Quem se
interessa pelo menos um pouco pelo que acontece no mundo provavelmente já teve
acesso à descrição dos fenômenos populistas que se espalham em especial nos EUA
e na Europa. Exemplos não faltam, como o recente Brexit e a real possibilidade
de Trump ser o novo presidente norte-americano, tudo dentro daquilo chamado de
demagogia, simplismo, xenofobia e nacionalismo. O último termo é o assunto
aqui.
As
nações são até hoje a melhor construção humana no sentido de agrupar seus
semelhantes. Um ser de natureza tribal constituiu um complexo sistema de
divisão, que ordena praticamente tudo no mundo hoje em dia. Mas não faltam
exemplos do quanto as fronteiras são relativas, a se observar o projeto europeu
que com seu Tratado de Schegen visava justamente abolir as restrições de livre
circulação, ou casos menos sofisticados como a porosa fronteira de Afeganistão-Paquistão,
por onde circulam pessoas e produtos de diversas origens e intenções. Por outro
lado, existem casos em que os limites são rigorosamente respeitados, com a
fronteira entre as Coreias ilustrando perfeitamente isso.
O
nacionalismo não é bom nem ruim. Como no caso dos fenômenos populistas, ele é
evocado junto a outros atributos negativos, tornando-se ruim. Mas é a mesma
ideia que na década de 90 impediu massacres ainda piores no continente africano.
A união de tutsis e hutus, com o pretexto de que acima de tudo todos eram ruandeses,
foi fundamental para pôr fim à barbárie que matou cerca de 800 mil pessoas em
100 dias em um dos mais trágicos episódios da história humana, conhecido como
Genocídio de Ruanda. No mesmo ano, 1994, chegava ao fim o regime do apartheid
na África do Sul, com um grande sentimento de revanchismo dos negros contra os
brancos que haviam lhes oprimido durante anos, um cenário semelhante ao que
levou hutus a se vingarem dos tutsis, atrelados a elite local, e terminou com a
tragédia final. No entanto, liderados por Nelson Mandela, os sul-africanos
conseguiram desenvolver a sensação de pertencerem apesar da cor da pele ao
mesmo país, e além de evitar um massacre, conseguiram prosperar bastante quando
comparados aos outros países do continente. A história tem uma parte bem
contada no filme Invictus, sobre a
equipe de rugby da África do Sul.
E é o
esporte que costuma trazer algumas das histórias mais interessantes relativas
ao nacionalismo. O caso da Islândia, um pequeno país com cerca de 330 mil
pessoas, população semelhante à de Montes Claros – MG, que encantou o mundo com
sua grande campanha na Eurocopa, é um destes. Os islandeses chegaram até as
quartas de final, passando pela fase de grupos sem perder, e eliminando a
embora superestimada, ainda assim campeã do mundo Inglaterra. A própria
Eurocopa, que é um evento espetacular, não existiria em um mundo sem nações,
mesma situação da perda que seria ainda maior, caso a Copa do Mundo não fosse
realidade.
O
sentimento de ver seus semelhantes alcançando a glória esportiva é ainda mais
valoroso no caso de populações que vivem em situação adversa. As disputas na
Ásia são uma boa mostra disso, frequentemente trazendo histórias como a do
Iraque em 2007, campeão continental, e esfacelado pela guerra, que teve pausas
por conta da conquista. As eliminatórias contam com a participação de
palestinos, e há partidas interessantes como o Síria x Afeganistão na última
edição, que teve de ser jogado no Irã. Os sírios são bons, venceram por 6x0 e
estão na próxima fase da competição, com possibilidades reais de jogar a Copa
da Rússia, representando um país que pode nem existir até lá. Seria um grande
alento na vida dos milhões de refugiados espalhados pelo mundo e que poderiam
ver sua seleção local no maior torneio do planeta.
Um dos
adversários da Síria foi o Japão, o caso de sentimento nacional que tenho a
maior admiração. O território japonês tinha praticamente todos os elementos
para que a nação construída ali fosse um fracasso. Pequeno, isolado, em meio a
uma região instável tectônica, que faz com que os japoneses tenham de lidar com
terremotos e tsunamis frequentemente, e com um relevo que dificulta muito a
agricultura, havia ali um potencial país eternamente fadado ao fracasso. Mas o
sentimento de construção coletiva, que possui exemplos como o dos kamikazes
dispostos a entregarem suas vidas pela pátria, aliado a valores extremante
cultivados por lá, em especial uma honradez invejável, fez com que os japoneses
prosperassem, sendo uma das nações mais imponentes da terra, com sua população
gozando de ótima qualidade de vida, e tudo isso poderia ser ainda melhor caso
não tivessem feito escolhas erradas que levaram à morte desses kamikazes.
Enfim, ninguém é perfeito.
A grande
derrotada nessa história, a Alemanha, é um grande caso envolvendo esporte e
nacionalismo. O país, fragmentado após a Segunda Guerra em Alemanha Ocidental e
Oriental, viu a primeira se sagrar tricampeã do mundo, enquanto no outro lado
do muro de Berlim, sobravam as mazelas impostas pela URSS. A reunificação foi
coroada em 2014, com um título mundial para todos os alemães, em um momento
especial para os antigos orientais, que contam hoje com a chanceler do país, frau Merkel, nascida do lado socialista
do muro.
A
seleção nacional alemã é um motivo de orgulho impar no país, sendo um dos
grandes símbolos da identidade deste povo. O problema de o nacionalismo não ser bom nem
ruim é que dentro de uma história interessante de unidade como esta, ronda
grandes perigos de como o nacionalismo pode ser evocado. O grupo Pegida, ligado
a todas as atribuições do fenômeno populista do começo do texto, e com ligações
até mesmo com neonazistas, fez duras ofensas aos jogadores Boateng e Gundogan,
de origem ganesa e turca respectivamente. Segundo estes, os dois não
representariam a Alemanha, em um caso nem um pouco velado de xenofobia racista.
Gundogan, ótimo volante, ficou de fora da Eurocopa. Boateng está junto de seus
companheiros nas semifinais, e enfrentará a França, em um embate que por tudo
que representa, é um grande presente do nacionalismo. Em uma Eurocopa que tivemos
Áustria x Hungria, e o País de Gales jogando separadamente do Reino Unido
fazendo ótima campanha, que o projeto europeu fique somente ligado à política.
A grande história construída pela Islândia. O lado bom da eliminação é o fim das manchetes sobre sobre resultados com trocadilhos com gelo. Thibault Camus / AP
A grande história construída pela Islândia. O lado bom da eliminação é o fim das manchetes sobre sobre resultados com trocadilhos com gelo. Thibault Camus / AP
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