Costumam
dizer que toda unanimidade é burra. Reuters,
The Economist, Financial Times, WSJ, El País, Le Monde, NYT, DW, Al Jazeera. Estes são alguns dos veículos que
verifiquei ao longo dos últimos tempos, e que se prontificaram (a maioria por
editoriais) de maneira bastante crítica contra a saída do Reino Unido da União
Europeia, o chamado Brexit, e compõe uma unanimidade que eu não me atreveria a
chamar de burra.
Normalmente
as análises continham semelhanças das posturas do Brexit com as apresentadas
por outros fenômenos políticos, especialmente o isolacionismo e a xenofobia,
que sem dúvidas não fazem parte dos maiores avanços dos últimos tempos, dentre
eles: Trump, Frente Nacional (França), AfD (Alemanha), FPO (Áustria), Viktor
Orban (Hungria), associados a ofensas e a uma extrema-direita em ascensão,
assim como o partido de Nigel Farange, o UKIP, principal defensor do Brexit e
que tem já em sua sigla um apelo pela independência do Reino Unido.
De um
lado as mais sensatas mídias e opiniões do mundo, nos mais diferentes espectros
políticos; do outro, os mais criticados fenômenos eleitorais dos últimos
tempos, normalmente relacionados à intolerância e demagogia, e por vezes até ao
fascismo. O tom nos meios costuma ser bastante apocalíptico, explicitando as
enormes derrotas econômicas e políticas que o Reino Unido sofreria, assim como
o desastre para o projeto europeu que tanto fez pelo continente desde a última
grande guerra. A instabilidade se instauraria logo que o Brexit fosse vencedor
no plebiscito e as consequências de longo prazo seriam terríveis, com veículos
citando o “apocalipse”, e a DW com
uma destacada opinião que indicava que em 30 anos seria possível até o retorno
de navios militares atravessando o Canal da Mancha.
Desta
forma, o mundo e parte dos britânicos passaram a acompanhar a própria
existência do plebiscito como um absurdo. Não parece fazer sentido que cerca de
metade da população tenha intenções de uma separação com danos tão terríveis
para o Reino Unido, o que automaticamente, fez parte dos que votarão de maneira
“sensata” a se voltarem contra os outros, questionando inclusive a capacidade
de raciocínio destes diante de tamanhas evidências. E é ai que a notória
unanimidade do começo passou a não corresponder para as mais razoáveis das
posições.
Existem
pessoas que acreditam que o Reino Unido fora da União Europeia melhorará suas
vidas. Boa parte destas é composta por operários, especialmente do norte da
Inglaterra, a mais pobre e estigmatizada região do país. Assim como os
eleitores de Trump e Le Pen, são pessoas que não conseguiram se adaptar da melhor
maneira possível com a globalização e passaram a ver fenômenos como a imigração
como uma ameaça, seja a sua estabilidade social e normalmente ao seu emprego.
Boa
parte destas pessoas é frustrada, se considera longe das decisões de seus
países, no caso americano tomadas pelas criticadas elites, e no europeu por
Bruxelas. Neste cenário não veem alternativa para retornar seus padrões que
senão isolar seus países, repelindo aquilo que remeta a globalização, seja isto
os mexicanos, refugiados ou no caso do Brexit, o próprio projeto europeu.
Assim,
não é de se admirar que quando estas pessoas isoladas da nova ordem mundial e
que se julgam longe das decisões, quando começam a ter inclusive sua capacidade de raciocínio
criticada, não tenham boas reações. E foi exatamente isto que ocorreu no
Reino Unido. O temor do mundo de que o país pudesse se desligar da Europa foi
tão grande, que criou um cenário de verdadeira polarização, em que os
habitantes de grandes centros urbanos, normalmente mais estudados, defendiam o “remain”,
enquanto os já frustrados interioranos com menos estudo apoiavam o “leave”. A
panaceia criada pela mídia internacional alimentou os dois lados, um que passou
a considerar cada vez mais o Brexit como absurdo, e o outro que se viu ainda
mais afastado.
A melhor
exemplificação foi um relato trazido pela DW
de um morador de Glasgow: “Eu adoraria ver um político dizer 'nós
deveríamos permanecer, mas se sairmos da UE, o país continuará existindo', em
vez de 'o mundo vai acabar'".
Infelizmente
a polarização terminou em tragédia. Jo Cox, deputada do partido trabalhista com
trajetória impecável, esteve em Gaza recentemente e apoia a causa dos
refugiados, foi morta em um comício exatamente quando fazia campanha a favor do
“remain”. O assassino pediu morte aos traidores do Reino Unido quando foi
levado ao tribunal. Neste caso burrice e até crime é ficar contra a unanimidade.
As
pesquisas demonstram empate técnico e faltando apenas um dia para a votação é
impossível definir o que ocorrerá. O fato é que aconteça o que acontecer, o
Reino Unido saíra ferido e polarizado da agressiva disputa. Espero que seja
junto à União Europeia e ao projeto europeu. Desculpa, não aguentei.
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