quinta-feira, 20 de outubro de 2016

O outro lado na eleição dos EUA


É a primeira vez que o blog trata das eleições norte-americanas de 2016. No Twitter e no programa semanal de rádio, o assunto é abordado com frequência há pelo menos um ano, mas o propósito aqui é diferente. Por questões de logística e recursos, a ideia deste espaço é trazer assuntos menos abordados pelos meios de comunicação, ou ao menos tratar uma perspectiva diferente destes, o que se pode verificar no primeiro post do Vale do Paraibuna Connection, ainda em 2013, que é uma contrapartida aos que execram por completo o chamado bullying.

Desde que Donald Trump anunciou, em 2015, que concorreria à presidência o candidato virou o centro das atenções. A cada vez que sua candidatura parecia mais surreal, seja insultando mexicanos, propondo o banimento de muçulmanos dos EUA, ou ofendendo mulheres, grande parte da mídia e os analistas reagiam em contrapartida, no sentido de conter o chamado “bufão fascista”. O fato é que durante as primárias republicanas a estratégia da imprensa falhou, já que Trump derrotou favoritos como Jeb Bush e Marco Rubio, e por fim fez com que o extremista Ted Cruz parecesse uma alternativa viável para frear o fenômeno grotesco. Para deixar claro, já que este parágrafo resume quase um ano de intensas movimentações, Cruz é parte do Tea Party, a ala mais radical dos republicanos e nunca foi, de fato, alguém moderado, caso de John Kasich, a melhor opção que o partido tinha nas primárias.

A questão é que a cada editorial criticando Trump, assim como a cada político de relevância que se posicionava contra o candidato, sendo o sensato Kasich um dos primeiros a fazê-lo dentro do partido republicano, uma parcela nada desprezível deste fenômeno ficava de lado, seus apoiadores. Sempre que o bilionário parecia mais grotesco, as análises faziam com que seus eleitores também parecessem, e logo estes passaram a ser insultados quase da mesma forma com que Trump faz com aqueles que não o apoiam.

O perfil é tradicional: o homem branco, com pouca educação, interiorano, e que foi atropelado pelo fenômeno da globalização, não conseguindo se estabelecer na nova ordem mundial. Além disso, ele sente seus privilégios ameaçados por minorias que teoricamente tomariam seus empregos e direitos. 
O discurso de Trump, dito “politicamente incorreto” contra “tudo o que está ai”, aliado a xenofobia que promete trazer de volta estes empregos para os EUA, “making America great again”, como diz seu slogan, é uma espécie de musica nos ouvidos destes atrasados provincianos que não pegaram o bonde da história. Esta é uma síntese de boa parte das explicações do fenômeno Trump. O que se suprime é como estes “atrasados” se sentem quando são chamados assim.

Alguns analistas chegaram ao ponto de classificar esta parcela nada irrelevante da população norte-americana de “white trash”, que realmente tem o mesmo teor de se chamar alguém de lixo branco no Brasil. Mesmo que menos pejorativos, os veículos de comunicação passaram a tratar os eleitores de Trump de maneira parecida, como se fossem uma parcela indesejável do país. Ninguém gosta de ser marginalizado, e quando isto se dá com pessoas que se sentem cada vez mais excluídas e frustradas, o efeito pode ser catastrófico.

Trump não é um imbecil, mesmo que seja difícil acreditar nisso. Quando disse publicamente que poderia atirar em alguém na Quinta Avenida, em Nova Iorque, e que mesmo assim não perderia votos, sabia que tinha alguma razão naquilo. O motivo pelo qual grande parte dos cerca de 40% dos EUA, segundo as últimas pesquisas, votarão em Trump não é pelo que ele é nem pelo que diz, e sim por ele não ser Hillary Clinton, o que foi indicado pelo Pew Research com 33% dos argumentos. Quando o bilionário tomou plena consciência disso, a campanha passou a cair ladeira abaixo, se assemelhando a disputas entre garotos de quarta série.

E foi neste cenário que Hillary Clinton cometeu seu grande erro na campanha até aqui. Em um discurso a candidata indicou que “você pode colocar metade dos simpatizantes de Trump no que eu chamo de cesta dos deploráveis”. Ou seja, disse acreditar que cerca de 20% das pessoas que ela provavelmente vai liderar a partir de 2017 são deploráveis. A expressão é gravíssima, e torna quase impossível que estes eleitores que não confiam nela passem a fazê-lo, o que é fundamental para a democracia norte-americana no sentido de rechaçar demagogias e populismos, e que se evite mais um “contra tudo o que está ai”. Ainda mais que o próximo pode não ser tão nefasto como Trump, ou ainda pior, em um cenário que se deteriore tanto nestes quatro anos: um bufão pior que o bilionário assumindo a Casa Branca.

Assim como no caso do Brexit, a mídia tem papel fundamental no sentido de amenizar os ressentimentos. A votação britânica mostrou que difamar um eleitorado frustrado por conta de suas opiniões não é a melhor estratégia de uma imprensa normalmente vista por estes como parte da causa de seus problemas.

Quem rechaça Trump seguirá rechaçando Trump, agora o que nenhum país precisa é de uma presidente considerando 20% do eleitorado como deplorável, ou que analistas chamem estas pessoas de “white trash”. É possível e justificado fazer um texto criticando cada um dos aspectos demonstrados por Trump durante a campanha, mas é realmente necessário neste momento? E o principal, subjugar uma parcela da população frustrada é realmente uma boa estratégia? A votação pelo Brexit provou que não para as duas perguntas.


Valendo-me de uma expressão que vem sendo utilizada sobre Trump, o candidato é “pós-moderno” nos seus conceitos de verdade. Clinton pode ser mentirosa, mas a campanha do bilionário se dissipa de qualquer conceito de realidade. Em um dos poucos artigos críticos à cobertura da mídia sobre as eleições, a The Economist questionou um dos protagonistas jornalísticos nesta campanha, o fact-checking. A revista indicou que, depois de tudo o que Trump já disse verificar a veracidade de seus discursos não parece nada mais do que arrogância para muitos de seus eleitores. Em uma campanha que tamanho do pênis e acusações de abusos sexuais foram mais relevantes do que os planos para a nação mais importante do mundo, nada surpreende que a verdade apareça para muitos como mero detalhe arrogante. As análises da mídia também.

                                                                Motivo? Ele não é Clinton

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Uma solução para "O Futuro do Jornalismo"

Um dos temas sociais mais importantes hoje é o futuro do jornalismo. Nas faculdades de comunicação o assunto, principalmente com o temor do desemprego, é constante, e vai desde o ingresso até a formação do aluno. Alguns professores tendem a vislumbrar um futuro em que a saída será as assessorias de imprensa, outros mais fatalistas acreditam que nestes tempos o jornalismo nem mesmo existirá, e preferem o saudosismo das épocas gloriosas.

O jornalismo vai existir, mas terá de mudar bruscamente. Hoje em dia praticamente não é rentável se produzir jornais impressos, e algumas redações sobrevivem quase que a base de filantropia de donos de jornal. A migração completa para internet só não ocorreu por um motivo, e que é o mais importante: ainda não se sabe como fazer dinheiro lá.

Na virada do milênio, quando houve o boom das ações de informática no mesmo momento em que os principais jornais começaram a migrar para os meios digitais, havia a sensação de que o problema financeiro estaria resolvido, já que a publicidade daria conta de manter os custos de um jornal. Acontece que a propaganda online não chega nem perto da efetividade que se tem nos impressos, e consequentemente os recursos empregados não chegam a ser tão grandes. Prova disso é a extinção de editorias em vários jornais, mas com os extensos classificados sempre presentes.

Então a fórmula é fazer com que o consumidor pague pelo que ele recebe: a informação. Se o ser humano fosse menos complexo, isto não seria grande problema, já que alguém que comprava jornal na banca poderia simplesmente usar o mesmo dinheiro para pagar uma assinatura online. Mas como se sabe, não é bem assim.

Uma série de estudos científicos, remetendo até aos comportamentos mais primitivos, demonstram que o ser humano possui uma necessidade de se sentir proprietário. Isto faz com que alguém possa gastar milhares de reais, por exemplo, comprando um novo aparelho de vídeo game, mas se recusando veementemente a gastar alguns centavos por um jogo de celular no qual a pessoa passará muito mais tempo. Em “As Viagens de Gulliver”, um dos lugares visitados pelo protagonista é dominado por cavalos que aparentemente domesticam uma estranha criatura: o homem. A bizarra espécie briga entre si pela posse de pequenos metais irrelevantes o tempo todo, enquanto estes cavalos mantem uma cultura superior baseada no respeito e na sabedoria. Se isto não convence, assista à série “Acumuladores” e entenda o quanto esta espécie tem a bizarra necessidade de posse.

Mas o próprio jornalismo explica a reticência nas pessoas em pagar por conteúdos na internet. A forma de se consumir informação mudou completamente, e isto tem grande impacto no que se está disposto a investir. Há 20 anos muitas pessoas compravam um jornal local esperando ter ali notícias sobre sua cidade, país, mundo, esportes e economia. Hoje esta mesma pessoa pode, no caso de um juiz-forano, ao invés de ler a Tribuna de Minas, acessar o Diário Regional, a Folha de S. Paulo, o El País, o globoesporte.com, e o Valor Econômico.

E assim fica inviável reclamar de alguém que não assine todas estas publicações. Colocando uma média mensal de 15 reais para cada veículo, uma pessoa que acessasse os cinco citados gastaria em média 75 reais por mês com informação. Isto falando de alguém que se atenha a cinco publicações por dia, o que não é tão comum, e nem falando em um caso extremo como o meu de alguém que perdeu as contas de quantos veículos acessa diariamente. Mas teme todo final de mês pelo fim do limite de leituras gratuitos em versões online de veículos como Haaretz, NYT, Economist, FT, Estadão, O Globo e outros.

É possível vislumbrar uma solução para este impasse, que para simplificar, chamemos de modelo Netflix. Boa parte dos altos custos de uma assinatura online hoje deriva, justamente, do pequeno número de pessoas que as fazem. Mas caso as pessoas tivessem como pagar um valor mais cômodo, como os cerca de 20 reais pagos pelo Netflix, o número de interessados iria aumentar, e consequentemente este valor se tornaria mais viável.

Imagine se por esta quantia você tivesse acesso a todos os jornais de seu maior interesse. Exemplificando, em publicações de um cunho mais de centro, ter, com um layout bem organizado, diariamente logo pela manhã todos os editorias do El País, do NYT e da Folha de S. Paulo, assim como as colunas de Friedman, Llosa, Krugman, só alguns dos mestres que escrevem nestes jornais. E a possibilidade de além deste pacote, pagando, por exemplo, 10% do valor da assinatura você poderia ter também disponível algum jornal local. Então por 22 reais ao mês haveriam as notícias locais de maneira confiável e os melhores jornais do mundo, contribuindo, ainda, para a existência de um jornalismo de qualidade.

Poderiam também haver outros pacotes, como um direcionado a mais conservadores, contendo, por exemplo, Wall Street Journal e Le Figaro. As possibilidades são muitas, e tratando de algo rentável, tudo isso pode acontecer sem o empecilho do idioma, já que hoje pode ser inviável a expansão a outras línguas, mas em um cenário como este, traduzir um jornal para russo ou português não se assemelha a um problema.

Falo isto em relação ao jornalismo de qualidade. Sem algo desta maneira, o cenário é uma anarquia da desinformação na qual quem tem dinheiro para financiar o jornalismo tem que ter algum interesse por trás, o que nunca é benéfico a ninguém. Por exemplo, a agência de notícias que mais se expande hoje é a Sputnik, criada em 2014 com edições em mais de 30 línguas. Em comparação a tradicional AFP, com mais de um século só produz em seis idiomas. Mas não é atoa que a primeira é chamada de assessoria de imprensa do governo russo.

Neste cenário desastroso regressaríamos ao principio do jornalismo, muito mais voltado a propagação de interesses de burgueses que o financiava do que com algum comprometimento pela verdade. Particularmente acredito que o auge da função foi no século XX. Afinal de contas, hoje mesmo com imensas melhorias, é impossível acreditar que um jornal como o Toronto Star possa manter Ernest Hemingway como seu correspondente na Europa, o que ocorreu no século passado. Mas isto não é nem sinal de um fim.

E o resto?
Refiro-me aqui ao jornalismo impresso da mais alta qualidade, e que passa por um momento dificílimo. A grande parte da população não é impactada por este tipo de publicações, já que mesmo dizendo que 22 reais é um valor razoável a se gastar por boa informação, parcela importante das pessoas não pode arcar com isto. Sobre a televisão como meio de se informar, acredito em melhoras, exemplo é a Globo News, mas que ainda atinge um publico ínfimo. Mesmo assim, querendo ou não, nas produções mais voltadas à massa, a presença do espetáculo ainda sobrepõe muito a informação de qualidade.

O impresso acaba?

O impresso não deve ser simplesmente extinto, mas não terá futuro glorioso. Os jornais não conseguem ter o mesmo fascínio dos livros, que alguns apontaram o fim após o surgimento do ebook, mas que seguem firmes. Os livros além de possuírem uma identidade maior de preservação, são bem melhores de serem lidos na versão impressa, e querendo ou não, poucas decorações são tão bonitas quanto uma prateleira com bons livros. Os jornais impressos devem permanecer capengando por algum tempo, sustentados pela geração que teve o enorme prazer, do qual gostaria de ter compartilhado mais vezes, de tomar café lendo o diário. Depois deve se reduzir a algumas poucas versões semanais, como por exemplo, alguns dominicais do NYT.