sábado, 13 de agosto de 2016

Espírito esportivo no Rio: Ouro e vexame

O início das Olimpíadas tinha por objetivo congregar os atletas das polis, cidades-estados, do que hoje conhecemos como Grécia, e na época representavam com algumas funções o que são os estados nacionais hoje. Um dos principais pilares dos jogos era que durante sua realização de quatro em quatro anos, todos os conflitos deveriam ser cessados. Apesar do que a predominância apresentada por Atenas e Esparta pode indicar, havia muitas outras polis importantes e divergências não eram incomuns. O até então recordista de conquistas olímpicas era de Rhodes, hoje mais conhecida pelo seu colosso, e que ganhou algum destaque após Michael Phelps lhe tirar a honraria.

Na era moderna os conflitos globais influenciaram muito as Olimpíadas. A Segunda Guerra Mundial acabou com qualquer possibilidade de realização de jogos no período, sendo impossível um cessar-fogo. Durante a Guerra Fria, EUA, URSS e seus aliados utilizaram o esporte com um extremo fim de propaganda política, o que levou a excelentes níveis esportivos, mas legou algumas das maiores anti-desportividades da história como os boicotes dos jogos de Los Angeles e Moscou pela URSS e EUA respectivamente, que prejudicaram vários atletas que se esforçaram muito, o que no fim das contas foi em vão independente de suas posições políticas.

O patriotismo exacerbado durante as Olimpíadas também lega histórias bem interessantes, um dos pontos altos da competição. O negro americano Jesse Owens que venceu em frente Hitler em Berlim é provavelmente a melhor destas, mas mesmo no Rio, casos como a da primeira medalha de Kosovo, conquistada por uma judoca que teve ofertas financeiras para competir por outras nações é uma destas grandes histórias.

Infelizmente o patriotismo nos jogos do Rio vem vivendo contrastes. Apesar de boas mostras como no caso da kosovar, e a mais importante de todas: o fato do patriotismo ter sido colocado de lado, provando que há valores muito mais importantes como solidariedade e respeito, para constituir a delegação dos refugiados demonstram os aspectos positivos. O time inédito foi aplaudido de pé na cerimônia de abertura e é o maior marco destes jogos Por outro lado, na própria cerimônia de abertura ocorreu uma mostra lamentável do respeito sendo sucumbido: a vaia à delegação argentina.

Assim como no hino antes das competições, o desfile na cerimônia de abertura é um grande marco de exposição de seu país, sendo uma honra ímpar para o atleta ser o que representa sua nação nestes momentos. O respeito nesta hora deve ser universal, tanto para com a nação ali apresentada e em especial ao atleta que tem a honra, seja quem for. Depois disso, ai vale muito (lembrando que tudo não, já que é o século XXI), e eu mesmo confesso que na torcida de Argentina x Portugal, partida que tive a oportunidade de ir, não fui nem um pouco afável com os argentinos.

Mas a torcida brasileira foi impecável na vaia ao protagonista do gesto mais lamentável das Olimpíadas até agora, o egípcio Islam el-Shahaby. O judoca se recusou a cumprimentar o atleta israelense Or Sasson após a luta entre os dois, e ouviu uma sonora vaia, além das repercussões negativas pelo mundo. O gesto claramente marcado por antissemitismo, que é a discriminação aos povos de origem semita com os judeus sendo um destes, e racismo, foi lamentavelmente incentivado por radicais contrários a Israel, que vem crescendo pelo mundo, em boa parte devido às ações do atual governo israelense, o que é um fenômeno negativo em todos os aspectos.

Muitos destes pediam até mesmo que el-Shahaby boicotasse a luta contra Or Sasson, sacrificando sua, sem dúvidas, dura preparação para chegar ali em prol de um ódio de antissemitas. Grande parte destas pessoas não sabe nada sobre o judoca, que mesmo israelense, pode ajudar árabes em seu país, se opor as medidas do atual governo, ou qualquer ação neste sentido, o que é muito mais benéfico aos palestinos do que o ódio que estes espalham que é obviamente seguido de retaliações pelo outro lado. Tudo isso acontecendo no judô, esporte criado no Japão, dono de uma das culturas que mais valoriza a honra e o respeito, o que é bastante expresso na modalidade.

E esse não foi o primeiro caso de antissemitismo nos jogos. No dia da cerimônia de abertura, libaneses impediram que a delegação israelense compartilhasse o mesmo ônibus, simplesmente pela nacionalidade destes. O ato foi considerado pela Ministra dos Esportes de Israel como “racista” e “antissemita”, não levou em conta quem eram estes israelenses; complicou a difícil organização da maior delegação de Israel na história, e uma das mais visadas, como provado em Munique; e por fim, golpeia todos os significados de espírito esportivo que os jogos legam desde a Grécia Antiga.

Or Sasson só foi derrotado pelo imbatível francês Teddy Riner no último segundo da luta, dando enorme trabalho para a lenda do esporte. Depois conseguiu a segunda medalha de Israel nas Olimpíadas do Rio quando venceu o bronze, para o êxtase dos muitos torcedores que acompanhavam a competição com a bandeira de Israel. Além disso, Or Sasson deu a volta por cima no racismo, se tornando um vencedor no judô. O que não deixa de também ser a descrição da belíssima história da brasileira Rafaela Silva, negra, nascida na Cidade de Deus e campeã. Judô ainda contou com a participação de atletas da delegação de refugiados, inclusive do congolês Popole, do mesmo projeto de Rafaela e a maior esperança de medalhas no time. E no fim havia eu acompanhando a modalidade, ainda sem ter a mínima noção de como se faz o tal “wazari”.



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