quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Mais uma semana de 2016...

Terceira Guerra?
Claro que causa alvoroço o assassinato do embaixador de uma das maiores potências do mundo, mas boa parte das preocupações com a execução do representante russo foi exagerada. Rússia e Turquia estiveram em grande tensão no fim do ano passado, quando os turcos abateram um avião russo, o que desencadeou sanções e diversas acusações entre os dois países. Mas em 2016 as duas nações restabeleceram relações diplomáticas, o que é de bastante interesse mútuo.

Junto ao Irã, nesta mesma semana Turquia e Rússia criaram um pacto conjunto de cooperação, em especial para lidar com o terrorismo. Irã e Rússia apoiam o ditador Bashar Al-Assad na Síria, e os turcos sempre foram um dos maiores opositores do regime, inclusive financiando terroristas. As conjunturas deram vitórias a Assad, o que deve reduzir a influência turca no país, mais restrita na contenção dos curdos ao norte. A morte do embaixador russo em termos geopolíticos enfraquece a Turquia, já que desestimula o turismo, fonte vital de renda do país, e que já vinha debilitada desde os últimos ataques terroristas. 

Provavelmente Erdogan, que vem aproveitando a tentativa de golpe de estado em julho deste ano para destroçar toda a oposição, deve vincular o atentado a seu grande rival, o clérigo Fetullah Gulen, ou aos curdos do PKK. A Rússia já ofereceu ajuda para esclarecer o atentado, o que prontamente foi aceito pela Turquia. Os dois países vão cooperar, condenar o terrorismo e priorizar outros aspectos da relação. Nada de terceira guerra. Acho que decepciona alguns.

Terror na Alemanha
A despeito do que as acusações populistas e a agência do Grupo Estado Islâmico, ou Daesh, possam fazer parecer, o ataque com o caminhão em Berlim demanda muita cautela. Um paquistanês foi preso e logo depois liberado por falta de provas, enquanto islamofóbicos e xenófobos se deleitavam em acusações nas redes sociais. O Daesh se apressou em reclamar a autoria do atentado por meio de seu meio de comunicação, a agência Amaq, o que faz total sentido. Os terroristas não tem nada a perder vinculando uma informação como esta, e se apresentam como importantes, enquanto o grupo não para de sofrer derrotas militares em seus locais de origem. A mídia informando a suposta autoria como “breaking news”, ou seja, de suma importância, é tudo o que o grupo quer.

Merkel enfrentará grande pressão até as eleições do ano que vem, quando tentará mais um mandato. Um deputado do AfD, o partido de extrema-direita alemão, indicou logo depois do atentado que a chanceler teria “sangue em suas mãos”, por conta da sua política de recepção aos refugiados. Até o momento Merkel é favorita para vencer as eleições, mas existem muitas possibilidades nestes próximos nove meses, como 2016 nos provou. Cautela e pragmatismo serão extremamente necessários para a estadista que como apontada em 2015 pela revista Time, é a “chanceler do mundo livre”. Mais do que nunca.

Enquanto isso...
Na República Democrática do Congo, que não é o Congo (os dois países são banhados pelo rio, pasmem, Congo), a situação é extremamente delicada. O presidente Kabila deveria ter deixado o cargo, que ocupa desde 2001, na última segunda-feira, o que não aconteceu. Kabila deveria ter organizado novas eleições, o que protelou e quer fazer em meados de 2018, e, claro, se mantendo no cargo até lá. O presidente chegou ao poder depois que seu pai foi assassinado em 2001, e venceu eleições em 2006 e 2011. A constituição impede mais um mandato, o que Kabila tenta burlar de todas as formas.

A população foi às ruas protestar pela saída do presidente, e foi duramente reprimida. As redes sociais foram cerceadas, e os relatos de prisões arbitrárias se espalharam pela República. A comunidade internacional pressiona Kabila pela saída, mas não tem planos de ação até aqui para fazê-lo na prática. A R.D.C enfrentou uma violenta guerra civil durante a década de 90, e é um país tido por muitos como ingovernável desde sua independência em 1960. Os conflitos desde então deixaram, segundo estimativas, ao menos três milhões de mortos. A ONU confirma 260 mil mortes na Guerra da Síria. Não dá para ignorar.

"World in 1 minute" do mestre Ian Bremmer, presidente da Eurasia:
https://twitter.com/ianbremmer/status/811329245179969536
Sei que não cheguei nem perto, mas como dizem, primeiro passo é tentar...

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

O marxismo de Trump

A frase de Marx: “Eu tenho meus princípios. Se você não gosta dele, bem, eu tenho outros” foi usada de maneira brilhante no editorial do New York Times no dia 24 de novembro, para referir-se às posturas de Trump desde sua eleição. A máxima é uma das melhores proferidas por Groucho Marx, humorista norte-americano dotado de uma das visões irônicas de mundo mais interessantes do século XX. Não à toa, Marx é o maior ídolo de Pernalonga, outra grande figura do período. Já Trump não tem graça. Usa a volatilidade de um adolescente tentando se enquadrar em diferentes grupos para comandar a maior potência do planeta.

A segunda-feira dessa semana começou com bons indícios para o meio-ambiente. Trump se encontrou com Al Gore, que já foi vice-presidente dos EUA, e que saiu derrotado nas eleições de 2000 no colégio eleitoral, apesar de ter tido mais votos no país, assim como Hillary Clinton. Desde então Al Gore é uma das mais proeminentes figuras na defesa do clima, conseguindo grande destaque para a questão depois de seu filme “Uma Verdade Inconveniente”, um marco no tratamento sobre as mudanças climáticas. Ambos declararam saírem satisfeitos da reunião, o que animou os ambientalistas. Depois de eleito, Trump, em entrevista ao New York Times indicou que acredita que o homem possa ter impacto nas mudanças climáticas. Já durante a campanha, o magnata chegou a propor que o aquecimento global era uma invenção chinesa.

Na prática, o bilionário nomeou no dia seguinte Scott Pruitt para a Agência de Proteção ao Meio-Ambiente, E.P.A. na sigla em inglês. Pruitt é o promotor geral de Oklahoma, estado com a maior utilização intensiva de hidrocarbonetos nos EUA. O promotor chegou a entrar com ações contra a própria E.P.A., e segundo indícios, cartas que o mesmo enviou ao processo teriam sido redigidas por agentes da indústria do petróleo. Pruitt foi um ardoroso opositor das regulamentações ambientais de Obama, que possibilitaram, por exemplo, o Acordo de Paris. Por fim, o novo homem forte da E.P.A. diz não acreditar no homem como transformador do clima.

Trump foi eleito com um discurso voltado aos trabalhadores, que estariam sendo derrotados com a globalização. Como secretário de Emprego, o presidente eleito dos EUA nomeou Andrew Puzder. O novo secretário é responsável por uma cadeia de fast-foods, ramo conhecido nos EUA pelas condições de trabalho ruins. Puzder é contra o aumento do salário mínimo no país, atualmente em U$$ 7,25 a hora, o que é insuficiente para muitos trabalhadores manterem ao menos suas casas. Além disso, a rede comandada por Puzder foi condenada em 60% dos casos trabalhistas pelos quais a processaram, a maioria por não pagamento do mínimo e falta de remuneração por horas extras.

Goldman Sachs e Wall Street foram acusados ferozmente durante a campanha de Trump de serem responsáveis por grande parte dos problemas norte-americanos. Eis que o nomeado para o cargo de secretário do Tesouro é Steve Mnuchin. O escolhido por Trump para cuidar do dinheiro no país trabalhou por 17 anos no Goldman Sachs. Outra figura importante de Wall Street que vai compor o novo governo é Wilbur Ross, investidor de ativos em crise, os apelidados “tubarões”, e que chefiará a pasta do Comércio.

Após um mês eleito, Trump já criou um desgaste diplomático com a China ao atender um telefonema da presidente de Taiwan. Recebeu elogios de Duterte, presidente das Filipinas que chamou Barack Obama de “filho da p...” e é responsável por uma política de execuções extraoficiais que já matou milhares. Nomeou o editor de um site supremacista branco para ser conselheiro da Casa Branca e um islamófobico para o Conselho de Segurança. Mas nada disso surpreende, já que seguindo outra máxima de Marx: “Acho que a televisão é muito educativa. Todas as vezes que alguém liga o aparelho, vou para a outra sala e leio um livro” Trump, que fez carreira com seu reality show na televisão, não dá mostras de ter recebido tal educação.

Al Gore comenta encontro. Esperança durou pouco