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quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Terrorismo: excelente queda, e ainda mais trabalho

O ano de 2017 terminou com uma redução de 46,7% no número de mortos por ataques terroristas frente a 2016. No último ano, 7654 padeceram por esta causa, enquanto foram 14356 no período anterior. Grande parte da queda foi por conta de Grupo Estado Islâmico, ou Daesh, que causou 3321 mortes em 2017, frente a 9340 no ano anterior, uma queda de 65,45%. Apesar disso, grupos como o Talibã e o Al Shabab, este que ganhou notoriedade por conta do maior atentado desde o 11 de setembro, fizeram mais vítimas em 2017 do que no período anterior, e ligam o alerta para 2018.

O ano que se passou marcou em efetivo a queda do autoproclamado califado que o Daesh tentou estabelecer entre a Síria e o Iraque. Com as retomadas de Raqqa e Mossul, suas capitais no primeiro e segundo país respectivamente, o grupo ainda viu áreas importantes em seu poder como a província de Deir ez-Zor serem ocupadas por forças rivais no último ano, deixando seu território restrito a poucas áreas no Levante. Apesar disso, a influência do Daesh na Líbia e na Província do Sinai pouco diminuiu, demonstrando que vácuos de poder podem fazer com que o grupo conquiste territórios. Isso ocorreu em Palmira, que havia sido retomada por forças leais ao exército sírio, e que acabaram voltando às mãos da Daesh. Foi na histórica cidade que o grupo cometeu algumas das maiores destruições ao patrimônio da humanidade. Palmira já foi reconquistada.

No entanto, a guerra contra o Daesh nunca foi habitual. O desmantelamento do califado não deixa de fazer com que o grupo siga relevante, ainda com capacidades operacionais para atacar no Levante e em outras partes do mundo. Um destes alvos pode ser justamente a Rússia, que em 2018 recebe a Copa do Mundo. O país, que sofreu recentemente um atentado no metrô de São Petersburgo, viu muitos de seus nacionais, sobretudo de regiões com grandes populações islâmicas como a Chechênia e Daguestão, rumarem ao Levante para integrar as fileiras do Daesh. Grande parte dos sobreviventes do exército do grupo é composta por estrangeiros, que podem retornar aos seus países de origem no intuito de cometer ataques. Além do terror jihadista, a Rússia também pode ser alvo de grupos nacionalistas, como os partidários da independência chechena, que já atacaram o país em outros tempos, sendo este um dos alertas principais para 2018.

Lisboa recebeu neste ano Boaz Ganor, israelense e uma das principais referências mundiais sobre terrorismo. Ganor foi a principal presença da III Conferência Internacional de Terrorismo, e na ocasião, além de muitos detalhes técnicos preciosos obtidos com anos de trabalho e análise na prevenção de ataques, o israelense apresentou o que chama de fórmula para o terrorismo: motivação x capacidade operacional = atentado.
Nenhum outro país no mundo diminuiu tanto a capacidade operacional de possíveis terroristas nas últimas décadas como Israel. Quando em 2015, alguns analistas acreditavam que os ataques de lobos solitários com atropelamentos haviam sido uma invenção do terror na Europa, Israel já lidava com este estilo de problema há anos, inclusive desenvolvendo soluções efetivas de dissuasão. No entanto, como se sabe, em poucos lugares potenciais terroristas possuem tanta motivação para atacar quanto em território israelense, ou a forças de segurança do país na Palestina ocupada. E 2017, definitivamente, não foi um ano que amenizou tal motivação.

Reduzir a capacidade operacional de grupos terroristas como Daesh, Talibã, Al Shabab, ou Al Qaeda da Península Arábica, com ataques que deixam destruição e vítimas civis pode amenizar uma parte da equação, mas em contrapartida eleva a outra. Matar jihadistas sem atacar o jihadismo é como enxugar gelo, mas com um custo de enorme derramamento de sangue. Quando se lembra ainda que a prevenção ao terrorismo é um eterno embate entre segurança e preservação de liberdades individuais, tem-se uma noção melhor do desafio.
Cheguei à Lisboa um mês depois do atentado em Barcelona. Com muitos portugueses com quem conversei, a sensação de que "somos os próximos” era iminente. E infelizmente, os mesmos, e agora eu, temos muito a temer.

Como dito incessantemente após os atentados em Paris e Barcelona, estes são lugares que celebram a vida, o que terroristas odeiam. Lisboa também é um destes lugares. Para além disso, nos ataques à Espanha os jihadistas falaram na retomada do califado. E de fato, a região de al-Andaluz, tendo Córdoba, na Andaluzia, como capital compreendia a Espanha, mas também Portugal. O país, que cada vez recebe mais turistas e prêmios no ramo, é um alvo que sentiria sensivelmente com um ataque. Vale lembrar que parte deste bom momento vem justamente por conta de pessoas que deixaram visitar o Norte da África com receio do terrorismo. Para além, Portugal é membro da OTAN, e contribui com muitas das missões rechaçadas por jihadistas. A motivação é grande, e não há muito o que se fazer quanto a isso. Cabe reduzir a capacidade operacional.

Neste aspecto, acredito que a capital portuguesa vem fazendo bom trabalho. A melhor prova é disso é quando estou em uma região como a extremamente turística, e, portanto, visada Belém. Costumo perguntar às pessoas se estão a perceber o aparato anti-terrorista que está ali montado. Fico muito feliz com as respostas: “Não.” “O quê?” “Onde?”. Além do nível de policiamento bastante incomum em outras zonas, Belém conta, por exemplo, com blocos de concreto simples, mas que têm capacidade de impedir muitos ataques de possíveis lobos solitários. Segurança, e sem diminuir as liberdades individuais. Ainda assim, vejo muitas falhas e possíveis alvos. No entanto, acredito que poucas cidades do mundo que nunca passaram pela experiência de um ataque terrorista moderno consigam ter um aparato com tamanha segurança. Como exemplo o Rio de Janeiro durante as Olimpíadas, que reforcei como possível alvo, e elogiei o esquema montado. Haviam também importantes lacunas, que não se verificam uma cidade como Jerusalém ou Nova Iorque.

Tratando sobre terrorismo em 2017, é digno nota sobre o curioso caso de inversão do fenômeno da indignação seletiva durante um dos muitos atentados do Al Shabab. Em outubro, uma ação do grupo, que matou 964 pessoas apenas em 2017, deixou 512 mortos. Na ocasião, muitos nas redes sociais prestaram atenção por pouco mais de uma semana na Somália, e alguns perceberam até mais do que as ações da afiliada local da Al Qaeda, e que é apenas mais uma das diversas milícias que agem no país, falido e em guerra desde 1991. Isso sem citar desastres humanitários próximos, como o de Dadaab, campo de refugiados para pessoas que fogem desta tragédia. Acontece que apenas em um período de dez dias que engloba esta ação, outras 255 pessoas morreram em atentados em locais que permaneceram longe das redes sociais como Kandahar e Maiduguri. Ironicamente, o questionamento da indignação seletiva com à atenção na Somália no #PrayForSomalia, assim como Londres e Paris em outros momentos, ofuscou outras grandes tragédias. Para quem já se acostumou com a incongruência na cobertura de ataques, não surpreende, mas ainda assim, vale o registro.

Para além da grande redução no número de mortos em atentados, 2017 reservou outra excelente notícia. O período foi o mais seguro da história da aviação. "Em 71 anos, foram 3.180 acidentes com voos comerciais, de carga e de passageiros, e 82.412 mortos.", como trouxe reportagem da BBC. É quase o que se morre a cada 2 anos em acidentes de carro, apenas no Brasil. A relação que faço, é que assim como a percepção sobre a segurança na aviação é extremamente irracional, o mesmo ocorre com o terrorismo. Para além de grandes heróis, declarações políticas, e o que tiver grande repercussão em ambos os casos, quem faz a real diferença são trabalhadores sérios, competentes, e que não podem falhar. Eu acrescentaria outra fórmula à do grande especialista israelense: mais Boaz Ganor, menos #PrayFor.


Obs: Todos os números são da plataforma START, referência na área e fundamental para acompanhar o terrorismo com parcimônia e a razoabilidade necessárias. Neste momento, 2018 já registra 13 ataques e 38 mortes. https://storymaps.esri.com/stories/terrorist-attacks/?year=2018

START. Ótimo amigo para quem quer entender o terrorismo além do #PrayFor

segunda-feira, 25 de julho de 2016

O Brasil se preparou bem contra o terrorismo?

Falo das reais possibilidades de um atentado nas Olímpiadas do Rio de Janeiro há tempos. A nova onda terrorista que faz vítimas na Europa chocando o mundo, e mata centenas no Oriente Médio sem tanto alarde, é parte da estratégia do Grupo Estado Islâmico ou Daesh para reverter suas derrotas militares nos territórios da Síria e do Iraque, que segundo estimativas chegaram a 40% no último ano, o que já não é mais novidade. Mas enfim, a hora da verdade está por vir.

O Brasil acertou na seriedade que deu na prisão dos mais de dez suspeitos de planejarem atentados terroristas nas Olímpiadas. Os indícios são de que sim, se tratavam de amadores, sem ligação direta com o Grupo Estado Islâmico, nem treinamento militar, diferente de terroristas que atacaram, por exemplo, na Europa e que anteriormente haviam se radicalizado e treinado em áreas sob domínio terrorista. Mas na atual onda de ataques dos chamados lobos solitários, isso é o de menos.

Um dos presos tentou comprar pela internet um fuzil AK-47, o que simplesmente pode anular qualquer falta de experiência, desde que o terrorista ensandecido tenha a sua frente uma aglomeração de pessoas. O automatic Kalashnikov 47 é a arma que mais mata no mundo, o que se deve em grande parte ao seu fácil manuseio. O impacto nos usuários é tão grande, que o livro Gomorra narra que jovens italianos que acabavam de entrar na máfia tinham como um de seus prêmios conhecerem o senhor Kalashnikov, o criador da recém-descoberta por eles “maravilha”. Kalashnikov morreu em 2013, mas deixou uma legião de adoradores do seu grande feito. Um dos legados da arma que o jihadista “amador” brasileiro poderia ter em suas mãos é a bandeira de Moçambique, que ostenta uma AK-47. Não se trata de qualquer objeto este verdadeiro fetiche de terroristas ao redor do mundo.

Mas nem só de complexos artefatos de destruição vive o terror hoje. Em uma semana a Europa assistiu a um caminhão e um machado sendo utilizados com propósitos terroristas por dois ensandecidos de ligações suspeitas com qualquer entidade terrorista. Outro lugar do mundo que vive o perigo de que lobos solitários possam a qualquer momento se tornar uma ameaça é Israel, onde muitos terroristas não utilizam de armas de fogo, e sim de facas e até mesmo de carros, que na maioria dos casos são atirados contra pontos de ônibus por conta da maior aglomeração.

Sendo tão ampla a gama de possibilidades que o terrorismo possui hoje, é compreensível a cautela adotada pela justiça brasileira ao ter em seu domínio os dados de 500 mil suspeitos de ligações terroristas. O número é de fato elevado, comparativamente, o número de estrangeiros esperados no Rio para as Olímpiadas é de 350 mil pessoas, 150 mil a menos que o de pessoas monitoradas pela justiça. O orçamento de toda a operação é o maior em segurança da história do país, tendo passado dos 1 bilhão de reais, para 1,5 bilhão, após a seriedade da ameaça ter sido melhor vislumbrada.

Mas no fim das contas, o Brasil de fato não tem experiência para lidar com esse tipo de ação, um dos critérios mais importantes para o sucesso, e vem daí o grande acerto da operação brasileira. A Abin se ligou aos melhores serviços de inteligência do mundo para uma cooperação de informações, o que é de interesse mútuo, já que israelenses, franceses, americanos e tantos outros são potenciais vítimas mesmo estando no Brasil.

O Mossad, o serviço de inteligência de Israel, provavelmente o melhor do mundo no quesito de terrorismo, tem interesse especial na segurança do evento. Os israelenses passaram até agora ilesos pelas ameaças do Grupo Estado Islâmico em seu território, mas uma ação em solo estrangeiro poderia colocar tudo a perder, caso a maior delegação israelense da história fosse atingida. O país é um alvo potencial de diversos grupos terroristas, e vale lembrar que o maior atentado em uma Olímpiada foi justamente contra os israelenses em Munique 72.

Apesar de tudo isso, é impossível saber se de fato todas as opções foram esgotadas. A França vivia estado de emergência após os atentados de novembro de 2015, o que não impediu que um bárbaro com um caminhão furasse todo o esquema de segurança e matasse 84 pessoas. A pluralidade de motivações e perfis dos propagadores de atentados ao redor do mundo coloca a todos uma série de dúvidas, sendo as teorias tradicionais incapazes de lidar com pessoas que variam desde radicalistas religiosos até indivíduos relativamente bem sucedidos. O papel das forças de segurança é de sempre ter seriedade e cautela, no sentido de tentar evitar os piores cenários, levando em conta que as liberdades individuais devem ser respeitadas ao máximo, e que ataca-las é muitas das vezes a intenção dos terroristas.

Acontecerá um atentado no Rio? Ninguém pode responder, mas os indícios levam a crer que alguma tentativa é provável. Tenho que ter medo, ou não ir ao Rio? De jeito nenhum! Recentemente a possibilidade de se morrer em um atentado terrorista foi colocada frente à de se perder a vida escorregando na banheira, com a segunda sendo maior. O perigo de se morrer na estrada para o Rio de Janeiro, em um país com mais de 40 mil mortes anuais no trânsito é bem superior à chance de morrer pelas mãos de um ensandecido. Além disso, cercear a liberdade é justamente o que boa parte destas pessoas ambiciona, sendo ter medo e deixar de frequentar algum lugar duas vitórias para estas pessoas. O terrorismo é um dos grandes males globais do século XXI, e será muito difícil combate-lo, mas isso terá de ser feito com muita seriedade e capacidade, levando em conta que, por exemplo, matar jihadistas não acaba com jihadistas. O fato de que resumidamente o Grupo Estado Islâmico é um fruto da Al Qaeda, surgida do Talibã demonstra isso. O Brasil indica que fez tudo ao seu alcance para que esta praga não ocorra durante os jogos. Agora é esperar e torcer pelo melhor evento possível, sendo favorável ou não.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

O Estado Islâmico perde. E o Brasil ganha?

Assim como a ascensão do Grupo Estado Islâmico, é muito complicado compreender as motivações e estratégias destes terroristas. O que de fato se sabe, é que de forma alguma o combate contra o grupo trata-se de uma guerra convencional. As estimativas indicam que o Daesh perdeu cerca de 30% de seu território no Iraque e na Síria durante os últimos meses, sendo a retomada de Palmyra e Ramadi pelos exércitos locais, a primeira com grande auxílio russo, importantes exemplos de como o grupo vem se enfraquecendo em suas posições.

Além disso, os terroristas não capturaram nenhuma cidade relevante nos últimos tempos. Sua capital no Iraque, Mosul, está sitiada por forças do governo e as milícias curdas, conhecidas como peshmergas, e a ação conta com grande aparato da coalizão liderada pelos EUA. Fallujah, a outra importante cidade iraquiana nas mãos do Daesh, passou nesta semana a ser alvo de uma ofensiva do governo iraquiano, que deve derrotar o grupo brevemente e deixa-los somente com Mosul no país.

A soma destes fatores, em condições normais, condenaria o Grupo Estado Islâmico a um fracasso, quem sabe perdendo todo seu território em 2016 mesmo. Mas como dito, não se trata de forma alguma de uma guerra comum. E Mosul é um bom exemplo disso. A cidade, de maioria sunita, em um conflito tradicional teria sido retomada pelas forças nacionais, logo que estas dispusessem da capacidade militar de fazê-lo. Mas os habitantes, que não apoiam o Daesh, tampouco se sentem seguros sabendo que voltarão a pertencer ao governo iraquiano, altamente dominado por xiitas, assim como as tropas nacionais. E por outro lado, os moradores de Mosul, esmagadoramente árabes, se sentem ressentidos com os curdos ocupando suas terras, o que poderia aumentar a influência do Curdistão Iraquiano, área que goza de grande independência no norte do país. Este impasse étnico, que já teve capítulos trágicos com regime de Saddam Hussein, passou por relativa estabilidade há alguns anos, mas a queda da economia iraquiana e do preço do barril de petróleo, produto vasto no Curdistão, levou Bagdá a disputas com o norte, que atrapalham uma melhor cooperação das forças em Mosul. O Daesh agradece.

O principal fator que torna esta guerra atípica é o fato de não ser travada entre exércitos comuns, e sim destes contra terroristas. Há uma imensa vantagem em não ter que se preocupar com sanções, por exemplo, decorrente de possíveis crimes de guerra praticados pelo seu “exército”. E são exatamente os terroristas que estão equilibrando a guerra para o Daesh. Na medida em que o grupo sofre derrotas militares, a alternativa encontrada é intensificar o número de ataques, boa parte dos últimos suicidas, o que não era padrão anteriormente.

Enquanto os soldados do Daesh perdem a batalha nos campos, inocentes perdem a vida em toda parte, em especial no próprio Oriente Médio. Apesar da propaganda bem maior proporcionada por ataques na Europa, que tem um potencial de gerar mais recrutas e dar uma impressão de mais poder para os terroristas, este tipo de ação vem se tornando cada vez mais difícil. Mesmo a Bélgica, que sofreu os atentados em março, e era visto como um dos países com um dos serviços de inteligência mais frágeis da União Europeia, conta com aparatos muito superiores aos das duas cidades vistas como mais seguras da Síria hoje, Tartus e Lataquia. As duas, sob domínio do regime e ampla proteção russa, foram os alvos encontrados pelo Daesh, matando mais de 150 pessoas e seguindo com uma estratégia que sangra cada vez mais o Oriente Médio. No mesmo dia, Áden, no esfacelado Iêmen, sofreu um ataque que tirou 45 vidas.

A carnificina segue uma tendência já demonstrada uma semana antes, quando o grupo realizou uma série de atentados em localidades xiitas de Bagdá, matando centenas de pessoas, inclusive alguns que se juntavam em um estabelecimento conhecido como a sede do Real Madrid local, e foram vítimas do ódio do grupo ao esporte bretão. A síntese de tudo isso é que cada vez mais o Daesh será acuado, já que não existem sinalizações nem de recuo, muito menos de negociações por parte das forças que combatem no Iraque e na Síria. E que em contrapartida, visando aparentar manter importância e atrair novos integrantes, o grupo realizará ataques que rendam a maior repercussão possível, e vai procurar os lugares mais frágeis para tal.

França, EUA e Israel parecem ter conseguido se blindar das ações nesta nova fase, enquanto Síria, Iraque e Iêmen esfacelados, padecem. A ameaça é real, e em qual destes lados a segurança brasileira vai estar para as Olímpiadas? Motivos para o grupo atacar não faltam, já que mesmo o Brasil não sendo um alvo comum, franceses, americanos e israelenses participarão de um evento, que pra quem busca repercussão, conta com a maior audiência do mundo. Que a Abin nos proteja.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Foi bom o acordo para a Síria?

Depende. O acordo em Munique foi feito com uma participação muito pequena da oposição síria, determinando termos muito vagos e evidentemente sem os importantíssimos elementos terroristas, a Al Nusra (Al Qaeda na Síria) e o Daesh (Estado Islâmico). O acerto foi o “fim das hostilidades”, algo muito menos específico do que um cessar-fogo e o principal: definições para a chegada de ajuda humanitária em áreas ocupadas por rebeldes e cercadas pelo regime.

A primeira parte, apesar de parecer muito importante, não é tanto. No mesmo dia em que o resultado das negociações foi anunciado, Assad, de longe o maior causador de mortes no país, deu uma entrevista à agência AFP em que reafirmou o compromisso de recuperar todo o território e que isso poderia custar muito por vários anos. Por outro lado, a oposição mais moderada que concordou com a diminuição das hostilidades hoje é muito enfraquecida, esfacelada entre as mais de 1000 milícias que lutam na Síria e que cada vez perde mais força para os grupos extremistas, tendo a Al Nusra junta a uma grande parcela destas.

Os ataques aéreos russos iniciados no fim de setembro fortaleceram muito o regime, sendo parte importante das ações de retomada de Assad, que agindo por terra com seus aliados conseguiu dar uma guinada a seu favor na guerra. O outro evento que favoreceu o ditador foram os ataques em Paris no 13 de novembro, quando o Ocidente, em parte de maneira mais explícita e outra menos, passou a aceitar o presidente como uma espécie de mal menor, frente aos bárbaros terroristas. Em uma boa analogia com a Segunda Guerra, Assad passou a figurar como um aliado pontual e sanguinário como Stálin, mas contra genocidas como os nazistas e o Daesh.

O fortalecimento do regime levou ao enfraquecimento dos resquícios de uma oposição moderada, hoje em extinção na Síria. Aqueles contrários ao regime passaram então a serem mais extremistas, com uma parte importante aderindo a Al Nusra, outra menor ao Daesh, e com grupos radicalizando suas ações. Por isso a resolução deve ser vista com desconfiança: por um lado quem aceitou hoje já não é tão forte e o outro é um ditador sanguinário responsável pela morte de centenas de milhares e sem nenhum pudor para manter-se no poder.

O acordo de certa forma legitima o governo de Assad, colocando suas ações no mesmo patamar das da oposição. O ditador está prestes a tomar Aleppo, segunda cidade do país e até pouco controlada pelos rebeldes, e não há indícios de que o resolvido em Munique o fará recuar.

Por isso, o mais importante é a questão humanitária. O presidente sírio já demonstrou ao longo dos quase cinco anos de guerra civil que para manter-se no poder não terá os menores escrúpulos, seja para isolar uma cidade inteira ou para ordenar ações que matem inocentes. Nos últimos meses o mundo assistiu incrédulo à situação em Mandaya, onde crianças estavam morrendo de fome e pessoas tinham como única opção às vezes comerem terra. As cenas chocaram todos e a pressão internacional fez com que o regime deixasse que a ajuda chegasse a estes isolados pela guerra. O mesmo ocorre em vários outros locais da Síria dominados por rebeldes, onde a estratégia de Assad, condenada no Tribunal Penal Internacional, é isolar populações inteiras.

O acordo prevê que o regime permitirá a entrada de ajuda nestes lugares (normalmente um pouco de comida, água e remédio para algumas semanas) e ao menos aliviar um pouco a crise vivida por estas pessoas, que normalmente não conseguem sequer fugir destas localidades por conta dos bloqueios. Pouco, mas deve evitar as cenas chocantes por um tempo e poupar desagrados em jantares de famílias no Ocidente. Melhor que as negociações frustradas até agora.

Obs: a guerra contra o Daesh segue a mesma.


segunda-feira, 16 de novembro de 2015

O texto do Estadão que nos denunciou

Não é o tipo de momento que me sinto mais a vontade para escrever sobre o tema da atualidade, e felizmente não depender disso hoje profissionalmente permite meu silêncio. Acho que visões complexas ficam perdidas em meio à infinidade de informação que recebemos depois de uma tragédia como a do último dia 13, e prefiro então tentar absorver o que tem de mais útil.

Eu fazia isso no domingo até me deparar com o texto “Por que a França” no Estadão. A opinião do correspondente na França, Gilles Lapouge, tinha bons elementos, dos quais eu concordo bastante. Tudo ia muito bem, em uma análise que saia da obviedade dos principais motivos do ataque ter se direcionado à França que ouvimos no noticiário, até a seguinte frase: “O EI não perdoa a França por ter assinado, em 1916, o acordo de Sykes-Picot, que desmantelou o Império Otomano e dividiu seus despojos entre a França, que recebeu o Líbano, e a Inglaterra, que ficou com a Síria.”. Eu concordo com a ideia, e voltaremos nela, mas há algo grave e vou explicar.

Não é demérito nenhum não conhecer o acordo de Sykes-Picot. A questão é que as fronteiras artificiais definidas por ele são fundamentais para entender os conflitos de hoje no Oriente Médio. Há um enorme ranço de parte das populações dominadas pelo Império Britânico (termo bem melhor que “Inglaterra” usado) e a França. Agora, o acordo previa que a Síria ficaria sobre influência francesa, enquanto Jordânia, Palestina, Iraque e uma parte do Kuwait ficariam com os britânicos (só por curiosidade, ai se dá a escalada do conflito árabe-israelense). Tudo bem o autor do texto ter errado, quem sabe pode até ter sido algo na tradução. O ponto que quero chegar se refere aos comentários.

Imagine um texto sobre o Tratado de Tordesilhas, mas nele há a informação de que o ocidente ficaria com Portugal e o oriente com a Espanha. Seria algo completamente incorreto e que inverteria a intenção do tratado. Foi isso o que aconteceu com o texto sobre Sykes-Picot. Qualquer pessoa que tivesse de fato interessada em saber um pouco mais sobre a origem de conflitos no Oriente Médio teria feito uma simples pesquisa sobre o acordo, notado a falha gigantesca e feito referência a ela. Procurei bastante e ninguém havia feito isso.

Em compensação, teóricos da conspiração sobravam nos comentários criticando o imperialismo atual das grandes nações. Os solidários por Mariana, que podem fazer doações além de falar na internet, questionavam o imenso espaço dado à tragédia francesa. Islamofobia, xingamentos a Dilma Rousseff e outras coisas típicas dos comentários recentes, também tinham seu lugar. Não sei se fiquei acostumado com o Globoesporte, mas senti falta de menções ao campeão de 87.

O que essa situação simbólica demonstra é que podemos até estar dispostos a sermos todos Mariana, Paris, Beirute, Maiduguri e onde mais alguém estiver sofrendo. Mas enquanto seguir faltando a hashtag #SomosMenosIgnorantes, o desconhecimento e o preconceito vão seguir reinando até o próximo momento de comoção, seja com grande atenção da mídia ou não.

Foi algo como eu disse bastante simbólico e que infelizmente representa boa parte de nós, seja neste caso especifico ou em outros assuntos. Mas em contrapartida gostei da quantidade de pessoas pesquisando e perguntando sobre os contextos da tragédia. Acredito que apesar de problemas como o caso aqui retratado, muitas pessoas vêm buscando conhecer mais sobre termos tão discriminados hoje em dia como árabes, Oriente Médio, Islã, muçulmanos e o mais importante: descobrir que não são nem um pouco sinônimos de terrorismo.

E sim, concordo muito na influência que o Sykes-Picot tem na escolha da França como alvo. Mas é assunto pra depois.

                                                                Acordo de Sykes-Picot

quarta-feira, 22 de julho de 2015

O Estado Islâmico pode ajudar a resolver a Questão Palestina?

O fenômeno político recente, que divide a Palestina, deixou este conflito tão complexo ainda mais complicado e com uma resolução parecendo cada vez mais longe. Desde a escalada de violência no começo dos anos 2000 e a morte de Yasser Arafat, líder da Autoridade Nacional Palestina, em 2004, palestinos passaram a se dividir na disputa pelo poder.
O resultado de diversos conflitos internos foi um grupo considerado pelo Ocidente como terrorista, o Hamas, assumindo o controle na Faixa de Gaza, enquanto a chefia da Cisjordânia ficou com a ANP sob o comando de Mahmoud Abbas. A instituição é reconhecida internacionalmente como a representante dos interesses palestinos, cabendo a Abbas a máxima responsabilidade pelas negociações de paz com os israelenses. Já o Hamas é visto como um grupo terrorista por Israel e desde que assumiu o poder na Faixa de Gaza, em 2006, se envolveu em duas guerras com o país, a última no meio do ano passado.
O grupo tem uma ideologia islâmica, e desde a sua fundação é adepto do tudo ou nada para os palestinos, ou seja, uma luta até o fim de Israel e a retomada completa do lugar pelos árabes. A ANP negocia uma solução de dois estados, na qual Israel e Palestina coexistiriam dividindo Jerusalém como capital. Obviamente o crescimento do Hamas como representante dos palestinos deixou Israel mais longe das negociações para ceder seu território, o que pode mudar com o surgimento de adeptos do Estado Islâmico em Gaza.
Uma parte importante dos muçulmanos apoia a ideologia do Hamas, que é respaldada na Irmandade Muçulmana, maior e mais tradicional partido árabe, fundado em 1928 no Egito. Além disso, diversos governos têm boas relações com o Hamas, como Irã e Catar. No entanto a situação na Faixa de Gaza é caótica, com uma das maiores densidades demográficas do mundo e a maior taxa de desemprego do globo. Há uma grande parcela de jovens que se questionam o que o governo fez por eles, sendo ainda mais suscetíveis a ideias radicais do que iraquianos e sírios que gozavam, por incrível que pareça de condições melhores quando aderiram ao ISIS.
O ISIS não entrou oficialmente na Palestina, ainda assim diversas brigadas vem cometendo atentados ou contra oficiais do Hamas e da Jihad Islâmica, outro grupo importante, ou contra o Sul de Israel, e dizendo que fazem estes em nome da ideologia do Estado Islâmico, repreendida por praticamente todo muçulmano. O fato dos ataques terem origem em Gaza faz com que Israel culpe o Hamas por todos, já que o grupo tem responsabilidade pelo território.
O lado bom disso é que na tentativa de conter os radicais que atacam inclusive o próprio Hamas, o governo pode se tornar menos extremo, sendo mais tolerante inclusive a uma ajuda israelense. Do outro lado, Israel pode ver que o governo islâmico que sempre foi visto como a pior opção na Palestina, conta ainda com variações mais perigosas, já que a tendência de extremistas surgirem é enorme em condições difíceis como a vivida em Gaza. Desta maneira, quem sabe o ISIS não contribua para que, sendo um inimigo comum, dois adversários se aproximem.
Claro que há um risco. Se o ISIS realmente crescer na Palestina, Israel não medirá esforços para conter o ataque, o que seria péssimo para todos. Além disso, vale lembrar que o governo do Hamas tem graves problemas, como as dificuldades impostas a vida dos cristãos. Mas a alternativa, como verificamos em outras partes do Oriente Médio com a crucificação de seguidores do cristianismo, prova que pior do que está, fica sim.


domingo, 31 de maio de 2015

O Caos Faraônico no Egito (Part. II)

Seguindo o contexto do Egito pós-Primavera Árabe, chegamos à tomada do poder pelo militar Al-Sisi. Com eleições questionáveis, no entanto pouco contestadas no Ocidente, o atual presidente obteve quase 100% dos votos, e o Egito passou a ter um governo que prometia linha dura contra as ameaças terroristas, resgate das tradicionais alianças e o retorno de um estado laico.
As duas primeiras coisas foram mais fáceis. Retomando a aliança principalmente com os EUA, o Egito voltou a receber a tradicional mesada paga por Washington com o pretexto de combater o terrorismo na região. As críticas na mídia Ocidental ficaram mais escassas, e a situação financeira do país melhorou um pouco. Então faltava a terceira parte.
Al-Sisi decidiu colocar o maior partido do país, que havia vencido todas as eleições legislativas e executivas da história egípcia até então, na ilegalidade. Os membros da Irmandade Muçulmana passaram a sofrer perseguição e a serem presos aos montes. As acusações variavam das justas, como pelos abusos cometidos durante o regime anterior, de Mohamed Mursi, até absurdos como terrorismo e espionagem a favor do Irã, por parte de componentes pouco graduados do governo.
As sentenças vinham em bando e a revolta começou a se espalhar pelo Egito quando tribunais sujeitos ás intenções do governo passaram a condenar diversos membros da Irmandade á morte. Os protestos, organizados ou não pelo partido, eram duramente reprimidos pela junta militar o que gerava mais radicalismo por parte dos partidários mais extremos. Atos como a invasão de delegacias para libertar os condenados passaram a ser comuns e foram usados como justificativa para ainda mais condenações. Para conseguir apoio, as acusações eram acrescidas de que a motivação para a invasão das prisões era a de libertar membros do Hamas e do Hezbollah, grupos considerados terroristas pelo Ocidente, o que aumentou o apoio dos aliados internacionais aos atos do governo.
Enquanto Al-Sisi buscava condenar ainda mais a Irmandade Muçulmana, como em entrevista recente ao jornal espanhol El Mundo, na qual o presidente afirmou que o partido mais tradicional do islamismo era tão perigoso quanto a Al Qaeda e o ISIS, o Estado Islâmico ganhava mais força no país, principalmente na Península do Sinai. O local, famoso pelas disputas com Israel até a década de 80, passou a contar com células do grupo que lutam contra as poucas forças militares egípcias deslocadas até a região e impõe seu terror principalmente aos cristãos cooptas, maior comunidade cristã do Egito, com sequestros e execuções.
A situação do governo parecia estável, com a repressão continuando e uma relativa aceitação na comunidade internacional. As criticas não apareciam com frequência e o país foi ficando de fora das manchetes, apesar dos absurdos cometidos, afinal de contas como Al-Sisi disse na mesma entrevista, compare as cifras de mortos do Egito com a Síria e o Iraque. A declaração, que tem o mesmo valor de: “Claro que alguém não pode ser esfaqueado no Rio de Janeiro, mas olha quantas pessoas foram esfaqueadas em Maceió e Fortaleza nesse ano” foi superada em relação ao surrealismo quando Mohamed Mursi, primeiro presidente eleito da história do Egito foi condenado à morte em primeira instância.  O resultado, que pode ser alterado no dia 2 de junho, derivou de acusações como a relação do ex-presidente com os ataques ás prisões e teor terrorista destes atos, além de crimes durante seu mandato.
A mídia estrangeira passou a questionar o fato de um presidente democraticamente eleito ser condenado á morte menos de três anos depois do pleito, em pleno século XXI. A repercussão no Egito não foi das mais positivas, com apoiadores e opositores da Irmandade Muçulmana se juntando para protestar contra a decisão. A instabilidade se dá no momento mais critico das relações de Al-Sisi com o Ocidente, já que o governo egípcio se posicionou claramente contra o acordo nuclear com o Irã, encabeçado pelos EUA.
O acordo é prioridade no governo Obama e deve definir a política dos EUA para o Oriente Médio em um futuro próximo. Do lado do Egito, estão Israel e Arábia Saudita, que se opõe ao acordo temendo que o fim das sanções ao Irã aumente o poder do país na região, e o que acontecerá após o fim dos 10 anos de congelamento do desenvolvimento nuclear iraniano. Sabendo da dependência que seu regime tem em relação ao Ocidente, Al-Sisi foi mais tímido na oposição que sauditas e israelenses. Netanyahu, primeiro ministro de Israel, por exemplo, fez um discurso no congresso norte-americano criticando o acordo. O resultado foi uma deterioração entre Israel e EUA como poucas vezes foi visto na história.
O clima de instabilidade obviamente afetou e muito o turismo no país das famosas pirâmides, que com uma economia pouco desenvolvida, depende muito da atividade. Outro fator que ficou ainda mais escancarado com a crise no país é a violência contra as mulheres, sendo raríssimos os relatos de alguma que andou pelas ruas do Egito e não sofreu assédio. Estudos indicam que 83% das mulheres egípcias disseram já ter sofrido algum tipo de agressão. A sensação de frustração dos jovens e as vertentes tradicionais que minimizam o papel feminino na sociedade são os principais culpados pelo fato de o mesmo estudo dizer que 63% dos homens assumiram já ter cometido assédio e isso não ser visto como um absurdo pela maioria.
A maior nação árabe, berço do Islamismo moderno e dona de uma história milenar ser guiada por interesses de fora, muitas vezes pouco voltados ás reais ambições dos locais, e a disputas internas em que políticos democraticamente eleitos podem ser condenados á morte no próximo governo, ajuda a explicar a situação de deterioração do mundo árabe.  
E esse é o Egito depois da Primavera Árabe. Saber o que deve acontecer no país em um futuro próximo é tão complicado quanto descobrir o passado da terra dos faraós.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

#YoSoyLatino

Não tem como ver as imagens dos assassinatos com AK-47 em Paris e não sentir que uma parte da humanidade também morreu em cada tiro. A questão é: como foi comentado sobre as atrocidades na Nigéria nas últimas semanas, não devemos jogar as barbáries que não são filmadas para segundo plano. Iguala, como brilhantemente trouxe a última edição da Piauí, demonstrou que o ser humano sempre pode se superar quando o quesito é aterrorizar a vida alheia.
Iguala não só mostrou o quão cruel pode ser a humanidade, como mostrou que enquanto os olhos do mundo, incluindo os de boa parte da América Latina, estão voltados para execuções que parecem brigar pelo Oscar de melhor produção, o continente que abriga 9% da população mundial, tem 30% dos homicídios de todo o mundo. Enquanto o Estado Islâmico coloca um menino de aproximadamente 10 anos para realizar suas execuções e aparecer o máximo possível, o México é sede do Zetas, o grupo que ostenta a marca de mais decapitações no planeta.
Pouco antes dos ataques ao Charlie, eu conversava com uma senhora simpática e educada que me confessou: “Eu tenho medo do terrorismo islâmico.” Eu respondi: “Eu também tenho, acho que os grupos estão ficando cada vez mais violentos, mas tenho mais medo do que tá acontecendo na América Latina.”“ Como assim?” “O que aconteceu no México, o que acontece sempre no Brasil, a quantidade de gente que ouvimos que morreu por conta do tráfico de drogas.” Falei algumas estatísticas, e ela parece ter entendido a questão. Mas ainda acho que depois do Charlie ela deve estar com problemas para dormir.
A Al Qaeda busca os alvos em que o terror causado por seus ataques será o maior possível. O Estado Islâmico utiliza dos maiores requintes de crueldade possíveis em suas execuções que são reproduzidas no mundo todo. Em Iguala, os narcotraficantes incineraram por horas os corpos (o processo começou com alguns estudantes ainda vivos) na tentativa de esconder ao máximo as atrocidades.
A guerra do terror jihadista é por propaganda. A da América Latina é contra o narcotráfico. A questão levantada em Iguala é: quem luta de qual lado? Quando um prefeito ordena um massacre, movimentando a polícia, o tráfico local, a mídia, fica bem mais difícil entender os lados do conflito. Quando o Capitão Nascimento mostra em Tropa de Elite 2 que o inimigo é quem deveria estar protegendo a população, e que milicianos podem ser até piores que traficantes, fica evidente que nossa luta é mais complicada do que a contra jihadistas ensandecidos.
Isso por que até agora só foi falado sobre os dois países mais ricos em que o problema é latente. Em Honduras (maior taxa de homicídios do mundo), El Salvador, Belize, Nicarágua, são comuns casos em que os conflitos pelo comando do tráfico são mais relevantes para a população do que o governo central. Fica até complicado de chamar de narcoestado, já que o "narco" é mais relevante que o próprio estado.
Enquanto Peña Nieto foi eleito no México pelas propostas apresentadas para modernizações econômicas, as eleições na Colômbia se basearam mais na relação do futuro governo com as FARC do que nas políticas públicas que viriam a ser adotadas por quem fosse eleito. Santos venceu as eleições e aparece nos noticiários internacionais apenas por conta das complicadas negociações com o grupo. Pelo menos não fez como o mexicano que vêm aparecendo por conta de escândalos.
Talvez as propostas liberais para as drogas se mostrem um grande equivoco com o passar dos anos. O fato é que Mujica, FHC e outros líderes menos influentes ao trazerem o tema à tona, fazem um enorme favor a todo o continente. Após o procurador encarregado de responder sobre Iguala declarar: “ya me cansé” sobre a série de dúvidas sobre o caso, os mexicanos passaram a usar a expressão, mas no sentido em que realmente é válido: “ya me cansé” da matança generalizada que ocorre embaixo dos nossos narizes, “ya me cansé” de não saber se devo confiar mais em um traficante ou em uma autoridade. Só depois de protestos dessa grandeza que os maiores afetados ganharam voz e o tema ganhou a devida importância.
Em 2015, teremos reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA), com a histórica participação de Cuba após o fim do embargo. A oportunidade de discutir de verdade os problemas do continente se aproxima, resta saber se o discurso vai ficar em uma série de propostas vagas, sem efeito prático mais uma vez, e se Iguala se tornará apenas estatística.
Eu, como todo defensor da democracia liberal, senti que perdemos muito no 7 de janeiro. Mas diferente do que muitos enxergam, acho que perdemos todos os dias quando democracias passam a ser comandadas pelo narcotráfico e matam ferozmente os jovens latinos, sem câmeras ou grandes produções.  #JeSuisCharlie , mas antes, sou apenas um rapaz latino americano.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Teoria da relatividade

Tudo é relativo. O sucesso de alguns é determinado muitas vezes pelo quanto a pessoa consegue assimilar este fato. Parece que Obama conseguirá salvar sua imagem em relação à política externa por ter entendido bem a relatividade no mundo. Seu antecessor, Bush filho, deve grande parte do seu insucesso a uma ideia medieval de classificar o mundo entre bem e mal.
E não bastou para Bush classificar mentalmente. Criou o “eixo do mal” e enfraqueceu bastante as relações com aqueles que não se enquadravam nos ideais do republicano. O resultado foi o fracasso no Iraque, que reflete na atual crise, o relativo insucesso no Afeganistão, e uma das piores avaliações de um presidente norte-americano na história.
Os erros causados pela infantilidade de Bush em classificar o mundo em bem e mal, refletiram diretamente nas opressões xiitas do governo iraquiano, e como consequência no sentimento de revolta sunita que levou a criação do ISIS. O grupo surgiu em meio a um Iraque em colapso, no qual a região em melhores condições era o Curdistão, que deteve enorme autonomia do governo de Bagdá.
A revolta ignorada gerou uma das maiores barbaridades do século XXI, não suficientemente retratada por conta das dificuldades envolvendo coberturas jornalísticas, que costumam acabar em sequestros e cenas lamentáveis. Cristãos, curdos e xiitas são também vítimas de atrocidades da mesma intensidade dos jornalistas, ainda que pouco noticiadas.
Sem intervenção nada disso acaba, e quem sabe quais serão os estágios atingidos pelo grupo, que se auto intitulou Estado Islâmico justamente pelas limitações que a sigla ISIS, referência à Síria e Iraque causam. Uma expansão para o Afeganistão é cogitada e segundo alguns, já foi concluída. A questão, e ai que entra a grande diferença de Obama, é que os EUA nunca conseguiram atingir seus objetivos no Oriente Médio sem uma coalizão, a única que vez que o fizeram, foi com o pai de George Bush, na Guerra do Golfo.
Provavelmente a investida na Síria para tirar Assad do poder teria sido mais um desses fracassos, e com a irônica consequência de que o grupo mais cotado para assumir seria justamente o ISIS. Assad é péssimo, atenta contra os direitos humanos, usou armas químicas, mas consegue ser mais estável e confiável do que o ISIS. Obama usou a relatividade, ou o bom senso, e usará Assad enquanto for conveniente, e o Goleiro Bruno Sírio faz justamente o que lhe convém, se mantém no poder a todo custo.
Um dos principais aliados de Obama será o regime xiita do Irã. Neste momento a relatividade do democrata se faz ainda mais presente. Os EUA, ainda que com imensa cautela quanto ao anúncio oficial, irão se unir contra um inimigo comum com um integrante do “eixo do mal” de Bush. O que muitos podem ver como ironia, para mim é mero bom senso.
“O Estado Islâmico não é um estado” e “O Estado Islâmico não é islâmico”, gostei do discurso de Obama. Evidentemente, gostei da coalizão. A grande questão é o que se dará a seguir no imprevisível Oriente Médio, já que há um ano, me faltava capacidade de relativizar, e, portanto eu não via opções muito piores do que Assad. A questão é que mais uma vez tenho de criticar o extremismo, por conta de ouvir frases como: “A Al Qaeda perto do EI é um grupo de escoteiros” ai, ainda mais em um  “11 de setembro”, fica bem complicado de relativizar.