terça-feira, 5 de maio de 2015

Pelo Caminho Mais Longo

Nesse feriado aproveitei para assistir ao ótimo Selma e ao ótimo, para quem gosta do Tarantino, Django Livre. Claro que no meio disso, a atenção realmente ficou nos protestos em Baltimore, que já vinham se arrastando, e no domingo, nos de Tel Aviv.
Apesar da violência impactante de Tarantino e a bela história contada em Selma, ainda assim os protestos me chamaram mais a atenção, por um motivo: o quanto o mundo se tornou complexo.
Em Django, ser a favor dos direitos humanos significava ser contra a escravidão. Em Selma, defender a justiça e a igualdade representava apoiar a luta pelos direitos civis e reconhecer a diferença existente entre negros e brancos. Mas como se posicionar diante da morte de um negro por três policiais negros? E da discriminação de judeus em Israel?
Simplificar os movimentos da última semana em apenas batalhas de negros contra brancos é tão grave quanto direcionar a política atual meramente em disputas de esquerda contra direita. Dizer que Freddie Grady foi morto em Baltimore meramente por ser negro, em uma cidade em que a prefeita é negra, o chefe de polícia é negro, o presidente da câmara dos deputados é negro e dois terços da população são negros, não é meramente simples, é perigoso.
Baltimore sofreu com um processo semelhante ao de Detroit com a fuga das indústrias no século passado, mas ao invés do Robocop comandando as ruas, quem assumiu foi uma polícia extremamente repressiva. A diminuição de postos de emprego fez com que a classe média fosse embora da cidade, junto aos bons negócios. O cenário foi de legítimos bolsões de pobreza, uma taxa de desemprego entre jovens que se aproxima de 50% e a opção a estes de competir por empregos de baixa qualificação ou o tráfico de drogas.
A consequência da sexta maior cidade do país passar a ser a vigésima quinta em um espaço de tempo tão breve, deixando a população tão desamparada, não poderia ser outra que não a explosão da violência. Segundo estudo do Washington Post, Baltimore tem nove bairros com expectativa de vida menor do que na Síria. A taxa de homicídios na cidade beira os 34 por 100 mil habitantes, maior que a brasileira e cerca de três vezes a de São Paulo. Todos sofrem em Baltimore.
Com menos alarde da imprensa, mas com grande importância, tivemos no domingo manifestações de judeus etíopes em Jerusalém, e principalmente em Tel Aviv. Os 2% da população israelense de origem do país africano são, sobretudo descendentes de uma grande onda de imigração no final do século passado, fugindo da miséria que a Etiópia enfrentava.
Os pais e avós desses judeus, seja por conformação, ou por real convicção, não se destacaram por questionar as condições de vida superiores legadas aos brancos em Israel. No entanto a atual geração participou de manifestações que acabaram em violência nos principais centros do país. Os protestos começaram depois do vídeo da agressão de um soldado etíope-israelense por dois agentes do governo.
O vídeo foi a gota d’água para desencadear os questionamentos de uma situação que incomoda esses cidadãos, que alegam serem vistos como inferiores em Israel. A porcentagem de suicídios nessa comunidade é cinco vezes a média do país. Em algumas cadeias, chega ao número de 40% das detenções de jovens serem de etíopes. O desemprego entre eles é o dobro da população geral.
Normalmente associada a um contexto de judeus e árabes em Israel, a discriminação racial se apresenta como absolutamente complexa na região. As desigualdades entre negros e brancos não impedem, por exemplo, que os mesmos etíopes que sofrem com as condições no país apoiem ideias e candidatos que discriminam os árabes. Prova disso é o Likud, partido no poder em Israel, ter um deputado de origem etíope-israelense, eleito com amplo apoio desta comunidade. O partido busca a consolidação do país como lar do povo judeu, o que colocaria os cerca de 20% de árabes-israelenses que vivem ali em uma situação muito delicada.
Recriminar o abuso de policiais contra negros nos EUA é necessário. Denunciar a atual postura do governo israelense de discriminação aos árabes é igualmente vital. Mas dizer que as questões nos EUA se baseiam simplesmente em negros contra brancos, e que em Israel se trata de judeus contra árabes, são atalhos. Seja resumindo em esquerda-direita, brancos-negros, judeus-árabes, estadunidenses-latinos, nós-eles. É sempre o jeito mais fácil.
É impossível distinguir o quanto a cor de pele influência nestes dois contextos. Mas basear-se somente nesse aspecto em detrimento da análise de um âmbito maior, é um absurdo. É tão errado quanto grupos de extrema esquerda e direita que radicalizaram as manifestações em Tel Aviv e além de enfraquecer os justos protestos, fizeram com que vários apoiadores pacíficos ficassem feridos.
Radicalizar é sempre um atalho. Normalmente para o mau caminho. Como mostra Selma, Martin Luther King percorreu, literalmente, o caminho mais longo e conseguiu direitos inéditos para os negros pelos meios mais difíceis, mas que se mostraram os melhores. Não vamos nos esquecer de que o seu sonho ainda vive.

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