quinta-feira, 9 de junho de 2016

Prince, Amy, Michael Jackson e... Bayer?

Sem grandes turnês e um tanto quanto no esquecimento, morre uma estrela pop. Os fãs se emocionam, a mídia esgota o tema, veículos fazem as mais diversas homenagens, e as vendas de discos disparam de uma maneira impensável quando o artista era vivo. A causa da morte: overdose, de remédios, ou não. No caso das drogas lícitas, o médico do morto passa a fazer parte do espetáculo grotesco, tornando o processo judicial que determinará sua culpa prato cheio para a imprensa.

Prince tinha tudo para ser apenas mais um destes casos, que parecem ter a periodicidade de um ou dois por ano. O cantor da lendária música “Purple Rain” estava longe dos holofotes, até que em um determinado dia, o plantão anunciando sua morte soou, e o esquecido cantor dos anos 80 voltou a ser um dos maiores ícones da música pop norte-americana. Mas não interessa aqui as bizarras repercussões da morte de artistas mundo afora e o que elas alimentam, e sim o laudo da morte de Prince, causada pelo excesso de Fentanil, um opiáceo cerca de 25 vezes mais potente que a heroína.

O consumo de medicamentos como este teve enorme aumento nos últimos anos nos EUA, sendo normalmente usados como analgésicos. Drogas deste gênero costumam ser receitadas por médicos. No entanto, não se tratam de medicações comuns, já que o Fentanil e os outros tem base na mesma planta, a papoula, e, portanto, tem a mesma origem que duas drogas bastante conhecidas, o ópio e a heroína. Os norte-americanos conheceram bem o nefasto efeito da segunda, que nas décadas de 70 e 80, auge de Prince, desgraçou a vida de milhares de pessoas, principalmente afrodescendentes no país, além de disseminar a AIDS por conta do compartilhamento de seringas, comum na utilização da droga.

E sem restrições de classes, o abuso de opiáceos novamente vem devastando os EUA. A overdose dos derivados da papoula matou 30 mil pessoas em 2014, número maior, por exemplo, que as mortes por infarto e acidentes de carro. O consumo que geralmente começa com medicamentos como o Fentanil, muita das vezes gera enorme dependência, o que leva o usuário a usar doses maiores, ou até mesmo a recorrer ao principal derivado ilegal, a heroína, que causa efeitos graves no organismo, em alguns casos semelhantes aos em usuários de crack verificados no Brasil.

E o problema dos norte-americanos se espalha pela América Latina, já que normalmente na chamada “geopolítica da droga”, os países mais pobres costumam ser os mais afetados nas disputas para abastecer os usuários em países ricos. O drama que vivem os afegãos para suprir a demanda da heroína usada na Europa e o ópio no Irã, é um dos grandes exemplos, já que o cultivo da papoula na região substitui a agricultura de subsistência de famílias, além de ser uma das principais fontes de renda do grupo terrorista Talibã, recentemente apontado como o quinto mais rico do mundo, com uma fortuna avaliada em 500 milhões de dólares. No caso norte-americano, a papoula é cultivada em sua maioria no México, que vê nas suas regiões mais pobres, legítimos bolsões de pobreza, a criação de narco-estados paralelos, levando figuras como “Chapo” Guzman a um enriquecimento formidável com seu Cartel de Sinaloa.

Sinaloa e Guerrero, Los Zetas e Cavaleiros Templários, são respectivamente nomes de duas das regiões mais pobres do México e de dois dos grupos criminosos mais atrozes do mundo. As plantações de drogas que se espalham por outras pobres regiões mexicanas, e o altíssimo lucro disputados por estes e outros grupos, que costumam incluir os governos locais, compõe um trágico cenário que ceifa a vida de milhares de mexicanos anualmente e coloca centenas de milhares no terrível comércio das drogas que abastecem os norte-americanos. O cenário pode ser mais bem descrito em textos e textos, mas recomendo o ótimo documentário Carteland, indicado ao Oscar, ou pelo menos uma verificação da atrocidade ocorrida em Iguala há dois anos. Só um adendo, o grupo Los Zetas, é disparado o líder mundial em decapitações, prática comum nos rincões mexicanos para intimidar locais e rivais.

É cada vez mais aceito internacionalmente o fracasso da chamada “Guerra às Drogas”. As tentativas 
que esfacelaram estados latino-americanos, superpovoaram prisões mundo afora, causaram milhões de homicídios e só tornaram os negócios mais atrativos para traficantes, são cada vez mais vistas como um erro, então é ingênuo acreditar que de alguma maneira a heroína parará de chegar aos usuários que a desejarem. E não há indícios de que em uma sociedade com índices de suicídio e consumo de opiáceos cada vez mais altos diminua sua demanda de uma hora para a outra.

O número de pessoas que decidiram tirar a própria vida nos EUA subiu 22% de 1999 até 2016, e apesar de não haverem dados tão confiáveis, é razoável acreditar que o uso de antidepressivos aumentou consideravelmente no mesmo período, o que levou a um preocupado anúncio da OMS neste ano. Os dados indicam que 4 mil soldados norte-americanos morreram no Iraque durante a guerra, número duas vezes inferior ao dos que se suicidaram após retornarem aos seus lares após o confronto.

O resultado de tamanha instabilidade é uma cultura que controla a mente com antidepressivos e o corpo com antiinflamatórios. O abuso de medicamentos por parte das grandes estrelas é algo recorrente na concepção popular, mas cada vez mais o norte-americano comum padece do mesmo mal, seja terminado na superdose ou no consumo de drogas ilícitas, que causam problemas ainda maiores em países vizinhos.

Não será a hora de ao menos apontar para os únicos ganhadores indiscutíveis com todo esse consumo de remédios, os próprios fabricantes? Ou continuaremos dissociando completamente a morte de um artista por overdose de remédios da oferta bilionário que a Bayer, líder mundial no segmento, fez pela compra da gigantesca Monsato no mesmo período que o noticiário se encheu com Prince? É hora de o cidadão comum começar a pensar nisso, já que normalmente quando ele é a vítima, seus discos não disparam nas vendas e a capa da Time vai pra outro, deixando somente uma família desolada. Fica só a sugestão. Afinal de contas, a morte de Amy Winehouse faz cinco anos e não há tempo a perder nas recordações.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Raiva do jeito antigo

Não é possível dissociar a França da obra “O Homem Revoltado”, de Albert Camus. O país, palco da revolução que em 1789 rompeu com as diretrizes sociais existentes até então, e passou a ser a base do dito pensamento ocidental pautado na igualdade, fraternidade e liberdade, assim como sua tão reverenciada democracia, sem dúvidas faz parte das ideias do existencialista. A Revolução Francesa abriu as portas para uma série de movimentos desta sociedade constantemente mobilizada e insatisfeita, que estremeceu o mundo em pelo menos três outros grandes momentos: as revoluções liberais, a Comuna de Paris e Maio de 1968, a última, influência importante de diversos movimentos sociais contemporâneos.

É difícil dimensionar a influência de Maio de 68 em mobilizações como as de junho de 2013 no Brasil, os Indignados na Espanha e Ocuppy Wall Street nos Estados Unidos ambos pós-crise de 2008, já que além da capacidade de interação das novas mídias sociais, poucos elementos de fato são comuns a estes movimentos em suas origens. O fato é que os três demonstraram imensa insatisfação com seus sistemas políticos, que em uma visão geral não servia para representa-los, assim como grande dificuldade no consenso da composição de lideranças e propostas concretas. O resultado são os tradicionais elementos políticos nos três países enfraquecidos, enquanto demagogos, para a perplexidade dos mais sensatos, ganham repercussão e possibilidades reais de chegarem ao poder.

No Brasil, os desacreditados PT e PSDB e os outros grandes partidos, são vistos por muitos como sinônimos de corrupção, cenário perfeito para uma figura bizarra e outsider como Jair Bolsonaro ascender e ser um possível candidato à presidência em 2018. Nos EUA, Donald Trump e Bernie Sanders criticando as elites partidárias, o chamado establishment, e a relação deste com Wall Street, derrotaram diversos candidatos moderados, levando Sanders a uma disputa com reais chances contra Hillary Clinton, e Trump a ser a figura escolhida pelos republicanos para as eleições gerais, para a perplexidade de muitos, inclusive do gênio Stephen Hawking, que o chamou de “demagogo”. No parlamentarismo espanhol, o sistema político está paralisado, já que nas últimas eleições em dezembro, as duas maiores siglas do país, PP e PSOE, não conseguiram compor uma coalizão, por conta dos votos dos novatos e anti-sistema Podemos e Ciudadanos, que à esquerda radical e à direita criticam a política espanhola, que terá de ir às urnas outra vez no fim de junho.

Enquanto os novos movimentos, como disse Thomas Friedman em um artigo recente, demonstram enorme capacidade de destruir sistemas, mas não de reconstruírem, a França segue na contramão, e vem se mobilizando há semanas no modelo "século XX": sindicatos, líderes, greves, paralisações ordenadas e propostas bem concretas. O modelo, que poderia parecer obsoleto depois dos últimos anos, foi desencadeado após o anúncio de uma série de reformas pelo partido Socialista, que diminuíam benefícios trabalhistas.

Na visão do presidente François Hollande, a flexibilização nas leis do trabalho seria um estímulo para as empresas contratarem, já que a França apresenta graves índices de desemprego, acima dos 10%, o dobro de potências regionais como Alemanha e Reino Unido. Mesmo sabendo do desgaste político que sofreria caso aprovasse as medidas, o presidente assumiu o risco, preferindo ser “mal visto do que fraco”, já que 2017 é seu último ano de mandato e Hollande não deixou um legado memorável na história francesa.

Na prática as reformas incorrem, por exemplo, na diminuição do valor pago pelas horas extras, o que indignou, em especial, diversos caminhoneiros, que fecharam estradas pelo país. Outras medidas eram naturais de serem tomadas, como as mudanças na previdência, já que assim como no resto da Europa, os franceses vivem mais, e o atual sistema não pode arcar com tanto, mas os novos termos foram vistos como demasiados radicais para muitos trabalhadores. O fato é que Hollande possui a mais baixa aprovação de um presidente na história recente da França, e os protestos que já duram semanas, e levam até ao desabastecimento de produtos como a gasolina, não dão indícios de convencerem o determinado socialista, que quer parecer forte, a voltar atrás.

O primeiro-ministro, também socialista, Manuel Valls, defende no parlamento as reformas de Hollande. No entanto, o partido demonstra rachaduras internas, já que possui a tradição de defender os interesses trabalhistas, e voltar as costas a estes pode ser um suicídio político para muitos tão próximo às eleições. Quem ganha é a Frente Nacional, o demagogo partido de viés fascista, que lembra bastante Donald Trump, e que tem sua líder Marine Le Pen na frente em pesquisas para o pleito de 2017, possuindo uma perspectiva ainda melhor caso os socialistas cheguem enfraquecidos, o indicado até agora.

Apesar de ameaças sérias, como a de greve geral, não há indícios de que a reforma seja revogada. Tudo indica que os sindicatos tenham perdido esta batalha. Mas o mundo precisa ficar atento para a outra, que será travada em 2017, com reais possibilidades de um partido em que seu fundador, Jean Marie Le Pen, declarou que o Ebola poderia acabar com o problema da imigração em pouco tempo, chegando à presidência do berço dos ideais iluministas. Neste caso, Camus, argelino, teria toda razão para ser ele mesmo a encarnação do “Homem Revoltado”.

quarta-feira, 1 de junho de 2016

A Maior Tragédia do Mundo?

“From here to eternity” foi o bom título escolhido pela The Economist, para em uma pioneira matéria, tratar da atual situação do maior campo de refugiados do mundo, Dadaab, no Quênia. A localidade que conta com 350 mil pessoas, população maior que a da Islândia, é constituída em sua grande maioria por pessoas fugindo da terrível guerra da Somália, que devasta o país há décadas e não indica perspectivas de fim em um curto prazo.

Boa parte dos somalis de Dadaab chegou em 1991, ano que marca um grande acirramento do conflito no país e que deixou milhares de mortos, além de inúmeros refugiados. Portanto, muitos dos 350 mil habitantes ou perdeu as posses na Somália, assim como o contato com suas famílias, ou nasceu em um campo no Quênia, o que lhes coloca em uma situação próxima a de apátridas, já que não tem os direitos nem de um cidadão somali nem de um queniano. Na década passada, o drama vivido por estas pessoas chegou a receber grande mobilização internacional, assim como o de outros conflitos africanos como o do Sudão, no entanto, o foco na crise de refugiados no Oriente Médio tirou boa parte da atenção para estes dramas humanitários.

Em 2010 a renda per capita anual de um habitante de Dadaab era de 223 dólares, o que dá menos de um dólar por dia, no entanto, com o auxílio da ACNUR, a agência da ONU para refugiados e ONG’s, crianças eram alfabetizadas na medida do possível e doentes eram atendidos. Depois que as atenções se voltaram para a crise do Mediterrâneo, a renda anual passou a ser de 148 dólares, valor que torna qualquer atividade, mesmo que as intenções sejam as melhores, muito mais difícil. Um grande número de jovens devem crescer analfabetos, tornando as perspectivas de uma vida melhor que a de Dadaab, ainda mais complicadas, além dos muitos que terão graves consequências na saúde por conta da falta de recursos mínimos.

Mas o alarmista título da The Economist foca em uma tragédia que pode ser ainda maior, e que passou a ser preocupação de somalis e grupos de defesa de direitos humanos nos últimos dias. O governo queniano quer fechar Dadaab. A medida deixaria centenas de milhares de pessoas sem terem para onde ir, e como principal opção retornar a uma Somália, na qual muitos são ameaçados de morte. Além dos que fugiram por conta das ameaças dos grupos armados que disputam a guerra no país, há o restante que terá de enfrentar uma nação destruída pelas décadas de conflito. Conflito no qual, o grupo terrorista islâmico Al Shabab, afiliado local da Al Qaeda, ganha cada vez mais terreno, o que consequentemente leva a uma intensificação dos bombardeios de drones americanos que combatem os terroristas.

E é justamente o Al Shabab a alegação do governo queniano para fechar o campo de Dadaab. O Quênia, com uma das economias mais pujantes do continente africano, sofreu recentemente dois grandes ataques dos terroristas, o que abalou fortemente a confiança de habitantes e investidores. O primeiro destes aconteceu em um shopping em Nairóbi em 2013, matando mais de 70 pessoas, e em 2015, uma universidade foi o alvo e levou 147 pessoas a óbito. Segundo o grupo, os dois atacaram lugares que representam valores ocidentais contrários ao radical Islã que eles dizem acreditar.

Para o governo do Quênia, Dadaab seria abrigo de terroristas do Al Shabab, que poderiam aproveitar do disfarce de meros refugiados para realizarem novos ataques no território do país. A complexa acusação justificaria assim, o fechamento do campo, em um dos maiores casos de punição coletiva da atualidade.

Assim se chega ao título da matéria que inicia o texto. De Dadaab para onde? O destino de muitos, em caso de fechamento, sem dúvidas será a eternidade. Caso nada seja feito para impedir a ação, o do governo do Quênia também, como causador de uma das maiores tragédias humanitárias de nossos tempos.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

O Estado Islâmico perde. E o Brasil ganha?

Assim como a ascensão do Grupo Estado Islâmico, é muito complicado compreender as motivações e estratégias destes terroristas. O que de fato se sabe, é que de forma alguma o combate contra o grupo trata-se de uma guerra convencional. As estimativas indicam que o Daesh perdeu cerca de 30% de seu território no Iraque e na Síria durante os últimos meses, sendo a retomada de Palmyra e Ramadi pelos exércitos locais, a primeira com grande auxílio russo, importantes exemplos de como o grupo vem se enfraquecendo em suas posições.

Além disso, os terroristas não capturaram nenhuma cidade relevante nos últimos tempos. Sua capital no Iraque, Mosul, está sitiada por forças do governo e as milícias curdas, conhecidas como peshmergas, e a ação conta com grande aparato da coalizão liderada pelos EUA. Fallujah, a outra importante cidade iraquiana nas mãos do Daesh, passou nesta semana a ser alvo de uma ofensiva do governo iraquiano, que deve derrotar o grupo brevemente e deixa-los somente com Mosul no país.

A soma destes fatores, em condições normais, condenaria o Grupo Estado Islâmico a um fracasso, quem sabe perdendo todo seu território em 2016 mesmo. Mas como dito, não se trata de forma alguma de uma guerra comum. E Mosul é um bom exemplo disso. A cidade, de maioria sunita, em um conflito tradicional teria sido retomada pelas forças nacionais, logo que estas dispusessem da capacidade militar de fazê-lo. Mas os habitantes, que não apoiam o Daesh, tampouco se sentem seguros sabendo que voltarão a pertencer ao governo iraquiano, altamente dominado por xiitas, assim como as tropas nacionais. E por outro lado, os moradores de Mosul, esmagadoramente árabes, se sentem ressentidos com os curdos ocupando suas terras, o que poderia aumentar a influência do Curdistão Iraquiano, área que goza de grande independência no norte do país. Este impasse étnico, que já teve capítulos trágicos com regime de Saddam Hussein, passou por relativa estabilidade há alguns anos, mas a queda da economia iraquiana e do preço do barril de petróleo, produto vasto no Curdistão, levou Bagdá a disputas com o norte, que atrapalham uma melhor cooperação das forças em Mosul. O Daesh agradece.

O principal fator que torna esta guerra atípica é o fato de não ser travada entre exércitos comuns, e sim destes contra terroristas. Há uma imensa vantagem em não ter que se preocupar com sanções, por exemplo, decorrente de possíveis crimes de guerra praticados pelo seu “exército”. E são exatamente os terroristas que estão equilibrando a guerra para o Daesh. Na medida em que o grupo sofre derrotas militares, a alternativa encontrada é intensificar o número de ataques, boa parte dos últimos suicidas, o que não era padrão anteriormente.

Enquanto os soldados do Daesh perdem a batalha nos campos, inocentes perdem a vida em toda parte, em especial no próprio Oriente Médio. Apesar da propaganda bem maior proporcionada por ataques na Europa, que tem um potencial de gerar mais recrutas e dar uma impressão de mais poder para os terroristas, este tipo de ação vem se tornando cada vez mais difícil. Mesmo a Bélgica, que sofreu os atentados em março, e era visto como um dos países com um dos serviços de inteligência mais frágeis da União Europeia, conta com aparatos muito superiores aos das duas cidades vistas como mais seguras da Síria hoje, Tartus e Lataquia. As duas, sob domínio do regime e ampla proteção russa, foram os alvos encontrados pelo Daesh, matando mais de 150 pessoas e seguindo com uma estratégia que sangra cada vez mais o Oriente Médio. No mesmo dia, Áden, no esfacelado Iêmen, sofreu um ataque que tirou 45 vidas.

A carnificina segue uma tendência já demonstrada uma semana antes, quando o grupo realizou uma série de atentados em localidades xiitas de Bagdá, matando centenas de pessoas, inclusive alguns que se juntavam em um estabelecimento conhecido como a sede do Real Madrid local, e foram vítimas do ódio do grupo ao esporte bretão. A síntese de tudo isso é que cada vez mais o Daesh será acuado, já que não existem sinalizações nem de recuo, muito menos de negociações por parte das forças que combatem no Iraque e na Síria. E que em contrapartida, visando aparentar manter importância e atrair novos integrantes, o grupo realizará ataques que rendam a maior repercussão possível, e vai procurar os lugares mais frágeis para tal.

França, EUA e Israel parecem ter conseguido se blindar das ações nesta nova fase, enquanto Síria, Iraque e Iêmen esfacelados, padecem. A ameaça é real, e em qual destes lados a segurança brasileira vai estar para as Olímpiadas? Motivos para o grupo atacar não faltam, já que mesmo o Brasil não sendo um alvo comum, franceses, americanos e israelenses participarão de um evento, que pra quem busca repercussão, conta com a maior audiência do mundo. Que a Abin nos proteja.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Um mapa que explica o mundo

Sempre adorei mapas. O gosto vem desde a infância, quando levava um bom tempo observando os mapas da Europa para identificar as cidades que possuíam times nas principais ligas do continente. Essa relação de geografia com futebol levava a alguns equívocos, como acreditar que as capitais dos países eram as sedes das principais equipes do momento. Assim, Lyon substituía Paris como capital da França, Munique era a alemã e Milão a italiana. Bons tempos.

Eu não tenho dúvidas que esse interesse influenciou muito nos meus gostos de hoje. Quando passei a compreender que aquelas representações cartográficas na verdade representavam pessoas, culturas, interesses e pensamentos diferentes, foi amor à primeira vista. E hoje, em tempos de internet, as possibilidades para dissecar mapas são muitas. Páginas que acesso quase diariamente, como Amazing Maps, El Orden Mundial en el Siglo XXI e Eurasia postam verdadeiros mapas que costumam valer mais que mil palavras para entender o mundo.


E o que traz esta enrolação é um destes. Olhando rápido, pode ser simplesmente um mapa mundi com tons de marrom que representam a porcentagem que as matérias primas representam no PIB de cada país. Um olhar mais atento, ajuda em uma grande compreensão dos conflitos no mundo hoje e os que devem estar por vir, ou como costumam dizer “A Ordem Mundial”.

Primeiro as “ausências”. Sete das mais sentidas são facilmente compreendidas. Na África, a Líbia, um dos países com maiores reservas de petróleo no mundo, está destruída. A sede do governo reconhecido não fica na capital Tripoli, e boa parte dos poços de óleo estão nas mãos de milícias extremistas, inclusive o Grupo Estado Islâmico. Não tem como fazer a estimativa. Situação semelhante com a da Somália, um completo estado falido em guerra civil há décadas e que tem como uma das principais forças o Al Shabab, ligado à Al Qaeda. A área que não possui dados no Marrocos é a Saara Ocidental, envolvido em complexos imbróglios separatistas.

No Oriente Médio, o Irã, um dos maiores produtores de petróleo global, sofria com graves embargos para vender seu produto principal até o Acordo Nuclear. Difícil estimar a dependência. Depois, Cuba, Myanmar e Coréia do Norte. Três dos regimes mais fechados e com economias mais enigmáticas do mundo, apesar das aberturas nos dois primeiros. O outro dispensa comentários, até por falta de informações.

A região mais emblemática hoje é a América Latina. Brasil, Argentina e Venezuela tiveram grandes crescimentos econômicos durante a alta dos preços de matérias primas, principalmente se aproximando da China. A demanda global pelos produtos caiu, assim como o crescimento chinês, um não separado do outro. Com isso, graves crises atingiram as duas principais potências sul-americanas, que seus PIB’s dependem mais de 16% de commodities, sendo dispensável detalhar o caso brasileiro. Já na Argentina, o problema se somou a dificuldades anteriores, e levou a um cenário ainda pior. Apesar dos benefícios apontados por muitos meios da mídia estrangeira, Macri não resolveu toda a situação argentina, tendo estes, por exemplo, que conviver com enorme inflação no seu governo.

Comparar o que acontece na Venezuela com os dois países é bastante equivocado. A situação, que envolve possibilidades hoje de uma guerra civil, é imensamente mais delicada, e chavismos a parte, o mapa explica bem. A Venezuela é o único país em que seu PIB depende mais de 32% da exportação de matérias primas na região, e tendo em vista que boa parte vem do petróleo, já que os venezuelanos são detentores das maiores reservas mundiais, é mais compreensível. Durante boa parte dos últimos dez anos, o barril de óleo foi negociado a mais de 100 dólares, chegando facilmente aos 120. Neste ano, a commoditie chegou a valer menos de 30 dólares. É mais do que grave.

Equador e Bolívia são dois países preocupantes em um médio prazo. Os dois gozam de relativa estabilidade hoje, mas com o PIB dependendo mais de 16% da exportação de matérias primas, as conjunturas não podem omitir reformas necessárias. O Equador, membro da OPEP, terá problemas com o barril sendo negociado a preços mais baixos, apesar de hoje conseguir “surfar” na onda dos países que se voltaram aos acordos com o Pacífico e fugiram da queda chinesa. A Bolívia, também muito dependente de hidrocarbonetos, deve boa parte de sua estabilidade, justamente a uma estabilidade, a de Evo Moralez no poder de um país famoso pelos golpes de estado.

O país que se sobressai no Norte do mapa por conta da cor mais escura, é justamente o maior, a Rússia. Não vem de hoje que a queda no preço dos hidrocarbonetos deixa os russos com um dos piores desempenhos econômicos dentre os países mais importantes do mundo. A estratégia de Putin para lidar com o problema e manter sua popularidade entorno dos 80% é aumentar retórica nacionalista do país. O resultado são duas participações em dois dos principais conflitos da atualidade, a Crimeia e a Síria.

Apesar de peculiaridades em países como Canadá e Austrália, com populações pequenas e grande renda per capita, em geral os países mais estáveis do mundo são os mais claros no mapa. Por outro lado, o instável Oriente Médio, revela tons mais escuros e é área mais preocupante na representação.
O Iraque, por exemplo, tem mais de 65% de seu PIB relacionado com matérias primas, em especial o petróleo. Mas sua instabilidade não vem desde a queda no preço do barril, e sim de tensões anteriores. Os países do Golfo, com o caso emblemático da Arábia Saudita, conseguiram verdadeiros oásis em meio a tantas tensões, como por exemplo, alguns dos PIB’s per capitas mais altos do mundo e a Copa de 2022. Praticamente tudo com dinheiro de um petróleo caro e com alta demanda.

Estes países construíram estados de bem-estar social com a renda da commoditie, mas depender de matérias primas significa se submeter a volatilidades. Ainda mais se tratando de um combustível que em qualquer visão ambientalista, é obsoleto para o século XXI. E estes países já vêm enfrentando os custos de petróleo barato, como no caso do Bahrein. A ditadura sunita em um país de maioria xiita, normalmente conseguia conter sua população com reformas sociais caras, mas pouco inovadoras, sobrecarregando o funcionalismo público. O país tem mais de 32% de seu PIB atrelado a commodities, então com o petróleo a mais de 100 dólares o barril, a estabilidade era comprada, o que fica impossível nos atuais preços, e o país é provavelmente o foco da próxima grande tensão do Oriente Médio.

Alguns países entenderam a necessidade de mudança e saíram na frente, antes de virar um foco de tensão em um futuro não muito distante. O SaudiVision 2030 é um ambicioso programa que visa diversificar a economia do maior exportador de petróleo do mundo até 2030. A medida foi tomada depois que o FMI indicou que a atual economia saudita era insustentável dentro de cinco anos, mas convenhamos um pouco de bom senso e esse mapa poderia justificar a decisão. Aliás, bom senso, investimento em inovação e tecnologia são vitais em qualquer parte deste mapa. Fica a dica aos “abençoados por Deus e bonitos por natureza”.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

"London Calling"

É complicado para aqueles que tiveram mais contato com a obra de George Orwell não nutrir certa antipatia por Eton, a elitista escola na qual o autor se formou. E o candidato a prefeito de Londres, Zac Goldsmith, tem várias atribuições que poderiam fazer com que este endossasse a lista de altos cargos dos célebres ex-alunos do colégio. Bilionário, o político conservador vive um grande momento de seu partido, que recentemente reelegeu seu líder, David Cameron, como primeiro-ministro com um número de cadeiras bem acima dos trabalhistas, algo pouco usual no Reino Unido.

No entanto, o favorito para substituir o também conservador Boris Johnson, é o trabalhista Sadiq Khan. Paquistanês, filho de motorista de ônibus, Khan se formou em uma escola comunitária, e tem a possibilidade de se tornar o primeiro prefeito muçulmano de uma grande capital ocidental. O mandato em Londres, o terceiro maior majoritário da Europa, perdendo apenas para as presidências de França e Portugal, colocaria um muçulmano que rompe com diversos estigmas e preconceitos em um grande posto, em meio a um continente afetado pela xenofobia e a islamofobia.

Khan, que foi ministro dos transportes com Gordon Brown, é um jurista com atuação em direitos humanos, com grande destaque para os dos homossexuais. Em uma comunidade que engloba 1,5 bilhão de pessoas como a muçulmana, existem diversas correntes, e infelizmente as que costumam ganhar destaque são a de fundamentalistas como os de Bangladesh, que mataram recentemente um diretor de revista pelo simples fato deste defender os direitos LGBT. No entanto, como é observado na crescente conservadora brasileira, o fundamentalismo religioso pode ter origem em qualquer crença, e casos tão graves quanto estes já ocorreram, por exemplo, em Uganda, por influência de extremistas cristãos (God Loves Uganda é um documentário ótimo sobre o tema, tem no Netflix).

Ainda sobre religião, vale citar que Goldsmith é judeu, apesar de ter poucas ligações. E neste exato momento, uma das figuras mais vinculadas nos jornais israelenses é justamente o líder trabalhista Jeremy Corbyn, que recentemente se manifestou de maneira considerada antissemita por muitos judeus. Como dito anteriormente, os trabalhistas não vivem um bom momento, e seu líder é criticado frequentemente por posturas vistas como radicais em excesso. Por outro lado, os conservadores estão fragmentados pelos posicionamentos quanto ao chamado Brexit, o referendo que, em junho, vai definir a permanência ou não do Reino Unido na União Europeia.

O atual prefeito de Londres, Boris Johnson, é o maior defensor dentro do partido de uma saída dos britânicos da união. Seu maior adversário interno é justamente o primeiro-ministro David Cameron, que acredita ser vital, principalmente para a economia, a permanência. Goldsmith é favorável à saída, o que o afastou da importante figura do líder e tudo indica que isto terá efeitos nas urnas contra o conservador. Os trabalhistas neste caso estão mais unidos, e esta é uma das principais plataformas de política de fato que Khan, favorável à manutenção, diverge de Goldsmith.

E é esta Europa unida que a vitória de Khan representa. O continente da pluralidade, com algumas das mais cosmopolitas cidades do planeta, e que tem uma tradição fantástica em acolher e integrar outras culturas. A Europa que dá a oportunidade de um filho de imigrante vencer democraticamente um bilionário representante de uma das principais elites globais, não aquela que fecha a porta para refugiados desesperados por uma mínima condição de sobrevivência. É a Europa que dá a Mahrez, um argelino muçulmano, o prêmio de melhor jogador em sua principal liga nacional, não aquela liderada por Viktor Orban que constrói muros e esquece o Tratado de Schengen.


E que Goldsmith seja tratado sem estigmas. Não é por vir de uma das escolas mais elitistas do planeta que isso seja um demérito, afinal de contas um dos maiores autores da história também estudou lá, apesar de ter ficado longe de ser bilionário. E que a crítica às políticas de Khan sejam absolutamente isentas do que sua posição representa, sendo feitas de maneira idônea e pelo que ele fizer não por quem é ou foi. Mas essa história ficará pra sempre registrada. Teria o autor de “1984” imaginação para antecipá-la? Ah, teria. Maldita tuberculose.

terça-feira, 3 de maio de 2016

Os números do Senado

A votação pelo prosseguimento do processo de impeachment no Senado se aproxima, e o temor de um espetáculo que coloque o Brasil novamente em situação constrangedora é natural. A consulta no Congresso, que na sua cobertura internacional contou com ironia e espanto até de publicações mais tradicionais, como a revista The Economist, não deve ser parâmetro para a próxima.
A série de constrangimentos no dia 17 de abril, que contou com apologia a um torturador, cusparadas, confetes, inúmeras menções a Deus, e até a paz de Jerusalém, abalada no dia seguinte por um atentado a um ônibus, dificilmente deve se repetir no Senado. O caso do senador Cristovam Buarque é emblemático, já que o político se colocou plenamente a disposição para expor os argumentos para seu voto, inclusive em entrevista para a GloboNews. Situação bem diferente da ocorrida na outra casa, na qual, retratada na ironia dos meios internacionais, sobraram argumentos, mas não relacionados ao objeto da votação.
Ainda assim, o singular momento da política brasileira contará com marcos na história mundial. Segundo diversas pesquisas, pela primeira vez um chefe de estado que sofreu impeachment terá a chance de julgar outro processo do mesmo porte. Além disso, teremos o primeiro homem a ultrapassar a barreira dos 1000 gols votando a permanência de alguém no cargo máximo de um executivo democrático. Sabendo das qualidades de placares de jornais como Estadão e Folha de São Paulo, fomos atrás de outros números sobre a votação no Senado.
(Todas as indicações abaixo foram conferidas em veículos da imprensa ou nas mídias dos próprios políticos. O VPC se isenta de juízo de valor sobre o divulgado, achando melhor assim, não destacar quais números pertencem a cada senador)
-Um impeachment                                                                    
-1002 gols na carreira
-Um filho nos Panama Papers
-Uma Copa do Mundo
-455 kg de cocaína apreendidos em helicóptero da família
-12 senadores investigados na Operação Lava Jato
-Uma mãe do Supla
-Um aeroporto construído em terreno da família durante mandato de governador
-6 votos para Assembleia Legislativa antes de assumir como suplente
-Uma citação da frase: “Cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém”
-Dois condutores do reconhecimento do Genocídio Armênio na casa
-Um estado em que nenhum senador declara o voto
-Duas acusações de uso de trabalho escravo em propriedades da família
-Um delator na Operação Lava Jato
-Uma propaganda em que dizia “Como a mãe dele” e “Como a Dona Maria”
-Um vice da Libertadores como presidente do clube
-Duas casas pichadas por vândalos 
-Um filho exonerado de cargo na Câmara por nepotismo
-Uma citação da frase: “Relaxa e goza” durante crise da aviação
-Uma conta da família em Liechstein
-85 dias detido
-Três sem partido
-Uma música em que repete ser “Maluco por Jesus”
-Uma acusação de peculato arquivada por prescrição do crime
-Um presidente da casa investigado na Operação Lava Jato
-Um xaveco na Cléo Pires


São muito bem vindas sugestões de outros números. Principalmente as que se referirem a números de acusações e condenações por crimes eleitorais, além das trocas de partido, já que as limitações da equipe dificultaram estas apurações.