quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Elementar, meus caros. E aí?


O ano de 2018 foi histórico e intenso. Se durante grande parte da minha vida me ressenti por estar longe dos grandes acontecimentos, não posso queixar de que o mesmo ocorreu no ano que termina. De formas diferentes, as duas cidades em que vivi estiveram com grandes atenções.

Em Lisboa, vivenciei o auge do interesse recente em Portugal exemplificado na realização de grandes eventos com presenças ilustres de nomes sobre os quais só lia nos jornais, como Emmanuel Macron e Roberto Azevedo. Já Juiz de Fora, desde que voltei, o município parece envolvido em um realismo mágico de acontecimentos bizarros que faz da cidade uma espécie de Macondo da Zona da Mata. Ano de uma boa Copa, o que já bastaria para render longas conversas. Mas o foco esteve sempre comigo, e cada vez menor quantidade.

Em maio, cortei o cabelo pela primeira vez fora de Juiz de Fora e percebi que algo péssimo havia acontecido. Foi o dia da convocação da seleção brasileira para a Copa, e eu estava preparado para qualquer corneta, de preferência Taison ou Fagner, mas não me incomodaria em algo menos ortodoxo como a pedida de Vinícius Júnior, e até mesmo um ousado resgate de Adriano, quem vai em barbeiro sabe do que falo. No ortodoxo recinto que frequento em Juiz de Fora, a corneta ao Tupi normalmente envolve o “6”, “tem muita gente na várzea aqui que joga mais”, e “eu mesmo quando jogava”. Desta vez nada disso. O único assunto do brasileiro que cortou meu cabelo naquela tarde lisboeta foi minha calvície.

Entre um comentário sobre implante e outro, o mesmo perguntou: “mas você já tá tranquilo com isso, né?” Era nítido que o assunto me incomodava mais do que minha condição capilar, e que para ele a minha condição era mais importante do que para mim, mas respondi um “é” seco, sem muita esperança de que o assunto ali terminasse, o que se concretizou.

A questão para mim já tinha terminado há quase dois anos, quando minha queda de cabelo aumentou e fui ao médico. Quis saber se era normal acordar pensando que um rato estava no travesseiro. Perguntei se havia algum hábito ou algo que poderia diminuir aquilo, ele disse que era natural, indicou uma alopecia hereditária, e que eu não poderia fazer nada a respeito. A partir daí, ao ver que eu usava uma camisa da seleção turca, começamos a falar sobre o país. O assunto no especialista que constatou a inevitabilidade da minha careca foi bem mais agradável do que uma série de outros que se seguiram em bares e barbearias.

Poderia ter escrito sobre a situação mais cedo, a questão é que enfim decreto: acabou a criatividade. Qual a resposta que alguém espera para “tá ficando careca?” Tentei ser educado, sucinto, engraçado (no que frequentemente falhei, e assumo a culpa), didático, conformado, mas o assunto não termina. Vão completar cinco anos que grande parte das conversas dos meus amigos se resumem ao que eu não tenho: antes carros e carteiras de motorista, agora meu cabelo. Queria gostar da ideia de perucas tanto quanto amo metrôs.

Vamos lá, tem bastante assunto. Prometo tentar dessa vez achar resposta para o “tá quente, né?”.

Tite era tão intocável que nem o prazer da corneta no dia da convocação cheguei a ter. Mas insistir em Jesus não tem careca que me faça calar. FOTO: CBF