Na
medida em que você ouve e lê relatos sobre as atrocidades da humanidade, esses
parecem cada vez mais perderem a capacidade de comover e nos fazer lembrar de
que aquilo se trata de outros seres humanos. Uma frase creditada a Stálin diz
que “Uma única morte é uma tragédia, um milhão de mortes é uma estatística”, e ilustra
bem isso. Recentemente li um dos livros que considero entre os mais difíceis da
minha vida, “Gostaríamos de informa-lhe de que amanhã seremos mortos com nossas
famílias” trata do genocídio de Ruanda e relata como vizinhos de uma hora para
outra passaram a matar famílias inteiras com facões simplesmente por uma
suposta diferença entre etnias. Não consegui ler dois capítulos seguidos sem
uma longa pausa para lamentar.
Outra
obra que tive acesso há pouco, “A Civilização do Espetáculo”, do Nobel
Mario Vargas Llosa, trata exatamente da diferença que as imagens têm de nos
mobilizar em comparação aos outros meios. Nestes últimos tempos eu já havia
ouvido e lido sobre as maiores barbaridades cometidas pelos três lados da
Guerra da Síria, ficado chocado com o número estimado de mortos no ano passado,
mais de 70 mil, no entanto a foto do menino morto na praia, tentando fugir dos
horrores que lutamos para entender, teve um impacto sem precedentes.
Não sei
se a comoção pelo caso se dá pelo fato de praticamente todos nós conhecermos, e
termos enorme carinho, com alguma criança de idade parecida, ou meramente pelo
tão perturbante e surreal que é aquela imagem. A questão é que o drama dos
refugiados e o desastre na Síria tomaram outra esfera de mobilização depois do
caso. O problema disso, que é o endossado na obra de Llosa, é que a mesma capacidade
que uma foto tem de comover, ela pode ter para alienar sobre o seu real
significado.
O que
ocorreu naquela praia turca foi um reflexo de um drama vivido por milhares de
pessoas em um país devastado por uma guerra, que cabe a nós refletirmos,
interessa a quem? A outra parte da história são as péssimas condições que os
refugiados enfrentam para tentarem parar de lutar pela sobrevivência e passarem
a ter uma vida. O impacto que uma imagem como essa tem em nossos instintos é
perigoso, já que vale lembrar que a revolta gerada pelos vídeos do 11 de
setembro acabaram dando embasamento para a invasão do Iraque, uma operação
desastrosa que tem inclusive como consequência a atual Guerra na Síria que
vitimou o pobre menino. A falta de racionalidade em uma situação como esta,
pode acabar levando a adoção de medidas equivocadas, em um momento que apesar
das enormes dificuldades, Irã, EUA e Rússia parecem estar concordando em uma
estratégia comum, o que seria um grande passo para o fim da catástrofe.
Enquanto
isso na Europa, não podemos nos esquecer da quantidade enorme de movimentos xenófobos,
que inclusive vêm se refletindo na política. A Suécia, famosa pelo bom trato
aqueles que precisam de ajuda, elegeu recentemente para cargos legislativos
políticos de ideologia próximas ao neonazismo. Na França, o berço dos atuais princípios
democráticos, quem lidera as pesquisas para as eleições do próximo ano é Marine
Le Pen, da Frente Nacional, famosa pelas tentativas de combate aos imigrantes.
Seu pai, Jean-Merie Le Pen, fundador do partido, chegou a declarar que o “Sr. Ebola”
seria a solução para os problemas relativos à migração, em uma frase indigna de
ser comentada.
A reação
frente a uma imagem como aquela, tende a não ser das mais fáceis. O El País decidiu sequer publicar a
imagem, enquanto outros veículos de igual prestígio quiseram demonstrar o drama
que a foto representa. Chorar, se indignar, ou qualquer outra coisa nesse
sentido é absolutamente comum. Mas não devemos nos esquecer de tentar buscar as
soluções para que nunca mais tenhamos de nos deparar com uma imagem como esta e
lembrar que lágrimas não servem apenas para lubrificar os olhos.
Descanse
em paz Aylan Kurdi.
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