segunda-feira, 16 de novembro de 2015

O texto do Estadão que nos denunciou

Não é o tipo de momento que me sinto mais a vontade para escrever sobre o tema da atualidade, e felizmente não depender disso hoje profissionalmente permite meu silêncio. Acho que visões complexas ficam perdidas em meio à infinidade de informação que recebemos depois de uma tragédia como a do último dia 13, e prefiro então tentar absorver o que tem de mais útil.

Eu fazia isso no domingo até me deparar com o texto “Por que a França” no Estadão. A opinião do correspondente na França, Gilles Lapouge, tinha bons elementos, dos quais eu concordo bastante. Tudo ia muito bem, em uma análise que saia da obviedade dos principais motivos do ataque ter se direcionado à França que ouvimos no noticiário, até a seguinte frase: “O EI não perdoa a França por ter assinado, em 1916, o acordo de Sykes-Picot, que desmantelou o Império Otomano e dividiu seus despojos entre a França, que recebeu o Líbano, e a Inglaterra, que ficou com a Síria.”. Eu concordo com a ideia, e voltaremos nela, mas há algo grave e vou explicar.

Não é demérito nenhum não conhecer o acordo de Sykes-Picot. A questão é que as fronteiras artificiais definidas por ele são fundamentais para entender os conflitos de hoje no Oriente Médio. Há um enorme ranço de parte das populações dominadas pelo Império Britânico (termo bem melhor que “Inglaterra” usado) e a França. Agora, o acordo previa que a Síria ficaria sobre influência francesa, enquanto Jordânia, Palestina, Iraque e uma parte do Kuwait ficariam com os britânicos (só por curiosidade, ai se dá a escalada do conflito árabe-israelense). Tudo bem o autor do texto ter errado, quem sabe pode até ter sido algo na tradução. O ponto que quero chegar se refere aos comentários.

Imagine um texto sobre o Tratado de Tordesilhas, mas nele há a informação de que o ocidente ficaria com Portugal e o oriente com a Espanha. Seria algo completamente incorreto e que inverteria a intenção do tratado. Foi isso o que aconteceu com o texto sobre Sykes-Picot. Qualquer pessoa que tivesse de fato interessada em saber um pouco mais sobre a origem de conflitos no Oriente Médio teria feito uma simples pesquisa sobre o acordo, notado a falha gigantesca e feito referência a ela. Procurei bastante e ninguém havia feito isso.

Em compensação, teóricos da conspiração sobravam nos comentários criticando o imperialismo atual das grandes nações. Os solidários por Mariana, que podem fazer doações além de falar na internet, questionavam o imenso espaço dado à tragédia francesa. Islamofobia, xingamentos a Dilma Rousseff e outras coisas típicas dos comentários recentes, também tinham seu lugar. Não sei se fiquei acostumado com o Globoesporte, mas senti falta de menções ao campeão de 87.

O que essa situação simbólica demonstra é que podemos até estar dispostos a sermos todos Mariana, Paris, Beirute, Maiduguri e onde mais alguém estiver sofrendo. Mas enquanto seguir faltando a hashtag #SomosMenosIgnorantes, o desconhecimento e o preconceito vão seguir reinando até o próximo momento de comoção, seja com grande atenção da mídia ou não.

Foi algo como eu disse bastante simbólico e que infelizmente representa boa parte de nós, seja neste caso especifico ou em outros assuntos. Mas em contrapartida gostei da quantidade de pessoas pesquisando e perguntando sobre os contextos da tragédia. Acredito que apesar de problemas como o caso aqui retratado, muitas pessoas vêm buscando conhecer mais sobre termos tão discriminados hoje em dia como árabes, Oriente Médio, Islã, muçulmanos e o mais importante: descobrir que não são nem um pouco sinônimos de terrorismo.

E sim, concordo muito na influência que o Sykes-Picot tem na escolha da França como alvo. Mas é assunto pra depois.

                                                                Acordo de Sykes-Picot

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