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quarta-feira, 7 de junho de 2017

Trump: Um fósforo na mão e pouca ideia na cabeça

“O fim estava chegando. Se Hillary tivesse sido eleita, teria acontecido em um período mais longo, de forma mais suave. Mas com a chegada de Trump, o fim da pax americana é agora. Lamento dizer isso, mas também facilita o surgimento de guerras.”, afirmou o presidente da agência de classificação de risco político Eurasia, Ian Bremmer, no programa Milênio da Globo News no começo deste ano.

Em pouco mais de quatro meses de mandato, Trump colocou os EUA em risco de um confronto direto com a Rússia na Síria. Aumentou as tensões com a Coreia do Norte, e pagou para ver até onde o regime seria capaz de ir. Criou alarme na China com sua política agressiva ao país, instando o temor de um conflito no Mar da China Meridional. Tensões que já existiam, mas que foram aumentadas exponencialmente pela postura do presidente.

Outra tensão hoje é a chamada Guerra Fria do Oriente Médio. No dito equilíbrio vestfáliano, base para as formações dos atuais estados nacionais, a disputa por influência por potências crescentes na região em determinado momento acabaria por desencadear em confrontos. Irã e Arábia Saudita, em um jogo de soma zero, no qual um dos dois necessariamente deve perder espaço para o outro ganhar, vêm travando uma série de conflitos por procuração na região. No meio das duas grandes potencias, o Catar vinha cada vez aumentando sua influência, em um meio termo entre ambos os lados.

O Catar é aliado do Irã, mas sedia a principal base área dos EUA no Oriente Médio. O país faz parte do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), que reúne os principais aliados árabes dos norte-americanos, enquanto apoia o Hamas, grupo considerado terrorista pelos EUA. O Catar abrigou o líder do grupo Khaled Meshal, enquanto o Irã havia se afastado dos islamistas por conta destes terem traído o governo de Bashar Al-Assad, apoiando milícias sunitas na luta contra o ditador, grande aliado de Teerã. O Catar, assim como os países do CCG também apoiou milícias para a derrubada de Assad. É possível traçar dois eixos, sobretudo liderados por Irã e Arábia Saudita, enquanto o Catar fica no meio do caminho. Uma hora não iria acabar bem.

                                                Fácil de entender não é, mas vai uma ajuda

Enquanto se equilibrava entre as principais potências, os catarianos expandiam sua influência. De universidades a companhias áreas, o Catar passou a ser uma marca global. No Ocidente a história culminou com a escolha da nação para ser sede da Copa do Mundo de 2022, a primeira em um país de maioria muçulmana. Já entre os árabes, a força dos catarianos é evidenciada pela rede de comunicação Al Jazeera. O grupo é muito influente, tendo sido um dos catalisadores dos protestos durante a Primavera Árabe.

Em uma política como a de Obama, era possível que os impasses durassem até mesmo décadas antes de algum país tomar uma decisão mais radical. Afinal de contas, uma escalada das tensões pode causar danos, sobretudo econômicos, a todos os envolvidos, o que já ficou latente com a queda nas bolsas de países árabes nesta segunda. Obama tentou uma aproximação com o Irã, obtendo como grande êxito o Acordo Nuclear. A postura não agradou os sauditas. Em contrapartida o democrata não escolheu um lado em detrimento do outro, e, com pragmatismo, seguiu obrigações históricas da relação entre sauditas e norte-americanos. Obama não questionou de maneira efusiva as violações de direitos humanos no país, e recuou ao tentar cobrar os sauditas por conta da relação destes com o 11 de setembro, ataque no qual 15 dos 19 terroristas tinham origem no país.

Já Trump logo em sua primeira viagem traçou que o Irã seria seu inimigo no Oriente Médio, nação da qual já havia tentado barrar seus cidadãos de entrarem nos EUA por duas vezes. Acusou o país de patrocinar o terrorismo, e reforçou os laços com os sauditas, que haviam se desgastado com Obama. Acertou a venda de US$ 110 bilhões em armamentos que devem ter como destino conflitos na região, ou o aumento do poder de dissuasão saudita. A outro aliado, o ditador do Egito, Abdel Fatah Al-Sisi, reafirmou apoio.

Sisi tem como grande inimigo interno a Irmandade Muçulmana, a quem considera terrorista. A entidade islamista tem seguidores em praticamente toda a população muçulmana sunita. A Irmandade foi a única agremiação a vencer uma eleição democrática na história do Egito moderno, com Mohamed Morsi em 2012. Morsi foi condenado à morte, assim como outros líderes relevantes do grupo, por conta das acusações de terrorismo, apesar de não ter sua sentença cumprida. Por conta da boa relação com Sisi, Trump já demonstrou interesse em colocar a Irmandade na lista de grupos terroristas dos EUA, ao lado da Al Qaeda e do Daesh. Irã e Catar são dois grandes aliados da Irmandade Muçulmana.

A postura de Trump é a principal justificativa para os cortes das relações por cinco países árabes com o Catar nesta segunda-feira. A pequena nação, que depende em cerca de 90% de seus alimentos de importações, destas 40% oriundas da Arábia Saudita, sua única fronteira terrestre, ficou encurralada com a decisão de Bahrein, Egito, Iêmen, Emirados Árabes Unidos e dos próprios sauditas. Estimulados pelo tom belicista do presidente dos EUA, estas nações tomam uma atitude que coloca ainda mais combustível no já inflamado Oriente Médio.

As consequências de mais tensões nesta região são imprevisíveis. É improvável que o Catar entre em confronto militar direto com algum dos países que cortaram suas relações com este. Mas não é possível afirmar que o Irã, agora ameaçado, não tentará atacar em outros terrenos. Além de Síria, Iraque e Iêmen, conflitos já deflagrados em grande parte pelo envolvimento iraniano, outro país pode ser alvo de importantes tensões. O Bahrein, que vem enfrentando protestos desde a Primavera Árabe da maioria xiita, pode ter a ditadura sunita dos Al-Khalifa contestada a qualquer momento. Trump não tem culpa pelos barris de pólvora mundo a fora. Mas indica não ter medo de acender nenhum fósforo.
                                                         Em termos gerais, divide-se assim

domingo, 22 de março de 2015

Precisamos falar sobre o Iêmen

O Oriente Médio tem todos seus conflitos e complicações em meio aos petrodólares que guiam a região. Agora, imagine conflitos religiosos, governos corruptos, separatismo e grupos terroristas em um dos países mais pobres do mundo. É o Iêmen, um dos lugares mais afetados e o menos favorecido nesta região tão complexa.
Ouvimos falar muito no famoso “valor notícia” e até entendemos bem a importância de suprimir algumas informações em detrimento de outras. Até que um dia você se depara com o maior ataque terrorista do ano, que mata mais de 130 pessoas e, com raras exceções, como a Al Jazeera, vê que morrer no Iêmen é menos importante do que as picuinhas políticas em Israel. Isso pra não levar em conta os noticiários brasileiros que nos informam bastante sobre os últimos ocorridos no Big Brother.
Os mortos se encontravam em mesquitas xiitas, vertente islâmica de cerca de 35% da população do país. Uma minoria desta parcela se organiza em milícias, principalmente no interior, chamadas Houthis. Há algum tempo, o presidente em exercício, Hadi, passou a ser bastante questionado, o que levou as ruas uma parte da população. O cenário foi perfeito para os Houthis tomarem a capital Sanaa e Hadi ter de fugir para a segunda principal cidade do país, Aden.
Nesse clima de instabilidade, fica muito difícil acreditar plenamente que o ataque às mesquitas foi realmente obra do Estado Islâmico, como o grupo afirma, e os EUA duvidam. Talvez seja o início de um momento ainda mais tenso no país, que tem boa parte do território dominado pela Al Qaeda da Península Arábica, responsável pelo ataque ao Charlie Hebdo. O governo de Hadi possuía suporte dos EUA para lutar contra o grupo, e foram inclusive ações americanas desastradas, matando diversos civis, uma das principais motivações para os protestos.
Outro país que tem grandes interesses nos Houthis fora do poder é a Arábia Saudita, já que o grupo xiita é financiado pelo Irã, que vive uma guerra fria contra os sauditas por domínio no Oriente Médio. O antigo presidente do Iêmen, Saleh, teve que fugir para a Arábia Saudita após forte pressão interna e externa. Estima-se que ele tenha acumulado 20 bilhões de dólares, em um país com um PIB de 80 bilhões.
Saleh chegou ao poder após o fim da guerra civil no começo dos anos 90, entre Iêmen do Norte, capitalista, e o Iêmen do Sul, único país comunista do Oriente Médio. Após a unificação, o país passou a ter sua capital em Sanaa, no entanto muitos residentes de Aden e de localidades próximas ainda querem um país separado.
Pronto, isso é um pouco do Iêmen. Complicado para todos, imprescindível para quem se interessa pelo Oriente Médio, e praticamente esquecido pela imprensa internacional.