quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Achei a paz mundial

Chorei copiosamente em 2015 quando vi a foto de Aylan Kurdi, hoje, na de Omran não. Como disse no caso de Kurdi, a tragédia pode ser incorporada, se tornando comum. Às vezes ocorre até o pior, vira número e estatística, como as que dizem que mais de 60 mil pessoas são assassinadas por ano no Brasil, ou que a Guerra da Síria já deixou mais de 500 mil vítimas. Citando Stálin, “uma única morte é uma tragédia, a de um milhão é estatística”.

Enquanto o mundo segue sua vida normal, competindo ou assistindo aos jogos olímpicos, é travada em Aleppo, a outrora segunda cidade da Síria, lar de médicos, advogados, pedreiros, estudantes, uma das maiores batalhas urbanas da era moderna. O lado Oeste é dominado pelo regime sírio de Assad, e o lado Leste pelos muitos rebeldes, incluindo a agora chamada Fatah Al Sham, até mês passado Al Nusra que tinha ligações com a Al Qaeda, o que segundo os membros não mantém nesta nova fase. A presença deste e de outros terroristas justificaria os bombardeio russos e sírios nesta região, e a passividade do Ocidente que acena com uma “cooperação” contra o terror.

Aleppo também era o lar de Omran e sua família, o menino de cinco anos que nunca conheceu a paz, e que sua fotografia aparece na mídia lembrando a existência do conflito sírio. Levianos pelo mundo pedem o fim do conflito e dos bombardeios, sem fazer ideia das complexidades deste conflito que resumidamente têm três frentes, Grupo Estado Islâmico, rebeldes e o regime, mas que na verdade envolvem interesses geopolíticos, religiosos e econômicos, de dezenas de países e povos que vão desde norte-americanos a turcomenos.

A imagem é forte, e tem um potencial de mobilização muito maior que qualquer relato por mais atroz que seja sobre o que acontece na Síria, e mais ainda do que qualquer número sobre a maior catástrofe do século XXI. Assim como no caso de Aylan, a partir deste momento o drama, no caso dele o dos refugiados no Mediterrâneo, e agora o caos em Aleppo, as atenções do mundo vão para resolver o problema, até outrora pouco conhecido pela comunidade internacional, e negociado colocando interesses mesquinhos à frente da humanidade pelos responsáveis.

A União Europeia organizou uma reunião emergencial para discutir a situação em Aleppo. Até então, reinava a passividade frente à Assad, responsável pelo bombardeio de Omran, e pelo maior número de mortos na guerra da Síria, já que este é visto como um “mal menor” que o Grupo Estado Islâmico, visão que em termos gerais compartilho. Mas enquanto isso, a maior ação sobre o conflito eram as reuniões em Genebra, quase sempre com o mesmo resultado fracassado, especialmente por não concordarem com russos em alguns pontos, como a continuidade ou não de Assad.

E nisso Aleppo sendo destruída. Cessar-fogo, e a importantíssima ajuda humanitária chegando pela via de Castello são discutidos em meio a interesses geopolíticos. Para os habitantes, o cenário já foi descrito por muitos como “um inferno na terra”, com dezenas de crianças morrendo em meio aos bombardeios, e também médicos, que se esforçam bravamente para tentarem amenizar o drama dos muitos que não tem medicamentos e às vezes nem água ou comida, daí a importância da ajuda humanitária.

Que a guerra vai continuar é fato. Mesmo tendo sofrido algumas derrotas recentemente em Aleppo, Assad tem tudo para conquistar o outro lado da cidade, o que vai desde um armamento melhor, no caso os decisivos aviões, e aliados muito mais engajados. Crianças vão continuar tendo que ir a escola no porão, isso para as mais sortudas, já que tem de conviver com bombardeios e balas perdidas. O alento vai para Omran, que graças a qualquer força superior para quem acredita, e para quem não, devido ao que for, sobreviveu, não padecendo assim como Kurdi. Sua família provavelmente vai servir de troféu em um leilão para qual país vai aparecer como solidário já deve estar sendo selado, como no caso do pai de Aylan, único sobrevivente no naufrágio que matou sua família, e que conseguiu se refugiar depois da tragédia, o que não havia ocorrido antes quando pediu ajuda ao Canadá. A reflexão que fica é o poder de uma imagem, frente a burocratas responsáveis por prolongar a tragédia. Seria a paz mundial fácil: mais fotógrafos e menos diplomatas?
                                         Eles também queriam escolher um dos três iniciais
Mas a escolha é essa

sábado, 13 de agosto de 2016

Espírito esportivo no Rio: Ouro e vexame

O início das Olimpíadas tinha por objetivo congregar os atletas das polis, cidades-estados, do que hoje conhecemos como Grécia, e na época representavam com algumas funções o que são os estados nacionais hoje. Um dos principais pilares dos jogos era que durante sua realização de quatro em quatro anos, todos os conflitos deveriam ser cessados. Apesar do que a predominância apresentada por Atenas e Esparta pode indicar, havia muitas outras polis importantes e divergências não eram incomuns. O até então recordista de conquistas olímpicas era de Rhodes, hoje mais conhecida pelo seu colosso, e que ganhou algum destaque após Michael Phelps lhe tirar a honraria.

Na era moderna os conflitos globais influenciaram muito as Olimpíadas. A Segunda Guerra Mundial acabou com qualquer possibilidade de realização de jogos no período, sendo impossível um cessar-fogo. Durante a Guerra Fria, EUA, URSS e seus aliados utilizaram o esporte com um extremo fim de propaganda política, o que levou a excelentes níveis esportivos, mas legou algumas das maiores anti-desportividades da história como os boicotes dos jogos de Los Angeles e Moscou pela URSS e EUA respectivamente, que prejudicaram vários atletas que se esforçaram muito, o que no fim das contas foi em vão independente de suas posições políticas.

O patriotismo exacerbado durante as Olimpíadas também lega histórias bem interessantes, um dos pontos altos da competição. O negro americano Jesse Owens que venceu em frente Hitler em Berlim é provavelmente a melhor destas, mas mesmo no Rio, casos como a da primeira medalha de Kosovo, conquistada por uma judoca que teve ofertas financeiras para competir por outras nações é uma destas grandes histórias.

Infelizmente o patriotismo nos jogos do Rio vem vivendo contrastes. Apesar de boas mostras como no caso da kosovar, e a mais importante de todas: o fato do patriotismo ter sido colocado de lado, provando que há valores muito mais importantes como solidariedade e respeito, para constituir a delegação dos refugiados demonstram os aspectos positivos. O time inédito foi aplaudido de pé na cerimônia de abertura e é o maior marco destes jogos Por outro lado, na própria cerimônia de abertura ocorreu uma mostra lamentável do respeito sendo sucumbido: a vaia à delegação argentina.

Assim como no hino antes das competições, o desfile na cerimônia de abertura é um grande marco de exposição de seu país, sendo uma honra ímpar para o atleta ser o que representa sua nação nestes momentos. O respeito nesta hora deve ser universal, tanto para com a nação ali apresentada e em especial ao atleta que tem a honra, seja quem for. Depois disso, ai vale muito (lembrando que tudo não, já que é o século XXI), e eu mesmo confesso que na torcida de Argentina x Portugal, partida que tive a oportunidade de ir, não fui nem um pouco afável com os argentinos.

Mas a torcida brasileira foi impecável na vaia ao protagonista do gesto mais lamentável das Olimpíadas até agora, o egípcio Islam el-Shahaby. O judoca se recusou a cumprimentar o atleta israelense Or Sasson após a luta entre os dois, e ouviu uma sonora vaia, além das repercussões negativas pelo mundo. O gesto claramente marcado por antissemitismo, que é a discriminação aos povos de origem semita com os judeus sendo um destes, e racismo, foi lamentavelmente incentivado por radicais contrários a Israel, que vem crescendo pelo mundo, em boa parte devido às ações do atual governo israelense, o que é um fenômeno negativo em todos os aspectos.

Muitos destes pediam até mesmo que el-Shahaby boicotasse a luta contra Or Sasson, sacrificando sua, sem dúvidas, dura preparação para chegar ali em prol de um ódio de antissemitas. Grande parte destas pessoas não sabe nada sobre o judoca, que mesmo israelense, pode ajudar árabes em seu país, se opor as medidas do atual governo, ou qualquer ação neste sentido, o que é muito mais benéfico aos palestinos do que o ódio que estes espalham que é obviamente seguido de retaliações pelo outro lado. Tudo isso acontecendo no judô, esporte criado no Japão, dono de uma das culturas que mais valoriza a honra e o respeito, o que é bastante expresso na modalidade.

E esse não foi o primeiro caso de antissemitismo nos jogos. No dia da cerimônia de abertura, libaneses impediram que a delegação israelense compartilhasse o mesmo ônibus, simplesmente pela nacionalidade destes. O ato foi considerado pela Ministra dos Esportes de Israel como “racista” e “antissemita”, não levou em conta quem eram estes israelenses; complicou a difícil organização da maior delegação de Israel na história, e uma das mais visadas, como provado em Munique; e por fim, golpeia todos os significados de espírito esportivo que os jogos legam desde a Grécia Antiga.

Or Sasson só foi derrotado pelo imbatível francês Teddy Riner no último segundo da luta, dando enorme trabalho para a lenda do esporte. Depois conseguiu a segunda medalha de Israel nas Olimpíadas do Rio quando venceu o bronze, para o êxtase dos muitos torcedores que acompanhavam a competição com a bandeira de Israel. Além disso, Or Sasson deu a volta por cima no racismo, se tornando um vencedor no judô. O que não deixa de também ser a descrição da belíssima história da brasileira Rafaela Silva, negra, nascida na Cidade de Deus e campeã. Judô ainda contou com a participação de atletas da delegação de refugiados, inclusive do congolês Popole, do mesmo projeto de Rafaela e a maior esperança de medalhas no time. E no fim havia eu acompanhando a modalidade, ainda sem ter a mínima noção de como se faz o tal “wazari”.



quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Enquanto os russos não competem...

Em meados de 2015, a situação era complicada para o regime de Bashar Al-Assad na Síria. As mais diversas frentes de oposição, que incluem desde o Exército Livre da Síria, até grupos terroristas como a Frente Al Nusra e o Grupo Estado Islâmico ganhavam território, e a saída do ditador, para alguns, se daria em questão de tempo. Assad fora do poder seria um duro golpe para os russos, um dos seus principais aliados, além de ser uma grande vitória para o Ocidente e seus parceiros regionais, em especial turcos e sauditas, que sempre apoiaram a oposição a Assad.

Mas em dado momento os ventos começaram a soprar em favor do ditador sírio. A Rússia coordenou uma grande ação militar no país, contestada no exterior, que visava os grupos considerados terroristas, o que para russos e sírios engloba alguns dos apoiados por ocidentais, turcos, sauditas e catarís na Síria. O dia 13 de novembro, marcado pelos atentados do Grupo Estado Islâmico em Paris mudou a prioridade do Ocidente para a guerra civil síria, já que a partir do momento em que este se sentiu atacado, Assad, assim como Stálin na Segunda Guerra, passou a ser visto como um mal menor que os jihadistas, ou na analogia, os nazistas. A Rússia se retirou da Síria após seis meses de ação com grande êxito. Praticamente todos os grupos de oposição sofreram enormes perdas, e o regime conseguiu recuperar boa parte de seu território de antes da guerra. Na cena internacional, Assad começou a ser visto como um mal necessário, com o Ocidente cada vez mais omisso sobre seu governo.

No fim de 2015 o Reino Unido fazia parte da União Europeia; Trump não era visto como um candidato real à presidência dos EUA; Rússia e Turquia haviam rompido relações, se temendo até mesmo um conflito; e Erdogan apesar de criticado, tinha legitimidade na Turquia. Ocorreu o Brexit, uma das maiores derrotas pós-guerra fria para o Ocidente; Trump tem grandes chances de chegar à Casa Branca; Erdogan reconheceu que errou ao abater um avião russo e se aproximou de Putin; a Turquia sofreu uma tentativa de golpe militar, seguida de uma reação extremamente autoritária de Erdogan que foi criticada pela União Europeia.

A posição em que se encontra a Turquia sempre lhe proporcionou grande cobiça de potências e relações bastante complexas, afinal de contas não é fácil ser a chamada ponte entre a Ásia e a Europa. Os turcos são membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), e inimigos, por exemplo, dos armênios, o que lhes faz apoiar o Azerbaijão no conflito de Nagorno-Karabach. Por sua vez, a proximidade com a Rússia sempre propiciou uma relação benéfica entre os dois países, que até as tensões do último ano, compartilhavam projetos juntos, como um gasoduto e uma usina nuclear, que devem ser retomados. Como legado da Guerra Fria, os russos são grandes adversários da OTAN, além de serem os maiores parceiros da Armênia.

A Turquia sofreu enormes perdas com o corte de relações com a Rússia, após o abatimento do avião militar russo no ano passado, o que matou duas pessoas. Os danos financeiros foram importantes, já que o comércio entre os dois países caiu 43%, e o fluxo de turistas russos para a Turquia, vital para a economia turca, teve queda de 93%. Mas além disso, governo de Erdogan ficou exposto, por conta da retaliação russa de denunciar as ligações dos turcos com o contrabando de petróleo do Grupo Estado Islâmico, algo que já se suspeitava há tempos sem grandes provas concretas. O pedido de desculpas turco veio logo após a inesperada saída do Reino Unido junto à União Europeia, um dos momentos de maior fragilidade do bloco que a Turquia sempre desejou entrar.

Tão oportuno para os turcos quanto, foi o momento escolhido por Erdogan para restabelecer formalmente as relações com Putin. A visita à São Petersburgo foi a primeira do presidente turco após a tentativa de golpe, e ocorreu com Erdogan sempre ressaltando a solidariedade incondicional que Putin prestou após o evento. O gesto é uma demonstração clara de crítica à postura dos membros da OTAN, EUA e União Europeia, que desagradou Erdogan. Os EUA sequer cogitam extraditar Fethullah Gullen, turco que reside na Pensilvânia e que é junto de seu movimento acusado por Erdogan de ter orquestrado o golpe no país. Por sua vez, a União Europeia criticou duramente as prisões e demissões de diversos grupos, parte atrelada ao gulenismo, ou simplesmente opositores ao atual governo turco. O episódio distancia a Turquia dos requisitos mínimos democráticos para entrar no bloco.

Por sua vez, Donald Trump declarou o que é um receio de muitos países da OTAN desde o fim da Guerra Fria: os EUA não estão mais tão engajados com a aliança, que tinha uma oposição clara aos soviéticos quando foi criada. Mas o candidato republicano foi além, e disse que em caso de invasão de um país membro, não se sentiria pressionado em seguir a cláusula básica do tratado que prevê que nestas situações todos devem enviar tropas para auxiliar o aliado violado. O gesto foi visto como uma clara falta de compromisso com uma proposta do século XX de validade duvidosa no mutável século XXI.

Depois da falta de compromisso do maior contingente da OTAN, muitos no país com o segundo maior número de militares da organização passaram a enxergar a aliança como uma amarra. Em alusão ao Brexit, o Turkexit passou a ser visto como uma opção, já que não vincularia a Turquia a gastos e compromissos de pouco custo-benefício, e que lhe restringe grandes oportunidades em um país extremamente estratégico. Uma dessas possibilidades é justamente a Organização da Cooperação de Xangai, que além da China, conta com a Rússia de Putin, próxima geograficamente e agora em relações com a Turquia.

A saída do segundo país mais rico, e que por conta de suas peculiaridades, representava uma das maiores vitórias do projeto europeu, foi um duríssimo golpe para a União Europeia e o Ocidente que vão demorar a se adaptar a esta. A saída da segunda maior força militar da OTAN, e por se tratar do país mais distinto da aliança em diversos aspectos, seja o continente ou a religião, seria dramática para o Ocidente. O Brexit foi uma vitória clara para Putin, que vinha há tempos disputando com a União Europeia a zona de influência ao Leste da Europa, chegando ao ápice das tensões na Ucrânia. A saída da Turquia seria uma vitória ainda mais importante para o homem de Moscou, que veria uma OTAN esfacelada, e de quebra provavelmente ganharia um dos aliados mais importantes do mundo.


Apesar do que o clima olímpico e o escândalo de doping podem apontar, Putin não tem do que reclamar. Além da colossal crise do Ocidente proporcionada pelos próprios ocidentais, a reunião com Erdogan representou mais uma vitória, na própria Síria. A Turquia passou a ter uma posição bem mais branda sobre a saída de Assad, priorizando um cessar fogo no país, em postura semelhante a do Ocidente após o 13 de novembro. A situação antagônica para os curdos no país foi pouco discutida, e o conflito de Nagorno-Karabach, que renasceu em abril quando os dois países estavam afastados foi excluído da conversa. Mas a julgar pelo momento de Putin, curdos e armênios, os lados apoiados pela Rússia nos dois casos, têm ótimas perspectivas.




(FOTO: AP)

segunda-feira, 25 de julho de 2016

O Brasil se preparou bem contra o terrorismo?

Falo das reais possibilidades de um atentado nas Olímpiadas do Rio de Janeiro há tempos. A nova onda terrorista que faz vítimas na Europa chocando o mundo, e mata centenas no Oriente Médio sem tanto alarde, é parte da estratégia do Grupo Estado Islâmico ou Daesh para reverter suas derrotas militares nos territórios da Síria e do Iraque, que segundo estimativas chegaram a 40% no último ano, o que já não é mais novidade. Mas enfim, a hora da verdade está por vir.

O Brasil acertou na seriedade que deu na prisão dos mais de dez suspeitos de planejarem atentados terroristas nas Olímpiadas. Os indícios são de que sim, se tratavam de amadores, sem ligação direta com o Grupo Estado Islâmico, nem treinamento militar, diferente de terroristas que atacaram, por exemplo, na Europa e que anteriormente haviam se radicalizado e treinado em áreas sob domínio terrorista. Mas na atual onda de ataques dos chamados lobos solitários, isso é o de menos.

Um dos presos tentou comprar pela internet um fuzil AK-47, o que simplesmente pode anular qualquer falta de experiência, desde que o terrorista ensandecido tenha a sua frente uma aglomeração de pessoas. O automatic Kalashnikov 47 é a arma que mais mata no mundo, o que se deve em grande parte ao seu fácil manuseio. O impacto nos usuários é tão grande, que o livro Gomorra narra que jovens italianos que acabavam de entrar na máfia tinham como um de seus prêmios conhecerem o senhor Kalashnikov, o criador da recém-descoberta por eles “maravilha”. Kalashnikov morreu em 2013, mas deixou uma legião de adoradores do seu grande feito. Um dos legados da arma que o jihadista “amador” brasileiro poderia ter em suas mãos é a bandeira de Moçambique, que ostenta uma AK-47. Não se trata de qualquer objeto este verdadeiro fetiche de terroristas ao redor do mundo.

Mas nem só de complexos artefatos de destruição vive o terror hoje. Em uma semana a Europa assistiu a um caminhão e um machado sendo utilizados com propósitos terroristas por dois ensandecidos de ligações suspeitas com qualquer entidade terrorista. Outro lugar do mundo que vive o perigo de que lobos solitários possam a qualquer momento se tornar uma ameaça é Israel, onde muitos terroristas não utilizam de armas de fogo, e sim de facas e até mesmo de carros, que na maioria dos casos são atirados contra pontos de ônibus por conta da maior aglomeração.

Sendo tão ampla a gama de possibilidades que o terrorismo possui hoje, é compreensível a cautela adotada pela justiça brasileira ao ter em seu domínio os dados de 500 mil suspeitos de ligações terroristas. O número é de fato elevado, comparativamente, o número de estrangeiros esperados no Rio para as Olímpiadas é de 350 mil pessoas, 150 mil a menos que o de pessoas monitoradas pela justiça. O orçamento de toda a operação é o maior em segurança da história do país, tendo passado dos 1 bilhão de reais, para 1,5 bilhão, após a seriedade da ameaça ter sido melhor vislumbrada.

Mas no fim das contas, o Brasil de fato não tem experiência para lidar com esse tipo de ação, um dos critérios mais importantes para o sucesso, e vem daí o grande acerto da operação brasileira. A Abin se ligou aos melhores serviços de inteligência do mundo para uma cooperação de informações, o que é de interesse mútuo, já que israelenses, franceses, americanos e tantos outros são potenciais vítimas mesmo estando no Brasil.

O Mossad, o serviço de inteligência de Israel, provavelmente o melhor do mundo no quesito de terrorismo, tem interesse especial na segurança do evento. Os israelenses passaram até agora ilesos pelas ameaças do Grupo Estado Islâmico em seu território, mas uma ação em solo estrangeiro poderia colocar tudo a perder, caso a maior delegação israelense da história fosse atingida. O país é um alvo potencial de diversos grupos terroristas, e vale lembrar que o maior atentado em uma Olímpiada foi justamente contra os israelenses em Munique 72.

Apesar de tudo isso, é impossível saber se de fato todas as opções foram esgotadas. A França vivia estado de emergência após os atentados de novembro de 2015, o que não impediu que um bárbaro com um caminhão furasse todo o esquema de segurança e matasse 84 pessoas. A pluralidade de motivações e perfis dos propagadores de atentados ao redor do mundo coloca a todos uma série de dúvidas, sendo as teorias tradicionais incapazes de lidar com pessoas que variam desde radicalistas religiosos até indivíduos relativamente bem sucedidos. O papel das forças de segurança é de sempre ter seriedade e cautela, no sentido de tentar evitar os piores cenários, levando em conta que as liberdades individuais devem ser respeitadas ao máximo, e que ataca-las é muitas das vezes a intenção dos terroristas.

Acontecerá um atentado no Rio? Ninguém pode responder, mas os indícios levam a crer que alguma tentativa é provável. Tenho que ter medo, ou não ir ao Rio? De jeito nenhum! Recentemente a possibilidade de se morrer em um atentado terrorista foi colocada frente à de se perder a vida escorregando na banheira, com a segunda sendo maior. O perigo de se morrer na estrada para o Rio de Janeiro, em um país com mais de 40 mil mortes anuais no trânsito é bem superior à chance de morrer pelas mãos de um ensandecido. Além disso, cercear a liberdade é justamente o que boa parte destas pessoas ambiciona, sendo ter medo e deixar de frequentar algum lugar duas vitórias para estas pessoas. O terrorismo é um dos grandes males globais do século XXI, e será muito difícil combate-lo, mas isso terá de ser feito com muita seriedade e capacidade, levando em conta que, por exemplo, matar jihadistas não acaba com jihadistas. O fato de que resumidamente o Grupo Estado Islâmico é um fruto da Al Qaeda, surgida do Talibã demonstra isso. O Brasil indica que fez tudo ao seu alcance para que esta praga não ocorra durante os jogos. Agora é esperar e torcer pelo melhor evento possível, sendo favorável ou não.

terça-feira, 12 de julho de 2016

"Time for Africa?" Para Netanyahu, sim

Existem diversas visões simplistas sobre o continente que mais oferece possibilidades hoje, possui 54 países, uma infinidade de culturas diferentes e a população que mais cresce no mundo. É consenso atualmente que quem souber se adequar melhor a esta região do mundo com tamanho potencial, se dará bem politicamente, enquanto aquele que só pensar na fome e nos grandes mamíferos terrestres africanos, ficará para trás. A China há anos vem expandindo sua influência na África, seja por meio de parcerias maiores, por exemplo, a África do Sul no BRICS, ou em investimentos em infraestrutura, como os recentes na Etiópia e no Quênia. Estes dois, parceiros vitais de um dos governos que nos últimos tempos parece ter melhor entendido a nova tônica mundial, o de Israel, com seu primeiro-ministro Netanyahu.

Depois de mais de 30 anos, um chefe do governo israelense visitou a África Subsaariana. Mais especificamente, Etiópia, Quênia, Ruanda e Uganda receberam a visita de Bibi. A visita à Ruanda ganhou uma conotação especial, por ter reunido Netanyahu e Paul Kagame no memorial do Genocídio de Ruanda, termo utilizado na matança no país africano, mas cunhado especialmente por conta do Holocausto sofrido pelos judeus. Em Uganda houve uma aproximação com os evangélicos, cada vez mais presentes no país, e que tem grande influência da igreja norte-americana, base central de apoio para o estado judeu. O Quênia foi uma visita mais pontual, já que os quenianos vêm se destacando economicamente e são uma potência no Leste do continente, a região visitada por Netanyahu.

Já a relação com a Etiópia é mais estreita. Cerca de 2% da população de Israel tem origem etíope, mas muitos destes enfrentam situações delicadas no país, como o dobro da taxa de desemprego da média geral, e regiões em que os índices de encarceramento chegam a 40%. A difícil situação levou etíopes no ano passado a participarem de manifestações, que tiveram destaque especial em Tel Aviv. O clima político ficou tenso, já que o partido de Netanyahu, Likud, conta inclusive com um deputado de origem etíope.

Além disso, Adis Abeba, capital da Etiópia, é sede da União Africana, órgão no qual Israel foi membro como observador até 2002. Logo após a visita de Netanyahu ao Leste da África, os etíopes fizeram o pedido para que israelenses voltassem a fazer parte da organização, que têm, por exemplo, Palestina e Turquia na situação de observadores. O apoio dos países da África Subsaariana é visto como vital para Netanyahu, que enfrenta oposição de tradicionais adversários árabes, e de uma comunidade internacional que isola cada vez mais Israel, inclusive seus dois principais parceiros, a União Europeia e os EUA.

Em contrapartida, israelenses têm muito que oferecer a estes países. O Quênia, por exemplo, foi vítima recente de dois grandes ataques terroristas do grupo Al Shabab, que atua na Somália, vizinha do país, e tem cada vez mais medidas contra terroristas como principais pautas de governo. Apesar de não terem sofrido com estes tipos de ataque, os outros países têm bastante o que se preocupar, levando em conta que grupos como o Boko Haram e a Al Qaeda do Magreb Islâmico se proliferaram na África. O know-how israelense para lidar com o terrorismo, senão o melhor do mundo, um destes, é de grande utilidade para estes países.

Outro ponto em que Israel se destaca é como um polo tecnológico, e se tratando de regiões que costumam ter uma infraestrutura defasada, os avanços do país em áreas como agricultura, sistemas de irrigação e cyber-segurança são de grande interesse. O “produto” oferecido teve um impacto tão positivo, que segundo o Times of Israel logo após a visita, a Tanzânia anunciou sua intenção de abrir sua primeira embaixada em Israel, e o chefe de um estado muçulmano no continente (não divulgado) teria ligado para Netanyahu buscando estabelecer relações bilaterais entre os dois países, até agora inexistentes.

“Lion King Bibi”, como foi apelidado o primeiro-ministro israelense na visita, em uma alusão ao seu apelido e ao Rei Leão, soube se aproximar em um momento delicado para sua imagem de países que desejam o que Israel pode oferecer. Boa tacada do líder israelense, que vai ter que enfrentar uma verdadeira batalha da opinião internacional contra ele com a chegada dos 50 anos da ocupação israelense em 2017, que já começou (e com gente grande). Fora as acusações de lavagem de dinheiro, que prometem dificultar suas intenções de se tornar o homem há mais tempo no cargo máximo de Israel, ultrapassando Ben Gurion, o político mais marcante da história do país.

                      Netanyahu na Etiópia - "Quem não tem cão, caça com leão" (Kobi Gideon/GPO)

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Preconceito com o Nacionalismo

Quem se interessa pelo menos um pouco pelo que acontece no mundo provavelmente já teve acesso à descrição dos fenômenos populistas que se espalham em especial nos EUA e na Europa. Exemplos não faltam, como o recente Brexit e a real possibilidade de Trump ser o novo presidente norte-americano, tudo dentro daquilo chamado de demagogia, simplismo, xenofobia e nacionalismo. O último termo é o assunto aqui.

As nações são até hoje a melhor construção humana no sentido de agrupar seus semelhantes. Um ser de natureza tribal constituiu um complexo sistema de divisão, que ordena praticamente tudo no mundo hoje em dia. Mas não faltam exemplos do quanto as fronteiras são relativas, a se observar o projeto europeu que com seu Tratado de Schegen visava justamente abolir as restrições de livre circulação, ou casos menos sofisticados como a porosa fronteira de Afeganistão-Paquistão, por onde circulam pessoas e produtos de diversas origens e intenções. Por outro lado, existem casos em que os limites são rigorosamente respeitados, com a fronteira entre as Coreias ilustrando perfeitamente isso.

O nacionalismo não é bom nem ruim. Como no caso dos fenômenos populistas, ele é evocado junto a outros atributos negativos, tornando-se ruim. Mas é a mesma ideia que na década de 90 impediu massacres ainda piores no continente africano. A união de tutsis e hutus, com o pretexto de que acima de tudo todos eram ruandeses, foi fundamental para pôr fim à barbárie que matou cerca de 800 mil pessoas em 100 dias em um dos mais trágicos episódios da história humana, conhecido como Genocídio de Ruanda. No mesmo ano, 1994, chegava ao fim o regime do apartheid na África do Sul, com um grande sentimento de revanchismo dos negros contra os brancos que haviam lhes oprimido durante anos, um cenário semelhante ao que levou hutus a se vingarem dos tutsis, atrelados a elite local, e terminou com a tragédia final. No entanto, liderados por Nelson Mandela, os sul-africanos conseguiram desenvolver a sensação de pertencerem apesar da cor da pele ao mesmo país, e além de evitar um massacre, conseguiram prosperar bastante quando comparados aos outros países do continente. A história tem uma parte bem contada no filme Invictus, sobre a equipe de rugby da África do Sul.

E é o esporte que costuma trazer algumas das histórias mais interessantes relativas ao nacionalismo. O caso da Islândia, um pequeno país com cerca de 330 mil pessoas, população semelhante à de Montes Claros – MG, que encantou o mundo com sua grande campanha na Eurocopa, é um destes. Os islandeses chegaram até as quartas de final, passando pela fase de grupos sem perder, e eliminando a embora superestimada, ainda assim campeã do mundo Inglaterra. A própria Eurocopa, que é um evento espetacular, não existiria em um mundo sem nações, mesma situação da perda que seria ainda maior, caso a Copa do Mundo não fosse realidade.

O sentimento de ver seus semelhantes alcançando a glória esportiva é ainda mais valoroso no caso de populações que vivem em situação adversa. As disputas na Ásia são uma boa mostra disso, frequentemente trazendo histórias como a do Iraque em 2007, campeão continental, e esfacelado pela guerra, que teve pausas por conta da conquista. As eliminatórias contam com a participação de palestinos, e há partidas interessantes como o Síria x Afeganistão na última edição, que teve de ser jogado no Irã. Os sírios são bons, venceram por 6x0 e estão na próxima fase da competição, com possibilidades reais de jogar a Copa da Rússia, representando um país que pode nem existir até lá. Seria um grande alento na vida dos milhões de refugiados espalhados pelo mundo e que poderiam ver sua seleção local no maior torneio do planeta.

Um dos adversários da Síria foi o Japão, o caso de sentimento nacional que tenho a maior admiração. O território japonês tinha praticamente todos os elementos para que a nação construída ali fosse um fracasso. Pequeno, isolado, em meio a uma região instável tectônica, que faz com que os japoneses tenham de lidar com terremotos e tsunamis frequentemente, e com um relevo que dificulta muito a agricultura, havia ali um potencial país eternamente fadado ao fracasso. Mas o sentimento de construção coletiva, que possui exemplos como o dos kamikazes dispostos a entregarem suas vidas pela pátria, aliado a valores extremante cultivados por lá, em especial uma honradez invejável, fez com que os japoneses prosperassem, sendo uma das nações mais imponentes da terra, com sua população gozando de ótima qualidade de vida, e tudo isso poderia ser ainda melhor caso não tivessem feito escolhas erradas que levaram à morte desses kamikazes. Enfim, ninguém é perfeito.

A grande derrotada nessa história, a Alemanha, é um grande caso envolvendo esporte e nacionalismo. O país, fragmentado após a Segunda Guerra em Alemanha Ocidental e Oriental, viu a primeira se sagrar tricampeã do mundo, enquanto no outro lado do muro de Berlim, sobravam as mazelas impostas pela URSS. A reunificação foi coroada em 2014, com um título mundial para todos os alemães, em um momento especial para os antigos orientais, que contam hoje com a chanceler do país, frau Merkel, nascida do lado socialista do muro.

A seleção nacional alemã é um motivo de orgulho impar no país, sendo um dos grandes símbolos da identidade deste povo.  O problema de o nacionalismo não ser bom nem ruim é que dentro de uma história interessante de unidade como esta, ronda grandes perigos de como o nacionalismo pode ser evocado. O grupo Pegida, ligado a todas as atribuições do fenômeno populista do começo do texto, e com ligações até mesmo com neonazistas, fez duras ofensas aos jogadores Boateng e Gundogan, de origem ganesa e turca respectivamente. Segundo estes, os dois não representariam a Alemanha, em um caso nem um pouco velado de xenofobia racista. Gundogan, ótimo volante, ficou de fora da Eurocopa. Boateng está junto de seus companheiros nas semifinais, e enfrentará a França, em um embate que por tudo que representa, é um grande presente do nacionalismo. Em uma Eurocopa que tivemos Áustria x Hungria, e o País de Gales jogando separadamente do Reino Unido fazendo ótima campanha, que o projeto europeu fique somente ligado à política.


 A grande história construída pela Islândia. O lado bom da eliminação é o fim das manchetes sobre sobre resultados com trocadilhos com gelo. Thibault Camus / AP

domingo, 3 de julho de 2016

"O brasileiro não lê"

Não me surpreende o espanto que alguns de meus amigos tiveram quando viram minha leitura mais atual. “David Copperfield” é um livro enorme, de 1300 páginas nesta versão da agora saudosa Cosac Naify, segundo o frete pesando um quilo e para um destes amigos: “uns três livros que eu já acho grandes e nem leria”. A obra de Dickens conta toda a história do senhor Copperfield, um britânico no século XIX, e para se ter ideia do número de detalhes, o primeiro capítulo se chama “Nasço”.

Charles Dickens, George Orwell, Ernest Hemingway, Aldous Huxley, Daniel Defoe, J.D. Sallinger são só alguns dos nomes da literatura na língua inglesa que eu lamentavelmente teria perdido caso seguisse a linha literária que me fora lecionada na escola. Mario Vargas Llosa, Gabriel Garcia Marquez, Jorge Luis Borges, são alguns dos nomes latinos que não estão nos programas de vestibular, por uma ideia de nacionalismo que para o último: “só permite afirmações e, toda doutrina que descarte a dúvida, a negação, é uma forma de fanatismo e estupidez.”.

Em compensação travei verdadeiros embates para decorar as características dos trovadores portugueses, assim como para saber as métricas de poemas eu particularmente dava um valor literário inferior ao de qualquer porta de banheiro na escola. Assim, passei pelo programa do vestibular de literatura em português colando, pegando resumos na internet, e com outros métodos pouco nobres, mas que foram os recursos para a minha negação em ler qualquer material recomendado na escola, o que acredito que caiba à psicanálise, mas tenho minhas teorias.

Imagino se o mesmo método que me fazia estudar livros como “Os Sertões” de Euclides da Cunha, comumente chamado de livro mais chato da história do Brasil, fosse aplicado em outras áreas. Provavelmente se eu tivesse que assistir somente filmes nacionais, tendo de trocar “O Poderoso Chefão” por “Cilada.com”, teria desenvolvido uma aversão a tudo ligado ao cinema, inclusive à pipoca. Felizmente no caso da sétima arte, há o nobre exercício da humildade, e reconhecemos o valor do que vem de fora, enquanto fomentamos o desenvolvimento do cinema nacional, exemplo de bons filmes recentes como “Tropa de Elite” e “Se eu fosse você” (gostei bastante).

Mas há na literatura uma ânsia misturada até mesmo com arrogância de construir uma identidade cultural brasileira impondo que jovens tenham de ler obras de qualidade questionável, normalmente em uma linguagem completamente desconexa de seu meio (Rubem Fonseca pode ser uma exceção, mas por que ele ao invés de Michel Houllebecq?) e dando ênfase a questões menos relevantes dentro da obra, como se o sistema de rimas do poema é AABB, ou ABBA, ou qualquer coisa assim. Na melhor das hipóteses a literatura genuinamente brasileira tem 300 anos, o que é um espaço de tempo ínfimo perto dos milênios das obras ocidentais, isso sem contar na ignorada literatura chamada de “Oriental”, que condena obras clássicas como “As Mil e Uma Noites” ao esquecimento, assim como grandes autores modernos, por exemplo, Amós Oz e Edward Said, o segundo um dos maiores críticos do senso comum da divisão “Ocidente e Oriente”.

Boa parte dos jovens brasileiros hoje lê somente por obrigação dos programas escolares. E a tendência é que a concorrência seja cada vez mais desleal para os livros, já que hoje o ato de ler disputa com a televisão, vídeo game, e a internet presente em diversos lugares. Além disso, a capacidade de se concentrar na leitura de uma obra grande, é comprovadamente afetada pela dispersão das atenções em um mundo que boa parte daquilo que se lê não possui mais de 140 caracteres.

Existe um aspecto importante, o do que os brasileiros estão lendo, mas em longo prazo isto pode até deixar de ser um problema, com as próximas gerações podendo reduzir esta pergunta a seguinte resposta: nada. Confesso que não fico satisfeito quando chego a uma livraria e vejo as obras de maior destaque, assim como quando vejo referências ao autor brasileiro mais vendido, mas sem dúvidas estas contrapartidas são melhores do que o cenário em que as lojas físicas das principais livrarias do Brasil só venderão smartphones e jogos de vídeo game.

Claro, existe o aspecto do que se perde nas traduções. Quando se estuda somente obras em seu idioma original, o que se ganha é de grande valor, tendo em vista de que há livros inteiros discutindo somente o problema de traduções de obras como “As Mil e Uma Noites”. Mas é preciso rever urgentemente o modo de se estimular os jovens à leitura, levando em conta que a tendência é a de que o programa de literatura no currículo escolar ocupe cada vez mais a fração que tange ao repertório literário do brasileiro.

As perdas em um país distante da leitura são inúmeras e irreparáveis, a começar pela própria composição literária. Quanto mais livros forem atrelados a uma série de termos que tem de ser decorados para se passar no vestibular, a repulsa a estes tende a crescer, afinal de contas, poucas pessoas depois de aprovadas se preocupam com logaritmos ou a reprodução das briófitas. Se os argumentos não foram suficientes, fica o apelo pessoal, já que como Llosa classifica os amantes do primor da literatura como “dinossauros”, eu não quero ser visto como um beirando os vinte anos de idade.