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sábado, 6 de maio de 2017

Judeus e muçulmanos contra inimigo em comum: a Frente Nacional

O relato “Why My Father Votes for Le Pen” publicado no New York Times nesta semana traz um excelente retrato sobre aqueles que sucumbem a fenômenos como o “Brexit”, Trump e Marine Le Pen. Antes de quaisquer rotulações pejorativas há de se ressaltar que grande parte destes eleitores compõe os mais afetados, ou mesmo excluídos, pelas mudanças ocorridas nos últimos anos. Portanto, quando uma candidata do sistema responsável por estas mudanças como Hillary Clinton chama estes de “deploráveis” há uma prova explicita de que o governo não está funcionando de maneira igual para todos.

Diferentemente do “Brexit” e de Trump, a Frente Nacional acumula apoio há muitos anos, não se tratando de um fenômeno efêmero. O pai de Marine Le Pen e fundador do partido, Jean-Marie Le Pen, participou das eleições presidenciais entre 1982 a 2012, quando sua filha disputou o pleito. Em 2002 o candidato extremista chegou inclusive ao segundo turno. No caso norte-americano, Trump apareceu como um ponto fora da curva no partido republicano, conhecido pela sigla G.O.P, para Grand Old Party, agremiação que ostenta com orgulho ser “o partido de Abraham Lincoln”. Por sua vez na França, Marine Le Pen busca amenizar o histórico de seu partido, o que a levou a afastar até mesmo seu pai da Frente Nacional em 2015.

A postura de Marine Le Pen é eleitoralmente acertada. A rejeição a seu pai na França é quase unânime, prova disso são os 82% dos votos para seu opositor Jacques Chirac no segundo turno das eleições de 2002. Jean-Marie Le Pen é um antissemita explícito, chegando a declarar que o Holocausto, a maior atrocidade de que se tem registro na atividade humana, teria sido um “detalhe” na História. O político é visto como próximo à França de Vichy, regime chamado de colaboracionista pelos franceses, que governou o país em acordo com os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, inclusive entregando dezenas de milhares de judeus aos alemães, e que seriam mortos no “detalhe” de Jean-Marie Le Pen.

Na tentativa de amenizar a visão sobre a Frente Nacional, nos últimos meses Marine Le Pen afastou do partido uma série de integrantes que fizeram afirmações antissemitas, ou que tivessem ligação com grupos neonazistas. Mas para muitos esta não passava de uma maquiagem com fins eleitorais e a candidata acabaria em algum momento externando as raízes do partido. E este momento ocorreu pouco antes do primeiro turno, quando Le Pen negou as atribuições colaboracionistas do França de Vichy, que terminaram com dezenas de milhares de judeus em Auschwitz. A declaração causou pânico na comunidade judaica, e muitos já planejam a migração para Israel em caso de vitória da Frente Nacional.

Outra comunidade aflita com a possibilidade de vitória de Le Pen é a muçulmana. A candidata comparou muçulmanos rezando nas ruas francesas com a ocupação nazista. Uma das principais plataformas políticas da Frente Nacional é contra a imigração, e como grande parte dos imigrantes na França têm origem em países de maioria muçulmana, muitos temem os reflexos que um governo de Le Pen pode causar. Outro ponto importante para sua campanha é o combate ao terrorismo “islâmico” e faz alusões a cercear direitos dos muçulmanos para tal.

Enorme parcela da comunidade muçulmana francesa tem origem argelina, antiga colônia da França que alçou independência em 1962 após um sangrento conflito. Entre os franceses, assim como em outras antigas metrópoles, há um sentimento de revisionismo pelos abusos cometidos contra os locais durante o período colonial. A retratação junto aos argelinos é um ponto da campanha de Macron extremamente rechaçado por Le Pen. Jean-Marie Le Pen combateu na Guerra de Independência da Argélia, na qual é acusado de tortura.

Por mais que sejam válidas as argumentações de que indivíduos devem ser separados do legado de seus parentes, o caso da Frente Nacional é único. A legenda foi criada por Jean-Marie Le Pen com um traço do que há de pior no antissemitismo europeu, que tem origens muito anteriores ao nazismo, servindo como base para este. Jean-Marie conquistou apoio de parte da população mais excluída dos franceses culpando judeus e imigrantes por conta de seus problemas. Sua declaração de que o Ebola poderia conter os problemas de imigração é uma das mais repugnantes de um líder público nos últimos anos. E por sua vez Marine, a versão soft da xenofobia, apresenta uma Frente Nacional como um partido diferente do fundado por seu pai, no entanto baseia uma campanha eleitoral no medo dos franceses por meio da islamofobia e em culpar a imigração pelos problemas de seu país. Macron não é essa Coca-Cola toda. Mas a Frente Nacional é indefensável.

Marine e seu pai, que a mesma expulsou do seu próprio partido. Imagina o almoço em família (FOTO: Reuters)

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Teve Golpe

“Imagine there's no heaven
It's easy if you try
No hell below us
Above us only sky
Imagine all the people
Living for today

Imagine there's no countries
It isn't hard to do
Nothing to kill or die for
And no religion too
Imagine all the people
Living life in peace

You may say
I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope some day
You'll join us
And the world will be as one

Imagine no possessions
I wonder if you can
No need for greed or hunger
A brotherhood of man
Imagine all the people
Sharing all the world

You may say
I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope some day
You'll join us
And the world will live as one”
(LENNON, John)

Os britânicos não vão passar fome, e o Reino Unido tampouco será uma nova Grécia. Apesar das turbulências que o país terá de enfrentar, sobretudo a sucessão do primeiro-ministro David Cameron que renunciou após o resultado da votação e a possibilidade de uma saída da Escócia, o Reino Unido vai se recompor. Há exatos um século o país travava uma duríssima guerra, e poucas décadas depois ainda teve de lutar bravamente para se manter longe dos avanços das tropas nazistas. Eles vão sobreviver a isso.

O mau clima em Londres, região que expressava grande apoio pelo “remain” prejudicou o apoio à permanência, já que muitos não tiveram sequer a possibilidade de votar. Mas agora já não há mais nada o que se fazer senão olhar para o Reino Unido em uma perspectiva longe dos outros 27 componentes da União Europeia. E é pra justamente para ela que atenções têm que se voltar. Seja com políticos mais famosos, como Marine Le Pen na França, ou menos, como Hofer na Áustria, eurocéticos parabenizaram a decisão dos britânicos logo que o resultado foi anunciado. O nacionalismo, que nas palavras de Borges: “só permite afirmações e, toda doutrina que descarte a dúvida, a negação, é uma forma de fanatismo e estupidez” ganhou sua primeira grande batalha contra o projeto europeu, e a mobilização tem de ser para que o avanço seja contido, já que, por exemplo, uma vitória da Frente Nacional nas eleições francesas do ano que vem seria muito mais danosa do que o Brexit, e provavelmente incorreria na França fora da União Europeia, declarando praticamente o fim do bloco.

O projeto europeu e tudo que ele representa de uma Europa que superou os traumas das duas grandes guerras e se tornou um grande marco de estabilidade foi duramente golpeado. A utopia que John Lennon descreve em Imagine fica cada vez mais distante com o projeto europeu se enfraquecendo, em um momento que valores como o nacionalismo que já levaram europeus a tantas tragédias voltam a se sobrepujar a questões mais importantes como a solidariedade, o que é exemplificado no bárbaro espetáculo da crise dos refugiados. Se existe um consolo? Sim, John Lennon, você nunca foi e nunca será “the only one”.

Agora é aqui