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quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Na Guerra, a primeira vítima é a verdade. E a Guerra só começou

Num artigo na National Review (25 de outubro de 2004), Mark Steyn relatou uma história publicada no jornal londrino em língua árabe Al-Quds al-Arabi a respeito do pânico instaurado em Cartum, no Sudão, depois que um boato percorreu a cidade dizendo que se um infiel apertasse a mão de um homem, este perderia a virilidade. ‘O que me espantou nessa história”, disse Steyn, ‘foi um detalhe: a histeria se espalhou por telefones celulares e mensagens de texto. Pense nisto: é possível alguém ter um telefone celular e mesmo assim acreditar que um aperto de mão de um estrangeiro seja capaz de torná-lo impotente? O que aconteceria se esse tipo de primitivismo tecnicamente avançado fosse além das mensagens de texto?’” 

parágrafo é retirado do livro “O Mundo é Plano”, do colunista do New York Times Thomas Friedman, de 2005. Em 2018, o primitivismo dos nem tão saudosos SMSs foi substituído pela instantaneidade e capacidade de penetração do Whatsapp. Se a longínqua Cartum pode parecer uma caricatura sobre notícias falsas circulando, veja a seguinte checagem realizada pela agência Aos Fatos nesta semana: “Não é verdade que uma nova dipirona importada da Venezuela estaria contaminada com o vírus Marburg, como alardeia um áudio que se espalhou pelo WhatsApp nos últimos dias.”. 

Na mesma semana, a Folha de S. Paulo se viu obrigada a desmentir que Lula fosse o dono do jornal. Pode ser risível para alguém que já leu estes dois parágrafos, mas boa parte das inúmeras notícias falsas que circularam durante as eleições eram deste nível. Repito a indagação: e quando avançarmos deste primitivismo? E vamos. Softwares avançados já são capazes de produzir vídeos em que peritos só conseguem desmentir o conteúdo depois de dias de trabalho. Programadores conseguem deturpar e manipular com quase perfeição vozes atualmente. Hoje, o engajamento com notícias falsas é em parte relacionado ao que Eliane Brum descreveu como “autoverdade”, com bastante precisão. Acredita-se no que se quer, e normalmente a realidade fabricada nestes casos é mais interessante do que o mundo de verdade. Mas estamos prestes a romper a barreira que os separa. 

A política partidária é parte essencial de qualquer sociedade que a aplique, e é positivo que as atenções se voltem a ela. A questão é que a mesma é apenas uma fração da engrenagem social, e enquanto as atenções voltam-se às eleições brasileiras, norte-americanas, e ao Brexit, verdadeiras tragédias ocorrem sem a mesma atenção (pode ter certeza que perder perto destes casos é pouco).  

Em Myanmar, a minoria muçulmana rohingya foi perseguida a partir do fim de 2017 em um caso notório de limpeza étnica e no qual é verificável o intento de genocídio. Os números são controversos, mas estima-se que 700 mil pessoas tenham fugido para Bangladesh e que cerca de 10 mil foram mortas. Cada vez mais a negligência do Facebook quanto a postagens na rede que incitavam agressões contra os rohingyas, assim como falsos comunicados de atentados terroristas por parte de membros da minoria é latente. Em um dos últimos casos recentes de genocídio, Ruanda em 1994, especialistas convergem em como as rádios do país foram usadas pelo Poder Hutu por anos para instigar a morte de tutsis. Em um futuro próximo, podem indicar que em Myanmar bastaram meia dúzia de publicações, likes e compartilhamentos. 

Na Índia, mensagens falsas pelo Whatsapp são apontadas como responsáveis pela morte de dezenas de pessoas por conta de acusações mentirosas que envolvem desde o abate de bovinos por muçulmanos a uma das canalhices mais comuns, os falsos sequestros de crianças. Recentemente um homem foi linchado na Colômbia por conta da mesma imputação, que logo foi confirmada como falsa pelas autoridades locais. No Brasil, em casos esporádicos no interior o problema se repete. “E quando avançarmos deste primitivismo? 

No caso indiano, o Whatsapp limitou o número possível de encaminhamentos de 20 para cinco, algo que foi requerido no Brasil. No ano que vem, o país passa pelo processo eleitoral com mais participantes do mundo, em um momento de forte presença do nacionalismo hindu encabeçado pelo primeiro-ministro Narendra Modi e seu partido BJP. Cerca de 900 milhões estarão aptos a votar no complexo sistema eleitoral. Na eleição de 2014, minorias denunciaram perseguições por parte dos nacionalistas. 

Na saúde, mentiras pouco fazem distinções entre nações mais ou menos desenvolvidas. A chamada onda anti-vacinas, criada por boatos como o de que as mesmas causariam autismo, é uma das grandes responsáveis pela alta nas contaminações por sarampo na Europa. Em algumas das nações mais pobres do mundo, a exemplo da Libéria, durante o surto do Ebola em 2014, mentiras causaram graves problemas para as equipes de saúde. A catástrofe poderia ter sido ainda pior se a instantaneidade do Whatsapp estivesse a serviço.

Malásia e Uganda foram além. No primeiro país, o país aprovou uma lei que torna crime as “fake news”. No primeiro caso de um condenado, a confusa história pode denotar a situação como uma acusação mentirosa levando alguém a ser preso por mentiras. Em Uganda, a solução do governo foi passar a cobrar pelo uso das redes sociais no pobre país, o que não foi muito popular. 

Acredito que quem trabalhe atualmente com fact-checking já entendeu que está envolvido em uma espécie de Mito de Sisífo. O desgastante trabalho é infinitamente menos compartilhado do que as notícias falsas que proliferam, e também não tem a mesma capacidade de influência. Eu mesmo quando fiz fact-checking nas eleições municipais de 2016 via naquilo como uma salvação. Dois anos depois, com a ideia difundida, vejo que era ingenuidade. 

O que resta é sair da zona de conforto de apontar que “educação é a solução” e trabalhar efetivamente na construção de algo que desenvolva desde cedo a capacidade de apuração individual. Afinal de contas, como no caso sudanês, o suposto nível social não é indicativo de imunidade a mentiras, e no Brasil o ensino superior tampouco serviu para impedir a ampla difusão destas. A outra solução é bastante simples, e não duvido que neste tempo de internautas que reinventam a roda constantemente já tenha sido sugerida. Será preciso pagar para alguém apurar as informações e servir como fiel da balança. Erros acontecem, mas como trouxe esta excelente coluna no Diário de Notícias, um dos grandes de Portugal, este país que consegue servir de poço de bom senso em meio à insanidade atual, “O jornalismo tem de explicar-se, as fake news nunca o farão”.
Campo de refugiados de Cox Bazar, em Bangladesh. Rohingyas podem ter sido os primeiros nesta nova era FOTO: Kevin Frayer/Getty Images

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Pequena exaltação da verdade

A esposa de um influente político, que atualmente cumpre pena, é pega com o equivalente a U$ 20 milhões dentro de caixas em seu carro, que são logo confiscadas pela polícia local. O Ministério Público nacional afirma que investigará o caso. Enquanto isso, uma mulher, segundo quem sua família sofre perseguições, teve cerca de U$10 mil dólares confiscados pelos supostos algozes. O dinheiro era destinado ao tratamento no hospital de sua avó de 100 anos, que não tem seguro. As duas situações aparentemente distintas aconteceram hoje, em uma espécie de Gato de Schrödinger venezuelano.


Lilian Tintori, esposa do opositor Leopoldo López, que atualmente cumpre prisão domiciliar, teve 200 milhões de bolívares confiscados. A informação foi confirmada nesta quarta pelo novo procurador-geral venezuelano, Tarek William Saab. Segundo o mesmo, a polícia científica do país encontrou o dinheiro em quatro caixas de madeira dentro de um carro pertencente à família de López. No câmbio oficial, o valor corresponde a U$$ 20 milhões, enquanto no paralelo, segundo o dolartoday.com, a soma equivale a U$$ 11.400. Tintori postou no Twitter uma foto que mostraria sua avó no hospital, segundo ela, internada há dias sem seguro, e a quem se destinaria o dinheiro.


O procurador-geral Tarek Saab assumiu o cargo após a saída de Luísa Ortega Díaz, dissidente chavista que afirma ter provas de corrupção no governo de Maduro, em especial envolvendo a Odebrecht, e que, por isso, sofreria perseguições na Venezuela. Saab será o principal responsável nas investigações do caso envolvendo Tintori, esta que se notabilizou por denunciar a políticos da região a situação venezuelana. Dentre estes, alguns são acusados de corrupção nas delações da Odebrecht, e um dos mais notáveis, Aécio Neves, é alvo de uma série de inquéritos no Brasil.


As investigações seriam as mesmas caso o vice-presidente venezuelano, Tarek El Aissami, ou o homem forte do chavismo Diosdado Cabello, tivessem eles sido apanhados? Acredito que não. A repercussão na imprensa internacional caso um deles fosse pego teria sido a mesma? Também acredito que não.

A sabedoria prega que a primeira vítima em uma guerra é sempre a verdade. A Venezuela pode não ter chegado a este estágio de confronto, mas há muito a informação já foi vitimada no país. Em situações como estas, infelizmente sabemos bem quem são os mais afetados. E nenhum deles carrega U$ 2 milhões, tampouco U$ 11.400. Seus números são outros: inflação, desemprego, homicídios, escassez… Mas chega, prometi que seria breve.

Tintori. Bem ou mal? Infelizmente, a verdade não há

quinta-feira, 27 de abril de 2017

"O maior viral da história" é só isso

Crianças, uma narrativa simplista com o “grande vilão”, aparente proximidade com o público e muito espetáculo. Estes elementos ajudam a explicar como “Kony 2012”, um documentário de 30 minutos, conseguiu se tornar o chamado “maior viral da história”, apesar de mais longo que os vídeos de habitual sucesso, ultrapassando 100 milhões de visualizações (mesma marca que em 2015).

No vídeo, um pai norte-americano conta a seu filho as atrocidades que Joseph Kony, líder do movimento Lord Resistency Army (LRA), cometeu em Uganda, sobretudo a crianças da mesma idade do ouvinte. Comportamento utilizado por milícias em regiões pobres em todo o mundo, o LRA sequestrou milhares de jovens no centro da África, e cometeu as maiores atrocidades inimagináveis, com parte destes sendo obrigados a matarem seus próprios pais. Em 2005, a Corte Penal Internacional apresentou contra Kony as seguintes acusações: crimes contra humanidade, assassinato, violação, escravidão e escravidão sexual, crimes de guerra, trato cruel a civis, ataque a civis, pilhagem e recrutamento forçado de menores. Indefensável.

À época, celebridades que vão desde Justin Bieber e Lady Gaga as engajadas Oprah Winfrey e Angelina Jolie se manifestaram sobre o vídeo. O viral conclama uma ação da comunidade internacional, sobretudo Obama, para que Kony seja encontrado e receba a punição adequada. Ao fim do vídeo, têm se a impressão de que Hitler está solto e que nós não estamos fazendo nada, mas podemos ajudar. A questão é que em 2011, um ano antes, Obama já estava agindo ativamente contra o LRA.

O que a efemeridade de um viral não dá conta são as circunstâncias envolvidas na formação do LRA. O grupo surge no norte de Uganda, região devastada durante o governo de Idi Amin, o presidente do país em “O Último Rei da Escócia”. Durante o regime de Amin, que tinha como seu principal aliado Muammar Khadafi, por conta dos ideais de pan-africanismo do líbio, massacres eram comuns no norte de Uganda, inclusive com muitos sendo jogados a crocodilos. Neste cenário surge uma gama de milícias, em especial uma radical religiosa que quer instaurar um governo com base nos preceitos básicos de sua fé. No caso, não o Corão, mas os Dez Mandamentos. Seu líder não é Osama Bin Laden nem Abu Bakr Al-Baghdadi, mas Joseph Kony, que acredita ter várias almas e que ele e seus seguidores não podem ser atingidos por balas.

Um grupo extremista religioso não consegue financiamento e AK’s47 em uma das regiões mais isoladas do mundo só com a ajuda divina. O governo do Sudão viu no LRA uma oportunidade de expandir sua influência geopolítica, em meio a uma instável Uganda. À frente deste, Omar Al-Bashir, também conhecido nos Tribunais Internacionais. Neste caso, por conta do genocídio cometido no Sudão, especialmente em Darfur, outra causa que chegou a aparecer no noticiário internacional e que reuniu de Jolie a George Clooney. Em Uganda, Amin deixava o poder para o retorno de Obote, seu antecessor. Obote fica no poder até 85, quando é substituído por Museveni, há 32 anos à frente do país. Nenhuma das trocas sem derramamento de sangue.

Na relativa estabilidade de governo atingida com Museveni, a prioridade passou a ser derrotar o LRA. Em Uganda, a missão foi relativamente atingida. O problema é que nas redondezas, o grupo encontrou terreno fértil. O Congo é marcado há anos por sua instabilidade, e em 2012 e 2013, a República Centro-Africana (RCA) e o Sudão do Sul, respectivamente, foram tomados por conflitos civis, étnicos e religiosos, que não se solucionaram até hoje. Qualquer semelhança com a ida do Estado Islâmico para a Síria não é mera semelhança. Em linhas gerais o conflito na RCA se dá por cristãos contra muçulmanos e contou recentemente com a mediação do Papa Francisco em uma visita à capital do país, Bangui.

Analistas e militares não convergem sobre onde está Joseph Kony hoje. Provavelmente não estará em Uganda, mas pode estar no Sudão do Sul, na RCA ou no Congo. Quem sabe já tenha até mesmo padecido, e, a mensagem, por termos estratégicos, não tenha sido divulgada, assim como o Mulá Omar, líder do Talibã, supostamente morto em 2013, com informação divulgada em 2015, mas analistas acreditando que o fato tenha ocorrido antes disso. A questão é que, com pragmatismo e o deslocamento correto de tropas, os esforços em conjunto de Obama com o governo de Uganda e alguns aliados locais fizeram o LRA cair de 2000 membros para cerca de 100 atualmente.

As estimativas são de que a “caça a Kony” no centro da África tenha custado até US$ 800 milhões aos EUA. O valor é próximo a 10% do PIB do Sudão do Sul, orçado em US$ 9bi em 2015. O país mais novo do mundo é o mais provável refúgio hoje de Kony, e vive uma intensa guerra civil com mais de 200 mil mortos, com um grande número de cidadãos em risco alimentar. Pra mim já basta. Mas dá outro viral...

O problema e o espetáculo. Basta escolher (a trilha sonora é sensacional)




sexta-feira, 25 de novembro de 2016

A Amazônia é nossa?

Tirando alguns casos extremos de conspiração, como as do nível de que o juiz Sérgio Moro seria um agente treinado pela CIA servindo aos interesses norte-americanos para tomar o pré-sal, esta pergunta não deveria ser muito difícil de se responder. Já quando se pensa nos complicados casos de biopirataria e no tráfico internacional de animais silvestres, realmente a questão fica mais complicada. Mas, em termos gerais, a Amazônia no território brasileiro, sim, pertence ao Brasil.

No entanto, o quanto os brasileiros conhecem da maior floresta do mundo? A excelente reportagem de Simon Romero, correspondente do NYT no Brasil, é uma boa provocação para a pergunta. Romero traz um grave problema que não pode ser chamado de esquecido, já que sequer um dia foi abordado de maneira massiva: a pirataria no rio Amazonas. Os relatos apresentam casos semelhantes aos famosos de pirataria moderna na Somália, exemplificados no filme indicado ao Oscar, Capitão Philips, com atuação de Tom Hanks. Por aqui, descaso no “mar de água doce” e sequestros acontecem em regiões em que é possível ficar dias sem avistar outra embarcação.

O principal alvo dos piratas brasileiros são os combustíveis. Além de abastecerem seus próprios barcos, a mercadoria é traficada para outras atividades ilegais, como as madeireiras. Em uma das regiões mais pobres do Brasil, os negócios ilícitos aparecem como alternativas interessantes para diversas pessoas, que veem ali uma possibilidade de ganhar a vida. No caso da pirataria ainda há mais uma implicação, já que os bandidos também atacam trabalhadores que tentam levar uma vida honesta, sobretudo com a pesca. Segundo os relatos de Romero, estas comunidades vivem em um clima de terror constante com medo dos piratas.

Outra boa fonte de informação sobre a Amazônia é a coluna “Pé na Praia” da DW, assinada pelo correspondente do Die Zeit no Brasil, Thomas Fischermann. O colunista afirma que a Amazônia é seu lugar preferido no país, e as interessantes histórias sobre as pessoas que vivem de maneira paralela ao restante do Brasil justificam o interesse. Fischermann conta sobre cidadãos isoladas das decisões tomadas em Brasília, alheias aos acontecimentos no eixo Rio-São Paulo e que compõe um universo fascinante em meio ao “pulmão do mundo”.

Quando não se tratam de questões que sofrem por interesses políticos, é inegável o bom trabalho jornalístico realizado pela rede catarí Al Jazeera. No Brasil, o exercício tem um foco na Amazônia, trazendo histórias de povoados isolados, dificuldades e principalmente das riquezas da região. A cobertura política e econômica fica em segundo plano, salvo em casos extremos como o impeachment de Dilma Rousseff, ou de grande relevância, o que nos últimos tempos já não vem sendo exceção.

Um dos grandes destaques nacionais para a cobertura da floresta é a escritora e jornalista Eliane Brum, que consegue aliar as duas vocações contando histórias de grandes personagens da Amazônia em verdadeiras obras-primas. A autora vem se destacando nos últimos tempos ao falar do drama dos afetados pela construção da usina de Belo Monte, projeto que afetou diversas comunidades no entorno da bacia do Xingu, fazendo de alguns “refugiados em seu próprio país”, como Eliane costuma chamar. Muitos, além de mostrarem como suas vidas foram afetadas, relatam até mesmo estar passando fome.

No texto“O ritmo da fome não é o da burocracia” Eliane Brum contou sobre o descompasso que os ribeirinhos desalojados por Belo Monte sofrem em meios às discussões com os tecnocratas responsáveis pelo processo. Enquanto os locais não têm as mais básicas necessidades atendidas, os burocratas dos grandes centros do país se valem de promessas que não vem sendo cumpridas e que, em tese, seriam a reparação por conta dos danos causados pela usina. Na prática os moradores seguem sofrendo a duras penas, enquanto Belo Monte deixou de ser assunto nas maiores capitais do Brasil há certo tempo. As colunas de Eliane são publicadas em sua maioria na versão brasileira do espanhol El País.

Piratas e refugiados poderiam sim serem problemas distantes do Brasil, mas como estas exceções de bom exercício jornalístico para a Amazônia provam, na verdade são problemas distantes de um dos Brasis. Já que, enquanto se discute no centro das decisões a crise política, ética, econômica, a vida no pulmão do mundo segue seu rumo. E para responder a pergunta do texto, nos últimos tempos, no que se refere a transmitir os anseios da floresta, assim como seus bons personagens, “os gringos tão levando tudo”.



Boa imagem trazida na matéria de Romero para o NYT. / FOTO: Dado Galdieri (New York Times)

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

O outro lado na eleição dos EUA


É a primeira vez que o blog trata das eleições norte-americanas de 2016. No Twitter e no programa semanal de rádio, o assunto é abordado com frequência há pelo menos um ano, mas o propósito aqui é diferente. Por questões de logística e recursos, a ideia deste espaço é trazer assuntos menos abordados pelos meios de comunicação, ou ao menos tratar uma perspectiva diferente destes, o que se pode verificar no primeiro post do Vale do Paraibuna Connection, ainda em 2013, que é uma contrapartida aos que execram por completo o chamado bullying.

Desde que Donald Trump anunciou, em 2015, que concorreria à presidência o candidato virou o centro das atenções. A cada vez que sua candidatura parecia mais surreal, seja insultando mexicanos, propondo o banimento de muçulmanos dos EUA, ou ofendendo mulheres, grande parte da mídia e os analistas reagiam em contrapartida, no sentido de conter o chamado “bufão fascista”. O fato é que durante as primárias republicanas a estratégia da imprensa falhou, já que Trump derrotou favoritos como Jeb Bush e Marco Rubio, e por fim fez com que o extremista Ted Cruz parecesse uma alternativa viável para frear o fenômeno grotesco. Para deixar claro, já que este parágrafo resume quase um ano de intensas movimentações, Cruz é parte do Tea Party, a ala mais radical dos republicanos e nunca foi, de fato, alguém moderado, caso de John Kasich, a melhor opção que o partido tinha nas primárias.

A questão é que a cada editorial criticando Trump, assim como a cada político de relevância que se posicionava contra o candidato, sendo o sensato Kasich um dos primeiros a fazê-lo dentro do partido republicano, uma parcela nada desprezível deste fenômeno ficava de lado, seus apoiadores. Sempre que o bilionário parecia mais grotesco, as análises faziam com que seus eleitores também parecessem, e logo estes passaram a ser insultados quase da mesma forma com que Trump faz com aqueles que não o apoiam.

O perfil é tradicional: o homem branco, com pouca educação, interiorano, e que foi atropelado pelo fenômeno da globalização, não conseguindo se estabelecer na nova ordem mundial. Além disso, ele sente seus privilégios ameaçados por minorias que teoricamente tomariam seus empregos e direitos. 
O discurso de Trump, dito “politicamente incorreto” contra “tudo o que está ai”, aliado a xenofobia que promete trazer de volta estes empregos para os EUA, “making America great again”, como diz seu slogan, é uma espécie de musica nos ouvidos destes atrasados provincianos que não pegaram o bonde da história. Esta é uma síntese de boa parte das explicações do fenômeno Trump. O que se suprime é como estes “atrasados” se sentem quando são chamados assim.

Alguns analistas chegaram ao ponto de classificar esta parcela nada irrelevante da população norte-americana de “white trash”, que realmente tem o mesmo teor de se chamar alguém de lixo branco no Brasil. Mesmo que menos pejorativos, os veículos de comunicação passaram a tratar os eleitores de Trump de maneira parecida, como se fossem uma parcela indesejável do país. Ninguém gosta de ser marginalizado, e quando isto se dá com pessoas que se sentem cada vez mais excluídas e frustradas, o efeito pode ser catastrófico.

Trump não é um imbecil, mesmo que seja difícil acreditar nisso. Quando disse publicamente que poderia atirar em alguém na Quinta Avenida, em Nova Iorque, e que mesmo assim não perderia votos, sabia que tinha alguma razão naquilo. O motivo pelo qual grande parte dos cerca de 40% dos EUA, segundo as últimas pesquisas, votarão em Trump não é pelo que ele é nem pelo que diz, e sim por ele não ser Hillary Clinton, o que foi indicado pelo Pew Research com 33% dos argumentos. Quando o bilionário tomou plena consciência disso, a campanha passou a cair ladeira abaixo, se assemelhando a disputas entre garotos de quarta série.

E foi neste cenário que Hillary Clinton cometeu seu grande erro na campanha até aqui. Em um discurso a candidata indicou que “você pode colocar metade dos simpatizantes de Trump no que eu chamo de cesta dos deploráveis”. Ou seja, disse acreditar que cerca de 20% das pessoas que ela provavelmente vai liderar a partir de 2017 são deploráveis. A expressão é gravíssima, e torna quase impossível que estes eleitores que não confiam nela passem a fazê-lo, o que é fundamental para a democracia norte-americana no sentido de rechaçar demagogias e populismos, e que se evite mais um “contra tudo o que está ai”. Ainda mais que o próximo pode não ser tão nefasto como Trump, ou ainda pior, em um cenário que se deteriore tanto nestes quatro anos: um bufão pior que o bilionário assumindo a Casa Branca.

Assim como no caso do Brexit, a mídia tem papel fundamental no sentido de amenizar os ressentimentos. A votação britânica mostrou que difamar um eleitorado frustrado por conta de suas opiniões não é a melhor estratégia de uma imprensa normalmente vista por estes como parte da causa de seus problemas.

Quem rechaça Trump seguirá rechaçando Trump, agora o que nenhum país precisa é de uma presidente considerando 20% do eleitorado como deplorável, ou que analistas chamem estas pessoas de “white trash”. É possível e justificado fazer um texto criticando cada um dos aspectos demonstrados por Trump durante a campanha, mas é realmente necessário neste momento? E o principal, subjugar uma parcela da população frustrada é realmente uma boa estratégia? A votação pelo Brexit provou que não para as duas perguntas.


Valendo-me de uma expressão que vem sendo utilizada sobre Trump, o candidato é “pós-moderno” nos seus conceitos de verdade. Clinton pode ser mentirosa, mas a campanha do bilionário se dissipa de qualquer conceito de realidade. Em um dos poucos artigos críticos à cobertura da mídia sobre as eleições, a The Economist questionou um dos protagonistas jornalísticos nesta campanha, o fact-checking. A revista indicou que, depois de tudo o que Trump já disse verificar a veracidade de seus discursos não parece nada mais do que arrogância para muitos de seus eleitores. Em uma campanha que tamanho do pênis e acusações de abusos sexuais foram mais relevantes do que os planos para a nação mais importante do mundo, nada surpreende que a verdade apareça para muitos como mero detalhe arrogante. As análises da mídia também.

                                                                Motivo? Ele não é Clinton

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Uma solução para "O Futuro do Jornalismo"

Um dos temas sociais mais importantes hoje é o futuro do jornalismo. Nas faculdades de comunicação o assunto, principalmente com o temor do desemprego, é constante, e vai desde o ingresso até a formação do aluno. Alguns professores tendem a vislumbrar um futuro em que a saída será as assessorias de imprensa, outros mais fatalistas acreditam que nestes tempos o jornalismo nem mesmo existirá, e preferem o saudosismo das épocas gloriosas.

O jornalismo vai existir, mas terá de mudar bruscamente. Hoje em dia praticamente não é rentável se produzir jornais impressos, e algumas redações sobrevivem quase que a base de filantropia de donos de jornal. A migração completa para internet só não ocorreu por um motivo, e que é o mais importante: ainda não se sabe como fazer dinheiro lá.

Na virada do milênio, quando houve o boom das ações de informática no mesmo momento em que os principais jornais começaram a migrar para os meios digitais, havia a sensação de que o problema financeiro estaria resolvido, já que a publicidade daria conta de manter os custos de um jornal. Acontece que a propaganda online não chega nem perto da efetividade que se tem nos impressos, e consequentemente os recursos empregados não chegam a ser tão grandes. Prova disso é a extinção de editorias em vários jornais, mas com os extensos classificados sempre presentes.

Então a fórmula é fazer com que o consumidor pague pelo que ele recebe: a informação. Se o ser humano fosse menos complexo, isto não seria grande problema, já que alguém que comprava jornal na banca poderia simplesmente usar o mesmo dinheiro para pagar uma assinatura online. Mas como se sabe, não é bem assim.

Uma série de estudos científicos, remetendo até aos comportamentos mais primitivos, demonstram que o ser humano possui uma necessidade de se sentir proprietário. Isto faz com que alguém possa gastar milhares de reais, por exemplo, comprando um novo aparelho de vídeo game, mas se recusando veementemente a gastar alguns centavos por um jogo de celular no qual a pessoa passará muito mais tempo. Em “As Viagens de Gulliver”, um dos lugares visitados pelo protagonista é dominado por cavalos que aparentemente domesticam uma estranha criatura: o homem. A bizarra espécie briga entre si pela posse de pequenos metais irrelevantes o tempo todo, enquanto estes cavalos mantem uma cultura superior baseada no respeito e na sabedoria. Se isto não convence, assista à série “Acumuladores” e entenda o quanto esta espécie tem a bizarra necessidade de posse.

Mas o próprio jornalismo explica a reticência nas pessoas em pagar por conteúdos na internet. A forma de se consumir informação mudou completamente, e isto tem grande impacto no que se está disposto a investir. Há 20 anos muitas pessoas compravam um jornal local esperando ter ali notícias sobre sua cidade, país, mundo, esportes e economia. Hoje esta mesma pessoa pode, no caso de um juiz-forano, ao invés de ler a Tribuna de Minas, acessar o Diário Regional, a Folha de S. Paulo, o El País, o globoesporte.com, e o Valor Econômico.

E assim fica inviável reclamar de alguém que não assine todas estas publicações. Colocando uma média mensal de 15 reais para cada veículo, uma pessoa que acessasse os cinco citados gastaria em média 75 reais por mês com informação. Isto falando de alguém que se atenha a cinco publicações por dia, o que não é tão comum, e nem falando em um caso extremo como o meu de alguém que perdeu as contas de quantos veículos acessa diariamente. Mas teme todo final de mês pelo fim do limite de leituras gratuitos em versões online de veículos como Haaretz, NYT, Economist, FT, Estadão, O Globo e outros.

É possível vislumbrar uma solução para este impasse, que para simplificar, chamemos de modelo Netflix. Boa parte dos altos custos de uma assinatura online hoje deriva, justamente, do pequeno número de pessoas que as fazem. Mas caso as pessoas tivessem como pagar um valor mais cômodo, como os cerca de 20 reais pagos pelo Netflix, o número de interessados iria aumentar, e consequentemente este valor se tornaria mais viável.

Imagine se por esta quantia você tivesse acesso a todos os jornais de seu maior interesse. Exemplificando, em publicações de um cunho mais de centro, ter, com um layout bem organizado, diariamente logo pela manhã todos os editorias do El País, do NYT e da Folha de S. Paulo, assim como as colunas de Friedman, Llosa, Krugman, só alguns dos mestres que escrevem nestes jornais. E a possibilidade de além deste pacote, pagando, por exemplo, 10% do valor da assinatura você poderia ter também disponível algum jornal local. Então por 22 reais ao mês haveriam as notícias locais de maneira confiável e os melhores jornais do mundo, contribuindo, ainda, para a existência de um jornalismo de qualidade.

Poderiam também haver outros pacotes, como um direcionado a mais conservadores, contendo, por exemplo, Wall Street Journal e Le Figaro. As possibilidades são muitas, e tratando de algo rentável, tudo isso pode acontecer sem o empecilho do idioma, já que hoje pode ser inviável a expansão a outras línguas, mas em um cenário como este, traduzir um jornal para russo ou português não se assemelha a um problema.

Falo isto em relação ao jornalismo de qualidade. Sem algo desta maneira, o cenário é uma anarquia da desinformação na qual quem tem dinheiro para financiar o jornalismo tem que ter algum interesse por trás, o que nunca é benéfico a ninguém. Por exemplo, a agência de notícias que mais se expande hoje é a Sputnik, criada em 2014 com edições em mais de 30 línguas. Em comparação a tradicional AFP, com mais de um século só produz em seis idiomas. Mas não é atoa que a primeira é chamada de assessoria de imprensa do governo russo.

Neste cenário desastroso regressaríamos ao principio do jornalismo, muito mais voltado a propagação de interesses de burgueses que o financiava do que com algum comprometimento pela verdade. Particularmente acredito que o auge da função foi no século XX. Afinal de contas, hoje mesmo com imensas melhorias, é impossível acreditar que um jornal como o Toronto Star possa manter Ernest Hemingway como seu correspondente na Europa, o que ocorreu no século passado. Mas isto não é nem sinal de um fim.

E o resto?
Refiro-me aqui ao jornalismo impresso da mais alta qualidade, e que passa por um momento dificílimo. A grande parte da população não é impactada por este tipo de publicações, já que mesmo dizendo que 22 reais é um valor razoável a se gastar por boa informação, parcela importante das pessoas não pode arcar com isto. Sobre a televisão como meio de se informar, acredito em melhoras, exemplo é a Globo News, mas que ainda atinge um publico ínfimo. Mesmo assim, querendo ou não, nas produções mais voltadas à massa, a presença do espetáculo ainda sobrepõe muito a informação de qualidade.

O impresso acaba?

O impresso não deve ser simplesmente extinto, mas não terá futuro glorioso. Os jornais não conseguem ter o mesmo fascínio dos livros, que alguns apontaram o fim após o surgimento do ebook, mas que seguem firmes. Os livros além de possuírem uma identidade maior de preservação, são bem melhores de serem lidos na versão impressa, e querendo ou não, poucas decorações são tão bonitas quanto uma prateleira com bons livros. Os jornais impressos devem permanecer capengando por algum tempo, sustentados pela geração que teve o enorme prazer, do qual gostaria de ter compartilhado mais vezes, de tomar café lendo o diário. Depois deve se reduzir a algumas poucas versões semanais, como por exemplo, alguns dominicais do NYT.