sábado, 28 de março de 2020

Uma solução para a Quarentena no Brasil


Ano 2050 no Brasfoot, São Paulo – Caros gestores públicos, sociedade civil e empresariado,

Vivemos uma crise sem precedentes no que tange a todos os países da América Latina simultaneamente. No entanto, a região não poderia seguir com cada qual levando caminhos mais distintos. Brasil e Argentina mantém um antagonismo extremo, e a estratégia ocidental se adequa aos melhores padrões globais.

A Argentina decretou uma quarentena irrestrita para conter a expansão do Covid-19. No entanto, o caminho para que o país pudesse solicitar a seus cidadãos uma medida de tamanha restrição, e a mesma ser obedecida, vem sendo consolidado há anos. Enfrentando uma inflação desenfreada, consolidou-se na Argentina o “precíos cuidados”. O programa visa garantir que a população tenha acesso a bens necessários a despeito das intempéries econômicas. E lá sempre esteve o vinho tinto. Peronismo e seus adversários adotaram a mesma estratégia, apesar da chamada “grieta”, aparentemente inconciliável. Na vida há coisas muito mais importantes do que a mesma, ou a política. E os argentinos sabem que futebol e vinho são duas delas.

Malbec é uma espécie de Maradona das uvas. Ambos encantaram o mundo com sua qualidade, e mesmo os pioneiros tiveram de se curvar ao seu inenarrável esplendor. Recentemente, o NYT publicou um artigo que buscava incentivar mudanças na produção do malbec com o intuito de torná-lo mais requintado para assim ser vendido. Um tamanho engano. Assim como Maradona, o Malbec é do povo. E não pode ser subvertido.

Mas a “grieta” na Argentina nunca desaparece, sempre está à espreita, assim como o Boca em uma Libertadores. Mesmo o vinho do povo causa divergências, e a adição do “sifón” de soda é a maior delas. A classe trabalhadora defende que a borrifada de água com gás é uma medida necessária para prolongar a apreciação. Por outro lado, puristas defendem que é um crime com o produto. Como toda discussão argentina, os argumentos são infindáveis. O importante é que se tenha acesso a uma taça para segui-los.

A Argentina foi um dos seis países citados como membros do G20 que adotaram medidas gerais de quarentena pelo Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo. Nas últimas linhas, fica clara a razão de ser tão mais simples ficar em casa no país. Outro é a França, que dispensa apresentações no quesito. Recentemente, o jornalista João Paulo Charleaux, baseado em Paris, falou sobre o prazer de comprar um vinho francês com moedas. A Itália, também conhecida pela sua produção, ainda é membra da UE, o que a isenta de boa partes das taxas de importação de vizinhos com parte do melhor do mundo. Também na lista, apesar de não ser membro oficial do G20, está a Espanha, em situação semelhante. O federalismo alemão impediu uma decisão geral vinda de Berlim, mas é notório o poder de compra proporcionado pelo euro para os germânicos.


Em situação semelhante, estão os EUA, com boas produções na Califórnia, e uma grande capacidade de importação pelo seu PIB per capita. Outro citado é a África do Sul, e ali é onde podemos mirar para uma tentativa de recuperação de empregos após a Covid-19. O país, assim como o Brasil, viu uma desvalorização de sua moeda nos últimos anos. Com uma logística para exportação mais cara do que competidores no cenário viticultor, os sul-africanos aproveitaram a queda do rand para tornar sua produção mais competitiva no exterior, e conseguiu penetrar em importantes mercados. O Brasil vem de melhoras, inclusive estimulada pela demanda interna, e a aparente irreversível desvalorização do real pode ser uma chance de fazer um produto de qualidade “made in Brazil” competitivo em grandes mercados.

Resta a Índia, que para além dos cerca de 20% de muçulmanos, não é lá um país notório pelo consumo alcoólico per capita. Dentro do G20, é de lá que devem sair algumas das medidas mais radicais do governo para buscar a preservação da quarentena e da ordem social. É pretensioso estabelecer uma relação de causalidade, mas não acredito que o consumo de vinho a preços acessíveis dificultasse a manutenção do povo em suas casas.

Um isolamento social sem precedentes é um desafio a todos, e, por período indeterminado, pode causar efeitos drásticos. No Brasil, as maiores cidades já passam a experimentar momentos de insanidade coletiva após às 20h nas janelas. Convocações para uma apresentação coletiva de Evidências já são observadas, e eu mesmo já presenciei um coro, ainda que em menor intensidade. O prolongamento do isolamento pode causar efeitos ainda mais nocivos.

Uma crise de tamanhas proporções oferece como oportunidade o abandono de diretrizes tidas como imutáveis. Já é consenso geral o espaço fiscal para que os efeitos da pandemia sejam minimizados no país. Desta forma, uma isenção fiscal extraordinária para o setor vinícola teria efeitos positivos superiores para amenizar a crise do que a decorrente diminuição na arrecadação. Em médio prazo, o incentivo se mostraria ainda uma oportunidade na recuperação de empregos tendo em vista o fomento de uma indústria competitiva nacional. É possível sairmos todos juntos da crise, mas sóbrios, é muito mais difícil.   

Acima a heroica produção às margens do São Francisco. Demanda gerada por incentivos pode auxiliar na recuperação do emprego. E quem sabe evitar mais Evidências (FOTO: Eduardo Andreassi)

sábado, 21 de março de 2020

Na crise, "Adultos do mundo, uni-vos"

A pandemia relacionado à COVID-19 pegou grande parte do mundo de surpresa. Para uma menor parcela das pessoas, globalização e a interdependência cada vez maior entre agentes de uma cadeia internacional faziam de uma epidemia de proporções globais não uma mera possibilidade, apenas uma questão de quando. A SARS e a MERS não tiveram uma penetração em grande escala, e o Ebola se notabilizou muito mais pela mortalidade do que pela transmissão. Mas muita gente seguiu trabalhando contra o desastre.

A grande parcela do mundo que se deu ao luxo de ficar surpresa toma sua rotina como direito adquirido e inviolável. Trabalhar, se encontrar com os amigos nas folgas, ir ao mercado, para uma importante parcela da população são atos tão triviais quanto respirar. Quando uma quarentena rompe com isso, a fragilidade se mostra. Um médico em Aleppo antes de guerra civil da Síria, ou um advogado em Caracas pré-colapso venezuelano, também tinham suas rotinas, e as seguiam como se fossem invioláveis até o dia em que tudo mudou. A crise nos aproxima.

Porém, diferente de conflitos, quando é relativamente simples encontrar responsáveis, o drama causado pelo vírus deixa tudo menos nítido. Goffredo Buttini escreveu no Corriere Della Serra “Como um 11 de setembro dentro nós”. No texto, publicado por um diário de Milão, principal cidade da Lombardia, hoje epicentro da doença que: “O inimigo, o terrorista, o veículo da morte pode ser nosso irmão, nosso filho”. Além de romper bruscamente a rotina de uma das mais belas cidades europeias, o vírus coloca todos em uma situação de constante suspeita.

Em uma semana, a pandemia fez o bem de aniquilar os delírios relativos às críticas ao “globalismo” e à cooperação internacional. A vilipendiada ONU em tempos de paz, hoje é referência global com seu braço para a Saúde, a OMS. Governos críticos ao órgão, caso de Filipinas, EUA e Brasil, seguem as cartilhas de recomendações do mais alto nível de cooperação técnica em um mecanismo gerado por boa parte dos melhores recursos globais nas áreas. Prova disso é a liderança de um etíope, que tem resultados notáveis em seu país natal para a saúde. Em tempos de crise, inépcia é luxo para poucos.

A União Europeia é outra instituição que sai destacada. A Comissão, seu braço executivo, foi capaz de dar respostas rápidas e coordenadas à crise, sem retirar a independências de seus países membros. O BCE com seu pacote de estímulos foi pioneiro em diretrizes que diversos outros atores globais acabariam tomando. A dura cobrança em termos fiscais, notabilizada pelo caso italiano, em nenhum momento foi convertida em intransigência diante da calamidade, que afetou profundamente o membro que com frequência causa mais dificuldades com seu orçamento.

Pelo mundo, as diretrizes, tomadas em especial após a decisão italiana de quarentena completa, se distanciaram muito pouco. No geral, a gravidade da situação de cada lugar foi o que levou a decisões mais ou menos drásticas. Em 12 de março, a capa da Economist trazia o questionamento de uma solução “All’italiana” como referência para outros países, o que se confirmou na prática. Poucos temas recentes causaram tamanha convergência.

Acontece que os mesmos que não estão surpresos com a pandemia anteveem outra catástrofe, potencialmente mais grave. O impacto da crise climática já afeta bruscamente a rotina de milhões de pessoas, ainda que não seja determinante para impedir o funcionamento de cafés parisienses ou levar caos a Wall Street. O Sudeste Africano sofreu bruscamente com mudanças de temperatura e fenômenos extremos. Em ilhas como Tuvalu, pouco se pensa para além do aumento do nível dos oceanos. E em um dos casos mais dramáticos, o processo de desertificações em regiões africanas é uma das causas que abastecem o fluxo de refugiados que chegam à Europa, em um efeito que ai sim chama a atenção. E em tempos, o COVID-19 mostrou que crises e emergências devem ser tratadas com seriedade e a maior aptidão possível. Ou em algum momento se cogitou adolescentes como “vozes” contra a pandemia?

No Brasil, teremos de lidar com uma questão bem conhecida, e que se agravará com a pandemia. Com os níveis de violência do país, um potencial desabastecimento, ou mesmo as ruas vazias, pode causar um cenário de verdadeiro caos. Em São Paulo, já há relatos de arrastões em supermercados, tendência que deve se espalhar pelo país nos próximos dias. Crise em segurança pública é um tema para adultos, e que infelizmente foi contaminado por nichos ideológicos em um passado recente no Brasil. Que os ventos globais da responsabilidade e do bom senso possam direcionar o tratamento aqui. É hora do Memestão ficar de quarentena.

Do bom relato da correspondente do El País em Pequim: “Desta se saí, não duvidem. Obrigada por colaborar e ficar em casa”.

          Tedros Adhanom, líder na crise, tem importante repertório na Etiópia. FOTO: Instagram