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segunda-feira, 29 de maio de 2017

Sobre Bolsonaro: sem "mito", nem "minions"

Sim, esta é uma era de notícias falsas. Mas não é a única. O que é inédito em nosso tempo é a forma na qual clichês ganharam força para se propagar e explicar fenômenos extremamente complexos. O grande caso é a eleição de Trump. Thomas Friedman, colunista do New York Times, provou isto com “A Road Trip Through Rising and Rusting America”. É um relato no qual grande parte dos chavões que serviram para explicar a eleição do novo presidente dos EUA foi desmitificada. A ideia de que o país é hoje separado entre as costas liberais e desenvolvidas e o centro atrasado é reducionista. Uma das conclusões da viagem.

As pesquisas erraram mais na França do que nos EUA. Clinton venceu no voto popular, o que era previsto pelos institutos. A vitória de Macron por 66% foi seis pontos acima do previsto, portanto, acima da margem de erro. Mas o sistema norte-americano prevê a eleição por colégio eleitoral, ou seja, 50 pesquisas paralelas deveriam ser realizadas. E a imensa maioria acertou dentro da margem de erro, com exceção de Michigan, que tinha problemas nas amostras, o que foi alertado o tempo todo pelo excelente Guga Chacra. Variando de acordo com a base, dá para se dizer que menos de 2% das pesquisas dos EUA erraram. Valor irrisório perto do alarde.

E aí, chegamos às autocríticas da mídia. “A exposição de Trump foi desmedida”, “não ouvimos os eleitores do interior”, “fizemos falsa equivalência com os escândalos de Trump e Clinton”. Críticas válidas, mas que não servem para explicar a eleição como um todo. Enquanto isso, o relato de um militante de Bolsonaro à BBC Brasil pode fazer muito bem este papel: “Os jornalistas pensam diferente da massa brasileira. Eles publicam essas posições achando que o pessoal vai ficar indignado, mas a grande massa pensa que ‘bandido bom é bandido morto’ e é isso que Jair prega”.

Claro que a afirmação é reducionista e não abarca as teorias aprendidas nas faculdades de Comunicação, sendo uma afronta à “Teoria da Agulha Hipodérmica”, Adorno, Horkheimer, Habermas e tantos outros que nos mostram que a mídia é indissociável da opinião popular. Mas se a eleição de Trump deveria nos ensinar muitas lições, e deveria por conta das semelhanças com o fenômeno Bolsonaro, uma é a de que devemos escutar mais o público.  E neste caso, o autor da frase tem muita razão.

Tenho grandes amigos que gostam de Bolsonaro. A despeito do atual manual brasileiro de boa convivência, que prevê excluir a discussão política, gosto de ouvir suas motivações. E vejo que assim como os eleitores de Trump, há críticas pertinentes em suas ideias.

Existe uma posição ideológica predominante nas faculdades, sobretudo das áreas de humanas. Enquanto grandes educadores explicam com eloquência teorias progressistas logo que os estudantes saem da escola, ainda com as visões maniqueístas de mundo comuns à idade, quem não concorda com as posições dominantes se vê órfão. É muito raro que um grande pensador conservador seja apresentado a estes alunos na faculdade. Há um vácuo que faz com que ideólogos rasos ou extremistas ganhem espaço junto a estes. Noto que alguns são sim competentes, mas tendem a adotar discursos mais radicais para ganhar espaço. Outros são simplesmente fracos.

Neste vácuo existe um incômodo com as batalhas por direitos civis. A imensa maioria destas é válida, e merece apoio. Mas no sentido maniqueísta e reducionista de uma sociedade que opina com base em manchetes, o extremismo encontra terreno fértil. Daí a surgirem casos surreais como a “polêmica” sobre apropriação cultural. A resposta dos incomodados, em um país ainda muito conservador, tende a ser extrema. E dalhe #Bolsomito2018 para lá.

O Brasil lidera o ranking global de homicídios, com quase 60 mil assassinatos ao ano. Destes, menos de 10% terminam com o responsável preso. Quando este é o destino, um sistema carcerário criticado internacionalmente não reabilita o criminoso, que volta às ruas para se deparar com uma reincidência de aproximadamente 70%. Este é o cenário dos que não podem pagar caros advogados, ou não possuem o foro privilegiado, que abarca entre 20 e 50 mil de brasileiros, variando de acordo com a fonte, mas sem paralelos em qualquer outra parte do mundo, independente do valor. Um sistema penal que não inibe que crimes sejam cometidos e não reabilita perpetradores. A sensação de injustiça é generalizada, surgindo daí o terreno fértil para o apelo de “lei e ordem”.

Em uma sociedade que maltrata a palavra, e os termos perdem sentido, adjetivos como “fascista”, “opressor” e a corrente de “ismos”, muita das vezes incongruentes, acabam fazendo com que estas graves acusações se tornem vazias, e até mesmo apropriadas pelos acusados. O paralelo entre Bolsonaro e Trump é a apropriação do termo “opressor” por parte dos apoiadores, em uma semelhança com os “deploráveis” trumpistas, palavra utilizada pela candidata Clinton para designar seus opositores, em seu pior momento na campanha.

Portanto, quando o melhor jornalista possível, ou o veículo mais respeitável faz criticas a Bolsonaro, o apoiador faz uma falsa equivalência de que a opinião expressa ali tem o mesmo valor de um dos opositores mais rasteiros. Neste cenário surgem as expressões de que New York Times, CNN, Folha de S. Paulo, El País Brasil, todos fazem parte de um conglomerado liberal-esquerdista da mídia que hoje não tem mais valor. O caso é muito semelhante nos EUA e no Brasil.

Então, como desaconselhar o voto em alguém que representa um perigo, sem citá-lo? Esta é a grande questão. E aí, cabe sair do lugar comum. Ao invés de classificar uma série de “ismos” para um candidato, que, de fato, não tem acusações importantes de corrupção ao seu cargo em um momento em que descalabros sobre a classe política vêm em velocidade incompreensível para o brasileiro comum, convide à reflexão.

Nenhuma reforma política mudará o sistema no Brasil que se convencionou chamar de “presidencialismo de coalizão” antes de 2018. Por meio deste, o presidente tem o poder, mas tem de exercer o mandato oferecendo condições favoráveis a uma base aliada, correndo o risco de sofrer um processo de impeachment caso perca esta articulação. Bolsonaro pertence a um partido pequeno, o PSC, e por um muito provavelmente concorrerá às eleições. A votação da legenda deve ser baixa para o Congresso, o que levaria um presidente a ter de fazer uma coalizão com uma série de partidos. Isso indica que para governar, Bolsonaro terá de se aliar a um dos grandes, quem sabe até dois, entre PMDB, PSDB e PT.

Diferente de outros presidentes que não tinham propostas tão específicas, a situação de Bolsonaro é especial. Assim como Trump, caso assuma, teria de mostrar serviço, já que não pode deixar a sensação de ser como os outros, o que iria enfurecer seu eleitorado. Sem pragmatismo e com votações específicas para serem levadas à casa, o custo pago seria alto pelo minoritário presidente. A chance das barganhas serem ainda maiores que em mandatos anteriores é grande, e lá se vai o trabalho da Lava Jato.

O Congresso é só um dos desafios com os quais o futuro presidente do Brasil terá de lidar. O eleito irá assumir um país após sua mais grave crise econômica da história recente, e não podemos nos dar ao luxo de votar em uma eleição com base em ofensas rasteiras como as que vemos hoje na internet. Precisa-se, e talvez como nunca antes, discutir os grandes aspectos para colocar a nação com quase 14 milhões de desempregados nos eixos. Como mudar a carga tributária com desoneração do consumo? Um Banco Central independente pode valer à pena? Como incentivar a inovação no país, facilitando patentes privadas ou fomentando as universidades públicas? Como superar o gargalo da infraestrutura? Este é o tipo de questão que deve ser respondida, não se um congressista está certo ao cuspir em outro, já que foi ofendido.

A eleição de Bolsonaro é um cenário provável? Acredito que não. O sistema eleitoral americano é único, e a exemplo da França, nosso pleito tende a rechaçar candidatos mais extremos. Nota-se que não disse impossível. Mas uma votação expressiva de Bolsonaro é um grande retrocesso. O apoio que o pré-candidato deu a um torturador da ditadura é terrível. Expressões como as suas referentes aos quilombolas são muito negativas. A lista é enorme e há muitos bem mais familiarizados com ela para dissertá-la. Mas uma votação expressiva mostraria que parte da sociedade não está bem representada, e tem anseios reais, não podendo ser tachada com “deploráveis”. O filme se repete, mas dessa vez temos como apertar “pause”.

Até mesmo encontrar uma foto que não represente polarização é complicado (Foto: Igo Estrela/ÉPOCA)

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Preconceito com o Nacionalismo

Quem se interessa pelo menos um pouco pelo que acontece no mundo provavelmente já teve acesso à descrição dos fenômenos populistas que se espalham em especial nos EUA e na Europa. Exemplos não faltam, como o recente Brexit e a real possibilidade de Trump ser o novo presidente norte-americano, tudo dentro daquilo chamado de demagogia, simplismo, xenofobia e nacionalismo. O último termo é o assunto aqui.

As nações são até hoje a melhor construção humana no sentido de agrupar seus semelhantes. Um ser de natureza tribal constituiu um complexo sistema de divisão, que ordena praticamente tudo no mundo hoje em dia. Mas não faltam exemplos do quanto as fronteiras são relativas, a se observar o projeto europeu que com seu Tratado de Schegen visava justamente abolir as restrições de livre circulação, ou casos menos sofisticados como a porosa fronteira de Afeganistão-Paquistão, por onde circulam pessoas e produtos de diversas origens e intenções. Por outro lado, existem casos em que os limites são rigorosamente respeitados, com a fronteira entre as Coreias ilustrando perfeitamente isso.

O nacionalismo não é bom nem ruim. Como no caso dos fenômenos populistas, ele é evocado junto a outros atributos negativos, tornando-se ruim. Mas é a mesma ideia que na década de 90 impediu massacres ainda piores no continente africano. A união de tutsis e hutus, com o pretexto de que acima de tudo todos eram ruandeses, foi fundamental para pôr fim à barbárie que matou cerca de 800 mil pessoas em 100 dias em um dos mais trágicos episódios da história humana, conhecido como Genocídio de Ruanda. No mesmo ano, 1994, chegava ao fim o regime do apartheid na África do Sul, com um grande sentimento de revanchismo dos negros contra os brancos que haviam lhes oprimido durante anos, um cenário semelhante ao que levou hutus a se vingarem dos tutsis, atrelados a elite local, e terminou com a tragédia final. No entanto, liderados por Nelson Mandela, os sul-africanos conseguiram desenvolver a sensação de pertencerem apesar da cor da pele ao mesmo país, e além de evitar um massacre, conseguiram prosperar bastante quando comparados aos outros países do continente. A história tem uma parte bem contada no filme Invictus, sobre a equipe de rugby da África do Sul.

E é o esporte que costuma trazer algumas das histórias mais interessantes relativas ao nacionalismo. O caso da Islândia, um pequeno país com cerca de 330 mil pessoas, população semelhante à de Montes Claros – MG, que encantou o mundo com sua grande campanha na Eurocopa, é um destes. Os islandeses chegaram até as quartas de final, passando pela fase de grupos sem perder, e eliminando a embora superestimada, ainda assim campeã do mundo Inglaterra. A própria Eurocopa, que é um evento espetacular, não existiria em um mundo sem nações, mesma situação da perda que seria ainda maior, caso a Copa do Mundo não fosse realidade.

O sentimento de ver seus semelhantes alcançando a glória esportiva é ainda mais valoroso no caso de populações que vivem em situação adversa. As disputas na Ásia são uma boa mostra disso, frequentemente trazendo histórias como a do Iraque em 2007, campeão continental, e esfacelado pela guerra, que teve pausas por conta da conquista. As eliminatórias contam com a participação de palestinos, e há partidas interessantes como o Síria x Afeganistão na última edição, que teve de ser jogado no Irã. Os sírios são bons, venceram por 6x0 e estão na próxima fase da competição, com possibilidades reais de jogar a Copa da Rússia, representando um país que pode nem existir até lá. Seria um grande alento na vida dos milhões de refugiados espalhados pelo mundo e que poderiam ver sua seleção local no maior torneio do planeta.

Um dos adversários da Síria foi o Japão, o caso de sentimento nacional que tenho a maior admiração. O território japonês tinha praticamente todos os elementos para que a nação construída ali fosse um fracasso. Pequeno, isolado, em meio a uma região instável tectônica, que faz com que os japoneses tenham de lidar com terremotos e tsunamis frequentemente, e com um relevo que dificulta muito a agricultura, havia ali um potencial país eternamente fadado ao fracasso. Mas o sentimento de construção coletiva, que possui exemplos como o dos kamikazes dispostos a entregarem suas vidas pela pátria, aliado a valores extremante cultivados por lá, em especial uma honradez invejável, fez com que os japoneses prosperassem, sendo uma das nações mais imponentes da terra, com sua população gozando de ótima qualidade de vida, e tudo isso poderia ser ainda melhor caso não tivessem feito escolhas erradas que levaram à morte desses kamikazes. Enfim, ninguém é perfeito.

A grande derrotada nessa história, a Alemanha, é um grande caso envolvendo esporte e nacionalismo. O país, fragmentado após a Segunda Guerra em Alemanha Ocidental e Oriental, viu a primeira se sagrar tricampeã do mundo, enquanto no outro lado do muro de Berlim, sobravam as mazelas impostas pela URSS. A reunificação foi coroada em 2014, com um título mundial para todos os alemães, em um momento especial para os antigos orientais, que contam hoje com a chanceler do país, frau Merkel, nascida do lado socialista do muro.

A seleção nacional alemã é um motivo de orgulho impar no país, sendo um dos grandes símbolos da identidade deste povo.  O problema de o nacionalismo não ser bom nem ruim é que dentro de uma história interessante de unidade como esta, ronda grandes perigos de como o nacionalismo pode ser evocado. O grupo Pegida, ligado a todas as atribuições do fenômeno populista do começo do texto, e com ligações até mesmo com neonazistas, fez duras ofensas aos jogadores Boateng e Gundogan, de origem ganesa e turca respectivamente. Segundo estes, os dois não representariam a Alemanha, em um caso nem um pouco velado de xenofobia racista. Gundogan, ótimo volante, ficou de fora da Eurocopa. Boateng está junto de seus companheiros nas semifinais, e enfrentará a França, em um embate que por tudo que representa, é um grande presente do nacionalismo. Em uma Eurocopa que tivemos Áustria x Hungria, e o País de Gales jogando separadamente do Reino Unido fazendo ótima campanha, que o projeto europeu fique somente ligado à política.


 A grande história construída pela Islândia. O lado bom da eliminação é o fim das manchetes sobre sobre resultados com trocadilhos com gelo. Thibault Camus / AP

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Teve Golpe

“Imagine there's no heaven
It's easy if you try
No hell below us
Above us only sky
Imagine all the people
Living for today

Imagine there's no countries
It isn't hard to do
Nothing to kill or die for
And no religion too
Imagine all the people
Living life in peace

You may say
I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope some day
You'll join us
And the world will be as one

Imagine no possessions
I wonder if you can
No need for greed or hunger
A brotherhood of man
Imagine all the people
Sharing all the world

You may say
I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope some day
You'll join us
And the world will live as one”
(LENNON, John)

Os britânicos não vão passar fome, e o Reino Unido tampouco será uma nova Grécia. Apesar das turbulências que o país terá de enfrentar, sobretudo a sucessão do primeiro-ministro David Cameron que renunciou após o resultado da votação e a possibilidade de uma saída da Escócia, o Reino Unido vai se recompor. Há exatos um século o país travava uma duríssima guerra, e poucas décadas depois ainda teve de lutar bravamente para se manter longe dos avanços das tropas nazistas. Eles vão sobreviver a isso.

O mau clima em Londres, região que expressava grande apoio pelo “remain” prejudicou o apoio à permanência, já que muitos não tiveram sequer a possibilidade de votar. Mas agora já não há mais nada o que se fazer senão olhar para o Reino Unido em uma perspectiva longe dos outros 27 componentes da União Europeia. E é pra justamente para ela que atenções têm que se voltar. Seja com políticos mais famosos, como Marine Le Pen na França, ou menos, como Hofer na Áustria, eurocéticos parabenizaram a decisão dos britânicos logo que o resultado foi anunciado. O nacionalismo, que nas palavras de Borges: “só permite afirmações e, toda doutrina que descarte a dúvida, a negação, é uma forma de fanatismo e estupidez” ganhou sua primeira grande batalha contra o projeto europeu, e a mobilização tem de ser para que o avanço seja contido, já que, por exemplo, uma vitória da Frente Nacional nas eleições francesas do ano que vem seria muito mais danosa do que o Brexit, e provavelmente incorreria na França fora da União Europeia, declarando praticamente o fim do bloco.

O projeto europeu e tudo que ele representa de uma Europa que superou os traumas das duas grandes guerras e se tornou um grande marco de estabilidade foi duramente golpeado. A utopia que John Lennon descreve em Imagine fica cada vez mais distante com o projeto europeu se enfraquecendo, em um momento que valores como o nacionalismo que já levaram europeus a tantas tragédias voltam a se sobrepujar a questões mais importantes como a solidariedade, o que é exemplificado no bárbaro espetáculo da crise dos refugiados. Se existe um consolo? Sim, John Lennon, você nunca foi e nunca será “the only one”.

Agora é aqui

quarta-feira, 22 de junho de 2016

"Apocalypse Now"? Talvez não

Costumam dizer que toda unanimidade é burra. Reuters, The Economist, Financial Times, WSJ, El País, Le Monde, NYT, DW, Al Jazeera. Estes são alguns dos veículos que verifiquei ao longo dos últimos tempos, e que se prontificaram (a maioria por editoriais) de maneira bastante crítica contra a saída do Reino Unido da União Europeia, o chamado Brexit, e compõe uma unanimidade que eu não me atreveria a chamar de burra.

Normalmente as análises continham semelhanças das posturas do Brexit com as apresentadas por outros fenômenos políticos, especialmente o isolacionismo e a xenofobia, que sem dúvidas não fazem parte dos maiores avanços dos últimos tempos, dentre eles: Trump, Frente Nacional (França), AfD (Alemanha), FPO (Áustria), Viktor Orban (Hungria), associados a ofensas e a uma extrema-direita em ascensão, assim como o partido de Nigel Farange, o UKIP, principal defensor do Brexit e que tem já em sua sigla um apelo pela independência do Reino Unido.

De um lado as mais sensatas mídias e opiniões do mundo, nos mais diferentes espectros políticos; do outro, os mais criticados fenômenos eleitorais dos últimos tempos, normalmente relacionados à intolerância e demagogia, e por vezes até ao fascismo. O tom nos meios costuma ser bastante apocalíptico, explicitando as enormes derrotas econômicas e políticas que o Reino Unido sofreria, assim como o desastre para o projeto europeu que tanto fez pelo continente desde a última grande guerra. A instabilidade se instauraria logo que o Brexit fosse vencedor no plebiscito e as consequências de longo prazo seriam terríveis, com veículos citando o “apocalipse”, e a DW com uma destacada opinião que indicava que em 30 anos seria possível até o retorno de navios militares atravessando o Canal da Mancha.

Desta forma, o mundo e parte dos britânicos passaram a acompanhar a própria existência do plebiscito como um absurdo. Não parece fazer sentido que cerca de metade da população tenha intenções de uma separação com danos tão terríveis para o Reino Unido, o que automaticamente, fez parte dos que votarão de maneira “sensata” a se voltarem contra os outros, questionando inclusive a capacidade de raciocínio destes diante de tamanhas evidências. E é ai que a notória unanimidade do começo passou a não corresponder para as mais razoáveis das posições.

Existem pessoas que acreditam que o Reino Unido fora da União Europeia melhorará suas vidas. Boa parte destas é composta por operários, especialmente do norte da Inglaterra, a mais pobre e estigmatizada região do país. Assim como os eleitores de Trump e Le Pen, são pessoas que não conseguiram se adaptar da melhor maneira possível com a globalização e passaram a ver fenômenos como a imigração como uma ameaça, seja a sua estabilidade social e normalmente ao seu emprego. 
Boa parte destas pessoas é frustrada, se considera longe das decisões de seus países, no caso americano tomadas pelas criticadas elites, e no europeu por Bruxelas. Neste cenário não veem alternativa para retornar seus padrões que senão isolar seus países, repelindo aquilo que remeta a globalização, seja isto os mexicanos, refugiados ou no caso do Brexit, o próprio projeto europeu.

Assim, não é de se admirar que quando estas pessoas isoladas da nova ordem mundial e que se julgam longe das decisões, quando começam a ter inclusive sua capacidade de raciocínio criticada, não tenham boas reações. E foi exatamente isto que ocorreu no Reino Unido. O temor do mundo de que o país pudesse se desligar da Europa foi tão grande, que criou um cenário de verdadeira polarização, em que os habitantes de grandes centros urbanos, normalmente mais estudados, defendiam o “remain”, enquanto os já frustrados interioranos com menos estudo apoiavam o “leave”. A panaceia criada pela mídia internacional alimentou os dois lados, um que passou a considerar cada vez mais o Brexit como absurdo, e o outro que se viu ainda mais afastado.

A melhor exemplificação foi um relato trazido pela DW de um morador de Glasgow: “Eu adoraria ver um político dizer 'nós deveríamos permanecer, mas se sairmos da UE, o país continuará existindo', em vez de 'o mundo vai acabar'".

Infelizmente a polarização terminou em tragédia. Jo Cox, deputada do partido trabalhista com trajetória impecável, esteve em Gaza recentemente e apoia a causa dos refugiados, foi morta em um comício exatamente quando fazia campanha a favor do “remain”. O assassino pediu morte aos traidores do Reino Unido quando foi levado ao tribunal. Neste caso burrice e até crime é ficar contra a unanimidade.

As pesquisas demonstram empate técnico e faltando apenas um dia para a votação é impossível definir o que ocorrerá. O fato é que aconteça o que acontecer, o Reino Unido saíra ferido e polarizado da agressiva disputa. Espero que seja junto à União Europeia e ao projeto europeu. Desculpa, não aguentei.