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terça-feira, 12 de julho de 2016

"Time for Africa?" Para Netanyahu, sim

Existem diversas visões simplistas sobre o continente que mais oferece possibilidades hoje, possui 54 países, uma infinidade de culturas diferentes e a população que mais cresce no mundo. É consenso atualmente que quem souber se adequar melhor a esta região do mundo com tamanho potencial, se dará bem politicamente, enquanto aquele que só pensar na fome e nos grandes mamíferos terrestres africanos, ficará para trás. A China há anos vem expandindo sua influência na África, seja por meio de parcerias maiores, por exemplo, a África do Sul no BRICS, ou em investimentos em infraestrutura, como os recentes na Etiópia e no Quênia. Estes dois, parceiros vitais de um dos governos que nos últimos tempos parece ter melhor entendido a nova tônica mundial, o de Israel, com seu primeiro-ministro Netanyahu.

Depois de mais de 30 anos, um chefe do governo israelense visitou a África Subsaariana. Mais especificamente, Etiópia, Quênia, Ruanda e Uganda receberam a visita de Bibi. A visita à Ruanda ganhou uma conotação especial, por ter reunido Netanyahu e Paul Kagame no memorial do Genocídio de Ruanda, termo utilizado na matança no país africano, mas cunhado especialmente por conta do Holocausto sofrido pelos judeus. Em Uganda houve uma aproximação com os evangélicos, cada vez mais presentes no país, e que tem grande influência da igreja norte-americana, base central de apoio para o estado judeu. O Quênia foi uma visita mais pontual, já que os quenianos vêm se destacando economicamente e são uma potência no Leste do continente, a região visitada por Netanyahu.

Já a relação com a Etiópia é mais estreita. Cerca de 2% da população de Israel tem origem etíope, mas muitos destes enfrentam situações delicadas no país, como o dobro da taxa de desemprego da média geral, e regiões em que os índices de encarceramento chegam a 40%. A difícil situação levou etíopes no ano passado a participarem de manifestações, que tiveram destaque especial em Tel Aviv. O clima político ficou tenso, já que o partido de Netanyahu, Likud, conta inclusive com um deputado de origem etíope.

Além disso, Adis Abeba, capital da Etiópia, é sede da União Africana, órgão no qual Israel foi membro como observador até 2002. Logo após a visita de Netanyahu ao Leste da África, os etíopes fizeram o pedido para que israelenses voltassem a fazer parte da organização, que têm, por exemplo, Palestina e Turquia na situação de observadores. O apoio dos países da África Subsaariana é visto como vital para Netanyahu, que enfrenta oposição de tradicionais adversários árabes, e de uma comunidade internacional que isola cada vez mais Israel, inclusive seus dois principais parceiros, a União Europeia e os EUA.

Em contrapartida, israelenses têm muito que oferecer a estes países. O Quênia, por exemplo, foi vítima recente de dois grandes ataques terroristas do grupo Al Shabab, que atua na Somália, vizinha do país, e tem cada vez mais medidas contra terroristas como principais pautas de governo. Apesar de não terem sofrido com estes tipos de ataque, os outros países têm bastante o que se preocupar, levando em conta que grupos como o Boko Haram e a Al Qaeda do Magreb Islâmico se proliferaram na África. O know-how israelense para lidar com o terrorismo, senão o melhor do mundo, um destes, é de grande utilidade para estes países.

Outro ponto em que Israel se destaca é como um polo tecnológico, e se tratando de regiões que costumam ter uma infraestrutura defasada, os avanços do país em áreas como agricultura, sistemas de irrigação e cyber-segurança são de grande interesse. O “produto” oferecido teve um impacto tão positivo, que segundo o Times of Israel logo após a visita, a Tanzânia anunciou sua intenção de abrir sua primeira embaixada em Israel, e o chefe de um estado muçulmano no continente (não divulgado) teria ligado para Netanyahu buscando estabelecer relações bilaterais entre os dois países, até agora inexistentes.

“Lion King Bibi”, como foi apelidado o primeiro-ministro israelense na visita, em uma alusão ao seu apelido e ao Rei Leão, soube se aproximar em um momento delicado para sua imagem de países que desejam o que Israel pode oferecer. Boa tacada do líder israelense, que vai ter que enfrentar uma verdadeira batalha da opinião internacional contra ele com a chegada dos 50 anos da ocupação israelense em 2017, que já começou (e com gente grande). Fora as acusações de lavagem de dinheiro, que prometem dificultar suas intenções de se tornar o homem há mais tempo no cargo máximo de Israel, ultrapassando Ben Gurion, o político mais marcante da história do país.

                      Netanyahu na Etiópia - "Quem não tem cão, caça com leão" (Kobi Gideon/GPO)

quarta-feira, 1 de junho de 2016

A Maior Tragédia do Mundo?

“From here to eternity” foi o bom título escolhido pela The Economist, para em uma pioneira matéria, tratar da atual situação do maior campo de refugiados do mundo, Dadaab, no Quênia. A localidade que conta com 350 mil pessoas, população maior que a da Islândia, é constituída em sua grande maioria por pessoas fugindo da terrível guerra da Somália, que devasta o país há décadas e não indica perspectivas de fim em um curto prazo.

Boa parte dos somalis de Dadaab chegou em 1991, ano que marca um grande acirramento do conflito no país e que deixou milhares de mortos, além de inúmeros refugiados. Portanto, muitos dos 350 mil habitantes ou perdeu as posses na Somália, assim como o contato com suas famílias, ou nasceu em um campo no Quênia, o que lhes coloca em uma situação próxima a de apátridas, já que não tem os direitos nem de um cidadão somali nem de um queniano. Na década passada, o drama vivido por estas pessoas chegou a receber grande mobilização internacional, assim como o de outros conflitos africanos como o do Sudão, no entanto, o foco na crise de refugiados no Oriente Médio tirou boa parte da atenção para estes dramas humanitários.

Em 2010 a renda per capita anual de um habitante de Dadaab era de 223 dólares, o que dá menos de um dólar por dia, no entanto, com o auxílio da ACNUR, a agência da ONU para refugiados e ONG’s, crianças eram alfabetizadas na medida do possível e doentes eram atendidos. Depois que as atenções se voltaram para a crise do Mediterrâneo, a renda anual passou a ser de 148 dólares, valor que torna qualquer atividade, mesmo que as intenções sejam as melhores, muito mais difícil. Um grande número de jovens devem crescer analfabetos, tornando as perspectivas de uma vida melhor que a de Dadaab, ainda mais complicadas, além dos muitos que terão graves consequências na saúde por conta da falta de recursos mínimos.

Mas o alarmista título da The Economist foca em uma tragédia que pode ser ainda maior, e que passou a ser preocupação de somalis e grupos de defesa de direitos humanos nos últimos dias. O governo queniano quer fechar Dadaab. A medida deixaria centenas de milhares de pessoas sem terem para onde ir, e como principal opção retornar a uma Somália, na qual muitos são ameaçados de morte. Além dos que fugiram por conta das ameaças dos grupos armados que disputam a guerra no país, há o restante que terá de enfrentar uma nação destruída pelas décadas de conflito. Conflito no qual, o grupo terrorista islâmico Al Shabab, afiliado local da Al Qaeda, ganha cada vez mais terreno, o que consequentemente leva a uma intensificação dos bombardeios de drones americanos que combatem os terroristas.

E é justamente o Al Shabab a alegação do governo queniano para fechar o campo de Dadaab. O Quênia, com uma das economias mais pujantes do continente africano, sofreu recentemente dois grandes ataques dos terroristas, o que abalou fortemente a confiança de habitantes e investidores. O primeiro destes aconteceu em um shopping em Nairóbi em 2013, matando mais de 70 pessoas, e em 2015, uma universidade foi o alvo e levou 147 pessoas a óbito. Segundo o grupo, os dois atacaram lugares que representam valores ocidentais contrários ao radical Islã que eles dizem acreditar.

Para o governo do Quênia, Dadaab seria abrigo de terroristas do Al Shabab, que poderiam aproveitar do disfarce de meros refugiados para realizarem novos ataques no território do país. A complexa acusação justificaria assim, o fechamento do campo, em um dos maiores casos de punição coletiva da atualidade.

Assim se chega ao título da matéria que inicia o texto. De Dadaab para onde? O destino de muitos, em caso de fechamento, sem dúvidas será a eternidade. Caso nada seja feito para impedir a ação, o do governo do Quênia também, como causador de uma das maiores tragédias humanitárias de nossos tempos.