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domingo, 6 de março de 2016

Isso "cê" não conta...

O Grupo Estado Islâmico, ou Daesh, ataca um asilo no Iêmen e mata 16 pessoas. A reação de boa parte das pessoas no Brasil passa por mais uma vez lamentar um triste episódio que aconteceu “naqueles lados lá”. Realmente, é bastante infeliz mais uma atrocidade cometida pelo grupo, mas em um mundo globalizado, cada vez as questões se definem menos entre “aqui” e “lá”, e no caso da catástrofe que vive esse pequeno país no Golfo Pérsico, a relação do Brasil é bem maior do que muitos podem imaginar.

Aqui, eu explico um pouco mais a guerra civil que ocorre no Iêmen, mas simplificando a situação: o Oriente Médio vive uma espécie de Guerra Fria entre as duas potências, Arábia Saudita, sunita, e o Irã, xiita. As convulsões trazidas pela Primavera Árabe levaram ao fim do regime corrupto e ditatorial de Saleh no Iêmen, aliado dos sauditas. Saleh havia unificado Iêmen do Norte, capitalista, e Iêmen do Sul, socialista, durante os anos 90. O país ainda sofre com ondas separatistas no sul. A divisão sectária tem uma minoria da sua população de cerca de 30% seguindo uma vertente xiita, e uma parcela desse grupo, aproveitou o suporte financeiro do Irã, interessado em expandir sua influência e compõe as chamadas milícias houthis que desejam governar o Iêmen.

É lógico que esses elementos levariam uma tragédia ao mais pobre dos países árabes. A Arábia Saudita organizou em março de 2015 uma coalizão para combater os houthis, fazendo ataques aéreos e com ações terrestres. O resultado foi um país esfacelado, mais de 5 mil mortos, boa parte de civis, o crescimento da Al Qaeda da Península Arábica (autora do Charlie Hebdo) e do Daesh, que era praticamente inexistente no país antes da guerra.

Agora a relação com o quarto maior exportador de armas de pequeno e médio porte, amplamente utilizadas na guerra, Brasil. Seguindo na contramão de países como a Suécia, que cancelou algumas exportações de armas para a Arábia Saudita por conta dos desrespeitos aos direitos humanos cometidos pelo regime, o valor das exportações bélicas do Brasil aos sauditas em 2015 chegou a quase 110 milhões de dólares, segundo informações do próprio governo brasileiro. O aumento da arrecadação com o negócio da Avibrás, grande responsável pelas exportações, foi de quase 140 vezes na comparação de 2014 com 2015, ano em que a Arábia Saudita passou a intervir no Iêmen.

Além disso, denuncias de que armamentos utilizados pelos sauditas e que são desaprovados por convenções internacionais, caem sobre a empresa, que tem dificuldades em desmentir que forneceu as armas. As acusações são endossadas por grupos como a Anistia Internacional e Human Rights Watch, no entanto os grupos têm problemas em conseguir maiores detalhes e confirmações por conta das dificuldades impostas pela guerra no país que condena, por exemplo, milhares de pessoas a terem acesso à água e comida muito restrito.

Enquanto a guerra na Síria conta com enorme apelo nos noticiários, seja por de fato ser a maior tragédia humanitária do século XXI, ou por motivos menos nobres como envolver interesses estratégicos das grandes potencias e os refugiados do conflito incomodarem uma parte destas, a situação no Iêmen passa quase pelo esquecimento. Evidentemente, quando os atores não tem interesse em resolver a crise, e a comunidade internacional não tem ali seu foco, soluções são distantes e a possibilidade da impunidade para aqueles que desrespeitam os direitos humanos é eminente.

O crescimento no faturamento da indústria bélica brasileira, extremamente fundamentada durante o regime militar, mas que se baseou bastante em exportações nos últimos anos é um tema pouquíssimo tratado e discutido no Brasil. Quando essa grande força pouca conhecida passa a ser acusada de desrespeitar direitos humanos em um conflito pouco abordado, é vital que a sociedade civil haja no sentido de buscar esclarecer os fatos e caso tenham ocorrido infrações, que os culpados sejam punidos. São questões importantes de serem abordadas em mundo cada vez mais integrado, principalmente para que antes de pensar em mortes como distantes, lembrar que a munição pode ser “made in Brazil”.


https://medium.com/@jnascim/como-armas-brasileiras-vendidas-%C3%A0-ar%C3%A1bia-saudita-ajudam-a-matar-civis-no-i%C3%AAmen-3acbbf3303f7#.110uwphse

http://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/13/opinion/1447441086_369498.html

domingo, 22 de março de 2015

Precisamos falar sobre o Iêmen

O Oriente Médio tem todos seus conflitos e complicações em meio aos petrodólares que guiam a região. Agora, imagine conflitos religiosos, governos corruptos, separatismo e grupos terroristas em um dos países mais pobres do mundo. É o Iêmen, um dos lugares mais afetados e o menos favorecido nesta região tão complexa.
Ouvimos falar muito no famoso “valor notícia” e até entendemos bem a importância de suprimir algumas informações em detrimento de outras. Até que um dia você se depara com o maior ataque terrorista do ano, que mata mais de 130 pessoas e, com raras exceções, como a Al Jazeera, vê que morrer no Iêmen é menos importante do que as picuinhas políticas em Israel. Isso pra não levar em conta os noticiários brasileiros que nos informam bastante sobre os últimos ocorridos no Big Brother.
Os mortos se encontravam em mesquitas xiitas, vertente islâmica de cerca de 35% da população do país. Uma minoria desta parcela se organiza em milícias, principalmente no interior, chamadas Houthis. Há algum tempo, o presidente em exercício, Hadi, passou a ser bastante questionado, o que levou as ruas uma parte da população. O cenário foi perfeito para os Houthis tomarem a capital Sanaa e Hadi ter de fugir para a segunda principal cidade do país, Aden.
Nesse clima de instabilidade, fica muito difícil acreditar plenamente que o ataque às mesquitas foi realmente obra do Estado Islâmico, como o grupo afirma, e os EUA duvidam. Talvez seja o início de um momento ainda mais tenso no país, que tem boa parte do território dominado pela Al Qaeda da Península Arábica, responsável pelo ataque ao Charlie Hebdo. O governo de Hadi possuía suporte dos EUA para lutar contra o grupo, e foram inclusive ações americanas desastradas, matando diversos civis, uma das principais motivações para os protestos.
Outro país que tem grandes interesses nos Houthis fora do poder é a Arábia Saudita, já que o grupo xiita é financiado pelo Irã, que vive uma guerra fria contra os sauditas por domínio no Oriente Médio. O antigo presidente do Iêmen, Saleh, teve que fugir para a Arábia Saudita após forte pressão interna e externa. Estima-se que ele tenha acumulado 20 bilhões de dólares, em um país com um PIB de 80 bilhões.
Saleh chegou ao poder após o fim da guerra civil no começo dos anos 90, entre Iêmen do Norte, capitalista, e o Iêmen do Sul, único país comunista do Oriente Médio. Após a unificação, o país passou a ter sua capital em Sanaa, no entanto muitos residentes de Aden e de localidades próximas ainda querem um país separado.
Pronto, isso é um pouco do Iêmen. Complicado para todos, imprescindível para quem se interessa pelo Oriente Médio, e praticamente esquecido pela imprensa internacional.