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quarta-feira, 11 de julho de 2018

A Recessão Geopolítica na África é uma Marolinha

Nas Olimpíadas de 2016, o mundo foi obrigado a voltar suas atenções para a situação dos oromos na Etiópia após o atleta Feyisa Lilesa comemorar com um símbolo que remetia à etnia sua medalha de prata na maratona. À época, o governo etíope reprimiu duramente protestos na região de Oromia, o que levou à morte de centenas de manifestantes que reivindicavam mais atenção do governo central, tradicionalmente dominado por outros grupos étnicos, e a redução de danos causados por obras de infraestrutura. Em meio à Copa de 2018, o mundo se volta novamente para um oromo, mas por razões bem diferentes. 

Abiy Ahmed chegou ao cargo de primeiro-ministro da Etiópia em abril deste ano, e levou grandes esperanças para duas importantes questões no país: a marginalização dos oromos e a questão com a Eritreia. Nesta semana, em visita a Asmara, Ahmed deu fim a um conflito que durava 20 anos contra a antiga região etíope, uma guerra que gerou pelo menos 80 mil mortos e é uma das principais razões que leva eritreus a serem uma das maiores populações de refugiados na atualidade. Outro fator é o governo de Isaias Afewerki, líder do país desde a independência na década de 90, e famoso pela repressão. Há o receio de que a imagem de Afewerki junto ao líder oromo possa ser utilizada para a perpetuação do mesmo no poder, no entanto é difícil imaginar um real empenho da comunidade internacional em uma transição democrática na Eritreia que representasse uma alternativa segura ao líder. 


Outra grande notícia do funcionamento das relações internacionais no continente ocorreu em Gâmbia, que descrevi aqui em 2017, com destaque para a União Africana (UA): “A UA teve papel importante no imbróglio que envolveu Gâmbia nas últimas semanas. O órgão defendeu a saída do poder de Yahya Jammeh, presidente do país havia 22 anos e que fora derrotado por Adama Barrow nas eleições em dezembro. Logo após o pleito, Jammeh aceitou o resultado, no entanto, uma semana depois, afirmou que não entregaria a presidência. A situação obrigou Barrow a se exilar no Senegal, um dos países membros da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEEAO), da qual Gâmbia também faz parte. A CEEAO mobilizou tropas dispostas a invadir Gâmbia caso o presidente não abandonasse o cargo. Cerca de 6 mil soldados da organização estiveram a postos para a intervenção. Mil senegaleses adentraram em território gambiano, enquanto Jammeh aceitava a pressão da comunidade e deixava o cargo. 

O pouco festejo por parte de líderes de países europeus e de Israel, os que mais se queixam da recepção de refugiados eritreus, realça outra questão. A crise migratória é muito menor do que a crise política nestes governos. Caso houvesse real empenho na resolução dos problemas nos países de origem das migrações, o que frequentemente cita-se como a melhor ideia para estancar o fluxo, acordos à exemplo o de eritreus e etíopes seriam mais celebrados, assim como a saída da Yahya Jammeh do poder, um dos grandes responsáveis por Gâmbia ser um dos maiores emissores per capita de imigrantes para a Europa. Mas Orban, Salvini, Seehofer e companhia omitem tais fatos. 

O relatório Freedom House de 2018 confirmou a relevância da transição e atualizou o status de Gâmbia de não livre para parcialmente livre, com o aumento de 21 pontos na escala de 0 a 100, uma das maiores progressões registradas recentemente. À época, mencionei também o retorno do Marrocos à UA e a condenação de Hissène Habré, ex-presidente do Chade, por um tribunal extraordinário africano, como outras boas notícias para o continente.  

Além dos importantes marcos políticos, a UA avançou neste ano a iniciativa de criar um mercado comum dentro da União, assinada por 44 dos 55 membros. Em tempos incertos de guerra comercial envolvendo as principais potências mundiais, o bloco poderia servir como uma segurança para muitos países que ainda têm economias fragilizadas, em grande parte dependentes da exportação de commodities pouco variadas a apenas alguns parceiros comerciais. A união monetária, à exemplo da Zona Euro, é também uma ideia, ainda que distante, vale lembrar que o franco CFA já é uma moeda aplicada em 14 países, e que não são apenas ex-colônias francesas. 

Dois dos mais antigos governos do continente realizaram transições pacificas recentemente. É verdade que se pode argumentar que Zimbábue e Angola permaneceram no domínio dos partidos ZANU e MPLA, respectivamente, que governaram ambos países em praticamente todo o período pós-independência. Ainda assim, o aparelhamento do Estado por Robert Mugabe, que tentou colocar sua esposa, Grace Mugabe na sucessão, e José Eduardo dos Santos, que tinha muitos de seus familiares no comando de estatais, sofreu importantes derrotas. Emmerson Mnangwga chegou ao poder e não deve colocar objeções para a realização de eleições no Zimbábue, e estas provavelmente serão mais ilibadas do que o polêmico pleito de 2008. Por sua vez, João Lourenço em Angola enfrentou parte da elite e deu bons acenos ao exterior, como a reaproximação com Portugal, relação enfraquecida por escândalos de corrupção. 

A África do Sul também realizou importante transição de um governo desgastado. Com democracia mais consolidadas que as outras já citadas, era pouco provável que a sucessão do impopular Jacob Zuma desencadeasse em tragédia. Ainda assim, é válido destacar o fim de um governo há muito tomado pelos escândalos de corrupção. Cyril Ramaphosa, seu sucessor, tem muito o que provar, mas há tempos Zuma pouco fazia além de lutar para permanecer no cargo.  

Termino da mesma forma do texto de um ano e meio atrás. É claro que a África, como diria Thomas Friedman, ainda conta com problemas e desafios “que poderiam acabar com o jantar de qualquer família”. O crescimento da violência na República Democrática do Congo, sobretudo na província de Kasai, conta com uma omissão criminosa da comunidade internacional. Os próximos meses no país podem ser decisivos, já que se espera a sucessão de Joseph Kabila. No caso do Brasil, seria válida a atenção para um parceiro e membro da CPLP, que é Moçambique, e que vê um crescimento de extremismo islamista no norte do país. De toda forma, acho sempre válido falar do continente de maneira sensata, madura e não paternalista. Ou seja, para além de filmes da Marvel. Exemplo disso é Israel, com uma aula de Relações Internacionais no continente. Assunto que também trouxe aqui, mas que se intensificou.

                                            
Afewerki e Ahmed. Digno de Nobel da Paz, e pouco badalado, como gosta o Comitê. Não surpreenderia FOTO: Africanews

quinta-feira, 27 de abril de 2017

"O maior viral da história" é só isso

Crianças, uma narrativa simplista com o “grande vilão”, aparente proximidade com o público e muito espetáculo. Estes elementos ajudam a explicar como “Kony 2012”, um documentário de 30 minutos, conseguiu se tornar o chamado “maior viral da história”, apesar de mais longo que os vídeos de habitual sucesso, ultrapassando 100 milhões de visualizações (mesma marca que em 2015).

No vídeo, um pai norte-americano conta a seu filho as atrocidades que Joseph Kony, líder do movimento Lord Resistency Army (LRA), cometeu em Uganda, sobretudo a crianças da mesma idade do ouvinte. Comportamento utilizado por milícias em regiões pobres em todo o mundo, o LRA sequestrou milhares de jovens no centro da África, e cometeu as maiores atrocidades inimagináveis, com parte destes sendo obrigados a matarem seus próprios pais. Em 2005, a Corte Penal Internacional apresentou contra Kony as seguintes acusações: crimes contra humanidade, assassinato, violação, escravidão e escravidão sexual, crimes de guerra, trato cruel a civis, ataque a civis, pilhagem e recrutamento forçado de menores. Indefensável.

À época, celebridades que vão desde Justin Bieber e Lady Gaga as engajadas Oprah Winfrey e Angelina Jolie se manifestaram sobre o vídeo. O viral conclama uma ação da comunidade internacional, sobretudo Obama, para que Kony seja encontrado e receba a punição adequada. Ao fim do vídeo, têm se a impressão de que Hitler está solto e que nós não estamos fazendo nada, mas podemos ajudar. A questão é que em 2011, um ano antes, Obama já estava agindo ativamente contra o LRA.

O que a efemeridade de um viral não dá conta são as circunstâncias envolvidas na formação do LRA. O grupo surge no norte de Uganda, região devastada durante o governo de Idi Amin, o presidente do país em “O Último Rei da Escócia”. Durante o regime de Amin, que tinha como seu principal aliado Muammar Khadafi, por conta dos ideais de pan-africanismo do líbio, massacres eram comuns no norte de Uganda, inclusive com muitos sendo jogados a crocodilos. Neste cenário surge uma gama de milícias, em especial uma radical religiosa que quer instaurar um governo com base nos preceitos básicos de sua fé. No caso, não o Corão, mas os Dez Mandamentos. Seu líder não é Osama Bin Laden nem Abu Bakr Al-Baghdadi, mas Joseph Kony, que acredita ter várias almas e que ele e seus seguidores não podem ser atingidos por balas.

Um grupo extremista religioso não consegue financiamento e AK’s47 em uma das regiões mais isoladas do mundo só com a ajuda divina. O governo do Sudão viu no LRA uma oportunidade de expandir sua influência geopolítica, em meio a uma instável Uganda. À frente deste, Omar Al-Bashir, também conhecido nos Tribunais Internacionais. Neste caso, por conta do genocídio cometido no Sudão, especialmente em Darfur, outra causa que chegou a aparecer no noticiário internacional e que reuniu de Jolie a George Clooney. Em Uganda, Amin deixava o poder para o retorno de Obote, seu antecessor. Obote fica no poder até 85, quando é substituído por Museveni, há 32 anos à frente do país. Nenhuma das trocas sem derramamento de sangue.

Na relativa estabilidade de governo atingida com Museveni, a prioridade passou a ser derrotar o LRA. Em Uganda, a missão foi relativamente atingida. O problema é que nas redondezas, o grupo encontrou terreno fértil. O Congo é marcado há anos por sua instabilidade, e em 2012 e 2013, a República Centro-Africana (RCA) e o Sudão do Sul, respectivamente, foram tomados por conflitos civis, étnicos e religiosos, que não se solucionaram até hoje. Qualquer semelhança com a ida do Estado Islâmico para a Síria não é mera semelhança. Em linhas gerais o conflito na RCA se dá por cristãos contra muçulmanos e contou recentemente com a mediação do Papa Francisco em uma visita à capital do país, Bangui.

Analistas e militares não convergem sobre onde está Joseph Kony hoje. Provavelmente não estará em Uganda, mas pode estar no Sudão do Sul, na RCA ou no Congo. Quem sabe já tenha até mesmo padecido, e, a mensagem, por termos estratégicos, não tenha sido divulgada, assim como o Mulá Omar, líder do Talibã, supostamente morto em 2013, com informação divulgada em 2015, mas analistas acreditando que o fato tenha ocorrido antes disso. A questão é que, com pragmatismo e o deslocamento correto de tropas, os esforços em conjunto de Obama com o governo de Uganda e alguns aliados locais fizeram o LRA cair de 2000 membros para cerca de 100 atualmente.

As estimativas são de que a “caça a Kony” no centro da África tenha custado até US$ 800 milhões aos EUA. O valor é próximo a 10% do PIB do Sudão do Sul, orçado em US$ 9bi em 2015. O país mais novo do mundo é o mais provável refúgio hoje de Kony, e vive uma intensa guerra civil com mais de 200 mil mortos, com um grande número de cidadãos em risco alimentar. Pra mim já basta. Mas dá outro viral...

O problema e o espetáculo. Basta escolher (a trilha sonora é sensacional)




sábado, 4 de fevereiro de 2017

A "Recessão Geopolítica" na África será uma "marolinha"?

“Recessão geopolítica” foi o termo utilizado pela agência de classificação de risco político Eurasia para definir 2017. Assim como os ciclos econômicos apresentam recessões, a geopolítica a partir desta ideia não seria sempre progressiva, e estaríamos em um momento de retrocesso, não visto desde o fim da Segunda Guerra. Os princípios que moldaram a atual Ordem Mundial, como o livre-comércio, as alianças multilaterais, as organizações internacionais, e a expansão da democracia e dos direitos humanos, não estiveram tão em tanto risco desde 1945.

Dois fenômenos são em grande parte os responsáveis pela ideia de “geopolítica em recessão”: Trump e Brexit. Com o segundo, a União Europeia perdeu sua segunda maior economia, viu movimentos eurocéticos se proliferarem por seus países, e experimenta o momento de maior risco do projeto europeu, principal caso de sucesso de uma aliança multilateral. Com Trump, o livre-comércio se vê cada vez mais ameaçado, simbolizado com a rejeição à Parceria do Pacífico e as provocações ao NAFTA. A ONU sofreu ameaças de corte de financiamentos, e a OTAN, chamada de obsoleta pelo presidente, corre mais riscos do que nunca. O conceito de “American First” e os primeiros dias de mandato são boas mostras de que Trump não focará na expansão da democracia e dos direitos humanos.

Outra organização internacional que vem passando por maus momentos é o Tribunal Penal Internacional (TPI). A fragilidade da instituição se dá por conta das ameaças de boicote e até mesmo abandono da Corte por parte de países africanos, que acreditam sofrer perseguição do órgão. A grande maioria dos condenados até hoje pelo TPI são de origem africana, enquanto crimes de guerra em variados países, que vão desde a Colômbia até à Palestina estão sem veredictos.

A perseguição que os países da África acreditam sofrer por parte do TPI é uma das razões que explicam a relevância que teve a condenação de Hissène Habré, ex-presidente do Chade, em maio de 2016. A prisão perpétua decretada ao ditador foi o primeiro caso de um chefe de Estado condenado em outro país dentro do continente africano, no caso, Senegal. A sentença foi expedida pelo tribunal africano extraordinário, criado pela União Africana (UA), e é vista como uma contraposição do continente ao passado colonial e ao paternalismo, além de estabelecer precedentes para que outros líderes possam ser julgados na própria África.

A própria UA é outra prova da força que os órgãos internacionais vêm conseguindo estabelecer no continente. Nesta semana, o Marrocos, único país do continente que não fazia parte da União, anunciou que voltará a ingressar o grupo. Os marroquinos ficaram de fora por 33 anos da UA, por conta da presença da região separatista do Saara Ocidental no órgão, que é o único organismo internacional a reconhecer a independência do território. Outro importante fator foi a sucessão no cargo de presidente da UA, até então ocupado por Robert Mugabe, o ditador zimbabuano desde 1980, e que tenta a reeleição com seus 93 anos.

A UA teve papel importante no imbróglio que envolveu Gâmbia nas últimas semanas. O órgão defendeu a saída do poder de Yahya Jammeh, presidente do país havia 22 anos e que fora derrotado por Adama Barrow nas eleições em dezembro. Logo após o pleito, Jammeh aceitou o resultado, no entanto, uma semana depois, afirmou que não entregaria a presidência. A situação obrigou Barrow a se exilar no Senegal, um dos países membros da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEEAO), da qual Gâmbia também faz parte. A ausência de Barrow o impediu, por exemplo, de acompanhar o funeral de seu filho de sete anos, morto por uma mordida de cachorro no período.

O cenário que se desenhava para Gâmbia era de uma sangrenta guerra civil. Os turistas estrangeiros foram evacuados do país, que via suas ruas desertas cercadas de apreensão. A comunidade internacional, focada com as repercussões da vitória de Trump, pouco fez além de condenar a insistência de Jammeh. Neste cenário, e com respaldo da UA, a CEEAO mobilizou tropas dispostas a invadir Gâmbia caso o presidente não abandonasse o cargo. Cerca de 6 mil soldados da organização estiveram a postos para a intervenção. Mil senegaleses adentraram em território gambiano, enquanto Jammeh aceitava a pressão da comunidade e deixava o cargo. Barrow tomou posse na embaixada de Gâmbia em Dakar, e foi poucos dias depois para Banjul, levando ao festejo uma multidão que o aguardava no aeroporto.

A transição democrática em Gâmbia, sem nenhuma gota de sangue derramado, é uma das grandes histórias deste 2017 que já começou tão turbulento. Em meio à “recessão geopolítica”, uma organização de países africanos desconhecida de grande parte do mundo conseguiu evitar uma trágica guerra civil. É claro que a África, como diria Thomas Friedman, ainda conta com problemas e desafios “que poderiam acabar com o jantar de qualquer família”. Mas enquanto as antigas metrópoles estão se voltando cada vez mais para dentro, os africanos entenderam o significado de “juntos somos mais fortes”.
                                         Países da CEEAO. De pouco conhecida a vital para a paz

Excelente fonte de informação sobre o que acontece de bom na região (espanhol): http://elpais.com/agr/africa_no_es_un_pais/a/

terça-feira, 12 de julho de 2016

"Time for Africa?" Para Netanyahu, sim

Existem diversas visões simplistas sobre o continente que mais oferece possibilidades hoje, possui 54 países, uma infinidade de culturas diferentes e a população que mais cresce no mundo. É consenso atualmente que quem souber se adequar melhor a esta região do mundo com tamanho potencial, se dará bem politicamente, enquanto aquele que só pensar na fome e nos grandes mamíferos terrestres africanos, ficará para trás. A China há anos vem expandindo sua influência na África, seja por meio de parcerias maiores, por exemplo, a África do Sul no BRICS, ou em investimentos em infraestrutura, como os recentes na Etiópia e no Quênia. Estes dois, parceiros vitais de um dos governos que nos últimos tempos parece ter melhor entendido a nova tônica mundial, o de Israel, com seu primeiro-ministro Netanyahu.

Depois de mais de 30 anos, um chefe do governo israelense visitou a África Subsaariana. Mais especificamente, Etiópia, Quênia, Ruanda e Uganda receberam a visita de Bibi. A visita à Ruanda ganhou uma conotação especial, por ter reunido Netanyahu e Paul Kagame no memorial do Genocídio de Ruanda, termo utilizado na matança no país africano, mas cunhado especialmente por conta do Holocausto sofrido pelos judeus. Em Uganda houve uma aproximação com os evangélicos, cada vez mais presentes no país, e que tem grande influência da igreja norte-americana, base central de apoio para o estado judeu. O Quênia foi uma visita mais pontual, já que os quenianos vêm se destacando economicamente e são uma potência no Leste do continente, a região visitada por Netanyahu.

Já a relação com a Etiópia é mais estreita. Cerca de 2% da população de Israel tem origem etíope, mas muitos destes enfrentam situações delicadas no país, como o dobro da taxa de desemprego da média geral, e regiões em que os índices de encarceramento chegam a 40%. A difícil situação levou etíopes no ano passado a participarem de manifestações, que tiveram destaque especial em Tel Aviv. O clima político ficou tenso, já que o partido de Netanyahu, Likud, conta inclusive com um deputado de origem etíope.

Além disso, Adis Abeba, capital da Etiópia, é sede da União Africana, órgão no qual Israel foi membro como observador até 2002. Logo após a visita de Netanyahu ao Leste da África, os etíopes fizeram o pedido para que israelenses voltassem a fazer parte da organização, que têm, por exemplo, Palestina e Turquia na situação de observadores. O apoio dos países da África Subsaariana é visto como vital para Netanyahu, que enfrenta oposição de tradicionais adversários árabes, e de uma comunidade internacional que isola cada vez mais Israel, inclusive seus dois principais parceiros, a União Europeia e os EUA.

Em contrapartida, israelenses têm muito que oferecer a estes países. O Quênia, por exemplo, foi vítima recente de dois grandes ataques terroristas do grupo Al Shabab, que atua na Somália, vizinha do país, e tem cada vez mais medidas contra terroristas como principais pautas de governo. Apesar de não terem sofrido com estes tipos de ataque, os outros países têm bastante o que se preocupar, levando em conta que grupos como o Boko Haram e a Al Qaeda do Magreb Islâmico se proliferaram na África. O know-how israelense para lidar com o terrorismo, senão o melhor do mundo, um destes, é de grande utilidade para estes países.

Outro ponto em que Israel se destaca é como um polo tecnológico, e se tratando de regiões que costumam ter uma infraestrutura defasada, os avanços do país em áreas como agricultura, sistemas de irrigação e cyber-segurança são de grande interesse. O “produto” oferecido teve um impacto tão positivo, que segundo o Times of Israel logo após a visita, a Tanzânia anunciou sua intenção de abrir sua primeira embaixada em Israel, e o chefe de um estado muçulmano no continente (não divulgado) teria ligado para Netanyahu buscando estabelecer relações bilaterais entre os dois países, até agora inexistentes.

“Lion King Bibi”, como foi apelidado o primeiro-ministro israelense na visita, em uma alusão ao seu apelido e ao Rei Leão, soube se aproximar em um momento delicado para sua imagem de países que desejam o que Israel pode oferecer. Boa tacada do líder israelense, que vai ter que enfrentar uma verdadeira batalha da opinião internacional contra ele com a chegada dos 50 anos da ocupação israelense em 2017, que já começou (e com gente grande). Fora as acusações de lavagem de dinheiro, que prometem dificultar suas intenções de se tornar o homem há mais tempo no cargo máximo de Israel, ultrapassando Ben Gurion, o político mais marcante da história do país.

                      Netanyahu na Etiópia - "Quem não tem cão, caça com leão" (Kobi Gideon/GPO)

quarta-feira, 1 de junho de 2016

A Maior Tragédia do Mundo?

“From here to eternity” foi o bom título escolhido pela The Economist, para em uma pioneira matéria, tratar da atual situação do maior campo de refugiados do mundo, Dadaab, no Quênia. A localidade que conta com 350 mil pessoas, população maior que a da Islândia, é constituída em sua grande maioria por pessoas fugindo da terrível guerra da Somália, que devasta o país há décadas e não indica perspectivas de fim em um curto prazo.

Boa parte dos somalis de Dadaab chegou em 1991, ano que marca um grande acirramento do conflito no país e que deixou milhares de mortos, além de inúmeros refugiados. Portanto, muitos dos 350 mil habitantes ou perdeu as posses na Somália, assim como o contato com suas famílias, ou nasceu em um campo no Quênia, o que lhes coloca em uma situação próxima a de apátridas, já que não tem os direitos nem de um cidadão somali nem de um queniano. Na década passada, o drama vivido por estas pessoas chegou a receber grande mobilização internacional, assim como o de outros conflitos africanos como o do Sudão, no entanto, o foco na crise de refugiados no Oriente Médio tirou boa parte da atenção para estes dramas humanitários.

Em 2010 a renda per capita anual de um habitante de Dadaab era de 223 dólares, o que dá menos de um dólar por dia, no entanto, com o auxílio da ACNUR, a agência da ONU para refugiados e ONG’s, crianças eram alfabetizadas na medida do possível e doentes eram atendidos. Depois que as atenções se voltaram para a crise do Mediterrâneo, a renda anual passou a ser de 148 dólares, valor que torna qualquer atividade, mesmo que as intenções sejam as melhores, muito mais difícil. Um grande número de jovens devem crescer analfabetos, tornando as perspectivas de uma vida melhor que a de Dadaab, ainda mais complicadas, além dos muitos que terão graves consequências na saúde por conta da falta de recursos mínimos.

Mas o alarmista título da The Economist foca em uma tragédia que pode ser ainda maior, e que passou a ser preocupação de somalis e grupos de defesa de direitos humanos nos últimos dias. O governo queniano quer fechar Dadaab. A medida deixaria centenas de milhares de pessoas sem terem para onde ir, e como principal opção retornar a uma Somália, na qual muitos são ameaçados de morte. Além dos que fugiram por conta das ameaças dos grupos armados que disputam a guerra no país, há o restante que terá de enfrentar uma nação destruída pelas décadas de conflito. Conflito no qual, o grupo terrorista islâmico Al Shabab, afiliado local da Al Qaeda, ganha cada vez mais terreno, o que consequentemente leva a uma intensificação dos bombardeios de drones americanos que combatem os terroristas.

E é justamente o Al Shabab a alegação do governo queniano para fechar o campo de Dadaab. O Quênia, com uma das economias mais pujantes do continente africano, sofreu recentemente dois grandes ataques dos terroristas, o que abalou fortemente a confiança de habitantes e investidores. O primeiro destes aconteceu em um shopping em Nairóbi em 2013, matando mais de 70 pessoas, e em 2015, uma universidade foi o alvo e levou 147 pessoas a óbito. Segundo o grupo, os dois atacaram lugares que representam valores ocidentais contrários ao radical Islã que eles dizem acreditar.

Para o governo do Quênia, Dadaab seria abrigo de terroristas do Al Shabab, que poderiam aproveitar do disfarce de meros refugiados para realizarem novos ataques no território do país. A complexa acusação justificaria assim, o fechamento do campo, em um dos maiores casos de punição coletiva da atualidade.

Assim se chega ao título da matéria que inicia o texto. De Dadaab para onde? O destino de muitos, em caso de fechamento, sem dúvidas será a eternidade. Caso nada seja feito para impedir a ação, o do governo do Quênia também, como causador de uma das maiores tragédias humanitárias de nossos tempos.

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Onde o Sol se põe

Magreb em árabe é o nome da última das cinco orações diárias que todo muçulmano deve fazer, portanto a do pôr do sol. E é também a denominação dada ao noroeste da África, região que contempla Marrocos, Argélia, Saara Ocidental, Tunísia, Líbia e a Mauritânia. O nome deriva exatamente da ideia de que ali seria o último lugar onde o sol se poria dentro do Império Árabe que possuía vastas extensões desde sua origem na Península Arábica até a Península Ibérica.

A história que vou contar aqui se refere exatamente ao último país citado, a Mauritânia, mas há práticas nesse lugar que remontam aos tempos do califado. Última nação a abolir a escravidão no mundo, apenas em 1981, a prática só se tornou crime no ano de 2007. Ainda assim, como não faltam exemplos, inclusive nosso próprio país, o simples fato de proibir não indica necessariamente que mais ninguém será escravizado no local. Além disso, as fraturas sociais criadas entre aqueles que mantinham seres humanos como posse e seus subordinados são dificílimas de serem rompidas, o que também é verificado em diversos lugares.

Sendo assim, 40% da população da Mauritânia, composta por negros, tem uma importante parcela deste grupo ainda servindo como escravos, evidentemente de uma pequena parte, da maioria árabe-berbere, como de maneira simplificada são chamados os brancos naquela região. Estimativas indicam que dos 3,5 milhões de habitantes que a Mauritânia possui, de 10 a 20% deles trabalham em regime de escravidão, mesmo que não comprovada por organizações internacionais nas quais esse número é de 4%, de longe o maior no mundo.

Pouquíssimos negros ocupam cargos de comando e as prisões por conta do crime de escravidão são poucas e sequer costumam cumprir a pena mínima de 10 anos estabelecida. Na prática filhos de escravas seguem sendo escravos e o Partido Abolicionista (sim, no século XXI) tem seu líder perseguido e frequentemente preso. O país não é tão pobre em relação às condições de outros no Oeste da África, mas a segregação cria grandes bolsões de pobreza principalmente para os negros.

O sol há de se pôr na Mauritânia e essa prática por pressões internas e externas deve pelo menos ser muito reduzida na próxima década. Mas o que vem disso? Jovens pobres e frustrados em um país com poucas opções, cenário perfeito para a ascensão de grupos radicais que seguem uma versão distorcida do Islã. O vizinho Mali com sua Al Qaeda do Magreb Islâmico e o Boko Haram são grandes exemplos de um futuro que pode aguardar a Mauritânia se nada for feito.

Árabes de uma elite subjugando negros em um regime ditatorial? É o que simplificadamente também explica a terrível guerra civil que o Sudão vem enfrentando há anos, e se nessa década o assunto ficou fora das manchetes, não é porque a situação ficou melhor. É preciso muita ajuda da comunidade internacional para resolver essa delicada situação. Mas enquanto houver escravidão nesse lugar, o mundo nunca pode achar que o sol de fato se pôs no Magreb.

domingo, 22 de novembro de 2015

Homer Simpson e o terrorismo

Em um dos brilhantes episódios de Simpsons, infelizmente não me lembro qual, Homer parecia em uma situação desfavorável, até que solta a seguinte frase: "Você só não contava com uma coisa: a minha indiferença com a vida humana." Isso serve bem para definir a volta das atenções à Al Qaeda depois do último ataque em um hotel no Mali.

Diversas pessoas depois dos atentados de Paris desmereceram a capacidade da Al Qaeda em detrimento do Daesh (ISIS). A questão é que quando se lida com gente que acredita que não tem nada a perder, as análises não podem ser comuns como, por exemplo, dizer que o Reino Unido não tem o mesmo poder de antes ou que a China virou um grande ator global. Basta a oportunidade para um tipo de ação como a atentado em Bamako, que matou 27 pessoas, que pronto, um grupo volta a ter destaque.

É fato que a Al Qaeda não é tão forte quanto na última década, quando além do 11 de setembro, o grupo cometeu ainda grandes atentados em Londres, Madri (o maior da Europa) e Bali. Ainda assim, com suas ramificações, consegue ser um ator fundamental em pelo menos quatro grandes conflitos: Al Qaeda do Magreb Islâmico no Mali, Al Qaeda da Península Arábica no Iêmen, Al-Shabab na Somália e Frente Al Nusra na Síria. Além disso, há diversos grupos que já pelo menos declararam se aliar aos ideais destes terroristas em muitos locais, como Afeganistão e Filipinas.

O Mali reúne praticamente todos os elementos perfeitos para a ascensão de uma ramificação radical como a Al Qaeda. País paupérrimo é palco de grande instabilidade desde a chamada Revolução Tuaregue em 2012, que foi sufocada com tropas francesas. Ou seja, possui diversos jovens frustrados e indignados dispostos a morrer por uma causa aparentemente justa. O ataque ao hotel visava matar estrangeiros, que nesse tipo de situação, são vistos apenas como ocidentais e a nacionalidade de fato faz pouca diferença.

O que vale para a enfraquecida Al Qaeda, vale para a preocupação do momento, Daesh. Ações contra estes grupos podem surtir efeitos importantes contra o terrorismo, como vimos no caso da rede de Osama Bin Laden, que alguns chegaram até a pensar que estivesse acabada. A intervenção na Síria e no Iraque provavelmente vai diminuir muito o poder do Daesh, mas enquanto a ideia de jihadismo destes terroristas não for derrotada, o cenário será apenas a morte de mais jihadistas.

O caminho para isso passa por uma discussão sobre quem de fato financia o terrorismo pelo mundo, além de colocar em pauta a vertente wahabista do islã que vem sendo exportada há anos pelo regime saudita e é a base de grande parte dos grupos extremistas islâmicos. Mas estes são temas que uma hora ou outra vão ter de ser abordados.

O foco é que a análise de grupos extremistas não pode ser feita de maneira simples, já que a grande arma destes normalmente é a total indiferença com a vida humana, o que como estamos assistindo, pode ser mais valioso que um serviço de inteligência de qualidade e um exército bem armado.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Um Conto de Fadas

Pra felicidade dos meus pais, nunca fui um grande fã dos filmes com princesas. Acredito que nunca simpatizar muito com aquelas verdadeiras mulheres de vida fácil, me motivou a pesquisar algumas coisas e resolver compartilha-las. Só pra contextualizar, Isabel dos Santos, a “Princesa da África”, filha do presidente de Angola e mulher mais rica do continente, fez uma oferta para comprar ações, e consequentemente tomar conta, da Portugal Telecom (a oferta é de cerca de 3,8 bilhões de reais, e o negócio uma coisa bem complicada que envolve até a brasileira Oi).
Até ai tudo normal, afinal de contas empresárias adquirem empresas todos os dias. A questão começa a se complicar quando uma lista simples de líderes há mais tempo no poder é verificada. Depois da morte de Kadafi em 2011, o pai da nossa princesinha adquiriu o posto com folgas e completa em 2014, 35 anos no poder. Normal, ou não para os fãs da democracia, que parece não ser algo muito valorizado por uma série de líderes no continente.
Esse tempo no poder, quer dizer que o presidente que recebeu treinamento militar ainda na URSS, enfrentou a queda do regime soviético, e uma consequente debandada de seu país para o capitalismo. José Eduardo Santos, em uma posição ideológica que no Brasil se assemelha bastante a do PMDB, abraçou de uma maneira convincente o regime econômico, e fez a transição sem grandes problemas, principalmente para sua família.
A questão é que Angola não assumiu muito bem a transição, o país entrou em uma guerra civil que durou até 2004, e apesar de aproveitar o alto ritmo de crescimento econômico do continente, ainda tem cerca de 70% da população vivendo com menos de US$2 por dia. Liberdade de expressão é outro ponto alto do regime de Santos, e o jornalista Rafael Marques, que escreveu o livro Filhinha de Papai: Como uma ‘Princesa Africana’ Acumulou $3 Bilhões em um País que Vive com $2 por Dia” foi preso em 1999 por críticas ao regime.
Até agora Isabela poderia ser um exemplo de sucesso em meio a um país devastado, e como tão ressaltado por ela, sucesso sem grandes influências de seu pai. A questão foi a abertura pro capitalismo que eu me referi. Pegando como exemplo a Rússia, as demandas da população foram passadas a uma série de “camaradas” do governo, e a exploração de recursos naturais, telefonia, e tudo o que o novo país precisa foi distribuído, e levou Moscou a ser a cidade no mundo com o maior número de bilionários.
Segundo os jornalistas que ainda estão soltos no país, e analistas de fortunas, o império de Isabela foi construído a partir das influências que ela tem para empresas estrangeiras abrirem licitações em Angola. Ou por meio de concessões do próprio pai, para esta ser acionária das empresas abertas. Grande exemplo foi a Endiama, criada pelo presidente para a exploração de diamantes no país, e de 25% de posse de Isabela. Depois dos olhos do mundo voltados para a pedra, após o filme “Diamante de Sangue”, a mãe da princesa recebeu estas belas ações de presente.
O que parece é que sem meus gostos quanto a princesas ter grande influência, Isabela continuará como a mulher mais rica da África. Vai comprar a Portugal Telecom. Quem tentar provar algo contra ela tem grandes chances de acabar preso. Mas como eu queria que desta vez a princesa não tivesse final feliz.