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sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Década perdida? Para palestinos, pode ter sido o Estado


Em 2017, o palco midiático estava montado para especiais sobre os 50 anos da ocupação israelense. A efeméride poderia mostrar a dura vida em Gaza sob bloqueio, a situação dos refugiados nos vizinhos, a vida dos palestinos em Israel. Mas 2017 foi o primeiro ano de Donald Trump na presidência dos EUA, e a Guerra Civil da Síria era o principal assunto no Oriente Médio. A Questão Palestina ainda ameaçou ganhar espaço com a transferência da embaixada norte-americana para Jerusalém, o que prometia “colocar fogo no mundo muçulmano”. Apesar de alguns distúrbios de início, a representação seguiu na Terra Santa sem percalços. Mas, no geral, a data passou longe da atenção que se esperava.

A transferência inviabiliza a Solução de Dois Estados, que até a última década era vista por grande parte do mundo como a melhor para sanar o conflito que por anos foi a questão chave no noticiário internacional. No comando de Benjamin Netanyahu, desde 2009, o que se viu foi o aumento de assentamentos judeus em território que deveria pertencer a um futuro Estado palestino. Além disso, outras nações seguiram os EUA reconhecendo Jerusalém como capital israelense, o que inviabiliza a noção de uma cidade compartilhada, parte fundamental da Solução de Dois Estados.

A Guerra Civil da Síria ofuscou a Palestina em diversas frentes. Em termos de tragédia humanitária, Gaza perdeu destaque para Aleppo, ou a região que sofria na ocasião, quando o tema ganhava o efêmero protagonismo nos noticiários. A questão dos refugiados em países vizinhos, importante ponto nas negociações por conta do direito de regresso, perdeu força frente às centenas de milhares de sírios deslocados. No Líbano, de população diminuta e palco de frequentes tensões com palestinos, a leva de sírios ganhou o foco. Premiado com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2017, “O Insulto”, que trata das relações entre palestinos e libaneses, foi um dos poucos momentos em que a situação Palestina ganhou destaque na década.

Na complexa Guerra Civil da Síria, o Hamas tomou uma posição errática contra Bashar Al-Assad, que desagradou aliados fundamentais, em especial o Irã, o que colocou o grupo em vulnerabilidade por falta de fundos. Por outro lado, o potencial rival Fatah não conseguiu ocupar o vácuo do Hamas em Gaza por enfrentar problemas internos, com duras denúncias de corrupção, que enfraqueceram também a gestão na Cisjordânia. Envelhecido, Mahmoud Abbas não fez sombra a Yasser Arafat, antecessor com grande presença no imaginário internacional.

O Acordo Nuclear com o Irã abriu oportunidades para um dos mais duros golpes à causa palestina. Ainda que com ressalvas diplomáticas, o inimigo comum uniu Israel e Arábia Saudita naquela que é uma das mais importantes guinadas geopolíticas na história recente. Os sauditas, como tradicionais líderes entre os muçulmanos, compuseram a oposição ideológica ao Estado de Israel. Agora, fazem parte dos grupos de governos árabes que aceita a existência e convive com a nação, assim como Egito e Jordânia fizeram no século passado. Além da importante proximidade militar, leva outros parceiros, em especial os Emirados Árabes Unidos para a aliança. É importante ressaltar a diferença entre governos e o povo em caso como este, já que a aceitação geralmente é bem diferente entre a população em geral.

O grupo de nações em desenvolvimento que tradicionalmente fez uma maioria para contestar Israel na ONU caiu na última década. Além de países como a Guatemala, que decidiu transladar sua embaixada, a hábil política externa israelense buscou estreitar laços com dezenas de nações. Em 2016, já havia assinalado como a postura vinha ganhando sucesso na África. Oferecendo tecnologia e parcerias estratégicas em áreas que Israel é parte da liderança global, o país também ganhou em aproximação ideológica. Assim como no caso de países latinos, que é bastante noticiado no Brasil, comunidades evangélicas veem com bons olhos o estabelecimento do Estado Judeu. O lobby foi fundamental na postura de Trump, mas também tem presença em países como Uganda, em que o governo recentemente tomou posturas próximas à religião. O potencial é ainda maior com a recentemente verificada expansão de igrejas evangélicas no continente africano.

Na política interna israelense, mesmo com número recorde de eleições por conta da paralisia em formar um governo, o tema foi menos discutido do que historicamente. Irã, corrupção, crise habitacional e o caráter do Estado foram assuntos mais determinantes para os eleitores do que a questão com os palestinos. Por sua vez, os trabalhistas viram sua relevância minguar a níveis de quase se tornarem irrelevantes. Yitzhak Rabin, signatário do Acordo de Oslo, era do partido, e foi um dos principais nomes na defesa da Solução de Dois Estados, assim como outras figuras históricas à exemplo de Shimon Peres.         

O Haaretz, um dos principais jornais israelenses, concluiu um resumo sobre a década na região sem citar os palestinos nenhuma vez. Além da Primavera Árabe, na qual se insere a Guerra Civil da Síria e outros conflitos, a publicação citou o Acordo Nuclear e o Daesh como os fatores chaves. A proporção que o autointulado Estado Islâmico ganhou fez com que os esforços internacionais se voltassem a um inimigo comum, deixando outros conflitos em segundo plano. Com sua vocação ao espetáculo e grande capacidade organizacional, o Daesh conseguiu unir rivais e deixar qualquer situação como secundária, algo que a Al Qaeda não chegou nem próxima de lograr.

Thomas Friedman, um dos principais colunistas de política externa no mundo, escreveu que a Solução de Dois Estados estava morta algumas vezes. Mas não se falar de um problema não acaba com a mesmo. É provável que a próxima década não traga um acordo, mas Israel terá de lidar com uma questão fundamental. Ou dá cidadania plena aos árabes em seu território, o que impede seu caráter judeu por conta da demografia, ou vive um regime de exclusão com cidadãos de classes diferentes, o que extingue seu caráter democrático. O palco é perfeito para extremismos. Certeza para o futuro é que perdemos a rara lucidez de Amos Oz, morto no fim de 2018, que acreditava que "a síndrome do século XXI é o choque dos fanáticos de todas as cores e o resto de nós".

Em dez anos, Netanyahu alterou o status do conflito. Mas nem isso bastou para estar entre os 50 mais influentes da década para o Financial Times. FOTO: Jack Guez/AFP 

sábado, 13 de agosto de 2016

Espírito esportivo no Rio: Ouro e vexame

O início das Olimpíadas tinha por objetivo congregar os atletas das polis, cidades-estados, do que hoje conhecemos como Grécia, e na época representavam com algumas funções o que são os estados nacionais hoje. Um dos principais pilares dos jogos era que durante sua realização de quatro em quatro anos, todos os conflitos deveriam ser cessados. Apesar do que a predominância apresentada por Atenas e Esparta pode indicar, havia muitas outras polis importantes e divergências não eram incomuns. O até então recordista de conquistas olímpicas era de Rhodes, hoje mais conhecida pelo seu colosso, e que ganhou algum destaque após Michael Phelps lhe tirar a honraria.

Na era moderna os conflitos globais influenciaram muito as Olimpíadas. A Segunda Guerra Mundial acabou com qualquer possibilidade de realização de jogos no período, sendo impossível um cessar-fogo. Durante a Guerra Fria, EUA, URSS e seus aliados utilizaram o esporte com um extremo fim de propaganda política, o que levou a excelentes níveis esportivos, mas legou algumas das maiores anti-desportividades da história como os boicotes dos jogos de Los Angeles e Moscou pela URSS e EUA respectivamente, que prejudicaram vários atletas que se esforçaram muito, o que no fim das contas foi em vão independente de suas posições políticas.

O patriotismo exacerbado durante as Olimpíadas também lega histórias bem interessantes, um dos pontos altos da competição. O negro americano Jesse Owens que venceu em frente Hitler em Berlim é provavelmente a melhor destas, mas mesmo no Rio, casos como a da primeira medalha de Kosovo, conquistada por uma judoca que teve ofertas financeiras para competir por outras nações é uma destas grandes histórias.

Infelizmente o patriotismo nos jogos do Rio vem vivendo contrastes. Apesar de boas mostras como no caso da kosovar, e a mais importante de todas: o fato do patriotismo ter sido colocado de lado, provando que há valores muito mais importantes como solidariedade e respeito, para constituir a delegação dos refugiados demonstram os aspectos positivos. O time inédito foi aplaudido de pé na cerimônia de abertura e é o maior marco destes jogos Por outro lado, na própria cerimônia de abertura ocorreu uma mostra lamentável do respeito sendo sucumbido: a vaia à delegação argentina.

Assim como no hino antes das competições, o desfile na cerimônia de abertura é um grande marco de exposição de seu país, sendo uma honra ímpar para o atleta ser o que representa sua nação nestes momentos. O respeito nesta hora deve ser universal, tanto para com a nação ali apresentada e em especial ao atleta que tem a honra, seja quem for. Depois disso, ai vale muito (lembrando que tudo não, já que é o século XXI), e eu mesmo confesso que na torcida de Argentina x Portugal, partida que tive a oportunidade de ir, não fui nem um pouco afável com os argentinos.

Mas a torcida brasileira foi impecável na vaia ao protagonista do gesto mais lamentável das Olimpíadas até agora, o egípcio Islam el-Shahaby. O judoca se recusou a cumprimentar o atleta israelense Or Sasson após a luta entre os dois, e ouviu uma sonora vaia, além das repercussões negativas pelo mundo. O gesto claramente marcado por antissemitismo, que é a discriminação aos povos de origem semita com os judeus sendo um destes, e racismo, foi lamentavelmente incentivado por radicais contrários a Israel, que vem crescendo pelo mundo, em boa parte devido às ações do atual governo israelense, o que é um fenômeno negativo em todos os aspectos.

Muitos destes pediam até mesmo que el-Shahaby boicotasse a luta contra Or Sasson, sacrificando sua, sem dúvidas, dura preparação para chegar ali em prol de um ódio de antissemitas. Grande parte destas pessoas não sabe nada sobre o judoca, que mesmo israelense, pode ajudar árabes em seu país, se opor as medidas do atual governo, ou qualquer ação neste sentido, o que é muito mais benéfico aos palestinos do que o ódio que estes espalham que é obviamente seguido de retaliações pelo outro lado. Tudo isso acontecendo no judô, esporte criado no Japão, dono de uma das culturas que mais valoriza a honra e o respeito, o que é bastante expresso na modalidade.

E esse não foi o primeiro caso de antissemitismo nos jogos. No dia da cerimônia de abertura, libaneses impediram que a delegação israelense compartilhasse o mesmo ônibus, simplesmente pela nacionalidade destes. O ato foi considerado pela Ministra dos Esportes de Israel como “racista” e “antissemita”, não levou em conta quem eram estes israelenses; complicou a difícil organização da maior delegação de Israel na história, e uma das mais visadas, como provado em Munique; e por fim, golpeia todos os significados de espírito esportivo que os jogos legam desde a Grécia Antiga.

Or Sasson só foi derrotado pelo imbatível francês Teddy Riner no último segundo da luta, dando enorme trabalho para a lenda do esporte. Depois conseguiu a segunda medalha de Israel nas Olimpíadas do Rio quando venceu o bronze, para o êxtase dos muitos torcedores que acompanhavam a competição com a bandeira de Israel. Além disso, Or Sasson deu a volta por cima no racismo, se tornando um vencedor no judô. O que não deixa de também ser a descrição da belíssima história da brasileira Rafaela Silva, negra, nascida na Cidade de Deus e campeã. Judô ainda contou com a participação de atletas da delegação de refugiados, inclusive do congolês Popole, do mesmo projeto de Rafaela e a maior esperança de medalhas no time. E no fim havia eu acompanhando a modalidade, ainda sem ter a mínima noção de como se faz o tal “wazari”.



terça-feira, 12 de julho de 2016

"Time for Africa?" Para Netanyahu, sim

Existem diversas visões simplistas sobre o continente que mais oferece possibilidades hoje, possui 54 países, uma infinidade de culturas diferentes e a população que mais cresce no mundo. É consenso atualmente que quem souber se adequar melhor a esta região do mundo com tamanho potencial, se dará bem politicamente, enquanto aquele que só pensar na fome e nos grandes mamíferos terrestres africanos, ficará para trás. A China há anos vem expandindo sua influência na África, seja por meio de parcerias maiores, por exemplo, a África do Sul no BRICS, ou em investimentos em infraestrutura, como os recentes na Etiópia e no Quênia. Estes dois, parceiros vitais de um dos governos que nos últimos tempos parece ter melhor entendido a nova tônica mundial, o de Israel, com seu primeiro-ministro Netanyahu.

Depois de mais de 30 anos, um chefe do governo israelense visitou a África Subsaariana. Mais especificamente, Etiópia, Quênia, Ruanda e Uganda receberam a visita de Bibi. A visita à Ruanda ganhou uma conotação especial, por ter reunido Netanyahu e Paul Kagame no memorial do Genocídio de Ruanda, termo utilizado na matança no país africano, mas cunhado especialmente por conta do Holocausto sofrido pelos judeus. Em Uganda houve uma aproximação com os evangélicos, cada vez mais presentes no país, e que tem grande influência da igreja norte-americana, base central de apoio para o estado judeu. O Quênia foi uma visita mais pontual, já que os quenianos vêm se destacando economicamente e são uma potência no Leste do continente, a região visitada por Netanyahu.

Já a relação com a Etiópia é mais estreita. Cerca de 2% da população de Israel tem origem etíope, mas muitos destes enfrentam situações delicadas no país, como o dobro da taxa de desemprego da média geral, e regiões em que os índices de encarceramento chegam a 40%. A difícil situação levou etíopes no ano passado a participarem de manifestações, que tiveram destaque especial em Tel Aviv. O clima político ficou tenso, já que o partido de Netanyahu, Likud, conta inclusive com um deputado de origem etíope.

Além disso, Adis Abeba, capital da Etiópia, é sede da União Africana, órgão no qual Israel foi membro como observador até 2002. Logo após a visita de Netanyahu ao Leste da África, os etíopes fizeram o pedido para que israelenses voltassem a fazer parte da organização, que têm, por exemplo, Palestina e Turquia na situação de observadores. O apoio dos países da África Subsaariana é visto como vital para Netanyahu, que enfrenta oposição de tradicionais adversários árabes, e de uma comunidade internacional que isola cada vez mais Israel, inclusive seus dois principais parceiros, a União Europeia e os EUA.

Em contrapartida, israelenses têm muito que oferecer a estes países. O Quênia, por exemplo, foi vítima recente de dois grandes ataques terroristas do grupo Al Shabab, que atua na Somália, vizinha do país, e tem cada vez mais medidas contra terroristas como principais pautas de governo. Apesar de não terem sofrido com estes tipos de ataque, os outros países têm bastante o que se preocupar, levando em conta que grupos como o Boko Haram e a Al Qaeda do Magreb Islâmico se proliferaram na África. O know-how israelense para lidar com o terrorismo, senão o melhor do mundo, um destes, é de grande utilidade para estes países.

Outro ponto em que Israel se destaca é como um polo tecnológico, e se tratando de regiões que costumam ter uma infraestrutura defasada, os avanços do país em áreas como agricultura, sistemas de irrigação e cyber-segurança são de grande interesse. O “produto” oferecido teve um impacto tão positivo, que segundo o Times of Israel logo após a visita, a Tanzânia anunciou sua intenção de abrir sua primeira embaixada em Israel, e o chefe de um estado muçulmano no continente (não divulgado) teria ligado para Netanyahu buscando estabelecer relações bilaterais entre os dois países, até agora inexistentes.

“Lion King Bibi”, como foi apelidado o primeiro-ministro israelense na visita, em uma alusão ao seu apelido e ao Rei Leão, soube se aproximar em um momento delicado para sua imagem de países que desejam o que Israel pode oferecer. Boa tacada do líder israelense, que vai ter que enfrentar uma verdadeira batalha da opinião internacional contra ele com a chegada dos 50 anos da ocupação israelense em 2017, que já começou (e com gente grande). Fora as acusações de lavagem de dinheiro, que prometem dificultar suas intenções de se tornar o homem há mais tempo no cargo máximo de Israel, ultrapassando Ben Gurion, o político mais marcante da história do país.

                      Netanyahu na Etiópia - "Quem não tem cão, caça com leão" (Kobi Gideon/GPO)

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Me ajuda a te ajudar

As Colinas de Golã se localizam no nordeste do que hoje é controlado pelo Estado de Israel, e é uma das regiões ocupadas pelos israelenses após a vitória na Guerra dos Seis Dias em 1967. O território passou ao domínio sírio após a criação de Israel no fim da década de 40 e ficou sobre a tutela destes até a guerra de 67. Assim como no caso dos outros territórios, a ONU diz que é ilegal a ocupação israelense, e como na situação envolvendo a Península do Sinai, integrada ao Egito que sofreu intervenção militar dos israelenses após a guerra, Israel negociou a devolução do território, em troca da aceitação da existência do estado. No caso egípcio, deu certo e a solução ganhou um Nobel, no sírio, líderes no poder até hoje, como Netanyahu e os Assad chegaram bem perto de se entenderem, mas o entrave continua.

O parlamento israelense votou favorável em 81 uma resolução que determinava o domínio de Israel sobre as Colinas de Golã, o que foi prontamente rechaçado pela comunidade internacional. Aos olhos do restante do mundo, a ocupação israelense dos territórios após 67 é ilegal, e Israel deve buscar uma solução, assim como ocorreu com os egípcios, para seus problemas na região. No entanto, a Síria, devastada por uma guerra civil, não vê a questão como uma prioridade, além de haver um senso comum de que atualmente a devolução do território colocaria ainda mais em risco a segurança da região. Na Síria lutam três dos maiores inimigos de Israel hoje: Irã, Hezbollah e o Grupo Estado Islâmico. A anexação de Golã ao território sírio seria uma grande oportunidade para os três, declaradamente contra Israel, atacarem os israelenses. É de consenso que a questão seja resolvida após a tragédia síria, menos para Netanyahu e seu Likud.

Após escancarar algo que muitos já desconfiavam: que Israel havia atacado o Hezbollah em território sírio durante a guerra, criando um desgaste com o regime de Assad, que tem no grupo um de seus maiores aliados, o governo de Netanyahu realizou um ato visto como uma afronta, a primeira reunião oficial israelense em Golã desde 1967. Em declarações, Netanyahu indicou que Israel nunca devolverá o território aos sírios, além de citar um plano de colonização, assim como em territórios palestinos, que segundo o primeiro-ministro, já conta com “50 mil judeus e drusos e só vai aumentar”.

Claro que o caso faz parte da estratégia nacionalista do Likud, que segue construindo assentamentos ilegais e se isolando da opinião pública internacional. No entanto, dessa vez, como não poderia deixar de ser, até aliados se manifestaram contra o israelense. A Liga Árabe, que hoje faz uma oposição bem velada a Israel, já que tem como um dos principais membros a Arábia Saudita, parceira pontual dos israelenses, fez uma representação contra o ato. O Egito, desde os anos 80 um dos principais aliados de Israel, também se pronunciou contrário. E é claro, o maior parceiro do Estado de Israel, os EUA, ficaram mais uma vez em uma saia justa, já que apesar de ser contrário ao atual governo sírio, teria enorme desgaste junto á comunidade internacional apoiando uma ação ilegal do ponto de vista da ONU. Preferiu a omissão.

Além dos infinitos inimigos tradicionais dentre os árabes e muçulmanos, hoje Israel tem um inimigo interno que é muito mais perigoso que boa parte destes: seu próprio governo. A opinião pública cada vez se volta mais contra Israel, e a União Europeia, por exemplo, aliada histórica, hoje já acena com movimentos pró-palestinos como o BDS. Defender o Estado de Israel hoje em boa parte das universidades do mundo pode ser quase um atestado de suicídio junto à dita intelectualidade, cada vez mais tomada pelo antissemitismo, refletido de maneira ainda mais forte na comunidade em geral. Os EUA nunca estiveram tão longe dos israelenses, chegando ao ponto de Netanyahu ter melhores relações pessoais com Putin do que com Obama. O governante e seu Likud parecem não ter entendido que as certezas na região mais complexa do mundo tem prazo de validade, o que foi refletido em sua insana campanha contra o acordo nuclear com o Irã, que para eles seria um eterno inimigo norte-americano.

Falando em Putin, o nacionalismo expansionista é uma das principais características que ligam Netanyahu ao russo. No entanto, parece que o israelense não tem a consciência de que não comanda um antigo vasto império que pode agir de acordo com suas intenções e esquecer a comunidade internacional. Netanyahu lidera um país que precisou de amplo apoio global na sua fundação, e principalmente para se sustentar contra os inimigos durante os 67 anos de sua história. E é fundamental entender isso para continuar existindo.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

O Estado Islâmico pode ajudar a resolver a Questão Palestina?

O fenômeno político recente, que divide a Palestina, deixou este conflito tão complexo ainda mais complicado e com uma resolução parecendo cada vez mais longe. Desde a escalada de violência no começo dos anos 2000 e a morte de Yasser Arafat, líder da Autoridade Nacional Palestina, em 2004, palestinos passaram a se dividir na disputa pelo poder.
O resultado de diversos conflitos internos foi um grupo considerado pelo Ocidente como terrorista, o Hamas, assumindo o controle na Faixa de Gaza, enquanto a chefia da Cisjordânia ficou com a ANP sob o comando de Mahmoud Abbas. A instituição é reconhecida internacionalmente como a representante dos interesses palestinos, cabendo a Abbas a máxima responsabilidade pelas negociações de paz com os israelenses. Já o Hamas é visto como um grupo terrorista por Israel e desde que assumiu o poder na Faixa de Gaza, em 2006, se envolveu em duas guerras com o país, a última no meio do ano passado.
O grupo tem uma ideologia islâmica, e desde a sua fundação é adepto do tudo ou nada para os palestinos, ou seja, uma luta até o fim de Israel e a retomada completa do lugar pelos árabes. A ANP negocia uma solução de dois estados, na qual Israel e Palestina coexistiriam dividindo Jerusalém como capital. Obviamente o crescimento do Hamas como representante dos palestinos deixou Israel mais longe das negociações para ceder seu território, o que pode mudar com o surgimento de adeptos do Estado Islâmico em Gaza.
Uma parte importante dos muçulmanos apoia a ideologia do Hamas, que é respaldada na Irmandade Muçulmana, maior e mais tradicional partido árabe, fundado em 1928 no Egito. Além disso, diversos governos têm boas relações com o Hamas, como Irã e Catar. No entanto a situação na Faixa de Gaza é caótica, com uma das maiores densidades demográficas do mundo e a maior taxa de desemprego do globo. Há uma grande parcela de jovens que se questionam o que o governo fez por eles, sendo ainda mais suscetíveis a ideias radicais do que iraquianos e sírios que gozavam, por incrível que pareça de condições melhores quando aderiram ao ISIS.
O ISIS não entrou oficialmente na Palestina, ainda assim diversas brigadas vem cometendo atentados ou contra oficiais do Hamas e da Jihad Islâmica, outro grupo importante, ou contra o Sul de Israel, e dizendo que fazem estes em nome da ideologia do Estado Islâmico, repreendida por praticamente todo muçulmano. O fato dos ataques terem origem em Gaza faz com que Israel culpe o Hamas por todos, já que o grupo tem responsabilidade pelo território.
O lado bom disso é que na tentativa de conter os radicais que atacam inclusive o próprio Hamas, o governo pode se tornar menos extremo, sendo mais tolerante inclusive a uma ajuda israelense. Do outro lado, Israel pode ver que o governo islâmico que sempre foi visto como a pior opção na Palestina, conta ainda com variações mais perigosas, já que a tendência de extremistas surgirem é enorme em condições difíceis como a vivida em Gaza. Desta maneira, quem sabe o ISIS não contribua para que, sendo um inimigo comum, dois adversários se aproximem.
Claro que há um risco. Se o ISIS realmente crescer na Palestina, Israel não medirá esforços para conter o ataque, o que seria péssimo para todos. Além disso, vale lembrar que o governo do Hamas tem graves problemas, como as dificuldades impostas a vida dos cristãos. Mas a alternativa, como verificamos em outras partes do Oriente Médio com a crucificação de seguidores do cristianismo, prova que pior do que está, fica sim.


terça-feira, 5 de maio de 2015

Pelo Caminho Mais Longo

Nesse feriado aproveitei para assistir ao ótimo Selma e ao ótimo, para quem gosta do Tarantino, Django Livre. Claro que no meio disso, a atenção realmente ficou nos protestos em Baltimore, que já vinham se arrastando, e no domingo, nos de Tel Aviv.
Apesar da violência impactante de Tarantino e a bela história contada em Selma, ainda assim os protestos me chamaram mais a atenção, por um motivo: o quanto o mundo se tornou complexo.
Em Django, ser a favor dos direitos humanos significava ser contra a escravidão. Em Selma, defender a justiça e a igualdade representava apoiar a luta pelos direitos civis e reconhecer a diferença existente entre negros e brancos. Mas como se posicionar diante da morte de um negro por três policiais negros? E da discriminação de judeus em Israel?
Simplificar os movimentos da última semana em apenas batalhas de negros contra brancos é tão grave quanto direcionar a política atual meramente em disputas de esquerda contra direita. Dizer que Freddie Grady foi morto em Baltimore meramente por ser negro, em uma cidade em que a prefeita é negra, o chefe de polícia é negro, o presidente da câmara dos deputados é negro e dois terços da população são negros, não é meramente simples, é perigoso.
Baltimore sofreu com um processo semelhante ao de Detroit com a fuga das indústrias no século passado, mas ao invés do Robocop comandando as ruas, quem assumiu foi uma polícia extremamente repressiva. A diminuição de postos de emprego fez com que a classe média fosse embora da cidade, junto aos bons negócios. O cenário foi de legítimos bolsões de pobreza, uma taxa de desemprego entre jovens que se aproxima de 50% e a opção a estes de competir por empregos de baixa qualificação ou o tráfico de drogas.
A consequência da sexta maior cidade do país passar a ser a vigésima quinta em um espaço de tempo tão breve, deixando a população tão desamparada, não poderia ser outra que não a explosão da violência. Segundo estudo do Washington Post, Baltimore tem nove bairros com expectativa de vida menor do que na Síria. A taxa de homicídios na cidade beira os 34 por 100 mil habitantes, maior que a brasileira e cerca de três vezes a de São Paulo. Todos sofrem em Baltimore.
Com menos alarde da imprensa, mas com grande importância, tivemos no domingo manifestações de judeus etíopes em Jerusalém, e principalmente em Tel Aviv. Os 2% da população israelense de origem do país africano são, sobretudo descendentes de uma grande onda de imigração no final do século passado, fugindo da miséria que a Etiópia enfrentava.
Os pais e avós desses judeus, seja por conformação, ou por real convicção, não se destacaram por questionar as condições de vida superiores legadas aos brancos em Israel. No entanto a atual geração participou de manifestações que acabaram em violência nos principais centros do país. Os protestos começaram depois do vídeo da agressão de um soldado etíope-israelense por dois agentes do governo.
O vídeo foi a gota d’água para desencadear os questionamentos de uma situação que incomoda esses cidadãos, que alegam serem vistos como inferiores em Israel. A porcentagem de suicídios nessa comunidade é cinco vezes a média do país. Em algumas cadeias, chega ao número de 40% das detenções de jovens serem de etíopes. O desemprego entre eles é o dobro da população geral.
Normalmente associada a um contexto de judeus e árabes em Israel, a discriminação racial se apresenta como absolutamente complexa na região. As desigualdades entre negros e brancos não impedem, por exemplo, que os mesmos etíopes que sofrem com as condições no país apoiem ideias e candidatos que discriminam os árabes. Prova disso é o Likud, partido no poder em Israel, ter um deputado de origem etíope-israelense, eleito com amplo apoio desta comunidade. O partido busca a consolidação do país como lar do povo judeu, o que colocaria os cerca de 20% de árabes-israelenses que vivem ali em uma situação muito delicada.
Recriminar o abuso de policiais contra negros nos EUA é necessário. Denunciar a atual postura do governo israelense de discriminação aos árabes é igualmente vital. Mas dizer que as questões nos EUA se baseiam simplesmente em negros contra brancos, e que em Israel se trata de judeus contra árabes, são atalhos. Seja resumindo em esquerda-direita, brancos-negros, judeus-árabes, estadunidenses-latinos, nós-eles. É sempre o jeito mais fácil.
É impossível distinguir o quanto a cor de pele influência nestes dois contextos. Mas basear-se somente nesse aspecto em detrimento da análise de um âmbito maior, é um absurdo. É tão errado quanto grupos de extrema esquerda e direita que radicalizaram as manifestações em Tel Aviv e além de enfraquecer os justos protestos, fizeram com que vários apoiadores pacíficos ficassem feridos.
Radicalizar é sempre um atalho. Normalmente para o mau caminho. Como mostra Selma, Martin Luther King percorreu, literalmente, o caminho mais longo e conseguiu direitos inéditos para os negros pelos meios mais difíceis, mas que se mostraram os melhores. Não vamos nos esquecer de que o seu sonho ainda vive.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

O Dia D em Israel

Mesmo com toda a neve que cobre o país há dias, a preocupação dos israelenses é total com o próximo dia 17. Em uma jogada política, o Likud, partido do poder, antecipou as eleições para o parlamento, ou Knesset, e o resultado pode mudar drasticamente as negociações de paz com os palestinos.
Como mostrou um recente levantamento, o governo de Benjamin Netanyahu pouco fez pelo diálogo com os árabes, e ano após ano o número de assentamentos em território considerado palestino pela comunidade internacional que foram autorizados, só cresceu, chegando a um recorde em 2014. O resultado foi um país ainda mais distante de uma solução, e a escalada da violência de radicais palestinos.
A preocupação de Netanyahu com o Irã é muito maior do que a intenção de resolver os problemas em seu país, e o líder do Likud não esconde isso. Caso seu partido consiga uma coalizão com maioria das 120 cadeiras do Knesset, o resultado deve ser mais quatro anos de intervenções em Gaza, assentamentos ilegais e pouca evolução nas conversas, exatamente o que estamos presenciando.
Por outro lado há a oposição de centro-esquerda, liderada pelo Partido Trabalhista e que teria como líderes Herzog e Livni. Os dois adotam há algum tempo um discurso focado na importância das negociações de paz e tem relações muito melhores com a Autoridade Palestina do que o atual governo, incluindo uma visita de Herzog á sede do governo da AP em Ramalá.
As relações de Netanyahu com o Ocidente vão de mal a pior, sendo criticado inclusive por veículos pró-Israel como o Le Figaro. Com Obama, as coisas só pioraram depois que o governante, apoiado pelos republicanos, fez um discurso no congresso americano contra o programa nuclear iraniano.
Os israelenses tem no dia 17 a opção de escolher o que querem para seu futuro. Pena que do outro lado do conflito, jovens como Jihad al-Jaafari de 19 anos, que segundo a agência Ma’an, foi morto ontem pelo exército israelense, não tenham tantas opções. 

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Um País de Anões?

Não quis escrever sobre Israel e Hamas nos últimos dias pelo simples fato de que praticamente tudo o que é escrito ou dito sobre o conflito é leviano. Quando há alguma posição concreta normalmente é de um caráter antissionista nem um pouco velado. O que me motivou foi o posicionamento do governo brasileiro, que não tem outra atribuição a não ser: pífio.
Segundo as declarações brasileiras, a impressão é a de que o conflito é um mero massacre gratuito de palestinos em Gaza. O repúdio ao fato de crianças estarem morrendo é justo, e espero que seja a sensação de todos os brasileiros. No entanto a visão unilateral do conflito não ajuda em nada para que tenhamos enfim o sonhado cessar fogo.
O conflito ocorrendo em Gaza não é entre Palestina e Israel. O conflito é entre o Hamas e Israel. A Autoridade Palestina é neutra na situação e a favor de um cessar fogo imediato. Os EUA, tradicionais aliados de Israel são a favor de um cessar fogo. A ONU, a UE e qualquer outra entidade com um mínimo de bom senso é a favor de um cessar fogo imediato.
A questão não é se a pessoa acredita no Priorado de Sião, se é a favor da criação do Estado da Palestina, se acredita que judeus merecem o território após o Holocausto, nem nada disso. É o simples bom senso de parar uma ofensiva militar que vai matando cada vez mais inocentes, e algo que parece ser muito difícil para o governo brasileiro: se opor a um grupo terrorista que recusa um acordo de paz.
A declaração de que o Brasil é um “anão diplomático” foi absolutamente lamentável. O Burundi não deve ser considerado um país sem representação diplomática. A questão é que a manifestação brasileira não contribui em nada com o fim do conflito, e apenas embasa os argumentos terroristas de rejeitar um cessar fogo por conta da ofensiva de Israel.
Se há um lado positivo é que embasando a causa do Hamas, o Brasil se opõe aos interesses de Assad, que após uma traição do grupo terrorista, passou a ser um dos maiores inimigos destes. Quanto ao resto do conflito, acredito que os noticiários são suficientes para mostrar que qualquer posição além de um cessar fogo é um absurdo.
Na manifestação do governo brasileiro há uma posição de acabar com o conflito, a questão criticada por Israel é que o Hamas foi absolutamente ignorado, assim como qualquer outro grupo terrorista. O que reflete que sim, a política brasileira foi anã. Não sei se por desconhecimento ou por interesse, mas o erro ocorreu. Tomara que em contrapartida a decisão “anã” na seleção brasileira tenha sido um acerto.