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quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Terrorismo: excelente queda, e ainda mais trabalho

O ano de 2017 terminou com uma redução de 46,7% no número de mortos por ataques terroristas frente a 2016. No último ano, 7654 padeceram por esta causa, enquanto foram 14356 no período anterior. Grande parte da queda foi por conta de Grupo Estado Islâmico, ou Daesh, que causou 3321 mortes em 2017, frente a 9340 no ano anterior, uma queda de 65,45%. Apesar disso, grupos como o Talibã e o Al Shabab, este que ganhou notoriedade por conta do maior atentado desde o 11 de setembro, fizeram mais vítimas em 2017 do que no período anterior, e ligam o alerta para 2018.

O ano que se passou marcou em efetivo a queda do autoproclamado califado que o Daesh tentou estabelecer entre a Síria e o Iraque. Com as retomadas de Raqqa e Mossul, suas capitais no primeiro e segundo país respectivamente, o grupo ainda viu áreas importantes em seu poder como a província de Deir ez-Zor serem ocupadas por forças rivais no último ano, deixando seu território restrito a poucas áreas no Levante. Apesar disso, a influência do Daesh na Líbia e na Província do Sinai pouco diminuiu, demonstrando que vácuos de poder podem fazer com que o grupo conquiste territórios. Isso ocorreu em Palmira, que havia sido retomada por forças leais ao exército sírio, e que acabaram voltando às mãos da Daesh. Foi na histórica cidade que o grupo cometeu algumas das maiores destruições ao patrimônio da humanidade. Palmira já foi reconquistada.

No entanto, a guerra contra o Daesh nunca foi habitual. O desmantelamento do califado não deixa de fazer com que o grupo siga relevante, ainda com capacidades operacionais para atacar no Levante e em outras partes do mundo. Um destes alvos pode ser justamente a Rússia, que em 2018 recebe a Copa do Mundo. O país, que sofreu recentemente um atentado no metrô de São Petersburgo, viu muitos de seus nacionais, sobretudo de regiões com grandes populações islâmicas como a Chechênia e Daguestão, rumarem ao Levante para integrar as fileiras do Daesh. Grande parte dos sobreviventes do exército do grupo é composta por estrangeiros, que podem retornar aos seus países de origem no intuito de cometer ataques. Além do terror jihadista, a Rússia também pode ser alvo de grupos nacionalistas, como os partidários da independência chechena, que já atacaram o país em outros tempos, sendo este um dos alertas principais para 2018.

Lisboa recebeu neste ano Boaz Ganor, israelense e uma das principais referências mundiais sobre terrorismo. Ganor foi a principal presença da III Conferência Internacional de Terrorismo, e na ocasião, além de muitos detalhes técnicos preciosos obtidos com anos de trabalho e análise na prevenção de ataques, o israelense apresentou o que chama de fórmula para o terrorismo: motivação x capacidade operacional = atentado.
Nenhum outro país no mundo diminuiu tanto a capacidade operacional de possíveis terroristas nas últimas décadas como Israel. Quando em 2015, alguns analistas acreditavam que os ataques de lobos solitários com atropelamentos haviam sido uma invenção do terror na Europa, Israel já lidava com este estilo de problema há anos, inclusive desenvolvendo soluções efetivas de dissuasão. No entanto, como se sabe, em poucos lugares potenciais terroristas possuem tanta motivação para atacar quanto em território israelense, ou a forças de segurança do país na Palestina ocupada. E 2017, definitivamente, não foi um ano que amenizou tal motivação.

Reduzir a capacidade operacional de grupos terroristas como Daesh, Talibã, Al Shabab, ou Al Qaeda da Península Arábica, com ataques que deixam destruição e vítimas civis pode amenizar uma parte da equação, mas em contrapartida eleva a outra. Matar jihadistas sem atacar o jihadismo é como enxugar gelo, mas com um custo de enorme derramamento de sangue. Quando se lembra ainda que a prevenção ao terrorismo é um eterno embate entre segurança e preservação de liberdades individuais, tem-se uma noção melhor do desafio.
Cheguei à Lisboa um mês depois do atentado em Barcelona. Com muitos portugueses com quem conversei, a sensação de que "somos os próximos” era iminente. E infelizmente, os mesmos, e agora eu, temos muito a temer.

Como dito incessantemente após os atentados em Paris e Barcelona, estes são lugares que celebram a vida, o que terroristas odeiam. Lisboa também é um destes lugares. Para além disso, nos ataques à Espanha os jihadistas falaram na retomada do califado. E de fato, a região de al-Andaluz, tendo Córdoba, na Andaluzia, como capital compreendia a Espanha, mas também Portugal. O país, que cada vez recebe mais turistas e prêmios no ramo, é um alvo que sentiria sensivelmente com um ataque. Vale lembrar que parte deste bom momento vem justamente por conta de pessoas que deixaram visitar o Norte da África com receio do terrorismo. Para além, Portugal é membro da OTAN, e contribui com muitas das missões rechaçadas por jihadistas. A motivação é grande, e não há muito o que se fazer quanto a isso. Cabe reduzir a capacidade operacional.

Neste aspecto, acredito que a capital portuguesa vem fazendo bom trabalho. A melhor prova é disso é quando estou em uma região como a extremamente turística, e, portanto, visada Belém. Costumo perguntar às pessoas se estão a perceber o aparato anti-terrorista que está ali montado. Fico muito feliz com as respostas: “Não.” “O quê?” “Onde?”. Além do nível de policiamento bastante incomum em outras zonas, Belém conta, por exemplo, com blocos de concreto simples, mas que têm capacidade de impedir muitos ataques de possíveis lobos solitários. Segurança, e sem diminuir as liberdades individuais. Ainda assim, vejo muitas falhas e possíveis alvos. No entanto, acredito que poucas cidades do mundo que nunca passaram pela experiência de um ataque terrorista moderno consigam ter um aparato com tamanha segurança. Como exemplo o Rio de Janeiro durante as Olimpíadas, que reforcei como possível alvo, e elogiei o esquema montado. Haviam também importantes lacunas, que não se verificam uma cidade como Jerusalém ou Nova Iorque.

Tratando sobre terrorismo em 2017, é digno nota sobre o curioso caso de inversão do fenômeno da indignação seletiva durante um dos muitos atentados do Al Shabab. Em outubro, uma ação do grupo, que matou 964 pessoas apenas em 2017, deixou 512 mortos. Na ocasião, muitos nas redes sociais prestaram atenção por pouco mais de uma semana na Somália, e alguns perceberam até mais do que as ações da afiliada local da Al Qaeda, e que é apenas mais uma das diversas milícias que agem no país, falido e em guerra desde 1991. Isso sem citar desastres humanitários próximos, como o de Dadaab, campo de refugiados para pessoas que fogem desta tragédia. Acontece que apenas em um período de dez dias que engloba esta ação, outras 255 pessoas morreram em atentados em locais que permaneceram longe das redes sociais como Kandahar e Maiduguri. Ironicamente, o questionamento da indignação seletiva com à atenção na Somália no #PrayForSomalia, assim como Londres e Paris em outros momentos, ofuscou outras grandes tragédias. Para quem já se acostumou com a incongruência na cobertura de ataques, não surpreende, mas ainda assim, vale o registro.

Para além da grande redução no número de mortos em atentados, 2017 reservou outra excelente notícia. O período foi o mais seguro da história da aviação. "Em 71 anos, foram 3.180 acidentes com voos comerciais, de carga e de passageiros, e 82.412 mortos.", como trouxe reportagem da BBC. É quase o que se morre a cada 2 anos em acidentes de carro, apenas no Brasil. A relação que faço, é que assim como a percepção sobre a segurança na aviação é extremamente irracional, o mesmo ocorre com o terrorismo. Para além de grandes heróis, declarações políticas, e o que tiver grande repercussão em ambos os casos, quem faz a real diferença são trabalhadores sérios, competentes, e que não podem falhar. Eu acrescentaria outra fórmula à do grande especialista israelense: mais Boaz Ganor, menos #PrayFor.


Obs: Todos os números são da plataforma START, referência na área e fundamental para acompanhar o terrorismo com parcimônia e a razoabilidade necessárias. Neste momento, 2018 já registra 13 ataques e 38 mortes. https://storymaps.esri.com/stories/terrorist-attacks/?year=2018

START. Ótimo amigo para quem quer entender o terrorismo além do #PrayFor

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Papo de Boteco no VPC

Uma das melhores iniciativas recentes na cobertura da mídia brasileira em assuntos mundiais foi a criação do programa GloboNews Internacional. Comandado pelo excelente Dony De Nuccio, e com comentários de Marcelo Lins, Ariel Palacios e Guga Chacra (que inspira parte importante do que está presente aqui), a segunda parte do programa é sempre composta pelo “Papo de Boteco”. Na ocasião, cada um dos participantes traz uma curiosidade que de preferência tenha tido a menor repercussão possível no noticiário.

Como entusiasta de questões pouco abordadas, decidi repetir aqui a ideia. Desta forma, trouxe informações que podem ser simplesmente curiosas, como a da eleição da Libéria em 2005, ou traçar tendências de prioridades globais, de acordo com a interpretação de cada um. Tentei fazer o menor juízo de valor possível, o que é muito complicado. Alguns dados, como os relativos a homicídios e terrorismo, são muito difíceis de se ter exatidão, portanto, é muito possível que variem conforme a fonte. Confira:

-Emanuel Macron, além de presidente francês, também é monarca. O cargo de co-príncipe de Andorra, um pequeno país entre a França e a Espanha, é destinado ao presidente da França.
-Um melhor jogador do mundo da FIFA já disputou uma eleição presidencial contra uma Nobel da Paz. O caso aconteceu em 2005 na Libéria, quando George Weah, melhor do mundo em 95, perdeu a eleição para Ellen Johnson Sirleaf, Nobel em 2011.
-O maior comprador de armas no mercado mundial é a Índia, seguida pela Arábia Saudita.
-Os 11 países com maiores superfícies marítimas, e, portanto, com direito de exploração econômica são, respectivamente: EUA, França, Austrália, Rússia, Reino Unido, Indonésia, Canadá, Japão, Nova Zelândia, Chile e Brasil. As superfícies abrangem territórios ultramarinos, como Guam no caso dos EUA e a Guina Francesa.

-O país que terá o maior crescimento do PIB neste ano é a Etiópia, com 8,3%. Dos outros dez entre os maiores crescimentos, 8 ficam na Ásia, e o vizinho à Etiópia Djibouti fica em sexto.
-Bangkok é a cidade que mais recebeu turistas em 2016 (21,5 milhões), quase o dobro da quinta colocada, Nova York (12,8 milhões). Londres, Paris e Dubai seguem a capital tailandesa.
-O Brasil é o único país das Américas com embaixadas em ambas Coreias.
-Trump foi o primeiro presidente norte-americano a fazer sua viagem inaugural para o Oriente Médio, ao visitar a Arábia Saudita. Canadá com oito vezes, e México com quatro, são os destinos mais habituais.
-Em 2016, morte por opiáceos foi a principal causa de morte entre pessoas de até 50 anos de idade nos EUA. Cerca de 60 mil perderam a vida por conta de overdoses por produtos como a heroína e o fentanil.
-Apenas cinco países têm, de fato, um PIB maior do que a Califórnia: Reino Unido, Alemanha, Japão, China e os EUA.
-Na China 786 milhões de pessoas, quase quatro vezes a população do Brasil, viviam em extrema pobreza em 1990, número que passou a 25 milhões em 2013.
-Nova Orleans tem um índice de homicídios a cada 100 mil habitantes de 62,1. O país recorde no quesito é Honduras, com 68,4. Em Detroit o nível é de 35,9, próximo ao de El Salvador, que é 39,9. Em Miami é 23,7, enquanto em São Paulo, gira entorno de 11.
-O principal produto de exportação do Afeganistão é o ópio, amplamente consumido no vizinho Irã. A papoula, planta da qual se origina a droga, também é base para a heroína, e o Afeganistão tem amplas terras de cultivo da mesma, que pode ter como destino a Europa.
-A população mundial de judeus hoje é de 13,5 milhões de pessoas. Cerca de 5,7 milhões vivem em Israel, e 5,3 milhões nos EUA. Em sequência, França, Reino Unido e Rússia. Em 1939 o grupo somava mais de 16 milhões de pessoas.
-O presidente do Líbano obrigatoriamente tem de ser cristão maronita. O primeiro-ministro por conta do mesmo acordo deve ser muçulmano sunita, líder do parlamento, xiita.
-O Brasil por um período de tempo chegou a ser o único país do mundo a ter um presidente libanês. É que Michel Temer tem nacionalidade libanesa, e por conta de imbróglios políticos, o Líbano ficou por quase dois anos sem presidente.
-As atuais prefeitas de Ramalá e Belém, ambas cidades palestinas na Cisjordânia, são cristãs.
-No Irã é extremamente raro que mulheres usem burca (que cobre todo o corpo). No Afeganistão, inclusive alguns maridos dizem desejar que suas esposas fossem liberais como as iranianas.
-O México é o país em que mais se decapita no mundo. 50% dos homicídios no país se concentram em três estados: Guerrero, Michoacan e Sinaloa.
-De 2000 a 2016, 2,6 milhões de pessoas foram mortas na América Latina. É aproximadamente a população do Uruguai.
-Dos dez maiores campos de refugiados no mundo, sete ficam na África. O principal relacionado à crise síria, Zaatari, é o quinto. O maior é Dadaab, no Quênia, relativo aos conflitos na Somália. Os dados são de 2016, e é possível que a tendência mude, com refugiados do Sudão do Sul criando grandes aglomerações, e com Dadaab diminuindo seu tamanho por decisões do governo queniano.
-Quatro países concentram cerca de 71% dos atentados terroristas no mundo, sendo o Iraque o líder, além de Afeganistão, Síria e Somália. 2,5% dos ataques foi realizado no Ocidente.
-Os ataques terroristas com ao menos uma morte na Europa chegaram a quase 300 em anos na década de 70, enquanto ficaram próximos de 20 em 2015. Desde 95 o número não passa de 100.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

O terrorismo mais perto do que se pensa

“Creio que a síndrome do século XXI é o choque de fanáticos de todas as cores e o resto de nós.” A frase é de um dos maiores escritores israelenses, Amós Oz, nascido em Jerusalém durante o mandato britânico, e que se considera um especialista em “fanatismo comparado”. Vivendo na Terra Santa por tanto tempo, este local capaz de suscitar tantas paixões, é compreensível que seu ensaio “Como Curar um Fanático” seja uma grande peça para entender o extremismo. Só não diria que é necessário, pois este tipo de imposição já é um dos princípios apontados por Oz para o fanatismo, do qual nenhum ser humano é completamente imune.

Um dos antídotos contra o fanatismo apontados por Oz é a imaginação, atrelada à capacidade de se colocar no lugar do outro. Usando desta imaginação, suponhamos que o autor do massacre em Campinas fosse muçulmano, ou simplesmente tivesse gritado algumas expressões em árabe. Quais seriam os principais destaques para o atentado? “Terrorismo islâmico chega ao Brasil?” “Estado Islâmico assume a autoria de atentado em Campinas?”. Se as repercussões não fossem tão extremas, asseguro que o termo “terrorismo” e a religião do autor teriam sido bem mais difundidos do que ocorreu no caso.

Segundo Oz, a luta entre fanáticos e o resto da sociedade se dá entre pessoas que “acreditam que o fim, qualquer fim, justifica os meios, e o resto de nós, que acredita que a vida é um fim, não um meio.” Os fins no caso do atentado em Campinas, seriam as ideias misóginas e machistas do autor, e a ação em si, que seria algo justificável para ele, o meio. É o que Oz descreve quando diz “É uma luta entre os que por um lado pensam que justiça- o que quer que entendam por esta palavra- é mais importante que a vida, e os que pensam que a vida tem muito mais importância que outros valores, convicções ou crenças.” Nos trechos divulgados da carta do terrorista, em que este relativiza a possibilidade de morrer, esta luta é nítida.

Mas não foi só este massacre no ano novo que teve seu viés terrorista deixado em segundo plano. No ano passado, um supremacista branco nos EUA invadiu uma igreja e matou nove pessoas negras, o que foi apenas mais um dentre as dezenas de crimes de ódio envolvendo massacres no país. Além disso, a deputada britânica Jo Cox foi morta em um atentado de um ultranacionalista que considerava os contrários ao Brexit, assim como Cox, traidores. Pouco se falou em terror.

Para o autor argentino J.L. Borges: “O nacionalismo só permite afirmações e, toda doutrina que descarte a dúvida, a negação, é uma forma de fanatismo e estupidez.”. No âmbito do terrorismo, o nacionalismo foi uma das formas de fanatismo que mais fizeram vítimas durante o século XX. As organizações, ETA no país basco, IRA na Irlanda do Norte e a própria Organização pela Libertação Palestina (OLP), até o abandono da luta armada, compuseram grande parte do cenário do terror no período, assim como as milícias de ideal marxista, como as FARC na Colômbia, e o PKK no Curdistão, que também possui um viés nacionalista. O terror islamista como conhecemos vem do final do século XX, com grupos como o Hamas e Al Qaeda, de orientação sunita extrema. Até então o terrorismo muçulmano era vinculado mais a grupos xiitas, de exemplo, o Hezbollah.

Marxismo, nacionalismo, extremismo islamista, anarquismo e qualquer outra orientação que tenha servido como base para fanáticos ao longo da história propõe certezas para os anseios do ser humano. Segundo Oz estas certezas se alteraram de tempos para cá: “Até a metade do século XIX, a maioria das pessoas, na maior parte do mundo, tinha pelo menos três certezas fundamentais: onde eu vou passar a minha vida, o que vou fazer da minha vida e o que vai acontecer comigo depois que eu morrer.”. Segundo o autor, em um mundo de pouca mobilidade social e geográfica, sendo temente a seu deus, a vida terminaria no paraíso. Hoje não é bem assim.

Um estudo recente indicou que uma edição dominical do New York Times oferece mais informação do que, em média, um cidadão do século XVII recebia durante toda a vida, o que complica quaisquer certezas. O diplomata norte-americano Henry Kissinger classifica o saber em três instâncias: informação, conhecimento e sabedoria. De fato, esta é a era da informação. A questão é o quanto disso o ser humano processa para transformar em conhecimento, ou sabedoria. As duas últimas instâncias necessitam de análises profundas, reflexões, sendo fundamental compreender o outro lado das histórias.

O que temos hoje não chega a isso. Pessoas comentam com fanatismo simplesmente ao observarem uma manchete, seja ela sobre terrorismo, Trump, aquecimento global, Temer, Lula, Dilma, ou mesmo fofocas. Não se busca o conhecimento para entender o que ali ocorre, e já se exclama “é”, e por vezes até mesmo se discute com conhecidos do “não é”. Evidentemente esta instância do saber fica bem longe da sabedoria.

Claro que dentro deste fanatismo existem várias instâncias. Não se pode comparar alguém que tenta convencer se foi ou não golpe e um vegano que quer fazer alguém parar de comer carne, com um terrorista ou um perpetrador de limpeza étnica. Mas para Oz, o fanatismo tem duas essências fundamentais: “autojustificativa sem concessões” e “o desejo de forçar outras pessoas a mudar”. E neste aspecto os casos se enquadram, e somos todos suscetíveis, já que como traz o autor: “A natureza humana parece que não muda. A única diferença entre fazer amor no tempo do Rei Davi e fazer amor hoje em dia é o cigarro depois”.

Como traz o começo do texto, também acredito que a batalha contra o fanatismo será uma síndrome do século XXI, e arrisco dizer que é a principal questão deste, junto às mudanças climáticas. Portanto, combates como os que matam jihadistas sem destruir as raízes que os levam a isto serão como enxugar gelo, mas gerando um ciclo vicioso de derramamento de sangue. Lidar com as causas deste extremismo é um dos grandes desafios, e será de suma importância entender que a fonte é a mesma, seja para islamistas, misóginos, nacionalistas ou anarquistas: nossa própria natureza.

A propósito, outros dois antídotos que Oz sugere contra o fanatismo são o humor e a literatura. Humor, e não sarcasmo, o autor define como a capacidade de rir de si mesmo. Dizer sarcasticamente que contar uma piada a um terrorista pode parar um ataque não serve, mas em compensação, o Grupo Estado Islâmico nunca soube rir de si mesmo e jura de morte quem faz sarro com ele. E a literatura sugerida não é a superficial, ou a que suscita ainda mais fanatismo, e sim a que coloca o leitor na mente de outra pessoa. Diria que é vital a todos, mas como trouxe J.L. Borges: “A leitura não deve ser obrigatória. O prazer não é obrigatório, o prazer é algo buscado.”.

Uma aula em 100 páginas (FOTO: Divulgação)


segunda-feira, 25 de julho de 2016

O Brasil se preparou bem contra o terrorismo?

Falo das reais possibilidades de um atentado nas Olímpiadas do Rio de Janeiro há tempos. A nova onda terrorista que faz vítimas na Europa chocando o mundo, e mata centenas no Oriente Médio sem tanto alarde, é parte da estratégia do Grupo Estado Islâmico ou Daesh para reverter suas derrotas militares nos territórios da Síria e do Iraque, que segundo estimativas chegaram a 40% no último ano, o que já não é mais novidade. Mas enfim, a hora da verdade está por vir.

O Brasil acertou na seriedade que deu na prisão dos mais de dez suspeitos de planejarem atentados terroristas nas Olímpiadas. Os indícios são de que sim, se tratavam de amadores, sem ligação direta com o Grupo Estado Islâmico, nem treinamento militar, diferente de terroristas que atacaram, por exemplo, na Europa e que anteriormente haviam se radicalizado e treinado em áreas sob domínio terrorista. Mas na atual onda de ataques dos chamados lobos solitários, isso é o de menos.

Um dos presos tentou comprar pela internet um fuzil AK-47, o que simplesmente pode anular qualquer falta de experiência, desde que o terrorista ensandecido tenha a sua frente uma aglomeração de pessoas. O automatic Kalashnikov 47 é a arma que mais mata no mundo, o que se deve em grande parte ao seu fácil manuseio. O impacto nos usuários é tão grande, que o livro Gomorra narra que jovens italianos que acabavam de entrar na máfia tinham como um de seus prêmios conhecerem o senhor Kalashnikov, o criador da recém-descoberta por eles “maravilha”. Kalashnikov morreu em 2013, mas deixou uma legião de adoradores do seu grande feito. Um dos legados da arma que o jihadista “amador” brasileiro poderia ter em suas mãos é a bandeira de Moçambique, que ostenta uma AK-47. Não se trata de qualquer objeto este verdadeiro fetiche de terroristas ao redor do mundo.

Mas nem só de complexos artefatos de destruição vive o terror hoje. Em uma semana a Europa assistiu a um caminhão e um machado sendo utilizados com propósitos terroristas por dois ensandecidos de ligações suspeitas com qualquer entidade terrorista. Outro lugar do mundo que vive o perigo de que lobos solitários possam a qualquer momento se tornar uma ameaça é Israel, onde muitos terroristas não utilizam de armas de fogo, e sim de facas e até mesmo de carros, que na maioria dos casos são atirados contra pontos de ônibus por conta da maior aglomeração.

Sendo tão ampla a gama de possibilidades que o terrorismo possui hoje, é compreensível a cautela adotada pela justiça brasileira ao ter em seu domínio os dados de 500 mil suspeitos de ligações terroristas. O número é de fato elevado, comparativamente, o número de estrangeiros esperados no Rio para as Olímpiadas é de 350 mil pessoas, 150 mil a menos que o de pessoas monitoradas pela justiça. O orçamento de toda a operação é o maior em segurança da história do país, tendo passado dos 1 bilhão de reais, para 1,5 bilhão, após a seriedade da ameaça ter sido melhor vislumbrada.

Mas no fim das contas, o Brasil de fato não tem experiência para lidar com esse tipo de ação, um dos critérios mais importantes para o sucesso, e vem daí o grande acerto da operação brasileira. A Abin se ligou aos melhores serviços de inteligência do mundo para uma cooperação de informações, o que é de interesse mútuo, já que israelenses, franceses, americanos e tantos outros são potenciais vítimas mesmo estando no Brasil.

O Mossad, o serviço de inteligência de Israel, provavelmente o melhor do mundo no quesito de terrorismo, tem interesse especial na segurança do evento. Os israelenses passaram até agora ilesos pelas ameaças do Grupo Estado Islâmico em seu território, mas uma ação em solo estrangeiro poderia colocar tudo a perder, caso a maior delegação israelense da história fosse atingida. O país é um alvo potencial de diversos grupos terroristas, e vale lembrar que o maior atentado em uma Olímpiada foi justamente contra os israelenses em Munique 72.

Apesar de tudo isso, é impossível saber se de fato todas as opções foram esgotadas. A França vivia estado de emergência após os atentados de novembro de 2015, o que não impediu que um bárbaro com um caminhão furasse todo o esquema de segurança e matasse 84 pessoas. A pluralidade de motivações e perfis dos propagadores de atentados ao redor do mundo coloca a todos uma série de dúvidas, sendo as teorias tradicionais incapazes de lidar com pessoas que variam desde radicalistas religiosos até indivíduos relativamente bem sucedidos. O papel das forças de segurança é de sempre ter seriedade e cautela, no sentido de tentar evitar os piores cenários, levando em conta que as liberdades individuais devem ser respeitadas ao máximo, e que ataca-las é muitas das vezes a intenção dos terroristas.

Acontecerá um atentado no Rio? Ninguém pode responder, mas os indícios levam a crer que alguma tentativa é provável. Tenho que ter medo, ou não ir ao Rio? De jeito nenhum! Recentemente a possibilidade de se morrer em um atentado terrorista foi colocada frente à de se perder a vida escorregando na banheira, com a segunda sendo maior. O perigo de se morrer na estrada para o Rio de Janeiro, em um país com mais de 40 mil mortes anuais no trânsito é bem superior à chance de morrer pelas mãos de um ensandecido. Além disso, cercear a liberdade é justamente o que boa parte destas pessoas ambiciona, sendo ter medo e deixar de frequentar algum lugar duas vitórias para estas pessoas. O terrorismo é um dos grandes males globais do século XXI, e será muito difícil combate-lo, mas isso terá de ser feito com muita seriedade e capacidade, levando em conta que, por exemplo, matar jihadistas não acaba com jihadistas. O fato de que resumidamente o Grupo Estado Islâmico é um fruto da Al Qaeda, surgida do Talibã demonstra isso. O Brasil indica que fez tudo ao seu alcance para que esta praga não ocorra durante os jogos. Agora é esperar e torcer pelo melhor evento possível, sendo favorável ou não.