sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Estamos preparados para chegar 2018?

Durante as eleições autárquicas, o que mais me chamou a atenção foi o pragmatismo das propostas durante a campanha, em especial para as juntas de freguesia. No Brasil o que há de mais semelhante a essa esfera são as sub-prefeituras, inexistentes na maior parte dos municípios. Na ocasião, partidos de espectros políticos diferentes para grandes causas, como o Bloco de Esquerda e o CDS, propunham ações práticas, como a reforma de uma praça, ou a criação de um grupo de atividades esportivas para idosos. Ao meu ver, são apenas propostas políticas positivas. No Brasil de hoje, acredito que tentariam rotulá-las no eixo direita-esquerda, como vêm se deturpando as definições com uma criatividade impressionante.

O propósito das juntas de freguesia funciona muito bem. Pessoas próximas às suas comunidades são eleitas, e desenvolvem uma política bastante compreensiva com as necessidades da região. Assim, juntas de freguesia com programas mais competentes são premiadas, criando um sentido de competição positivo. Melhores gestões acabam por atrair mais investimentos, em um ciclo virtuoso no qual todos saem ganhando. A minha junta, por exemplo, é referência nacional em sustentabilidade. Sei disso por ler o jornal da JFC (Junta de Freguesia de Campolide). Sim, sou apaixonado pela ideia.

Logo pensei: “Pronto, tá ai um modelo que pode elevar a participação política e aproximar os moradores de quem toma decisões no Brasil” (como escrevi aqui). Mas infelizmente, é bem mais complexo do que isso. E é o que quero tratar visando 2018. Surgirão uma infinidade de boas ideias no papel, com pessoas se dizendo de fora da política tradicional tendo uma nova visão, e que vão aparentar ter inventado a roda. A triste realidade é que provavelmente a ideia já foi implementada de outras maneira, talvez já exista, ou simplesmente as consequências não tenham sido analisadas com a parcimônia necessária. Como diria o professor Paulo Roberto Figueira Leal, “Em política, não existe receita de bolo”. E acompanhar isso é uma eterna desilusão.

O Brasil já buscou na prática o mesmo ciclo virtuoso proporcionado pelas juntas de freguesia. Em 1985, o país possuía 3.992 municípios, número que em 2000 aumentou 40%, chegando a 5.507. Ao invés de criar soluções, motivos como a falta de fiscalização e a arrecadação tributária excessivamente voltada à esfera federal, fizeram com que centenas de cidades passassem a existir com administrações incompetentes, e a um altíssimo custo de dinheiro público. E diferencio preço de custo mais uma vez. O valor da corrupção nestas prefeituras, e não apenas da mesma, mas também de funcionários ineficientes contratados pode até ser mensurado. O que isso custa quando a mesma verba poderia ter sido destinada a um hospital sem equipamentos, ou a uma escola básica precária, já é impossível de se medir.

Alexandre Versignassi, economista, e um verdadeiro poço de bom senso no Brasil de hoje, foi um dos poucos que li na esfera pública a aventar a seriedade do problema. Seu texto “Não adianta pintar a casa. Ela vai continuar caindo” é uma aula sobre os problemas estruturais do país, que não serão resolvidos a despeito dos resultados das eleições do ano que vem.

“Não que número de municípios em si seja um problema. A Alemanha tem 11 mil. A diferença é que, lá, eles existem 407 distritos administrativos para controlar a grana que vai para as cidades. Aqui não. Cada uma tem todo o maquinário administrativo instalado – estrutura que acaba servindo ao mesmo tempo como cabide de emprego e como aquela varinha de condão que transforma dinheiro de merenda em Hilux de vereador e L200 de assessor de porra nenhuma.”, resume, com sua linguagem clara característica. Não sou especialista, mas qualquer um que já tenha analisado com razoabilidade as contas públicas de um município pequeno, e que conheça processos licitatórios, ao mínimo não cai na bravata de que “o problema do Brasil tá em Brasília.”

No ano passado, abordei quase 50 pessoas nas ruas de maneira aleatória, tentando seguir o padrão populacional do IBGE, com o intuito de realizar uma pesquisa que buscava compreender a relação do consumo de mídia e as visões políticas no Brasil. A experiência mostrou-me um padrão nas percepções de competência do cidadão comum (a grande maioria não procurava por política no Facebook). O que ouvi acabou, em certa parte, sendo confirmado em pesquisa da fundação Perseu Abramo no começo deste ano. Em sua maioria, o brasileiro acredita que as responsabilidades do que lhe está próximo são de competência da prefeitura. Já nos casos mais afastados é culpa da presidência. O legislativo é eximido de culpa, assim como os importantíssimos governos estaduais. Muitos não sabiam dizer sequer quem era o atual governador de Minas Gerais. Sendo mais honesto, a maioria apontava o “eu sei quem é, mas agora não tô lembrado”, que ganharia qualquer eleição no Brasil.

As minhas amadas juntas de freguesia iriam no mesmo caminho. Mais um órgão público consumindo recursos, que por conta da arrecadação tributária, teriam de receber repasses da União, e que provavelmente acabaria como cabide de empregos e mais corrupção. A proximidade com a população serviria para que as pessoas votassem em mais conhecidos sem analisar propostas, como já ocorre em boa parte dos casos das eleições para vereador.

O previsível fracasso das minhas juntas representa algo muito maior. O Brasil tem problemas estruturais gravíssimos, e 2018 será palco perfeito para demagogos proporem soluções simples a problemas extremamente complexos. Desconfie sempre da frase “O problema do Brasil é (insira aqui)”. Não tenho as respostas para o Brasil. Mas sei perguntas fundamentais que devem ser feitas, e que, infelizmente, estão perdendo espaço por discussões sobre a validade de piadas e clipes. Feliz, e preocupante, 2018.
Vista do aqueduto na JFC. Ok, a cerveja na associação de moradores também é muito barata
FOTO: Site Idealista