quinta-feira, 7 de julho de 2016

Preconceito com o Nacionalismo

Quem se interessa pelo menos um pouco pelo que acontece no mundo provavelmente já teve acesso à descrição dos fenômenos populistas que se espalham em especial nos EUA e na Europa. Exemplos não faltam, como o recente Brexit e a real possibilidade de Trump ser o novo presidente norte-americano, tudo dentro daquilo chamado de demagogia, simplismo, xenofobia e nacionalismo. O último termo é o assunto aqui.

As nações são até hoje a melhor construção humana no sentido de agrupar seus semelhantes. Um ser de natureza tribal constituiu um complexo sistema de divisão, que ordena praticamente tudo no mundo hoje em dia. Mas não faltam exemplos do quanto as fronteiras são relativas, a se observar o projeto europeu que com seu Tratado de Schegen visava justamente abolir as restrições de livre circulação, ou casos menos sofisticados como a porosa fronteira de Afeganistão-Paquistão, por onde circulam pessoas e produtos de diversas origens e intenções. Por outro lado, existem casos em que os limites são rigorosamente respeitados, com a fronteira entre as Coreias ilustrando perfeitamente isso.

O nacionalismo não é bom nem ruim. Como no caso dos fenômenos populistas, ele é evocado junto a outros atributos negativos, tornando-se ruim. Mas é a mesma ideia que na década de 90 impediu massacres ainda piores no continente africano. A união de tutsis e hutus, com o pretexto de que acima de tudo todos eram ruandeses, foi fundamental para pôr fim à barbárie que matou cerca de 800 mil pessoas em 100 dias em um dos mais trágicos episódios da história humana, conhecido como Genocídio de Ruanda. No mesmo ano, 1994, chegava ao fim o regime do apartheid na África do Sul, com um grande sentimento de revanchismo dos negros contra os brancos que haviam lhes oprimido durante anos, um cenário semelhante ao que levou hutus a se vingarem dos tutsis, atrelados a elite local, e terminou com a tragédia final. No entanto, liderados por Nelson Mandela, os sul-africanos conseguiram desenvolver a sensação de pertencerem apesar da cor da pele ao mesmo país, e além de evitar um massacre, conseguiram prosperar bastante quando comparados aos outros países do continente. A história tem uma parte bem contada no filme Invictus, sobre a equipe de rugby da África do Sul.

E é o esporte que costuma trazer algumas das histórias mais interessantes relativas ao nacionalismo. O caso da Islândia, um pequeno país com cerca de 330 mil pessoas, população semelhante à de Montes Claros – MG, que encantou o mundo com sua grande campanha na Eurocopa, é um destes. Os islandeses chegaram até as quartas de final, passando pela fase de grupos sem perder, e eliminando a embora superestimada, ainda assim campeã do mundo Inglaterra. A própria Eurocopa, que é um evento espetacular, não existiria em um mundo sem nações, mesma situação da perda que seria ainda maior, caso a Copa do Mundo não fosse realidade.

O sentimento de ver seus semelhantes alcançando a glória esportiva é ainda mais valoroso no caso de populações que vivem em situação adversa. As disputas na Ásia são uma boa mostra disso, frequentemente trazendo histórias como a do Iraque em 2007, campeão continental, e esfacelado pela guerra, que teve pausas por conta da conquista. As eliminatórias contam com a participação de palestinos, e há partidas interessantes como o Síria x Afeganistão na última edição, que teve de ser jogado no Irã. Os sírios são bons, venceram por 6x0 e estão na próxima fase da competição, com possibilidades reais de jogar a Copa da Rússia, representando um país que pode nem existir até lá. Seria um grande alento na vida dos milhões de refugiados espalhados pelo mundo e que poderiam ver sua seleção local no maior torneio do planeta.

Um dos adversários da Síria foi o Japão, o caso de sentimento nacional que tenho a maior admiração. O território japonês tinha praticamente todos os elementos para que a nação construída ali fosse um fracasso. Pequeno, isolado, em meio a uma região instável tectônica, que faz com que os japoneses tenham de lidar com terremotos e tsunamis frequentemente, e com um relevo que dificulta muito a agricultura, havia ali um potencial país eternamente fadado ao fracasso. Mas o sentimento de construção coletiva, que possui exemplos como o dos kamikazes dispostos a entregarem suas vidas pela pátria, aliado a valores extremante cultivados por lá, em especial uma honradez invejável, fez com que os japoneses prosperassem, sendo uma das nações mais imponentes da terra, com sua população gozando de ótima qualidade de vida, e tudo isso poderia ser ainda melhor caso não tivessem feito escolhas erradas que levaram à morte desses kamikazes. Enfim, ninguém é perfeito.

A grande derrotada nessa história, a Alemanha, é um grande caso envolvendo esporte e nacionalismo. O país, fragmentado após a Segunda Guerra em Alemanha Ocidental e Oriental, viu a primeira se sagrar tricampeã do mundo, enquanto no outro lado do muro de Berlim, sobravam as mazelas impostas pela URSS. A reunificação foi coroada em 2014, com um título mundial para todos os alemães, em um momento especial para os antigos orientais, que contam hoje com a chanceler do país, frau Merkel, nascida do lado socialista do muro.

A seleção nacional alemã é um motivo de orgulho impar no país, sendo um dos grandes símbolos da identidade deste povo.  O problema de o nacionalismo não ser bom nem ruim é que dentro de uma história interessante de unidade como esta, ronda grandes perigos de como o nacionalismo pode ser evocado. O grupo Pegida, ligado a todas as atribuições do fenômeno populista do começo do texto, e com ligações até mesmo com neonazistas, fez duras ofensas aos jogadores Boateng e Gundogan, de origem ganesa e turca respectivamente. Segundo estes, os dois não representariam a Alemanha, em um caso nem um pouco velado de xenofobia racista. Gundogan, ótimo volante, ficou de fora da Eurocopa. Boateng está junto de seus companheiros nas semifinais, e enfrentará a França, em um embate que por tudo que representa, é um grande presente do nacionalismo. Em uma Eurocopa que tivemos Áustria x Hungria, e o País de Gales jogando separadamente do Reino Unido fazendo ótima campanha, que o projeto europeu fique somente ligado à política.


 A grande história construída pela Islândia. O lado bom da eliminação é o fim das manchetes sobre sobre resultados com trocadilhos com gelo. Thibault Camus / AP

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