O início
das Olimpíadas tinha por objetivo congregar os atletas das polis,
cidades-estados, do que hoje conhecemos como Grécia, e na época representavam
com algumas funções o que são os estados nacionais hoje. Um dos principais
pilares dos jogos era que durante sua realização de quatro em quatro anos,
todos os conflitos deveriam ser cessados. Apesar do que a predominância
apresentada por Atenas e Esparta pode indicar, havia muitas outras polis
importantes e divergências não eram incomuns. O até então recordista de
conquistas olímpicas era de Rhodes, hoje mais conhecida pelo seu colosso, e que
ganhou algum destaque após Michael Phelps lhe tirar a honraria.
Na era
moderna os conflitos globais influenciaram muito as Olimpíadas. A
Segunda Guerra Mundial acabou com qualquer possibilidade de realização de jogos
no período, sendo impossível um cessar-fogo. Durante a Guerra
Fria, EUA, URSS e seus aliados utilizaram o esporte com um extremo fim de
propaganda política, o que levou a excelentes níveis esportivos, mas legou
algumas das maiores anti-desportividades da história como os boicotes dos jogos
de Los Angeles e Moscou pela URSS e EUA respectivamente, que prejudicaram
vários atletas que se esforçaram muito, o que no fim das contas foi em vão
independente de suas posições políticas.
O
patriotismo exacerbado durante as Olimpíadas também lega histórias bem interessantes,
um dos pontos altos da competição. O negro americano Jesse Owens que venceu em
frente Hitler em Berlim é provavelmente a melhor destas, mas mesmo no Rio,
casos como a da primeira medalha de Kosovo, conquistada por uma judoca que teve
ofertas financeiras para competir por outras nações é uma destas grandes
histórias.
Infelizmente
o patriotismo nos jogos do Rio vem vivendo contrastes. Apesar de boas mostras
como no caso da kosovar, e a mais importante de todas: o fato do patriotismo
ter sido colocado de lado, provando que há valores muito mais importantes como
solidariedade e respeito, para constituir a delegação dos refugiados demonstram
os aspectos positivos. O time inédito foi aplaudido de pé na cerimônia de
abertura e é o maior marco destes jogos Por outro lado, na própria cerimônia de
abertura ocorreu uma mostra lamentável do respeito sendo sucumbido: a vaia à
delegação argentina.
Assim
como no hino antes das competições, o desfile na cerimônia de abertura é um
grande marco de exposição de seu país, sendo uma honra ímpar para o atleta ser
o que representa sua nação nestes momentos. O respeito nesta hora deve ser
universal, tanto para com a nação ali apresentada e em especial ao atleta que
tem a honra, seja quem for. Depois disso, ai vale muito (lembrando que tudo
não, já que é o século XXI), e eu mesmo confesso que na torcida de Argentina x
Portugal, partida que tive a oportunidade de ir, não fui nem um pouco afável
com os argentinos.
Mas a
torcida brasileira foi impecável na vaia ao protagonista do gesto mais lamentável
das Olimpíadas até agora, o egípcio Islam el-Shahaby. O judoca se recusou a
cumprimentar o atleta israelense Or Sasson após a luta entre os dois, e ouviu
uma sonora vaia, além das repercussões negativas pelo mundo. O gesto claramente
marcado por antissemitismo, que é a discriminação aos povos de origem semita
com os judeus sendo um destes, e racismo, foi lamentavelmente incentivado por
radicais contrários a Israel, que vem crescendo pelo mundo, em boa parte devido
às ações do atual governo israelense, o que é um fenômeno negativo em todos os
aspectos.
Muitos
destes pediam até mesmo que el-Shahaby boicotasse a luta contra Or Sasson,
sacrificando sua, sem dúvidas, dura preparação para chegar ali em prol de um
ódio de antissemitas. Grande parte destas pessoas não sabe nada sobre o judoca,
que mesmo israelense, pode ajudar árabes em seu país, se opor as medidas do
atual governo, ou qualquer ação neste sentido, o que é muito mais benéfico aos
palestinos do que o ódio que estes espalham que é obviamente seguido de
retaliações pelo outro lado. Tudo isso acontecendo no judô, esporte criado no
Japão, dono de uma das culturas que mais valoriza a honra e o respeito, o que
é bastante expresso na modalidade.
E esse
não foi o primeiro caso de antissemitismo nos jogos. No dia da cerimônia de
abertura, libaneses impediram que a delegação israelense compartilhasse o mesmo
ônibus, simplesmente pela nacionalidade destes. O ato foi considerado pela
Ministra dos Esportes de Israel como “racista” e “antissemita”, não levou em conta
quem eram estes israelenses; complicou a difícil organização da maior delegação
de Israel na história, e uma das mais visadas, como provado em Munique; e por
fim, golpeia todos os significados de espírito esportivo que os jogos legam
desde a Grécia Antiga.
Or
Sasson só foi derrotado pelo imbatível francês Teddy Riner no último segundo da
luta, dando enorme trabalho para a lenda do esporte. Depois conseguiu a segunda
medalha de Israel nas Olimpíadas do Rio quando venceu o bronze, para o êxtase
dos muitos torcedores que acompanhavam a competição com a bandeira de Israel.
Além disso, Or Sasson deu a volta por cima no racismo, se tornando um vencedor
no judô. O que não deixa de também ser a descrição da belíssima história da brasileira
Rafaela Silva, negra, nascida na Cidade de Deus e campeã. Judô ainda contou com
a participação de atletas da delegação de refugiados, inclusive do congolês
Popole, do mesmo projeto de Rafaela e a maior esperança de medalhas no time. E
no fim havia eu acompanhando a modalidade, ainda sem ter a mínima noção de como
se faz o tal “wazari”.
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