A ideia
da continuidade de um regime político por mais quatro anos, após permanecer
doze no poder, sendo ameaçada, o que era impensável em prévias das eleições é só
mais uma das semelhanças entre as tentativas do PT e do
kirchnerismo de um quarto mandato. A insatisfação que levou votos para a oposição não difere muito
entre Brasil e Argentina: mau desempenho econômico gerando elevação de taxas de
desemprego, inflação, esquemas de corrupção e acusações de má gestão de
recursos.
A aposta
que elevou o Brasil a uma potência econômica durante o governo Lula e que tirou
a Argentina da situação deplorável que se encontrava em 2001 foi uma
aproximação com a China, especialmente na exportação de commodities. A desaceleração do crescimento chinês complicou a
economia dos dois países, que haviam utilizado da expansão econômica para aumentar
gastos do governo em detrimento de reinvestir os ganhos.
O resultado
foi de um panorama ruim após o fim do boom,
mas não para uma oposição até então enfraquecida por conta do sucesso das
políticas de distribuição de renda. Antes das eleições, a maior discussão de
quem analisava o pleito argentino era se o candidato governista, Daniel Scioli, conseguiria a quantidade de votos necessária para vencer ainda no primeiro
turno, para tanto deveria alcançar no mínimo 45% destes, ou pelo menos 40%
e uma margem de diferença maior do que 10 pontos porcentuais sobre o segundo
colocado. No fim das contas, o candidato da oposição, Mauricio Macri, ficou com praticamente 2% a menos de votos do que o rival, levando as eleições mais acirradas da
história da Argentina pós-ditadura para um segundo turno.
Até a
morte de Eduardo Campos, que alçou Marina Silva a uma real chance de vencer as
eleições presidenciais de 2014, Dilma Rousseff aparecia com uma larga vantagem
nas pesquisas frente ao segundo colocado Aécio Neves. Em dados momentos,
analistas desacreditaram totalmente nas possibilidades do opositor de se tornar
presidente. No entanto, uma série de fatores como a evolução das denúncias de
corrupção do governo petista e a campanha ferrenha de desconstrução de Marina
por parte da situação, criaram um cenário que tornou o segundo turno das
eleições o mais acirrado desde o retorno da democracia brasileira. Em algumas pesquisas, Aécio chegou a aparecer na frente de Dilma.
Os
argumentos de desconstrução do adversário são parecidos entre os dois
candidatos governistas. Frequentemente o nacionalismo é invocado para defender
uma não aproximação com os Estados Unidos, proposta pelos opositores. O apelido
de “candidato dos mercados” é usado tanto para denominar Aécio quanto Macri. As
críticas pessoais não são tão diferentes, sendo os dois considerados por alguns
como “playboys”: o argentino é um empresário que já foi presidente do Boca
Juniors, enquanto o brasileiro tinha as facilidades conseguidas por conta dos
cargos de familiares muito lembradas. Até as esposas dos dois não foram de todo esquecidas.
O fator
determinante são os cerca de 20% dos votos dos terceiros colocados. Apesar do
apoio declarado por Marina Silva, Aécio não conseguiu capitar a parte
necessária deste eleitorado e acabou derrotado no segundo turno. Na Argentina,
Sergio Massa detém essa parcela dos eleitores que será fundamental tanto para
Scioli quanto para Macri.
Scioli é
governador da província de Buenos Aires, onde os kirchneristas perderam boa
parte dos cargos na eleição de domingo. Isso pode contar a favor de Macri, prefeito
da capital argentina. Mas fazer previsões para o pleito do dia 22 de
novembro em um cenário que surpreendeu tanto é complicado.
Gostaria
de destacar quatro vitórias da democracia argentina: foi realizado para estas
eleições o primeiro debate televisivo entre os presidenciáveis desde a
redemocratização, ainda que sem Scioli, que já anunciou que participará contra
Macri no segundo turno. A realização de um segundo turno já é uma boa amostra
de que a pluralidade de pensamentos está mais presente na política. Além disso,
um dos principais temores quanto a essas eleições não passou nem perto de ser
um destaque: as fraudes eleitorais, infelizmente comuns por conta da utilização
de cédulas. E por fim, parece que depois de muito tempo é possível falar da
política hermana sem citar Perón.
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