Em
meados de 2015, a situação era complicada para o regime de Bashar Al-Assad na
Síria. As mais diversas frentes de oposição, que incluem desde o Exército Livre
da Síria, até grupos terroristas como a Frente Al Nusra e o Grupo Estado
Islâmico ganhavam território, e a saída do ditador, para alguns, se daria em
questão de tempo. Assad fora do poder seria um duro golpe para os russos, um
dos seus principais aliados, além de ser uma grande vitória para o Ocidente e
seus parceiros regionais, em especial turcos e sauditas, que sempre apoiaram a
oposição a Assad.
Mas em
dado momento os ventos começaram a soprar em favor do ditador sírio. A Rússia
coordenou uma grande ação militar no país, contestada no exterior, que visava
os grupos considerados terroristas, o que para russos e sírios engloba alguns
dos apoiados por ocidentais, turcos, sauditas e catarís na Síria. O dia 13 de
novembro, marcado pelos atentados do Grupo Estado Islâmico em Paris mudou a
prioridade do Ocidente para a guerra civil síria, já que a partir do momento em
que este se sentiu atacado, Assad, assim como Stálin na Segunda Guerra, passou a ser visto como um mal menor que os jihadistas, ou na analogia, os nazistas. A
Rússia se retirou da Síria após seis meses de ação com grande êxito.
Praticamente todos os grupos de oposição sofreram enormes perdas, e o regime
conseguiu recuperar boa parte de seu território de antes da guerra. Na cena
internacional, Assad começou a ser visto como um mal necessário, com o Ocidente
cada vez mais omisso sobre seu governo.
No fim
de 2015 o Reino Unido fazia parte da União Europeia; Trump não era visto como
um candidato real à presidência dos EUA; Rússia e Turquia haviam rompido
relações, se temendo até mesmo um conflito; e Erdogan apesar de criticado, tinha
legitimidade na Turquia. Ocorreu o Brexit, uma das maiores derrotas pós-guerra
fria para o Ocidente; Trump tem grandes chances de chegar à Casa Branca; Erdogan
reconheceu que errou ao abater um avião russo e se aproximou de Putin; a Turquia
sofreu uma tentativa de golpe militar, seguida de uma reação extremamente
autoritária de Erdogan que foi criticada pela União Europeia.
A posição em que se encontra a Turquia sempre lhe proporcionou grande cobiça de potências e relações bastante complexas, afinal de contas não é fácil ser a chamada ponte entre a Ásia e a Europa. Os turcos são membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), e inimigos, por exemplo, dos armênios, o que lhes faz apoiar o Azerbaijão no conflito de Nagorno-Karabach. Por sua vez, a proximidade com a Rússia sempre propiciou uma relação benéfica entre os dois países, que até as tensões do último ano, compartilhavam projetos juntos, como um gasoduto e uma usina nuclear, que devem ser retomados. Como legado da Guerra Fria, os russos são grandes adversários da OTAN, além de serem os maiores parceiros da Armênia.
A
Turquia sofreu enormes perdas com o corte de relações com a Rússia, após o
abatimento do avião militar russo no ano passado, o que matou duas pessoas. Os danos financeiros foram importantes, já que o comércio entre os dois países caiu 43%, e
o fluxo de turistas russos para a Turquia, vital para a economia turca, teve
queda de 93%. Mas além disso, governo de Erdogan ficou exposto, por conta da retaliação russa
de denunciar as ligações dos turcos com o contrabando de petróleo do Grupo
Estado Islâmico, algo que já se suspeitava há tempos sem grandes provas
concretas. O pedido de desculpas turco veio logo após a inesperada saída do
Reino Unido junto à União Europeia, um dos momentos de maior fragilidade do
bloco que a Turquia sempre desejou entrar.
Tão
oportuno para os turcos quanto, foi o momento escolhido por Erdogan para restabelecer formalmente as relações com Putin. A visita à São Petersburgo foi
a primeira do presidente turco após a tentativa de golpe, e ocorreu com Erdogan sempre ressaltando
a solidariedade incondicional que Putin prestou após o evento. O gesto é uma
demonstração clara de crítica à postura dos membros da OTAN, EUA e União
Europeia, que desagradou Erdogan. Os EUA sequer cogitam extraditar Fethullah
Gullen, turco que reside na Pensilvânia e que é junto de seu movimento acusado
por Erdogan de ter orquestrado o golpe no país. Por sua vez, a União Europeia
criticou duramente as prisões e demissões de diversos grupos, parte atrelada ao gulenismo, ou simplesmente opositores ao atual governo turco. O
episódio distancia a Turquia dos requisitos mínimos democráticos para entrar no
bloco.
Por sua
vez, Donald Trump declarou o que é um receio de muitos países da OTAN desde o
fim da Guerra Fria: os EUA não estão mais tão engajados com a aliança, que
tinha uma oposição clara aos soviéticos quando foi criada. Mas o candidato republicano foi além,
e disse que em caso de invasão de um país membro, não se sentiria pressionado em
seguir a cláusula básica do tratado que prevê que nestas situações todos devem
enviar tropas para auxiliar o aliado violado. O gesto foi visto como uma clara
falta de compromisso com uma proposta do século XX de validade duvidosa no
mutável século XXI.
Depois
da falta de compromisso do maior contingente da OTAN, muitos no país com o
segundo maior número de militares da organização passaram a enxergar a aliança
como uma amarra. Em alusão ao Brexit, o Turkexit passou a ser visto como uma
opção, já que não vincularia a Turquia a gastos e compromissos de pouco
custo-benefício, e que lhe restringe grandes oportunidades em um país
extremamente estratégico. Uma dessas possibilidades é justamente a Organização
da Cooperação de Xangai, que além da China, conta com a Rússia de Putin,
próxima geograficamente e agora em relações com a Turquia.
A saída
do segundo país mais rico, e que por conta de suas peculiaridades, representava
uma das maiores vitórias do projeto europeu, foi um duríssimo golpe para a
União Europeia e o Ocidente que vão demorar a se adaptar a esta. A saída da
segunda maior força militar da OTAN, e por se tratar do país mais distinto da aliança em diversos aspectos, seja o continente ou a religião, seria dramática
para o Ocidente. O Brexit foi uma vitória clara para Putin, que vinha há tempos
disputando com a União Europeia a zona de influência ao Leste da Europa,
chegando ao ápice das tensões na Ucrânia. A saída da Turquia seria uma vitória
ainda mais importante para o homem de Moscou, que veria uma OTAN esfacelada, e
de quebra provavelmente ganharia um dos aliados mais importantes do mundo.
Apesar
do que o clima olímpico e o escândalo de doping podem apontar, Putin não tem do
que reclamar. Além da colossal crise do Ocidente proporcionada pelos próprios
ocidentais, a reunião com Erdogan representou mais uma vitória, na
própria Síria. A Turquia passou a ter uma posição bem mais branda sobre a saída
de Assad, priorizando um cessar fogo no país, em postura semelhante a do
Ocidente após o 13 de novembro. A situação antagônica para os curdos no país foi pouco
discutida, e o conflito de Nagorno-Karabach, que renasceu em abril quando os
dois países estavam afastados foi excluído da conversa. Mas a julgar pelo
momento de Putin, curdos e armênios, os lados apoiados pela Rússia nos dois
casos, têm ótimas perspectivas.
(FOTO: AP)
Nenhum comentário:
Postar um comentário