quarta-feira, 29 de julho de 2015

Dilma no Divã

Vejo sintomas na personalidade de Dilma que podem ter ajudado a colocar o Brasil na profunda crise atual. O motivo é que apesar de discordar em quase tudo da presidente, vejo grandes semelhanças no modo de agir dela com o meu.
Dilma é economista formada na Unicamp, graduação famosa no Brasil pelo viés de esquerda keynesiana. Eu me recuso a acreditar que durante seu primeiro mandato, Dilma não foi avisada das grandes implicações que a manutenção da política econômica brasileira em meio a uma projeção de dificuldades no cenário internacional, faziam com que a continuidade de elevados gastos sociais sem reinvestimento em infraestrutura pudesse colocar o Brasil onde está. Acredito que a presidente deva ter ouvido os avisos, agradecido por estes, no entanto dito que havia sido eleita com as propostas de não cortar benefícios sociais, e que daria a última palavra, por conta de seu cargo. Deu no que deu.
Se Dilma fosse uma ministra da Fazenda que tivesse dado os avisos e estes tivessem sido dispensados pelo presidente, acredito que ela teria simplesmente feito um ultimato, dizendo que não colocaria seu nome em risco por conta de uma política que não era aquela com a qual ela concordava. A postura se repetiu na articulação política, com a enxurrada de ministros que foram demitidos por Dilma no começo do seu primeiro mandato, o que certamente estremeceu sua relação com a base aliada que hoje em dia é sua maior inimiga. Sem dúvida, houve aviso.
Dilma fez seu mandato de 2011 até as eleições de 2014. Com o país em crise e sua popularidade em baixa, a presidente viu que para manter o poder deveria começar a compor um governo, e óbvio, não gostou disso. Para uma economista ver sua política econômica aplicada durante quatro anos levar o país à ruína, e depois ter que chamar um liberal com uma visão completamente diferente da sua para dar uma guinada totalmente oposta no país, não é fácil.
O mesmo vale para a articulação política, que ficou com o vice Michel Temer, praticamente decretando a soberania do PMDB no poder. A presidente de certa forma terceirizou seu mandato, delegando a economia e a composição do governo a duas visões diferentes da sua e parece que dificilmente vai mudar isso. O resultado é a apatia de Dilma, que parece simplesmente querer a chegada de janeiro de 2019 logo, com o menor número possível de bobagens ditas em seus discursos, e finalmente descansar tranquila deixando picuinhas e ofensas de lado. A lista de interessados pela posição é grande e não quer de forma alguma esperar até as eleições de 2018.
Em uma comparação esdrúxula, mas acho que motivada pelo mesmo fim, acredito que Dilma, assim como eu, detestava trabalho em grupo na escola ou na faculdade. Ela só devia aceitar duas maneiras para fazer tal: ou escolhia e mandava em tudo, independente do que qualquer colega falasse, como seu primeiro mandato; ou simplesmente ficava de lado, sem participar de nada, apenas ouvindo e torcendo para tudo aquilo acabar logo e enfim ela poder tomar uma cerveja no Sebá, assim como seu segundo governo. Talvez a parte do Sebá não seja coisa exatamente da Dilma, mas dá no mesmo.
A questão é a seguinte: há um governo. Ele é composto por deputados, senadores, ministros e boa parte das pessoas mais competentes de um país para fazê-lo funcionar da melhor maneira possível. O líder disso tudo deve saber ouvir e tomar a melhor decisão possível, depois de intensas discussões para saber qual é esta. Eu quero ser um jornalista, não um político, exatamente por saber que eu não sei fazer isso. Se cinco anos atrás alguém também tivesse tomado essa decisão, provavelmente estaríamos bem melhores.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

O Prêmio das Delações

É bem complicado falar sobre a política de um país em que o resultado de uma investigação tem mais impacto do que as próprias peças do cenário. Soma-se a isso a clara divisão criada no país desde as eleições do ano passado em que comentários um pouco mais críticos ao governo podem levar a uma sentença de golpismo e em contrapartida um elogio já é quase uma nota fiscal para demonstrar que você foi comprado pela situação. Se alguém ainda não percebeu isso, faça o seguinte exercício: abra uma notícia sobre política de um jornal estrangeiro e leia os comentários. Há discussões e argumentos e poucas vezes vi Angela Merkel ser chamada de vaca ou Isaac Herzog ser acusado de golpista.
Claro que o cenário de crise política deriva em grande parte dos fracassos econômicos recentes do Brasil e que enquanto inflação e desemprego estavam controlados, os nomes do vice, do presidente da câmara e do ministro da Fazenda sequer eram de fato conhecidos pela maioria. A partir do momento que uma eleição termina com a oposição fortalecida e o mais alto escalão do governo sob suspeita em uma investigação, o cenário se faz perfeito para a disputa pelo poder.
O PMDB soube explorar isso muito bem, exemplo foi a articulação política ter ficado com Michel Temer com menos de seis meses de novo governo. Uma movimentação que deixou claro que desta vez o partido seria protagonista. A presidência da câmara foi a grande vitória do PMDB que se aliou a oposição e se impôs sobre um governo enfraquecido e que tinha cada vez menos apoio. Medidas de grande apelo popular, junto a uma enorme quantidade de votações que dão a impressão de que a câmara está de fato trabalhando, levaram a Eduardo Cunha uma popularidade alcançada poucas vezes por alguém em seu cargo na história do Brasil. Junto a isso, a alcunha de primeiro-ministro, que se fez cada vez mais verdadeira com a apatia da presidente, o que levou a até comparações desta com a Rainha da Inglaterra.
Tudo indicava que Cunha só esperava o momento certo para romper de vez com o governo, e com sua enorme base de apoio, de fato se consolidar como a principal força política do país, dominando a câmara enquanto a presidente ficava com uma aprovação abaixo dos 10%. Eis que uma delação colocou o político em uma situação complicada, com indícios de que teria recebido 5 milhões de dólares nos esquemas que assolam o país. Cunha agiu rápido e rompendo sua ligação com o governo, conseguiu uma manchete que ofuscou a acusação. Ainda assim a perda de capital político foi enorme e boa parte dos quadros que o apoiavam incondicionalmente não vão querer ter seus nomes ligados a um caso de corrupção. É cedo para decretar seu fim político, ainda assim o primeiro-ministro de sucesso meteórico vai ter que segurar suas aspirações por um tempo.
Com o PT se desgastando cada vez mais, a alternativa para muitos políticos com medo de arranhar sua imagem foi atacar o partido, óbvio, criticando a corrupção e ganhando apoio popular. Marta Suplicy encabeçou o movimento e inclusive rompeu com o PT. Lula, visto como o Dom Sebastião brasileiro, na lenda o rei português que retornaria depois de anos para salvar o país, cada vez mais se distância do governo e já dá mostras de que pode se inspirar em José Mujica e criar uma Frente Ampla de esquerda. Tudo isso, claro, contando que os resultados das investigações permitam a carreira do Dom Sebastião tupiniquim, assim como seu estado de saúde.
O esgotamento do PT fragmentou o principal partido da oposição (a maior oposição é interna, sem dúvidas), o PSDB vê 2018 como momento ideal para vencer as eleições e evidentemente o quadro paulista liderado por Alckmin e Serra não está satisfeito com o candidato natural do partido, Aécio Neves para as eleições. A disputa interna pode dificultar a campanha do partido, assim como a participação de um candidato do PMDB, que é praticamente garantida.
30%. Segundo a agência de classificação de risco Eurasia, uma referência no mundo, essa é a chance de Dilma Rousseff não terminar o mandato. O número é muito alto principalmente levando em conta que ainda faltam mais de três anos para a presidente. A agência demorou muito para aumentar de 20% para 30% a possibilidade e há grandes indícios políticos de que a oposição, apesar de resistência interna, se movimente para um impeachment, e não, isso não tem nada com golpe. Todo este cenário depende do prosseguimento das investigações da Lava Jato e que CPI’s como a do BNDES não sejam abertas, já que estas podem tornar tudo ainda mais complicado para o governo.
Há chances para Dilma e o PT? Acredito que sim, apesar de vencer 2018 sem Lula ser praticamente impossível, uma recuperação econômica pode colocar o partido a ser de novo uma força importante, ainda que não para cargos majoritários. O rompimento de Eduardo Cunha junto às denúncias ao deputado pode ter sido a primeira boa notícia para os governistas em muito tempo. O fato é que 2018 está muito longe e quando o juiz Sérgio Moro passa a ser uma figura mais ativa politicamente que Dilma Rousseff e suas mandiocas, alguma coisa não está certa. A justiça tem seu preço.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

É a Economia, estúpido

O título é uma referência à campanha de Bill Clinton em 1992, que buscava mostrar que os problemas dos EUA no geral começavam com o mau momento econômico do país. No Brasil em 2014, excetuando aqueles que dizem não ver a crise e que vão achar tudo isso sem sentido, os problemas políticos não podem ser dissociados do difícil momento econômico que o país atravessa. Incompetência administrativa, gastos públicos excessivos e a corrupção aparecem como os principais vilões, mas há questões além dessas.
As dificuldades começaram a aparecer no meio do governo Dilma, um grande marco para entender como o desempenho econômico de um país é visto no estrangeiro são as referências a este na The Economist. Em meados daquele ano, uma capa da revista foi a do Cristo Redentor desgovernado no céu do Rio de Janeiro. Quatro anos antes, quando as medidas do governo viviam seu auge e como Lula disse, a crise financeira mundial havia atingido o Brasil apenas como uma “marolinha”, a capa da mesma revista era a mesma estátua, decolando. O interessante é que as mesmas apostas que salvaram o Brasil do momento delicado em 2008 nos colocaram neste.
Externamente o PT aplicou uma ousada aproximação com a China e um consequente distanciamento dos EUA, tradicional parceiro. A isso, somou-se a união entre os vizinhos que faziam parte do MERCOSUL, e que assim como o Brasil, possuíam uma estratégia de distância dos ianques. A estratégia deu certo durante o auge do crescimento chinês, salvou a Argentina da enorme crise de 2001, levou grande desenvolvimento social a Venezuela e Brasil e ajudou Paraguai e Uruguai. Vender principalmente commodities à China para sustentar sua invejável infraestrutura se mostrou um grande negócio. O problema é que os governos de imenso apelo populista não reinvestiram dinheiro em infraestrutura por aqui, deixando seus países altamente dependentes de vender matéria prima aos chineses.
Por outro lado no continente, Peru, Colômbia e Chile não deixaram de exportar para a China, ainda assim, sem o que ficou conhecido como “amarras do MERCOSUL”, estes países buscaram ampliar seu comércio, principalmente para o promissor mercado do Pacífico. Só para se ter uma ideia, o país que mais deve crescer este ano é Papua Nova-Guiné, com os assustadores 15%, sendo um bom representante do que investir nas economias pouco desenvolvidas dessa região do mundo pode render. Colômbia e Peru lideram com sobras o crescimento na América do Sul, com médias entorno de 4% de aumento no PIB nos últimos anos, enquanto vale lembrar que Brasil, Argentina e Venezuela beiram a recessão.
O ciclo de crescimento absurdo chinês começou a dar mostrar de estar saturado. Com a adesão da paupérrima Bolívia recentemente, o que restou no MERCOSUL para o Brasil foi uma Venezuela absolutamente arrasada pela baixa do petróleo, uma Argentina em grave crise, um Paraguai que sequer conta com saída para o mar. A melhor condição fica com o Uruguai, um país com uma população equivalente a da Grande Salvador e que não pode ser considerado um grande parceiro para sustentar a sétima economia do mundo.
Internamente, apostar em crédito fácil e concessões como a redução do IPI, resolveu em um primeiro momento. O Brasil não sofreu com o desemprego, as indústrias seguiram em um bom nível e o país não foi fortemente afetado. O problema é que não dá para apostar para sempre que a população seguirá comprando carros e os chamados eletrodomésticos da linha branca todos os anos, o que acarreta que em um momento de desconfiança como este, as compras começam a cair, o resultado é crise no setor e o enorme número de demissões a que assistimos diariamente.
Altas da taxa de juros e do dólar são dois dos principais remédios para o problema. Apesar de poder atrapalhar planos em curto prazo, é graças à desvalorização do real que não temos nem chances de virar uma Grécia. O fato da moeda grega não poder ficar mais barata, e, portanto as exportações ficarem mais competitivas, sem aprovação da Zona do Euro talvez tenha sido o grande vilão do atual momento grego. Os juros ajudam a atrair investimento estrangeiro, e usando o parâmetro dos principais veículos internacionais do assunto, o Financial Times e a The Economist, parece que o Brasil vai retomando a confiança. No começo do ano, o FT chegou a inclusive a publicar um artigo que listava dez motivos pelos quais Dilma não terminaria o mandato. Os elogios a Joaquim Levy, chamado de “Chicago Boy” por conta de sua formação acadêmica também são frequentes nas publicações.
A medida é difícil de aceitar, mas tem de ser a austeridade. Voltando ao começo do texto, realmente há enormes gastos no governo e só o corte de muitos podem colocar o país na reta do crescimento e trazer de volta a confiança internacional. O problema são os desdobramentos políticos disso e o que ainda não veio à tona. Assunto para logo.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

O Estado Islâmico pode ajudar a resolver a Questão Palestina?

O fenômeno político recente, que divide a Palestina, deixou este conflito tão complexo ainda mais complicado e com uma resolução parecendo cada vez mais longe. Desde a escalada de violência no começo dos anos 2000 e a morte de Yasser Arafat, líder da Autoridade Nacional Palestina, em 2004, palestinos passaram a se dividir na disputa pelo poder.
O resultado de diversos conflitos internos foi um grupo considerado pelo Ocidente como terrorista, o Hamas, assumindo o controle na Faixa de Gaza, enquanto a chefia da Cisjordânia ficou com a ANP sob o comando de Mahmoud Abbas. A instituição é reconhecida internacionalmente como a representante dos interesses palestinos, cabendo a Abbas a máxima responsabilidade pelas negociações de paz com os israelenses. Já o Hamas é visto como um grupo terrorista por Israel e desde que assumiu o poder na Faixa de Gaza, em 2006, se envolveu em duas guerras com o país, a última no meio do ano passado.
O grupo tem uma ideologia islâmica, e desde a sua fundação é adepto do tudo ou nada para os palestinos, ou seja, uma luta até o fim de Israel e a retomada completa do lugar pelos árabes. A ANP negocia uma solução de dois estados, na qual Israel e Palestina coexistiriam dividindo Jerusalém como capital. Obviamente o crescimento do Hamas como representante dos palestinos deixou Israel mais longe das negociações para ceder seu território, o que pode mudar com o surgimento de adeptos do Estado Islâmico em Gaza.
Uma parte importante dos muçulmanos apoia a ideologia do Hamas, que é respaldada na Irmandade Muçulmana, maior e mais tradicional partido árabe, fundado em 1928 no Egito. Além disso, diversos governos têm boas relações com o Hamas, como Irã e Catar. No entanto a situação na Faixa de Gaza é caótica, com uma das maiores densidades demográficas do mundo e a maior taxa de desemprego do globo. Há uma grande parcela de jovens que se questionam o que o governo fez por eles, sendo ainda mais suscetíveis a ideias radicais do que iraquianos e sírios que gozavam, por incrível que pareça de condições melhores quando aderiram ao ISIS.
O ISIS não entrou oficialmente na Palestina, ainda assim diversas brigadas vem cometendo atentados ou contra oficiais do Hamas e da Jihad Islâmica, outro grupo importante, ou contra o Sul de Israel, e dizendo que fazem estes em nome da ideologia do Estado Islâmico, repreendida por praticamente todo muçulmano. O fato dos ataques terem origem em Gaza faz com que Israel culpe o Hamas por todos, já que o grupo tem responsabilidade pelo território.
O lado bom disso é que na tentativa de conter os radicais que atacam inclusive o próprio Hamas, o governo pode se tornar menos extremo, sendo mais tolerante inclusive a uma ajuda israelense. Do outro lado, Israel pode ver que o governo islâmico que sempre foi visto como a pior opção na Palestina, conta ainda com variações mais perigosas, já que a tendência de extremistas surgirem é enorme em condições difíceis como a vivida em Gaza. Desta maneira, quem sabe o ISIS não contribua para que, sendo um inimigo comum, dois adversários se aproximem.
Claro que há um risco. Se o ISIS realmente crescer na Palestina, Israel não medirá esforços para conter o ataque, o que seria péssimo para todos. Além disso, vale lembrar que o governo do Hamas tem graves problemas, como as dificuldades impostas a vida dos cristãos. Mas a alternativa, como verificamos em outras partes do Oriente Médio com a crucificação de seguidores do cristianismo, prova que pior do que está, fica sim.


terça-feira, 14 de julho de 2015

Acordo para quem?

Enfim a paz chegou ao Oriente Médio? Não. Foi um erro histórico que tornou o mundo um lugar mais inseguro? Provavelmente não. Mas o acordo nuclear do G5+1 (Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha) com o Irã foi um dos maiores acontecimentos desde o fim da Guerra Fria.
Primeiro pelas opções sugeridas ao invés dele: mais sanções ao Irã ou uma intervenção militar. A segunda provavelmente iria causar a maior guerra do mundo desde as duas grandes, tornaria o Oriente Médio um completo caos, atacando um país riquíssimo com quase 80 milhões de habitantes. A humanidade já deu grandes lições de sua estupidez , mas essa ainda assim surpreenderia. A outra dificilmente impediria a fabricação de armamento nuclear pelo Irã e apenas dificultaria ainda mais a vida de sua população, além de não aumentar a oferta de petróleo. Cada um escolhe o que acha pior.
Quem não gostou do acordo, que torna o mundo um lugar mais seguro por pelo menos dez anos, foram os países árabes sunitas, liderados pela Arábia Saudita, além de Israel. A resolução era o principal tema da campanha do primeiro ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que usou o medo da sua população de um vizinho que sequer reconhece Israel como país desenvolver armas nucleares. Apesar das estratégias propostas por ele serem absurdas, como a intervenção militar no Irã, somadas a uma postura israelense hipócrita, já que o país desenvolveu secretamente armas nucleares, Netanyahu usou bem eleitoralmente o temor de sua população e conseguiu se reeleger. E fez isso mesmo com uma das piores avaliações externas de um primeiro ministro israelense na história. Sem dúvidas ele e seu Likud não gostaram do acordo.
O outro lado é mais complicado e pode sim ser o principal ponto de discussão sobre o quanto o acerto é positivo. O mundo ficou mais seguro, já o Oriente Médio em futuro próximo talvez não, mesmo que o Irã não tenha condições de fabricar os armamentos. O regime iraniano dos aiatolás já influencia pelo menos cinco países com populações xiitas. Líbano e Bahrein possuem uma estabilidade maior, fato que não ocorre nas disputas entre sunitas e xiitas pelo poder na Síria, Iêmen e Iraque. É difícil dizer se governos financiados pelo regime ditatorial saudita e seus aliados do golfo são melhores que os que agora terão mais dinheiro iraniano envolvido, com a retirada das sanções sobre o petróleo do país. O fato é que olhando para um espaço de tempo breve, estabilidade na região não deve ser um legado do acordo. Ainda assim, não ter um governo hostil por tanto tempo com armamento nuclear naquela região não pode ser visto como um retrocesso de paz.
Os dois grandes interessados no acordo foram o governo Obama e os próprios iranianos. Uma metáfora que ficou comum nos Estados Unidos comparava o acerto com o Irã à baleia Moby Dick. Obama sabia que apostar todas as suas fichas naquele acordo poderia afundar de vez o seu governo, criticado pela ineficiência. Vale lembrar que duas promessas de campanha, a retirada total de tropas do Afeganistão e o fechamento de Guantánamo ficaram bem longe de serem cumpridas.
Aparecia ali a grande oportunidade para salvar o legado de um presidente que chegou prometendo bastante, levou até um Nobel da Paz por isso, mas ficou bem aquém. As negociações começaram em 2013, quando os democratas ainda tinham maioria na Câmara e no Senado, e na medida em que a situação política começava a virar, inclusive com a perda das duas casas no ano passado, Obama passou a ter pressa. Se houver uma votação contrária ao acordo, ainda caberá o veto presidencial, que por conta do tipo de negociação feita, só pode ser retirado por dois terços do senado. Praticamente impossível. Se um republicano vencer no próximo ano, algo no mínimo difícil, este poderá até tentar invalidar o acordo, mas ainda seria uma tarefa muito complicada.
A pressa de Obama só ajudou o grande beneficiado com o acordo, o próprio Irã. Logo quando o presidente Rouhani fez o anúncio, já ressaltou que o poder de negociação dos iranianos foi formidável. A primeira proposta paralisaria os avanços nucleares do Irã nesta área por 25 anos e obrigaria o reconhecimento do Estado de Israel pelo regime. O final foi um acordo complicado, que diverge entre oito e dez anos de paralisações, mas nada em relação aos israelenses. 
Nas ruas de Teerã o anúncio foi comemorado como um título de futebol. A popularidade do governo que agora terá um grande incremento financeiro está muito alta. Vale lembrar que diferente de boa parte dos países árabes que têm boas relações com os EUA, mas suas populações odeiam os americanos, o governo do Irã vê americanos como inimigos, no entanto principalmente entre os jovens, os ianques são vistos com bons olhos.
É difícil prever se a aproximação se dará também em áreas como o combate ao ISIS, inimigo comum, mas é provável que após a guinada liberal no governo de Rouhani, o Irã melhore suas relações com o Ocidente.

E nós com isso? Bom, pela lei básica da oferta e da procura mais petróleo no mercado faria o preço da gasolina cair. Por outro lado estamos tratando de Oriente Médio e fazer previsões é mais difícil que desenvolver bombas nucleares. É possível que sauditas e aliados cortem a produção para aumentar o preço do combustível e terem ainda mais dinheiro para financiarem milícias na luta contra as xiitas? Sim. Mas vamos esquecer a gasolina dessa vez. Finalmente estamos mais seguros.