levaram a Eduardo Cunha uma popularidade alcançada poucas vezes por alguém em seu cargo na história do Brasil. Junto a isso, a alcunha de primeiro-ministro, que se fez cada vez mais verdadeira com a apatia da presidente, o que levou a até comparações desta com a Rainha da Inglaterra.
Tudo indicava que Cunha só esperava o momento certo para romper de vez com o governo, e com sua enorme base de apoio, de fato se consolidar como a principal força política do país, dominando a câmara enquanto a presidente ficava com uma aprovação abaixo dos 10%. Eis que uma delação colocou o político em uma situação complicada, com indícios de que teria recebido 5 milhões de dólares nos esquemas que assolam o país. Cunha agiu rápido e rompendo sua ligação com o governo, conseguiu uma manchete que ofuscou a acusação. Ainda assim a perda de capital político foi enorme e boa parte dos quadros que o apoiavam incondicionalmente não vão querer ter seus nomes ligados a um caso de corrupção. É cedo para decretar seu fim político, ainda assim o primeiro-ministro de sucesso meteórico vai ter que segurar suas aspirações por um tempo.
Com o PT se desgastando cada vez mais, a alternativa para muitos políticos com medo de arranhar sua imagem foi atacar o partido, óbvio, criticando a corrupção e ganhando apoio popular. Marta Suplicy encabeçou o movimento e inclusive rompeu com o PT. Lula, visto como o Dom Sebastião brasileiro, na lenda o rei português que retornaria depois de anos para salvar o país, cada vez mais se distância do governo e já dá mostras de que pode se inspirar em José Mujica e criar uma Frente Ampla de esquerda. Tudo isso, claro, contando que os resultados das investigações permitam a carreira do Dom Sebastião tupiniquim, assim como seu estado de saúde.
O esgotamento do PT fragmentou o principal partido da oposição (a maior oposição é interna, sem dúvidas), o PSDB vê 2018 como momento ideal para vencer as eleições e evidentemente o quadro paulista liderado por Alckmin e Serra não está satisfeito com o candidato natural do partido, Aécio Neves para as eleições. A disputa interna pode dificultar a campanha do partido, assim como a participação de um candidato do PMDB, que é praticamente garantida.
30%. Segundo a agência de classificação de risco Eurasia, uma referência no mundo, essa é a chance de Dilma Rousseff não terminar o mandato. O número é muito alto principalmente levando em conta que ainda faltam mais de três anos para a presidente. A agência demorou muito para aumentar de 20% para 30% a possibilidade e há grandes indícios políticos de que a oposição, apesar de resistência interna, se movimente para um impeachment, e não, isso não tem nada com golpe. Todo este cenário depende do prosseguimento das investigações da Lava Jato e que CPI’s como a do BNDES não sejam abertas, já que estas podem tornar tudo ainda mais complicado para o governo.
Há chances para Dilma e o PT? Acredito que sim, apesar de vencer 2018 sem Lula ser praticamente impossível, uma recuperação econômica pode colocar o partido a ser de novo uma força importante, ainda que não para cargos majoritários. O rompimento de Eduardo Cunha junto às denúncias ao deputado pode ter sido a primeira boa notícia para os governistas em muito tempo. O fato é que 2018 está muito longe e quando o juiz Sérgio Moro passa a ser uma figura mais ativa politicamente que Dilma Rousseff e suas mandiocas, alguma coisa não está certa. A justiça tem seu preço.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

É a Economia, estúpido

O título é uma referência à campanha de Bill Clinton em 1992, que buscava mostrar que os problemas dos EUA no geral começavam com o mau momento econômico do país. No Brasil em 2014, excetuando aqueles que dizem não ver a crise e que vão achar tudo isso sem sentido, os problemas políticos não podem ser dissociados do difícil momento econômico que o país atravessa. Incompetência administrativa, gastos públicos excessivos e a corrupção aparecem como os principais vilões, mas há questões além dessas.
As dificuldades começaram a aparecer no meio do governo Dilma, um grande marco para entender como o desempenho econômico de um país é visto no estrangeiro são as referências a este na The Economist. Em meados daquele ano, uma capa da revista foi a do Cristo Redentor desgovernado no céu do Rio de Janeiro. Quatro anos antes, quando as medidas do governo viviam seu auge e como Lula disse, a crise financeira mundial havia atingido o Brasil apenas como uma “marolinha”, a capa da mesma revista era a mesma estátua, decolando. O interessante é que as mesmas apostas que salvaram o Brasil do momento delicado em 2008 nos colocaram neste.
Externamente o PT aplicou uma ousada aproximação com a China e um consequente distanciamento dos EUA, tradicional parceiro. A isso, somou-se a união entre os vizinhos que faziam parte do MERCOSUL, e que assim como o Brasil, possuíam uma estratégia de distância dos ianques. A estratégia deu certo durante o auge do crescimento chinês, salvou a Argentina da enorme crise de 2001, levou grande desenvolvimento social a Venezuela e Brasil e ajudou Paraguai e Uruguai. Vender principalmente commodities à China para sustentar sua invejável infraestrutura se mostrou um grande negócio. O problema é que os governos de imenso apelo populista não reinvestiram dinheiro em infraestrutura por aqui, deixando seus países altamente dependentes de vender matéria prima aos chineses.
Por outro lado no continente, Peru, Colômbia e Chile não deixaram de exportar para a China, ainda assim, sem o que ficou conhecido como “amarras do MERCOSUL”, estes países buscaram ampliar seu comércio, principalmente para o promissor mercado do Pacífico. Só para se ter uma ideia, o país que mais deve crescer este ano é Papua Nova-Guiné, com os assustadores 15%, sendo um bom representante do que investir nas economias pouco desenvolvidas dessa região do mundo pode render. Colômbia e Peru lideram com sobras o crescimento na América do Sul, com médias entorno de 4% de aumento no PIB nos últimos anos, enquanto vale lembrar que Brasil, Argentina e Venezuela beiram a recessão.
O ciclo de crescimento absurdo chinês começou a dar mostrar de estar saturado. Com a adesão da paupérrima Bolívia recentemente, o que restou no MERCOSUL para o Brasil foi uma Venezuela absolutamente arrasada pela baixa do petróleo, uma Argentina em grave crise, um Paraguai que sequer conta com saída para o mar. A melhor condição fica com o Uruguai, um país com uma população equivalente a da Grande Salvador e que não pode ser considerado um grande parceiro para sustentar a sétima economia do mundo.
Internamente, apostar em crédito fácil e concessões como a redução do IPI, resolveu em um primeiro momento. O Brasil não sofreu com o desemprego, as indústrias seguiram em um bom nível e o país não foi fortemente afetado. O problema é que não dá para apostar para sempre que a população seguirá comprando carros e os chamados eletrodomésticos da linha branca todos os anos, o que acarreta que em um momento de desconfiança como este, as compras começam a cair, o resultado é crise no setor e o enorme número de demissões a que assistimos diariamente.
Altas da taxa de juros e do dólar são dois dos principais remédios para o problema. Apesar de poder atrapalhar planos em curto prazo, é graças à desvalorização do real que não temos nem chances de virar uma Grécia. O fato da moeda grega não poder ficar mais barata, e, portanto as exportações ficarem mais competitivas, sem aprovação da Zona do Euro talvez tenha sido o grande vilão do atual momento grego. Os juros ajudam a atrair investimento estrangeiro, e usando o parâmetro dos principais veículos internacionais do assunto, o Financial Times e a The Economist, parece que o Brasil vai retomando a confiança. No começo do ano, o FT chegou a inclusive a publicar um artigo que listava dez motivos pelos quais Dilma não terminaria o mandato. Os elogios a Joaquim Levy, chamado de “Chicago Boy” por conta de sua formação acadêmica também são frequentes nas publicações.
A medida é difícil de aceitar, mas tem de ser a austeridade. Voltando ao começo do texto, realmente há enormes gastos no governo e só o corte de muitos podem colocar o país na reta do crescimento e trazer de volta a confiança internacional. O problema são os desdobramentos políticos disso e o que ainda não veio à tona. Assunto para logo.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

O Estado Islâmico pode ajudar a resolver a Questão Palestina?

O fenômeno político recente, que divide a Palestina, deixou este conflito tão complexo ainda mais complicado e com uma resolução parecendo cada vez mais longe. Desde a escalada de violência no começo dos anos 2000 e a morte de Yasser Arafat, líder da Autoridade Nacional Palestina, em 2004, palestinos passaram a se dividir na disputa pelo poder.
O resultado de diversos conflitos internos foi um grupo considerado pelo Ocidente como terrorista, o Hamas, assumindo o controle na Faixa de Gaza, enquanto a chefia da Cisjordânia ficou com a ANP sob o comando de Mahmoud Abbas. A instituição é reconhecida internacionalmente como a representante dos interesses palestinos, cabendo a Abbas a máxima responsabilidade pelas negociações de paz com os israelenses. Já o Hamas é visto como um grupo terrorista por Israel e desde que assumiu o poder na Faixa de Gaza, em 2006, se envolveu em duas guerras com o país, a última no meio do ano passado.
O grupo tem uma ideologia islâmica, e desde a sua fundação é adepto do tudo ou nada para os palestinos, ou seja, uma luta até o fim de Israel e a retomada completa do lugar pelos árabes. A ANP negocia uma solução de dois estados, na qual Israel e Palestina coexistiriam dividindo Jerusalém como capital. Obviamente o crescimento do Hamas como representante dos palestinos deixou Israel mais longe das negociações para ceder seu território, o que pode mudar com o surgimento de adeptos do Estado Islâmico em Gaza.
Uma parte importante dos muçulmanos apoia a ideologia do Hamas, que é respaldada na Irmandade Muçulmana, maior e mais tradicional partido árabe, fundado em 1928 no Egito. Além disso, diversos governos têm boas relações com o Hamas, como Irã e Catar. No entanto a situação na Faixa de Gaza é caótica, com uma das maiores densidades demográficas do mundo e a maior taxa de desemprego do globo. Há uma grande parcela de jovens que se questionam o que o governo fez por eles, sendo ainda mais suscetíveis a ideias radicais do que iraquianos e sírios que gozavam, por incrível que pareça de condições melhores quando aderiram ao ISIS.
O ISIS não entrou oficialmente na Palestina, ainda assim diversas brigadas vem cometendo atentados ou contra oficiais do Hamas e da Jihad Islâmica, outro grupo importante, ou contra o Sul de Israel, e dizendo que fazem estes em nome da ideologia do Estado Islâmico, repreendida por praticamente todo muçulmano. O fato dos ataques terem origem em Gaza faz com que Israel culpe o Hamas por todos, já que o grupo tem responsabilidade pelo território.
O lado bom disso é que na tentativa de conter os radicais que atacam inclusive o próprio Hamas, o governo pode se tornar menos extremo, sendo mais tolerante inclusive a uma ajuda israelense. Do outro lado, Israel pode ver que o governo islâmico que sempre foi visto como a pior opção na Palestina, conta ainda com variações mais perigosas, já que a tendência de extremistas surgirem é enorme em condições difíceis como a vivida em Gaza. Desta maneira, quem sabe o ISIS não contribua para que, sendo um inimigo comum, dois adversários se aproximem.
Claro que há um risco. Se o ISIS realmente crescer na Palestina, Israel não medirá esforços para conter o ataque, o que seria péssimo para todos. Além disso, vale lembrar que o governo do Hamas tem graves problemas, como as dificuldades impostas a vida dos cristãos. Mas a alternativa, como verificamos em outras partes do Oriente Médio com a crucificação de seguidores do cristianismo, prova que pior do que está, fica sim.


terça-feira, 14 de julho de 2015

Acordo para quem?

Enfim a paz chegou ao Oriente Médio? Não. Foi um erro histórico que tornou o mundo um lugar mais inseguro? Provavelmente não. Mas o acordo nuclear do G5+1 (Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha) com o Irã foi um dos maiores acontecimentos desde o fim da Guerra Fria.
Primeiro pelas opções sugeridas ao invés dele: mais sanções ao Irã ou uma intervenção militar. A segunda provavelmente iria causar a maior guerra do mundo desde as duas grandes, tornaria o Oriente Médio um completo caos, atacando um país riquíssimo com quase 80 milhões de habitantes. A humanidade já deu grandes lições de sua estupidez , mas essa ainda assim surpreenderia. A outra dificilmente impediria a fabricação de armamento nuclear pelo Irã e apenas dificultaria ainda mais a vida de sua população, além de não aumentar a oferta de petróleo. Cada um escolhe o que acha pior.
Quem não gostou do acordo, que torna o mundo um lugar mais seguro por pelo menos dez anos, foram os países árabes sunitas, liderados pela Arábia Saudita, além de Israel. A resolução era o principal tema da campanha do primeiro ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que usou o medo da sua população de um vizinho que sequer reconhece Israel como país desenvolver armas nucleares. Apesar das estratégias propostas por ele serem absurdas, como a intervenção militar no Irã, somadas a uma postura israelense hipócrita, já que o país desenvolveu secretamente armas nucleares, Netanyahu usou bem eleitoralmente o temor de sua população e conseguiu se reeleger. E fez isso mesmo com uma das piores avaliações externas de um primeiro ministro israelense na história. Sem dúvidas ele e seu Likud não gostaram do acordo.
O outro lado é mais complicado e pode sim ser o principal ponto de discussão sobre o quanto o acerto é positivo. O mundo ficou mais seguro, já o Oriente Médio em futuro próximo talvez não, mesmo que o Irã não tenha condições de fabricar os armamentos. O regime iraniano dos aiatolás já influencia pelo menos cinco países com populações xiitas. Líbano e Bahrein possuem uma estabilidade maior, fato que não ocorre nas disputas entre sunitas e xiitas pelo poder na Síria, Iêmen e Iraque. É difícil dizer se governos financiados pelo regime ditatorial saudita e seus aliados do golfo são melhores que os que agora terão mais dinheiro iraniano envolvido, com a retirada das sanções sobre o petróleo do país. O fato é que olhando para um espaço de tempo breve, estabilidade na região não deve ser um legado do acordo. Ainda assim, não ter um governo hostil por tanto tempo com armamento nuclear naquela região não pode ser visto como um retrocesso de paz.
Os dois grandes interessados no acordo foram o governo Obama e os próprios iranianos. Uma metáfora que ficou comum nos Estados Unidos comparava o acerto com o Irã à baleia Moby Dick. Obama sabia que apostar todas as suas fichas naquele acordo poderia afundar de vez o seu governo, criticado pela ineficiência. Vale lembrar que duas promessas de campanha, a retirada total de tropas do Afeganistão e o fechamento de Guantánamo ficaram bem longe de serem cumpridas.
Aparecia ali a grande oportunidade para salvar o legado de um presidente que chegou prometendo bastante, levou até um Nobel da Paz por isso, mas ficou bem aquém. As negociações começaram em 2013, quando os democratas ainda tinham maioria na Câmara e no Senado, e na medida em que a situação política começava a virar, inclusive com a perda das duas casas no ano passado, Obama passou a ter pressa. Se houver uma votação contrária ao acordo, ainda caberá o veto presidencial, que por conta do tipo de negociação feita, só pode ser retirado por dois terços do senado. Praticamente impossível. Se um republicano vencer no próximo ano, algo no mínimo difícil, este poderá até tentar invalidar o acordo, mas ainda seria uma tarefa muito complicada.
A pressa de Obama só ajudou o grande beneficiado com o acordo, o próprio Irã. Logo quando o presidente Rouhani fez o anúncio, já ressaltou que o poder de negociação dos iranianos foi formidável. A primeira proposta paralisaria os avanços nucleares do Irã nesta área por 25 anos e obrigaria o reconhecimento do Estado de Israel pelo regime. O final foi um acordo complicado, que diverge entre oito e dez anos de paralisações, mas nada em relação aos israelenses. 
Nas ruas de Teerã o anúncio foi comemorado como um título de futebol. A popularidade do governo que agora terá um grande incremento financeiro está muito alta. Vale lembrar que diferente de boa parte dos países árabes que têm boas relações com os EUA, mas suas populações odeiam os americanos, o governo do Irã vê americanos como inimigos, no entanto principalmente entre os jovens, os ianques são vistos com bons olhos.
É difícil prever se a aproximação se dará também em áreas como o combate ao ISIS, inimigo comum, mas é provável que após a guinada liberal no governo de Rouhani, o Irã melhore suas relações com o Ocidente.

E nós com isso? Bom, pela lei básica da oferta e da procura mais petróleo no mercado faria o preço da gasolina cair. Por outro lado estamos tratando de Oriente Médio e fazer previsões é mais difícil que desenvolver bombas nucleares. É possível que sauditas e aliados cortem a produção para aumentar o preço do combustível e terem ainda mais dinheiro para financiarem milícias na luta contra as xiitas? Sim. Mas vamos esquecer a gasolina dessa vez. Finalmente estamos mais seguros.

domingo, 31 de maio de 2015

O Caos Faraônico no Egito (Part. II)

Seguindo o contexto do Egito pós-Primavera Árabe, chegamos à tomada do poder pelo militar Al-Sisi. Com eleições questionáveis, no entanto pouco contestadas no Ocidente, o atual presidente obteve quase 100% dos votos, e o Egito passou a ter um governo que prometia linha dura contra as ameaças terroristas, resgate das tradicionais alianças e o retorno de um estado laico.
As duas primeiras coisas foram mais fáceis. Retomando a aliança principalmente com os EUA, o Egito voltou a receber a tradicional mesada paga por Washington com o pretexto de combater o terrorismo na região. As críticas na mídia Ocidental ficaram mais escassas, e a situação financeira do país melhorou um pouco. Então faltava a terceira parte.
Al-Sisi decidiu colocar o maior partido do país, que havia vencido todas as eleições legislativas e executivas da história egípcia até então, na ilegalidade. Os membros da Irmandade Muçulmana passaram a sofrer perseguição e a serem presos aos montes. As acusações variavam das justas, como pelos abusos cometidos durante o regime anterior, de Mohamed Mursi, até absurdos como terrorismo e espionagem a favor do Irã, por parte de componentes pouco graduados do governo.
As sentenças vinham em bando e a revolta começou a se espalhar pelo Egito quando tribunais sujeitos ás intenções do governo passaram a condenar diversos membros da Irmandade á morte. Os protestos, organizados ou não pelo partido, eram duramente reprimidos pela junta militar o que gerava mais radicalismo por parte dos partidários mais extremos. Atos como a invasão de delegacias para libertar os condenados passaram a ser comuns e foram usados como justificativa para ainda mais condenações. Para conseguir apoio, as acusações eram acrescidas de que a motivação para a invasão das prisões era a de libertar membros do Hamas e do Hezbollah, grupos considerados terroristas pelo Ocidente, o que aumentou o apoio dos aliados internacionais aos atos do governo.
Enquanto Al-Sisi buscava condenar ainda mais a Irmandade Muçulmana, como em entrevista recente ao jornal espanhol El Mundo, na qual o presidente afirmou que o partido mais tradicional do islamismo era tão perigoso quanto a Al Qaeda e o ISIS, o Estado Islâmico ganhava mais força no país, principalmente na Península do Sinai. O local, famoso pelas disputas com Israel até a década de 80, passou a contar com células do grupo que lutam contra as poucas forças militares egípcias deslocadas até a região e impõe seu terror principalmente aos cristãos cooptas, maior comunidade cristã do Egito, com sequestros e execuções.
A situação do governo parecia estável, com a repressão continuando e uma relativa aceitação na comunidade internacional. As criticas não apareciam com frequência e o país foi ficando de fora das manchetes, apesar dos absurdos cometidos, afinal de contas como Al-Sisi disse na mesma entrevista, compare as cifras de mortos do Egito com a Síria e o Iraque. A declaração, que tem o mesmo valor de: “Claro que alguém não pode ser esfaqueado no Rio de Janeiro, mas olha quantas pessoas foram esfaqueadas em Maceió e Fortaleza nesse ano” foi superada em relação ao surrealismo quando Mohamed Mursi, primeiro presidente eleito da história do Egito foi condenado à morte em primeira instância.  O resultado, que pode ser alterado no dia 2 de junho, derivou de acusações como a relação do ex-presidente com os ataques ás prisões e teor terrorista destes atos, além de crimes durante seu mandato.
A mídia estrangeira passou a questionar o fato de um presidente democraticamente eleito ser condenado á morte menos de três anos depois do pleito, em pleno século XXI. A repercussão no Egito não foi das mais positivas, com apoiadores e opositores da Irmandade Muçulmana se juntando para protestar contra a decisão. A instabilidade se dá no momento mais critico das relações de Al-Sisi com o Ocidente, já que o governo egípcio se posicionou claramente contra o acordo nuclear com o Irã, encabeçado pelos EUA.
O acordo é prioridade no governo Obama e deve definir a política dos EUA para o Oriente Médio em um futuro próximo. Do lado do Egito, estão Israel e Arábia Saudita, que se opõe ao acordo temendo que o fim das sanções ao Irã aumente o poder do país na região, e o que acontecerá após o fim dos 10 anos de congelamento do desenvolvimento nuclear iraniano. Sabendo da dependência que seu regime tem em relação ao Ocidente, Al-Sisi foi mais tímido na oposição que sauditas e israelenses. Netanyahu, primeiro ministro de Israel, por exemplo, fez um discurso no congresso norte-americano criticando o acordo. O resultado foi uma deterioração entre Israel e EUA como poucas vezes foi visto na história.
O clima de instabilidade obviamente afetou e muito o turismo no país das famosas pirâmides, que com uma economia pouco desenvolvida, depende muito da atividade. Outro fator que ficou ainda mais escancarado com a crise no país é a violência contra as mulheres, sendo raríssimos os relatos de alguma que andou pelas ruas do Egito e não sofreu assédio. Estudos indicam que 83% das mulheres egípcias disseram já ter sofrido algum tipo de agressão. A sensação de frustração dos jovens e as vertentes tradicionais que minimizam o papel feminino na sociedade são os principais culpados pelo fato de o mesmo estudo dizer que 63% dos homens assumiram já ter cometido assédio e isso não ser visto como um absurdo pela maioria.
A maior nação árabe, berço do Islamismo moderno e dona de uma história milenar ser guiada por interesses de fora, muitas vezes pouco voltados ás reais ambições dos locais, e a disputas internas em que políticos democraticamente eleitos podem ser condenados á morte no próximo governo, ajuda a explicar a situação de deterioração do mundo árabe.  
E esse é o Egito depois da Primavera Árabe. Saber o que deve acontecer no país em um futuro próximo é tão complicado quanto descobrir o passado da terra dos faraós.

terça-feira, 26 de maio de 2015

O Caos Faraônico no Egito

Era o momento que todos aguardavam. O começo de 2011 trazia o fim da corrupção, da repressão, e da falta de liberdade que atormentaram o Egito pelas quase três décadas de Hosni Mubarak no comando. Era mais um reflexo da Primavera Árabe, que tirou o poder de Ben Ali na Tunísia e representava a esperança para o Oriente Médio.
Os meses que seguiram a saída de Mubarak, claramente não foram fáceis, como nunca é fácil reerguer um país depois que uma figura política tão importante sai do poder. A junta militar que assumiu o Egito foi acusada de reprimir diversas manifestações que tomavam conta do Cairo e se concentravam principalmente na tradicional Praça Tahrir.
Os analistas não viam o cenário político como ideal para a realização das primeiras eleições da história do Egito, já que os anos de repressão não haviam possibilitado a ascensão de nenhum grupo político forte, restando assim apenas a Irmandade Muçulmana como real expressão política do país. O grupo, que já entrou na ilegalidade algumas vezes desde a sua fundação em 1928, é baseado no Islã Político, e era visto como uma ameaça às liberdades religiosas principalmente dos quase 20% de cristãos que vivem no Egito.
A força da Irmandade Muçulmana, um dos principais partidos islâmicos do mundo, aliada a ansiedade pelo primeiro pleito eleitoral da história egípcia, levou a população ás urnas no ano de 2012 mesmo com os diversos avisos de que o país não estava pronto. O resultado das apressadas eleições foi o de uma abstenção próxima de 50%, e o candidato Ahmed Shaqif, que fazia parte do governo deposto de Hosni Mubarak, perdendo as eleições por uma margem muito pequena para o candidato da Irmandade Muçulmana, Mohamed Mursi, demonstrando assim a enorme falta de representação dos egípcios com o pleito.
Aqueles que apoiavam o partido islâmico, apoio pelo qual muitos foram inclusive presos nos anos de Mubarak, viam na vitória eleitoral o começo de um novo Egito. Do outro lado se encontrava aqueles que acreditavam em um país secular, e que temiam o que o governo de Mursi poderia trazer.
Pouco tempo depois, e os opositores da Irmandade Muçulmana se mostraram certos. O fato de o governo de Mursi ir contra tradicionais aliados egípcios, em especial os EUA, por conta seguir um caminho iraniano: fortalecendo relações com grupos considerados terroristas pelo Ocidente, como o Hamas e o Hezbollah, complicou a situação do país. O Egito se deteriorou economicamente e perdeu apoio internacional.
A situação complicada do país veio acompanhada de uma enorme centralização do poder por Mursi, para muitos maior que a dos tempos de Mubarak, o que lhe rendeu a alcunha de faraó. O governo religioso tirou diversos direitos dos cristãos e reprimiu violentamente aqueles que se manifestaram contra.
O cenário foi se deteriorando até que em 2013, seculares muçulmanos, cristãos, membros da Irmandade Muçulmana que não concordavam com o governo, e boa parte das outras camadas da sociedade egípcia, se juntaram para manifestar contra o Mursi. Os protestos se arrastaram e as estimativas dão conta que o ápice destes mobilizou cerca de 25 milhões de pessoas (alguns dados apontam até 40 milhões) nas ruas do Egito, o que é considerado a maior manifestação da história e surpreende ainda mais ao se levar em conta que se trata de um país com 90 milhões de habitantes.
A pressão tirou Mohamed Mursi do poder, mas não resolveu os problemas do Egito. O que se seguiu foi a chegada ao poder do militar Al-Sisi, que enfrenta avanços do Estado Islâmico na Península do Sinai e tem uma deterioração de suas relações com os EUA, por conta das negociações do programa nuclear iraniano. Assuntos do nosso próximo post.
Obs: The Square, ótimo documentário do Netflix falando sobre os protestos na Praça Tahrir

terça-feira, 5 de maio de 2015

Pelo Caminho Mais Longo

Nesse feriado aproveitei para assistir ao ótimo Selma e ao ótimo, para quem gosta do Tarantino, Django Livre. Claro que no meio disso, a atenção realmente ficou nos protestos em Baltimore, que já vinham se arrastando, e no domingo, nos de Tel Aviv.
Apesar da violência impactante de Tarantino e a bela história contada em Selma, ainda assim os protestos me chamaram mais a atenção, por um motivo: o quanto o mundo se tornou complexo.
Em Django, ser a favor dos direitos humanos significava ser contra a escravidão. Em Selma, defender a justiça e a igualdade representava apoiar a luta pelos direitos civis e reconhecer a diferença existente entre negros e brancos. Mas como se posicionar diante da morte de um negro por três policiais negros? E da discriminação de judeus em Israel?
Simplificar os movimentos da última semana em apenas batalhas de negros contra brancos é tão grave quanto direcionar a política atual meramente em disputas de esquerda contra direita. Dizer que Freddie Grady foi morto em Baltimore meramente por ser negro, em uma cidade em que a prefeita é negra, o chefe de polícia é negro, o presidente da câmara dos deputados é negro e dois terços da população são negros, não é meramente simples, é perigoso.
Baltimore sofreu com um processo semelhante ao de Detroit com a fuga das indústrias no século passado, mas ao invés do Robocop comandando as ruas, quem assumiu foi uma polícia extremamente repressiva. A diminuição de postos de emprego fez com que a classe média fosse embora da cidade, junto aos bons negócios. O cenário foi de legítimos bolsões de pobreza, uma taxa de desemprego entre jovens que se aproxima de 50% e a opção a estes de competir por empregos de baixa qualificação ou o tráfico de drogas.
A consequência da sexta maior cidade do país passar a ser a vigésima quinta em um espaço de tempo tão breve, deixando a população tão desamparada, não poderia ser outra que não a explosão da violência. Segundo estudo do Washington Post, Baltimore tem nove bairros com expectativa de vida menor do que na Síria. A taxa de homicídios na cidade beira os 34 por 100 mil habitantes, maior que a brasileira e cerca de três vezes a de São Paulo. Todos sofrem em Baltimore.
Com menos alarde da imprensa, mas com grande importância, tivemos no domingo manifestações de judeus etíopes em Jerusalém, e principalmente em Tel Aviv. Os 2% da população israelense de origem do país africano são, sobretudo descendentes de uma grande onda de imigração no final do século passado, fugindo da miséria que a Etiópia enfrentava.
Os pais e avós desses judeus, seja por conformação, ou por real convicção, não se destacaram por questionar as condições de vida superiores legadas aos brancos em Israel. No entanto a atual geração participou de manifestações que acabaram em violência nos principais centros do país. Os protestos começaram depois do vídeo da agressão de um soldado etíope-israelense por dois agentes do governo.
O vídeo foi a gota d’água para desencadear os questionamentos de uma situação que incomoda esses cidadãos, que alegam serem vistos como inferiores em Israel. A porcentagem de suicídios nessa comunidade é cinco vezes a média do país. Em algumas cadeias, chega ao número de 40% das detenções de jovens serem de etíopes. O desemprego entre eles é o dobro da população geral.
Normalmente associada a um contexto de judeus e árabes em Israel, a discriminação racial se apresenta como absolutamente complexa na região. As desigualdades entre negros e brancos não impedem, por exemplo, que os mesmos etíopes que sofrem com as condições no país apoiem ideias e candidatos que discriminam os árabes. Prova disso é o Likud, partido no poder em Israel, ter um deputado de origem etíope-israelense, eleito com amplo apoio desta comunidade. O partido busca a consolidação do país como lar do povo judeu, o que colocaria os cerca de 20% de árabes-israelenses que vivem ali em uma situação muito delicada.
Recriminar o abuso de policiais contra negros nos EUA é necessário. Denunciar a atual postura do governo israelense de discriminação aos árabes é igualmente vital. Mas dizer que as questões nos EUA se baseiam simplesmente em negros contra brancos, e que em Israel se trata de judeus contra árabes, são atalhos. Seja resumindo em esquerda-direita, brancos-negros, judeus-árabes, estadunidenses-latinos, nós-eles. É sempre o jeito mais fácil.
É impossível distinguir o quanto a cor de pele influência nestes dois contextos. Mas basear-se somente nesse aspecto em detrimento da análise de um âmbito maior, é um absurdo. É tão errado quanto grupos de extrema esquerda e direita que radicalizaram as manifestações em Tel Aviv e além de enfraquecer os justos protestos, fizeram com que vários apoiadores pacíficos ficassem feridos.
Radicalizar é sempre um atalho. Normalmente para o mau caminho. Como mostra Selma, Martin Luther King percorreu, literalmente, o caminho mais longo e conseguiu direitos inéditos para os negros pelos meios mais difíceis, mas que se mostraram os melhores. Não vamos nos esquecer de que o seu sonho ainda vive.

domingo, 22 de março de 2015

Precisamos falar sobre o Iêmen

O Oriente Médio tem todos seus conflitos e complicações em meio aos petrodólares que guiam a região. Agora, imagine conflitos religiosos, governos corruptos, separatismo e grupos terroristas em um dos países mais pobres do mundo. É o Iêmen, um dos lugares mais afetados e o menos favorecido nesta região tão complexa.
Ouvimos falar muito no famoso “valor notícia” e até entendemos bem a importância de suprimir algumas informações em detrimento de outras. Até que um dia você se depara com o maior ataque terrorista do ano, que mata mais de 130 pessoas e, com raras exceções, como a Al Jazeera, vê que morrer no Iêmen é menos importante do que as picuinhas políticas em Israel. Isso pra não levar em conta os noticiários brasileiros que nos informam bastante sobre os últimos ocorridos no Big Brother.
Os mortos se encontravam em mesquitas xiitas, vertente islâmica de cerca de 35% da população do país. Uma minoria desta parcela se organiza em milícias, principalmente no interior, chamadas Houthis. Há algum tempo, o presidente em exercício, Hadi, passou a ser bastante questionado, o que levou as ruas uma parte da população. O cenário foi perfeito para os Houthis tomarem a capital Sanaa e Hadi ter de fugir para a segunda principal cidade do país, Aden.
Nesse clima de instabilidade, fica muito difícil acreditar plenamente que o ataque às mesquitas foi realmente obra do Estado Islâmico, como o grupo afirma, e os EUA duvidam. Talvez seja o início de um momento ainda mais tenso no país, que tem boa parte do território dominado pela Al Qaeda da Península Arábica, responsável pelo ataque ao Charlie Hebdo. O governo de Hadi possuía suporte dos EUA para lutar contra o grupo, e foram inclusive ações americanas desastradas, matando diversos civis, uma das principais motivações para os protestos.
Outro país que tem grandes interesses nos Houthis fora do poder é a Arábia Saudita, já que o grupo xiita é financiado pelo Irã, que vive uma guerra fria contra os sauditas por domínio no Oriente Médio. O antigo presidente do Iêmen, Saleh, teve que fugir para a Arábia Saudita após forte pressão interna e externa. Estima-se que ele tenha acumulado 20 bilhões de dólares, em um país com um PIB de 80 bilhões.
Saleh chegou ao poder após o fim da guerra civil no começo dos anos 90, entre Iêmen do Norte, capitalista, e o Iêmen do Sul, único país comunista do Oriente Médio. Após a unificação, o país passou a ter sua capital em Sanaa, no entanto muitos residentes de Aden e de localidades próximas ainda querem um país separado.
Pronto, isso é um pouco do Iêmen. Complicado para todos, imprescindível para quem se interessa pelo Oriente Médio, e praticamente esquecido pela imprensa internacional. 

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

O Dia D em Israel

Mesmo com toda a neve que cobre o país há dias, a preocupação dos israelenses é total com o próximo dia 17. Em uma jogada política, o Likud, partido do poder, antecipou as eleições para o parlamento, ou Knesset, e o resultado pode mudar drasticamente as negociações de paz com os palestinos.
Como mostrou um recente levantamento, o governo de Benjamin Netanyahu pouco fez pelo diálogo com os árabes, e ano após ano o número de assentamentos em território considerado palestino pela comunidade internacional que foram autorizados, só cresceu, chegando a um recorde em 2014. O resultado foi um país ainda mais distante de uma solução, e a escalada da violência de radicais palestinos.
A preocupação de Netanyahu com o Irã é muito maior do que a intenção de resolver os problemas em seu país, e o líder do Likud não esconde isso. Caso seu partido consiga uma coalizão com maioria das 120 cadeiras do Knesset, o resultado deve ser mais quatro anos de intervenções em Gaza, assentamentos ilegais e pouca evolução nas conversas, exatamente o que estamos presenciando.
Por outro lado há a oposição de centro-esquerda, liderada pelo Partido Trabalhista e que teria como líderes Herzog e Livni. Os dois adotam há algum tempo um discurso focado na importância das negociações de paz e tem relações muito melhores com a Autoridade Palestina do que o atual governo, incluindo uma visita de Herzog á sede do governo da AP em Ramalá.
As relações de Netanyahu com o Ocidente vão de mal a pior, sendo criticado inclusive por veículos pró-Israel como o Le Figaro. Com Obama, as coisas só pioraram depois que o governante, apoiado pelos republicanos, fez um discurso no congresso americano contra o programa nuclear iraniano.
Os israelenses tem no dia 17 a opção de escolher o que querem para seu futuro. Pena que do outro lado do conflito, jovens como Jihad al-Jaafari de 19 anos, que segundo a agência Ma’an, foi morto ontem pelo exército israelense, não tenham tantas opções.