terça-feira, 12 de julho de 2016

"Time for Africa?" Para Netanyahu, sim

Existem diversas visões simplistas sobre o continente que mais oferece possibilidades hoje, possui 54 países, uma infinidade de culturas diferentes e a população que mais cresce no mundo. É consenso atualmente que quem souber se adequar melhor a esta região do mundo com tamanho potencial, se dará bem politicamente, enquanto aquele que só pensar na fome e nos grandes mamíferos terrestres africanos, ficará para trás. A China há anos vem expandindo sua influência na África, seja por meio de parcerias maiores, por exemplo, a África do Sul no BRICS, ou em investimentos em infraestrutura, como os recentes na Etiópia e no Quênia. Estes dois, parceiros vitais de um dos governos que nos últimos tempos parece ter melhor entendido a nova tônica mundial, o de Israel, com seu primeiro-ministro Netanyahu.

Depois de mais de 30 anos, um chefe do governo israelense visitou a África Subsaariana. Mais especificamente, Etiópia, Quênia, Ruanda e Uganda receberam a visita de Bibi. A visita à Ruanda ganhou uma conotação especial, por ter reunido Netanyahu e Paul Kagame no memorial do Genocídio de Ruanda, termo utilizado na matança no país africano, mas cunhado especialmente por conta do Holocausto sofrido pelos judeus. Em Uganda houve uma aproximação com os evangélicos, cada vez mais presentes no país, e que tem grande influência da igreja norte-americana, base central de apoio para o estado judeu. O Quênia foi uma visita mais pontual, já que os quenianos vêm se destacando economicamente e são uma potência no Leste do continente, a região visitada por Netanyahu.

Já a relação com a Etiópia é mais estreita. Cerca de 2% da população de Israel tem origem etíope, mas muitos destes enfrentam situações delicadas no país, como o dobro da taxa de desemprego da média geral, e regiões em que os índices de encarceramento chegam a 40%. A difícil situação levou etíopes no ano passado a participarem de manifestações, que tiveram destaque especial em Tel Aviv. O clima político ficou tenso, já que o partido de Netanyahu, Likud, conta inclusive com um deputado de origem etíope.

Além disso, Adis Abeba, capital da Etiópia, é sede da União Africana, órgão no qual Israel foi membro como observador até 2002. Logo após a visita de Netanyahu ao Leste da África, os etíopes fizeram o pedido para que israelenses voltassem a fazer parte da organização, que têm, por exemplo, Palestina e Turquia na situação de observadores. O apoio dos países da África Subsaariana é visto como vital para Netanyahu, que enfrenta oposição de tradicionais adversários árabes, e de uma comunidade internacional que isola cada vez mais Israel, inclusive seus dois principais parceiros, a União Europeia e os EUA.

Em contrapartida, israelenses têm muito que oferecer a estes países. O Quênia, por exemplo, foi vítima recente de dois grandes ataques terroristas do grupo Al Shabab, que atua na Somália, vizinha do país, e tem cada vez mais medidas contra terroristas como principais pautas de governo. Apesar de não terem sofrido com estes tipos de ataque, os outros países têm bastante o que se preocupar, levando em conta que grupos como o Boko Haram e a Al Qaeda do Magreb Islâmico se proliferaram na África. O know-how israelense para lidar com o terrorismo, senão o melhor do mundo, um destes, é de grande utilidade para estes países.

Outro ponto em que Israel se destaca é como um polo tecnológico, e se tratando de regiões que costumam ter uma infraestrutura defasada, os avanços do país em áreas como agricultura, sistemas de irrigação e cyber-segurança são de grande interesse. O “produto” oferecido teve um impacto tão positivo, que segundo o Times of Israel logo após a visita, a Tanzânia anunciou sua intenção de abrir sua primeira embaixada em Israel, e o chefe de um estado muçulmano no continente (não divulgado) teria ligado para Netanyahu buscando estabelecer relações bilaterais entre os dois países, até agora inexistentes.

“Lion King Bibi”, como foi apelidado o primeiro-ministro israelense na visita, em uma alusão ao seu apelido e ao Rei Leão, soube se aproximar em um momento delicado para sua imagem de países que desejam o que Israel pode oferecer. Boa tacada do líder israelense, que vai ter que enfrentar uma verdadeira batalha da opinião internacional contra ele com a chegada dos 50 anos da ocupação israelense em 2017, que já começou (e com gente grande). Fora as acusações de lavagem de dinheiro, que prometem dificultar suas intenções de se tornar o homem há mais tempo no cargo máximo de Israel, ultrapassando Ben Gurion, o político mais marcante da história do país.

                      Netanyahu na Etiópia - "Quem não tem cão, caça com leão" (Kobi Gideon/GPO)

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Preconceito com o Nacionalismo

Quem se interessa pelo menos um pouco pelo que acontece no mundo provavelmente já teve acesso à descrição dos fenômenos populistas que se espalham em especial nos EUA e na Europa. Exemplos não faltam, como o recente Brexit e a real possibilidade de Trump ser o novo presidente norte-americano, tudo dentro daquilo chamado de demagogia, simplismo, xenofobia e nacionalismo. O último termo é o assunto aqui.

As nações são até hoje a melhor construção humana no sentido de agrupar seus semelhantes. Um ser de natureza tribal constituiu um complexo sistema de divisão, que ordena praticamente tudo no mundo hoje em dia. Mas não faltam exemplos do quanto as fronteiras são relativas, a se observar o projeto europeu que com seu Tratado de Schegen visava justamente abolir as restrições de livre circulação, ou casos menos sofisticados como a porosa fronteira de Afeganistão-Paquistão, por onde circulam pessoas e produtos de diversas origens e intenções. Por outro lado, existem casos em que os limites são rigorosamente respeitados, com a fronteira entre as Coreias ilustrando perfeitamente isso.

O nacionalismo não é bom nem ruim. Como no caso dos fenômenos populistas, ele é evocado junto a outros atributos negativos, tornando-se ruim. Mas é a mesma ideia que na década de 90 impediu massacres ainda piores no continente africano. A união de tutsis e hutus, com o pretexto de que acima de tudo todos eram ruandeses, foi fundamental para pôr fim à barbárie que matou cerca de 800 mil pessoas em 100 dias em um dos mais trágicos episódios da história humana, conhecido como Genocídio de Ruanda. No mesmo ano, 1994, chegava ao fim o regime do apartheid na África do Sul, com um grande sentimento de revanchismo dos negros contra os brancos que haviam lhes oprimido durante anos, um cenário semelhante ao que levou hutus a se vingarem dos tutsis, atrelados a elite local, e terminou com a tragédia final. No entanto, liderados por Nelson Mandela, os sul-africanos conseguiram desenvolver a sensação de pertencerem apesar da cor da pele ao mesmo país, e além de evitar um massacre, conseguiram prosperar bastante quando comparados aos outros países do continente. A história tem uma parte bem contada no filme Invictus, sobre a equipe de rugby da África do Sul.

E é o esporte que costuma trazer algumas das histórias mais interessantes relativas ao nacionalismo. O caso da Islândia, um pequeno país com cerca de 330 mil pessoas, população semelhante à de Montes Claros – MG, que encantou o mundo com sua grande campanha na Eurocopa, é um destes. Os islandeses chegaram até as quartas de final, passando pela fase de grupos sem perder, e eliminando a embora superestimada, ainda assim campeã do mundo Inglaterra. A própria Eurocopa, que é um evento espetacular, não existiria em um mundo sem nações, mesma situação da perda que seria ainda maior, caso a Copa do Mundo não fosse realidade.

O sentimento de ver seus semelhantes alcançando a glória esportiva é ainda mais valoroso no caso de populações que vivem em situação adversa. As disputas na Ásia são uma boa mostra disso, frequentemente trazendo histórias como a do Iraque em 2007, campeão continental, e esfacelado pela guerra, que teve pausas por conta da conquista. As eliminatórias contam com a participação de palestinos, e há partidas interessantes como o Síria x Afeganistão na última edição, que teve de ser jogado no Irã. Os sírios são bons, venceram por 6x0 e estão na próxima fase da competição, com possibilidades reais de jogar a Copa da Rússia, representando um país que pode nem existir até lá. Seria um grande alento na vida dos milhões de refugiados espalhados pelo mundo e que poderiam ver sua seleção local no maior torneio do planeta.

Um dos adversários da Síria foi o Japão, o caso de sentimento nacional que tenho a maior admiração. O território japonês tinha praticamente todos os elementos para que a nação construída ali fosse um fracasso. Pequeno, isolado, em meio a uma região instável tectônica, que faz com que os japoneses tenham de lidar com terremotos e tsunamis frequentemente, e com um relevo que dificulta muito a agricultura, havia ali um potencial país eternamente fadado ao fracasso. Mas o sentimento de construção coletiva, que possui exemplos como o dos kamikazes dispostos a entregarem suas vidas pela pátria, aliado a valores extremante cultivados por lá, em especial uma honradez invejável, fez com que os japoneses prosperassem, sendo uma das nações mais imponentes da terra, com sua população gozando de ótima qualidade de vida, e tudo isso poderia ser ainda melhor caso não tivessem feito escolhas erradas que levaram à morte desses kamikazes. Enfim, ninguém é perfeito.

A grande derrotada nessa história, a Alemanha, é um grande caso envolvendo esporte e nacionalismo. O país, fragmentado após a Segunda Guerra em Alemanha Ocidental e Oriental, viu a primeira se sagrar tricampeã do mundo, enquanto no outro lado do muro de Berlim, sobravam as mazelas impostas pela URSS. A reunificação foi coroada em 2014, com um título mundial para todos os alemães, em um momento especial para os antigos orientais, que contam hoje com a chanceler do país, frau Merkel, nascida do lado socialista do muro.

A seleção nacional alemã é um motivo de orgulho impar no país, sendo um dos grandes símbolos da identidade deste povo.  O problema de o nacionalismo não ser bom nem ruim é que dentro de uma história interessante de unidade como esta, ronda grandes perigos de como o nacionalismo pode ser evocado. O grupo Pegida, ligado a todas as atribuições do fenômeno populista do começo do texto, e com ligações até mesmo com neonazistas, fez duras ofensas aos jogadores Boateng e Gundogan, de origem ganesa e turca respectivamente. Segundo estes, os dois não representariam a Alemanha, em um caso nem um pouco velado de xenofobia racista. Gundogan, ótimo volante, ficou de fora da Eurocopa. Boateng está junto de seus companheiros nas semifinais, e enfrentará a França, em um embate que por tudo que representa, é um grande presente do nacionalismo. Em uma Eurocopa que tivemos Áustria x Hungria, e o País de Gales jogando separadamente do Reino Unido fazendo ótima campanha, que o projeto europeu fique somente ligado à política.


 A grande história construída pela Islândia. O lado bom da eliminação é o fim das manchetes sobre sobre resultados com trocadilhos com gelo. Thibault Camus / AP

domingo, 3 de julho de 2016

"O brasileiro não lê"

Não me surpreende o espanto que alguns de meus amigos tiveram quando viram minha leitura mais atual. “David Copperfield” é um livro enorme, de 1300 páginas nesta versão da agora saudosa Cosac Naify, segundo o frete pesando um quilo e para um destes amigos: “uns três livros que eu já acho grandes e nem leria”. A obra de Dickens conta toda a história do senhor Copperfield, um britânico no século XIX, e para se ter ideia do número de detalhes, o primeiro capítulo se chama “Nasço”.

Charles Dickens, George Orwell, Ernest Hemingway, Aldous Huxley, Daniel Defoe, J.D. Sallinger são só alguns dos nomes da literatura na língua inglesa que eu lamentavelmente teria perdido caso seguisse a linha literária que me fora lecionada na escola. Mario Vargas Llosa, Gabriel Garcia Marquez, Jorge Luis Borges, são alguns dos nomes latinos que não estão nos programas de vestibular, por uma ideia de nacionalismo que para o último: “só permite afirmações e, toda doutrina que descarte a dúvida, a negação, é uma forma de fanatismo e estupidez.”.

Em compensação travei verdadeiros embates para decorar as características dos trovadores portugueses, assim como para saber as métricas de poemas eu particularmente dava um valor literário inferior ao de qualquer porta de banheiro na escola. Assim, passei pelo programa do vestibular de literatura em português colando, pegando resumos na internet, e com outros métodos pouco nobres, mas que foram os recursos para a minha negação em ler qualquer material recomendado na escola, o que acredito que caiba à psicanálise, mas tenho minhas teorias.

Imagino se o mesmo método que me fazia estudar livros como “Os Sertões” de Euclides da Cunha, comumente chamado de livro mais chato da história do Brasil, fosse aplicado em outras áreas. Provavelmente se eu tivesse que assistir somente filmes nacionais, tendo de trocar “O Poderoso Chefão” por “Cilada.com”, teria desenvolvido uma aversão a tudo ligado ao cinema, inclusive à pipoca. Felizmente no caso da sétima arte, há o nobre exercício da humildade, e reconhecemos o valor do que vem de fora, enquanto fomentamos o desenvolvimento do cinema nacional, exemplo de bons filmes recentes como “Tropa de Elite” e “Se eu fosse você” (gostei bastante).

Mas há na literatura uma ânsia misturada até mesmo com arrogância de construir uma identidade cultural brasileira impondo que jovens tenham de ler obras de qualidade questionável, normalmente em uma linguagem completamente desconexa de seu meio (Rubem Fonseca pode ser uma exceção, mas por que ele ao invés de Michel Houllebecq?) e dando ênfase a questões menos relevantes dentro da obra, como se o sistema de rimas do poema é AABB, ou ABBA, ou qualquer coisa assim. Na melhor das hipóteses a literatura genuinamente brasileira tem 300 anos, o que é um espaço de tempo ínfimo perto dos milênios das obras ocidentais, isso sem contar na ignorada literatura chamada de “Oriental”, que condena obras clássicas como “As Mil e Uma Noites” ao esquecimento, assim como grandes autores modernos, por exemplo, Amós Oz e Edward Said, o segundo um dos maiores críticos do senso comum da divisão “Ocidente e Oriente”.

Boa parte dos jovens brasileiros hoje lê somente por obrigação dos programas escolares. E a tendência é que a concorrência seja cada vez mais desleal para os livros, já que hoje o ato de ler disputa com a televisão, vídeo game, e a internet presente em diversos lugares. Além disso, a capacidade de se concentrar na leitura de uma obra grande, é comprovadamente afetada pela dispersão das atenções em um mundo que boa parte daquilo que se lê não possui mais de 140 caracteres.

Existe um aspecto importante, o do que os brasileiros estão lendo, mas em longo prazo isto pode até deixar de ser um problema, com as próximas gerações podendo reduzir esta pergunta a seguinte resposta: nada. Confesso que não fico satisfeito quando chego a uma livraria e vejo as obras de maior destaque, assim como quando vejo referências ao autor brasileiro mais vendido, mas sem dúvidas estas contrapartidas são melhores do que o cenário em que as lojas físicas das principais livrarias do Brasil só venderão smartphones e jogos de vídeo game.

Claro, existe o aspecto do que se perde nas traduções. Quando se estuda somente obras em seu idioma original, o que se ganha é de grande valor, tendo em vista de que há livros inteiros discutindo somente o problema de traduções de obras como “As Mil e Uma Noites”. Mas é preciso rever urgentemente o modo de se estimular os jovens à leitura, levando em conta que a tendência é a de que o programa de literatura no currículo escolar ocupe cada vez mais a fração que tange ao repertório literário do brasileiro.

As perdas em um país distante da leitura são inúmeras e irreparáveis, a começar pela própria composição literária. Quanto mais livros forem atrelados a uma série de termos que tem de ser decorados para se passar no vestibular, a repulsa a estes tende a crescer, afinal de contas, poucas pessoas depois de aprovadas se preocupam com logaritmos ou a reprodução das briófitas. Se os argumentos não foram suficientes, fica o apelo pessoal, já que como Llosa classifica os amantes do primor da literatura como “dinossauros”, eu não quero ser visto como um beirando os vinte anos de idade.




sexta-feira, 24 de junho de 2016

Teve Golpe

“Imagine there's no heaven
It's easy if you try
No hell below us
Above us only sky
Imagine all the people
Living for today

Imagine there's no countries
It isn't hard to do
Nothing to kill or die for
And no religion too
Imagine all the people
Living life in peace

You may say
I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope some day
You'll join us
And the world will be as one

Imagine no possessions
I wonder if you can
No need for greed or hunger
A brotherhood of man
Imagine all the people
Sharing all the world

You may say
I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope some day
You'll join us
And the world will live as one”
(LENNON, John)

Os britânicos não vão passar fome, e o Reino Unido tampouco será uma nova Grécia. Apesar das turbulências que o país terá de enfrentar, sobretudo a sucessão do primeiro-ministro David Cameron que renunciou após o resultado da votação e a possibilidade de uma saída da Escócia, o Reino Unido vai se recompor. Há exatos um século o país travava uma duríssima guerra, e poucas décadas depois ainda teve de lutar bravamente para se manter longe dos avanços das tropas nazistas. Eles vão sobreviver a isso.

O mau clima em Londres, região que expressava grande apoio pelo “remain” prejudicou o apoio à permanência, já que muitos não tiveram sequer a possibilidade de votar. Mas agora já não há mais nada o que se fazer senão olhar para o Reino Unido em uma perspectiva longe dos outros 27 componentes da União Europeia. E é pra justamente para ela que atenções têm que se voltar. Seja com políticos mais famosos, como Marine Le Pen na França, ou menos, como Hofer na Áustria, eurocéticos parabenizaram a decisão dos britânicos logo que o resultado foi anunciado. O nacionalismo, que nas palavras de Borges: “só permite afirmações e, toda doutrina que descarte a dúvida, a negação, é uma forma de fanatismo e estupidez” ganhou sua primeira grande batalha contra o projeto europeu, e a mobilização tem de ser para que o avanço seja contido, já que, por exemplo, uma vitória da Frente Nacional nas eleições francesas do ano que vem seria muito mais danosa do que o Brexit, e provavelmente incorreria na França fora da União Europeia, declarando praticamente o fim do bloco.

O projeto europeu e tudo que ele representa de uma Europa que superou os traumas das duas grandes guerras e se tornou um grande marco de estabilidade foi duramente golpeado. A utopia que John Lennon descreve em Imagine fica cada vez mais distante com o projeto europeu se enfraquecendo, em um momento que valores como o nacionalismo que já levaram europeus a tantas tragédias voltam a se sobrepujar a questões mais importantes como a solidariedade, o que é exemplificado no bárbaro espetáculo da crise dos refugiados. Se existe um consolo? Sim, John Lennon, você nunca foi e nunca será “the only one”.

Agora é aqui

quarta-feira, 22 de junho de 2016

"Apocalypse Now"? Talvez não

Costumam dizer que toda unanimidade é burra. Reuters, The Economist, Financial Times, WSJ, El País, Le Monde, NYT, DW, Al Jazeera. Estes são alguns dos veículos que verifiquei ao longo dos últimos tempos, e que se prontificaram (a maioria por editoriais) de maneira bastante crítica contra a saída do Reino Unido da União Europeia, o chamado Brexit, e compõe uma unanimidade que eu não me atreveria a chamar de burra.

Normalmente as análises continham semelhanças das posturas do Brexit com as apresentadas por outros fenômenos políticos, especialmente o isolacionismo e a xenofobia, que sem dúvidas não fazem parte dos maiores avanços dos últimos tempos, dentre eles: Trump, Frente Nacional (França), AfD (Alemanha), FPO (Áustria), Viktor Orban (Hungria), associados a ofensas e a uma extrema-direita em ascensão, assim como o partido de Nigel Farange, o UKIP, principal defensor do Brexit e que tem já em sua sigla um apelo pela independência do Reino Unido.

De um lado as mais sensatas mídias e opiniões do mundo, nos mais diferentes espectros políticos; do outro, os mais criticados fenômenos eleitorais dos últimos tempos, normalmente relacionados à intolerância e demagogia, e por vezes até ao fascismo. O tom nos meios costuma ser bastante apocalíptico, explicitando as enormes derrotas econômicas e políticas que o Reino Unido sofreria, assim como o desastre para o projeto europeu que tanto fez pelo continente desde a última grande guerra. A instabilidade se instauraria logo que o Brexit fosse vencedor no plebiscito e as consequências de longo prazo seriam terríveis, com veículos citando o “apocalipse”, e a DW com uma destacada opinião que indicava que em 30 anos seria possível até o retorno de navios militares atravessando o Canal da Mancha.

Desta forma, o mundo e parte dos britânicos passaram a acompanhar a própria existência do plebiscito como um absurdo. Não parece fazer sentido que cerca de metade da população tenha intenções de uma separação com danos tão terríveis para o Reino Unido, o que automaticamente, fez parte dos que votarão de maneira “sensata” a se voltarem contra os outros, questionando inclusive a capacidade de raciocínio destes diante de tamanhas evidências. E é ai que a notória unanimidade do começo passou a não corresponder para as mais razoáveis das posições.

Existem pessoas que acreditam que o Reino Unido fora da União Europeia melhorará suas vidas. Boa parte destas é composta por operários, especialmente do norte da Inglaterra, a mais pobre e estigmatizada região do país. Assim como os eleitores de Trump e Le Pen, são pessoas que não conseguiram se adaptar da melhor maneira possível com a globalização e passaram a ver fenômenos como a imigração como uma ameaça, seja a sua estabilidade social e normalmente ao seu emprego. 
Boa parte destas pessoas é frustrada, se considera longe das decisões de seus países, no caso americano tomadas pelas criticadas elites, e no europeu por Bruxelas. Neste cenário não veem alternativa para retornar seus padrões que senão isolar seus países, repelindo aquilo que remeta a globalização, seja isto os mexicanos, refugiados ou no caso do Brexit, o próprio projeto europeu.

Assim, não é de se admirar que quando estas pessoas isoladas da nova ordem mundial e que se julgam longe das decisões, quando começam a ter inclusive sua capacidade de raciocínio criticada, não tenham boas reações. E foi exatamente isto que ocorreu no Reino Unido. O temor do mundo de que o país pudesse se desligar da Europa foi tão grande, que criou um cenário de verdadeira polarização, em que os habitantes de grandes centros urbanos, normalmente mais estudados, defendiam o “remain”, enquanto os já frustrados interioranos com menos estudo apoiavam o “leave”. A panaceia criada pela mídia internacional alimentou os dois lados, um que passou a considerar cada vez mais o Brexit como absurdo, e o outro que se viu ainda mais afastado.

A melhor exemplificação foi um relato trazido pela DW de um morador de Glasgow: “Eu adoraria ver um político dizer 'nós deveríamos permanecer, mas se sairmos da UE, o país continuará existindo', em vez de 'o mundo vai acabar'".

Infelizmente a polarização terminou em tragédia. Jo Cox, deputada do partido trabalhista com trajetória impecável, esteve em Gaza recentemente e apoia a causa dos refugiados, foi morta em um comício exatamente quando fazia campanha a favor do “remain”. O assassino pediu morte aos traidores do Reino Unido quando foi levado ao tribunal. Neste caso burrice e até crime é ficar contra a unanimidade.

As pesquisas demonstram empate técnico e faltando apenas um dia para a votação é impossível definir o que ocorrerá. O fato é que aconteça o que acontecer, o Reino Unido saíra ferido e polarizado da agressiva disputa. Espero que seja junto à União Europeia e ao projeto europeu. Desculpa, não aguentei.

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Futebol, a Democracia dos esportes

Esporte é futebol, o resto é gincana. Mais certo do que isso, só o fato de que churrasco é bom. Somando esta certeza à frase de Winston Churchil: “a democracia é a pior das formas de governo, salvo todas as demais tentadas de tempos em tempos”, temos a dimensão destas duas, que juntas da cerveja, são as três grandes obras da humanidade.

A questão é que o fato da cerveja ser esplêndida não exclui, por exemplo, o valor de uma boa dose de whisky, que nas palavras de Hemingway, é “um dos maiores prazeres do mundo”. Agora, aplicar outra forma de governo necessariamente implica que a democracia não será utilizada, assim como realizar outra atividade física que não o futebol exclui a realização do amado esporte bretão. Este é o ponto, as gincanas que vemos tomarem os noticiários nas proximidades das Olimpíadas, fariam sentido de serem praticadas, mas no hipotético mundo em que não houvesse sido encontrada a perfeição dos onze contra onze que proporcionam espetáculos como a Libertadores. Assim como é compreensível a existência de regimes absolutistas, teocráticos, oligárquicos, mas no âmbito pré-Iluminismo, no qual os valores democráticos dos quais nos orgulhamos ainda não haviam sido testados.

Pegue de exemplo uma das melhores gincanas, o basquete. Tem bola, contato físico e é coletivo. O seu esplendor, a NBA, ainda assim seria como uma ditadura, já que a mais rústica das atividades futebolísticas, na analogia democrática, supera e muito o jogo dos homens altos. É tão certo quanto churrasco ser bom que Funorte x Formiga pelo Módulo II do Campeonato Mineiro sub-17 é absolutamente mais interessante do que qualquer um destes playoffs da liga americana de basquete que vêm me atormentando nas últimas semanas.

Mas assim como, lamentavelmente, existem pessoas que não compreendem os benefícios democráticos, e afirmam preferir uma ditadura em troca de vantagens como a estabilidade econômica, é até compreensível que alguns não enxerguem o quão maravilhoso é o esporte de Odvan, Lugano e tantos outros. No entanto, existem expressões tão bizarras quanto seria hoje a proposta de um regime absolutista, como o tênis. O jogo das raquetes e o absolutismo são coisas para um ou outro, nas quais não há a participação de mais de quatro pessoas, e conseguem ser piores do que escanteio curto. E eu creio que viver em um feudo durante a Idade Média sem nenhum acontecimento durante a vida deveria ser menos enfadonho do que uma partida de tênis, a conferir.

Temos ainda o específico caso do futsal, que é uma espécie de semidemocracia. Conta com quase todos os elementos do futebol, mas falta o apelo do esporte bretão. Não deixa de ter seu valor, e na falta da plena democracia, é algo que tem que ser louvado. Em exemplos práticos, seria como Myanmar, que realiza eleições e tem um regime político com uma série de restrições, mas antes enfrentava uma ditadura militar. Esse ano tem Copa do Mundo de futsal, na ausência de um bom jogo, fica a dica de programa. São melhores do que nada.

Escrevo estas linhas assistindo à Eurocopa, uma partida da França que como diria Luis Roberto, conta com seus “negros maravilhosos”. Como joga bola esse Pogba. Portanto, boa oportunidade para ver o quão fantástico é o futebol. A França que é o berço da democracia, de vez em quando dá mostras de também ser boa dentro de campo, infelizmente, em contrapartida Marine Le Pen lidera as pesquisas, em um escorregão da democracia. Nada que o país que se recuperou do vexame na Copa de 2010 não supere. Mas no fim das contas, a grande vantagem da democracia é justamente essa, cada um pratica o que quiser. Pensar que ainda existem países nos quais pessoas são presas e recriminadas por praticarem atividades físicas é uma barbaridade. Viva às Olimpíadas e as gincanas que só vejo nessa época, claro, pedindo pênalti em qualquer disputa perto da área.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Prince, Amy, Michael Jackson e... Bayer?

Sem grandes turnês e um tanto quanto no esquecimento, morre uma estrela pop. Os fãs se emocionam, a mídia esgota o tema, veículos fazem as mais diversas homenagens, e as vendas de discos disparam de uma maneira impensável quando o artista era vivo. A causa da morte: overdose, de remédios, ou não. No caso das drogas lícitas, o médico do morto passa a fazer parte do espetáculo grotesco, tornando o processo judicial que determinará sua culpa prato cheio para a imprensa.

Prince tinha tudo para ser apenas mais um destes casos, que parecem ter a periodicidade de um ou dois por ano. O cantor da lendária música “Purple Rain” estava longe dos holofotes, até que em um determinado dia, o plantão anunciando sua morte soou, e o esquecido cantor dos anos 80 voltou a ser um dos maiores ícones da música pop norte-americana. Mas não interessa aqui as bizarras repercussões da morte de artistas mundo afora e o que elas alimentam, e sim o laudo da morte de Prince, causada pelo excesso de Fentanil, um opiáceo cerca de 25 vezes mais potente que a heroína.

O consumo de medicamentos como este teve enorme aumento nos últimos anos nos EUA, sendo normalmente usados como analgésicos. Drogas deste gênero costumam ser receitadas por médicos. No entanto, não se tratam de medicações comuns, já que o Fentanil e os outros tem base na mesma planta, a papoula, e, portanto, tem a mesma origem que duas drogas bastante conhecidas, o ópio e a heroína. Os norte-americanos conheceram bem o nefasto efeito da segunda, que nas décadas de 70 e 80, auge de Prince, desgraçou a vida de milhares de pessoas, principalmente afrodescendentes no país, além de disseminar a AIDS por conta do compartilhamento de seringas, comum na utilização da droga.

E sem restrições de classes, o abuso de opiáceos novamente vem devastando os EUA. A overdose dos derivados da papoula matou 30 mil pessoas em 2014, número maior, por exemplo, que as mortes por infarto e acidentes de carro. O consumo que geralmente começa com medicamentos como o Fentanil, muita das vezes gera enorme dependência, o que leva o usuário a usar doses maiores, ou até mesmo a recorrer ao principal derivado ilegal, a heroína, que causa efeitos graves no organismo, em alguns casos semelhantes aos em usuários de crack verificados no Brasil.

E o problema dos norte-americanos se espalha pela América Latina, já que normalmente na chamada “geopolítica da droga”, os países mais pobres costumam ser os mais afetados nas disputas para abastecer os usuários em países ricos. O drama que vivem os afegãos para suprir a demanda da heroína usada na Europa e o ópio no Irã, é um dos grandes exemplos, já que o cultivo da papoula na região substitui a agricultura de subsistência de famílias, além de ser uma das principais fontes de renda do grupo terrorista Talibã, recentemente apontado como o quinto mais rico do mundo, com uma fortuna avaliada em 500 milhões de dólares. No caso norte-americano, a papoula é cultivada em sua maioria no México, que vê nas suas regiões mais pobres, legítimos bolsões de pobreza, a criação de narco-estados paralelos, levando figuras como “Chapo” Guzman a um enriquecimento formidável com seu Cartel de Sinaloa.

Sinaloa e Guerrero, Los Zetas e Cavaleiros Templários, são respectivamente nomes de duas das regiões mais pobres do México e de dois dos grupos criminosos mais atrozes do mundo. As plantações de drogas que se espalham por outras pobres regiões mexicanas, e o altíssimo lucro disputados por estes e outros grupos, que costumam incluir os governos locais, compõe um trágico cenário que ceifa a vida de milhares de mexicanos anualmente e coloca centenas de milhares no terrível comércio das drogas que abastecem os norte-americanos. O cenário pode ser mais bem descrito em textos e textos, mas recomendo o ótimo documentário Carteland, indicado ao Oscar, ou pelo menos uma verificação da atrocidade ocorrida em Iguala há dois anos. Só um adendo, o grupo Los Zetas, é disparado o líder mundial em decapitações, prática comum nos rincões mexicanos para intimidar locais e rivais.

É cada vez mais aceito internacionalmente o fracasso da chamada “Guerra às Drogas”. As tentativas 
que esfacelaram estados latino-americanos, superpovoaram prisões mundo afora, causaram milhões de homicídios e só tornaram os negócios mais atrativos para traficantes, são cada vez mais vistas como um erro, então é ingênuo acreditar que de alguma maneira a heroína parará de chegar aos usuários que a desejarem. E não há indícios de que em uma sociedade com índices de suicídio e consumo de opiáceos cada vez mais altos diminua sua demanda de uma hora para a outra.

O número de pessoas que decidiram tirar a própria vida nos EUA subiu 22% de 1999 até 2016, e apesar de não haverem dados tão confiáveis, é razoável acreditar que o uso de antidepressivos aumentou consideravelmente no mesmo período, o que levou a um preocupado anúncio da OMS neste ano. Os dados indicam que 4 mil soldados norte-americanos morreram no Iraque durante a guerra, número duas vezes inferior ao dos que se suicidaram após retornarem aos seus lares após o confronto.

O resultado de tamanha instabilidade é uma cultura que controla a mente com antidepressivos e o corpo com antiinflamatórios. O abuso de medicamentos por parte das grandes estrelas é algo recorrente na concepção popular, mas cada vez mais o norte-americano comum padece do mesmo mal, seja terminado na superdose ou no consumo de drogas ilícitas, que causam problemas ainda maiores em países vizinhos.

Não será a hora de ao menos apontar para os únicos ganhadores indiscutíveis com todo esse consumo de remédios, os próprios fabricantes? Ou continuaremos dissociando completamente a morte de um artista por overdose de remédios da oferta bilionário que a Bayer, líder mundial no segmento, fez pela compra da gigantesca Monsato no mesmo período que o noticiário se encheu com Prince? É hora de o cidadão comum começar a pensar nisso, já que normalmente quando ele é a vítima, seus discos não disparam nas vendas e a capa da Time vai pra outro, deixando somente uma família desolada. Fica só a sugestão. Afinal de contas, a morte de Amy Winehouse faz cinco anos e não há tempo a perder nas recordações.