Mostrando postagens com marcador Venezuela. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Venezuela. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Em baixa na exportação de petróleo, Venezuela se mantém em alta nos clichês

Em meio às acusações quanto a vilania estadunidense com interesses em surrupiar o petróleo da explorada nação, algo que nem mesmo Maduro repete, e que parte de premissas geopolíticas atrasadas em quase 40 anos, surgiu a figura de Juan Guaidó. Em uma crise de quase seis anos, surgiu de um mês para o outro uma figura aceita como presidente pela comunidade internacional, e imbuída de caráter, compostura e moderação que fariam inveja a Mandela. O fim de Maduro estaria para ocorrer a qualquer momento. Nada muito diferente do que se divulga desde 2014.

O cenário real envolve bem mais pragmatismo do que geopolítica dos anos 70. A “iminência” da queda de Maduro é algo que deve demorar mais do que parece, e a união entorno de Guaidó é bem mais de situação do que a espécie de Nobel da Paz que alguns pintaram nas últimas semanas.

Estes dois ótimos artigos demonstram como a premissa que acusa os EUA de agirem meramente com o interesse imperialista no petróleo venezuelano é falsa. Dentre os muitos fatores envolvidos, chama atenção o fato de que a Venezuela importa petróleo norte-americano para produzir óleo de melhor qualidade e conseguir melhor posição no mercado internacional. Por sua vez, as explorações de xisto necessitam de um valor mais alto no mercado global do barril para serem viáveis, e a crescente na produção por este tipo de extração nos últimos anos nos EUA tornou as empresas lobistas poderosas, e a estas não interessa uma queda repentina na cotação da commoditie. Além disso, com Chavéz e Maduro a Venezuela seguiu sendo um dos maiores exportadores para os EUA. As mudanças ocorridas na posição norte-americana no mercado internacional de petróleo, tornando-se um dos maiores produtores mundiais, tornou obsoleta muitas das acusações contra o país que ouvimos há anos.

Resumo: negócios sobrepõe ideologias. E analisar geopolítica como à época da criação da OPEP pode gerar likes, mas não lucro.

Não faltam motivos que demonstrem hipocrisia no papel dos EUA no cenário global. A grande premissa que deslegitima hoje o governo de Maduro parte do processo fraudulento das eleições presidenciais em 2018. Como mostra a Foreign Police, a tática de pleitos adulterados foi a mesma utilizada no último mês pelo governo da R.D. do Congo, mas desta vez com apoio dos EUA à vitória de Felix Tshikendi. Se a dinâmica do petróleo mudou, a lógica atribuída a Franklin Delano Roosevelt sobre antigo ditador da Nicarágua, “Somoza pode ser um filho da puta, mas é o nosso filho da puta”, indica seguir presente.  

Outra boa peça vem da BBC Brasil. Hoje pouco lembrada, a Mesa de Unidade Democrática (MUD) foi por um tempo a principal força da oposição venezuelana. Um dos grandes problemas do grupo, sendo apontado por governistas, oposição e população, era que de unidade a legenda não tinha nada. Correntes políticas e ego disputaram a liderança como oposição a Maduro, e que em determinado de momento de 2019 chegou a Guaidó, com enorme apoio externo. Leopoldo López, preso desde 2014, pode até respaldar o presidente interino por conta de pertencer à mesma legenda, a Vontade Popular. Mas Henrique Caprilles e María Corina Machado não devem aceitar tão facilmente a liderança do neófito. As divisões ficaram claras em eventos importantes, como o boicote às presidenciais de 2018, que não foi seguido por setores da oposição, e a participação destas frações é hoje argumento de Maduro para validar o pleito.

Mas vem do apoio ao chavismo a maior razão que impede a “queda iminente de Maduro”, profetizada desde 2014. No plano interno, milícias servem ao regime na repressão contra protestos, como ficou marcado nas “Manifestações dos 100 dias” em 2018, que levaram a centenas o número de mortos e feridos. De fato, os grupos possuem uma lealdade menor à figura de Maduro, mas o chavismo ainda exerce um poder muito forte, e que garante relatos como estes da BBC Mundo. Bom aspecto assinalado com unanimidade é o poder que as forças armadas terão no processo. Leal a Chávez, o exército venezuelano galgou grande poder nos últimos 20 anos, e perder a estrutura deve significar o fim de Maduro. Mas afirmar a “iminência” do fato é achismo ou deter informação privilegiada que faria inveja aos melhores serviços de inteligência do mundo.

No exterior, a China, que fez seus maiores investimentos na América Latina no país caribenho é o outro grande fiel da balança. Maduro deposita enorme confiança nos “buenos amigos chinos”, mas o pragmatismo da realpolitik pode jogar contra o mesmo. Com débitos na casa dos dezenas de bilhões de dólares, a “amizade” pode não resistir a um aceno de Guaidó aos asiáticos. É sabido que o senador republicano Marco Rubio e o assessor de Segurança Nacional, John Bolton, desejam uma espécie de resgate da doutrina Monroe, e que a influência na Venezuela é um dos grandes planos desta ala do governo Trump para a região. Mas o que a China investiu nos últimos anos pode ser o gatilho de um dos primeiros grandes conflitos entre as duas maiores economia da atualidade. Entre China, EUA, Guaidó e Maduro, quem esperar lealdade à frente de estratégia pode sair derrotado.

A Rússia investiu militarmente no país, o que pode garantir uma maior segurança a Maduro. No mínimo, com a experiência internacional recente, a presença de equipamento militar russo serve para dissuadir intentos de intervenção. Longe de seu território e com interesse geopolítico menor do que, por exemplo na Síria, é difícil imaginar que Putin investiria muito além para a manutenção do regime. Com menor capacidade de investimento do que os chineses, preservar os interesses econômicos no país pode fazer com que Maduro perca mais um aliado, e é o que já cogita o Moscow Times. A partir de agora, o apoio deve ficar mais em esferas diplomáticas, como o Conselho de Segurança da ONU.

Os seguidos reconhecimentos de Guaidó como presidente interino demonstram uma enorme força, mas é preciso levar em conta também o apoio que ainda resta a Maduro. Dois dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança; uma potência petrolífera carregada de sanções que completa 40 anos como inimigo dos EUA no plano externo, o Irã; a estratégica Turquia, membra da OTAN; e uma série de países aliados ideologicamente que se beneficiaram do petróleo venezuelano, com destaque para Cuba e Nicarágua. Por sua vez, o México de Obrador é importante parceiro para uma negociação que envolva o governo, assim como o Uruguai.

“É lamentável que o país com as maiores reservas de petróleo do mundo, e que já foi uma potência regional na década de 70 chegue a este estágio de penúria com 3 milhões de refugiados e uma inflação anual de 1.000.000 % no último ano. A péssima gestão populista de Maduro, seguida por seus abusos autoritários não permitem mais chamar a Venezuela de democracia. A repressão contra opositores configura um crime, e os responsáveis devem ser punidos.” Não discordo de nada deste parágrafo, que escrevi em uma espécie de agregador para qualquer editorial no mundo. Mas sem melhor contexto, estamos fadados a repetir clichês. Hoje estes abundam mais do que o petróleo no que se refere à Venezuela.

Sugestão
Por fim, ninguém melhor para tratar do assunto do que Nicolás Maduro. Nas excelente série catalã Salvados (tem na Netflix), o homem tão falado, e nem tão ouvido, deu uma longa entrevista em 2017 a Jordi Évole em uma das melhores produções sobre Venezuela que já vi.       

                                      
                                        Cena da entrevista com Maduro em Salvados. Líder promete responder a todas perguntas. E o faz

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Pequena exaltação da verdade

A esposa de um influente político, que atualmente cumpre pena, é pega com o equivalente a U$ 20 milhões dentro de caixas em seu carro, que são logo confiscadas pela polícia local. O Ministério Público nacional afirma que investigará o caso. Enquanto isso, uma mulher, segundo quem sua família sofre perseguições, teve cerca de U$10 mil dólares confiscados pelos supostos algozes. O dinheiro era destinado ao tratamento no hospital de sua avó de 100 anos, que não tem seguro. As duas situações aparentemente distintas aconteceram hoje, em uma espécie de Gato de Schrödinger venezuelano.


Lilian Tintori, esposa do opositor Leopoldo López, que atualmente cumpre prisão domiciliar, teve 200 milhões de bolívares confiscados. A informação foi confirmada nesta quarta pelo novo procurador-geral venezuelano, Tarek William Saab. Segundo o mesmo, a polícia científica do país encontrou o dinheiro em quatro caixas de madeira dentro de um carro pertencente à família de López. No câmbio oficial, o valor corresponde a U$$ 20 milhões, enquanto no paralelo, segundo o dolartoday.com, a soma equivale a U$$ 11.400. Tintori postou no Twitter uma foto que mostraria sua avó no hospital, segundo ela, internada há dias sem seguro, e a quem se destinaria o dinheiro.


O procurador-geral Tarek Saab assumiu o cargo após a saída de Luísa Ortega Díaz, dissidente chavista que afirma ter provas de corrupção no governo de Maduro, em especial envolvendo a Odebrecht, e que, por isso, sofreria perseguições na Venezuela. Saab será o principal responsável nas investigações do caso envolvendo Tintori, esta que se notabilizou por denunciar a políticos da região a situação venezuelana. Dentre estes, alguns são acusados de corrupção nas delações da Odebrecht, e um dos mais notáveis, Aécio Neves, é alvo de uma série de inquéritos no Brasil.


As investigações seriam as mesmas caso o vice-presidente venezuelano, Tarek El Aissami, ou o homem forte do chavismo Diosdado Cabello, tivessem eles sido apanhados? Acredito que não. A repercussão na imprensa internacional caso um deles fosse pego teria sido a mesma? Também acredito que não.

A sabedoria prega que a primeira vítima em uma guerra é sempre a verdade. A Venezuela pode não ter chegado a este estágio de confronto, mas há muito a informação já foi vitimada no país. Em situações como estas, infelizmente sabemos bem quem são os mais afetados. E nenhum deles carrega U$ 2 milhões, tampouco U$ 11.400. Seus números são outros: inflação, desemprego, homicídios, escassez… Mas chega, prometi que seria breve.

Tintori. Bem ou mal? Infelizmente, a verdade não há

segunda-feira, 31 de julho de 2017

Inconsequência e desinformação explicam apoio a Maduro em 2017

Os noticiários há pelo menos três anos são inundados pelas mesmas considerações sobre a crise na Venezuela: “situação drástica”, “governo insustentável”, “protestos reprimidos da oposição” e cifras sobre inflação, desabastecimento, queda no PIB e outros números para ilustrar o fracasso do governo de Nicolás Maduro. Desta forma, é compreensível que, por outro lado, os defensores do “socialismo na América Latina”, da “Revolução Bolivariana”, e do legado do chavismo para os mais pobres, se aferrem aos mesmos argumentos de 2014. No entanto, na realidade de 2017, a estratégia do que resta de apoio internacional do regime soa como um misto de desinformação e inconsequência.

De fato, o chavismo aproveitou bem o alto valor do petróleo para conseguir importantes investimentos na população mais desfavorecida da Venezuela, aumentando expectativa de vida e o poder de compra dos venezuelanos. Como já foi extensamente propagado nos últimos três anos, a queda no valor do barril, que chegou a custar menos que US$ 30, enquanto nos tempos dourados de Chavéz ultrapassava os US$ 100, foi um baque até hoje irreparável na economia que detém as maiores reservas de petróleo do mundo e exportações que dependem do óleo em 95%.

O lado menos contato da história, e que vem aparecendo gradualmente, é para onde foi outra parte deste dinheiro. A Venezuela, assim como o Brasil, não sofreu somente com a queda do preço internacional de matérias primas, mas também com um assalto aos cofres do Estado com um misto de incompetência, e a prioridade a interesses espúrios. No que a revista Economist classificou como “gangstercracia”, o ex-ministro do orçamento venezuelano Jorge Giordani afirma que dos US$ 1 trilhão que o país conseguiu com a venda do petróleo, US$ 300 bilhões teriam sido desviados. O atual vice-presidente, Tareck El Aissami, é acusado internacionalmente de integrar uma rede do narcotráfico, que contaria com a colaboração de altos funcionários do governo venezuelano. Quem fez a denúncia junto a Giordani foi Hector Navarro, que esteve à frente de cinco ministérios no governo de Chavéz, e que afirma “ladrões não têm ideologia”.

Desta forma, o que não devem pensar os 93% dos venezuelanos que afirmaram em pesquisa não conseguir comprar o que precisam de comida, assim como os cerca de 75% que perderam peso no ano passado ao ouvir a defesa do atual governo por conta de sua prioridade aos mais pobres? A inflação, que deve alcançar os 1000% neste ano, a maior do mundo, consome o poder de compra daqueles que veem este equiparado à década de 50. A mortalidade materna cresceu 66% no último ano, e a infantil 30%, números que para serem divulgados custaram o cargo da ministra da Saúde.

No começo da crise, uma das principais defesas que era feita ao regime foi a da manutenção das liberdades. Como o caso da ministra da Saúde ilustra, e que ficou evidente com o cerceamento aos trabalhos da procuradora-geral Luísa Ortega Díaz, chavista e que chegou a ter seus bens bloqueados por conta da oposição a Maduro, internamente a liberdade não passa de ilusão. A liberdade de imprensa, que de fato ainda é maior do que em históricas guinadas autoritárias na América Latina, foi cerceada nos últimos tempos, em especial com a simbólica ordem de fechamento da CNN.

Liberdade de manifestação, como se sabe, nunca foi o forte do governo de Maduro. Os primeiros protestos foram duramente reprimidos, culminando inclusive com uma série de encarceramentos e até em mortes. No entanto, desde as marchas que se iniciaram em abril deste ano, mais de 100 pessoas já perderam suas vidas em manifestações contra o governo, parte delas vítimas de assassinatos brutais por milícias urbanas. Apenas nos protestos em decorrência da votação pela Assembleia Constituinte, já são contabilizadas ao menos 15 mortes.

A capacidade de restabelecer a ordem democrática por meio da Assembleia, como é defendido por parte dos apoiadores do regime, é uma falácia. As 545 cadeiras em disputa pelo pleito reservavam importantes margens à setores ligados ao governo, inclusive com algumas pessoas podendo escolher por duas vezes seus representantes. A eleição municipal fez com que localidades pequenas tivessem a mesma equivalência das principais cidades, onde o antichavismo é mais forte, em uma violação da paridade do voto (sim, o que não deixa de ocorrer, de certa forma, no sistema eleitoral do EUA). As denúncias de que funcionários públicos foram ameaçados em caso de não comparecimento à votação foram frequentes, assim como as de sanções aos beneficiários de programas do governo que não o fizessem. Por fim, Diosdado Cabello, conhecido como número dois do chavismo, acusado de corrupção e envolvimento com o narcotráfico, Cilia Flores, esposa de Maduro, e Delcy Rodriguez, ministra das relações exteriores do governo, terminaram eleitos.

Diante do atual quadro do regime, não passa de uma retórica vazia as expressões que acusam uma suposta “direita” de arquitetar contra Maduro. Quanto às acusações norte-americanas de ingerência, o país segue comprando quase metade do petróleo exportado pelos venezuelanos, sendo sede de importantes operações da estatal PSVDA no ramo. Sanções contra o país dificilmente surtiriam efeito, já que reforçariam os argumentos “anti-imperialistas” de Maduro para sua base, e que buscaria outros parceiros, como a já importantíssima China e a Rússia, que passou a exercer mais influência após acordos venezuelanos com sua estatal petrolífera, a Rosneft. Por outro lado, os norte-americanos neste caso teriam pouco a ganhar, sendo obrigados a buscarem óleo em áreas mais onerosas e provavelmente assistindo a um aumento no preço do barril no cenário global.

Sanções contra a alta cúpula do regime, como El Aissami, que já conta com embargos norte-americanos, são um caminho responsável, e que pode surtir efeito. No entanto, nada além de forçar o regime a ir, de fato, à mesa de negociações pode representar o melhor aos interesses venezuelanos. Enquanto Maduro anunciava suas intenções de diálogo, como quando contou com a mediação do Vaticano, o regime se desviava cada vez mais do viés democrático. Desde 2014 presos políticos foram feitos na Venezuela, eleições marcadas foram adiadas sem prazo, um referendo revogatório previsto na constituição foi ignorado, e no auge do autoritarismo, o Tribunal Supremo assumiu os poderes da Assembleia Nacional, de maioria opositora, em um golpe que remonta ao século XX na América Latina e que a pressão internacional foi vital para o regime voltar atrás.

A instituição da Assembleia Constituinte representa um importante marco nas rupturas do processo democrático venezuelano que deve ser repudiado internacionalmente, tendo em vista minimizar suas consequências, que variam desde a instauração de uma ditadura plena à uma guerra civil. A inconsequência da ala petista que domina o partido com mais apoiadores no Brasil é lamentável, baseada em argumentos que não condizem com a realidade e a defesa de um regime transgressor do viés democrático. É fato que, somente os próprios venezuelanos e o diálogo poderão resolver a grave crise pela qual passa o país, no entanto, a mediação externa se faz necessária. Criticar atos de um regime que atenta à ordem democrática não faz ninguém menos aferrado a uma ideologia, assim como fizeram diversos respeitados intelectuais de esquerda e a procurado Ortega Diaz. Um posicionamento mais embasado para além de chavões distantes da realidade e dedinhos no bigode para cantar “tô com Maduro” é necessário neste momento em que sim, a Venezuela pode ter dado um passo sem volta rumo ao autoritarismo.

Maduro, longe demais no 30/07


terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Brasil não virou uma Venezuela, mas criou algumas

Durante o governo Dilma, não era incomum acusações de que os petistas estivessem tentando transformar o Brasil em “uma Venezuela”. A crise no país vizinho já se arrastava há algum tempo nesta época, e determinados setores temiam que esta pudesse se repetir aqui. E em partes, se repetiu como nos mostram as tensões no Espírito Santo e no Rio de Janeiro envolvendo, sobretudo, a segurança pública.

A Venezuela conta com as maiores reservas de petróleo do mundo. Os hidrocarbonetos representam 95% das exportações do país, e correspondem a cerca de 25% de seu PIB. Quando o barril de petróleo chegou próximo aos 150 dólares, o governo chavista aumentou exponencialmente os gastos públicos. Com a queda no valor da commoditie, que chegou a custar menos de 30 dólares em 2016, os venezuelanos passaram a conviver com uma crise que se alastra até hoje. Índices como a ausência de 70% dos produtos em supermercados e a maior inflação do mundo marcaram a gravidade da situação. A violência se alastrou, levando Caracas ao posto de cidade mais violenta da Terra, com 119 homicídios a cada 100 mil habitantes em 2015.

Em 2017, o posto de município mais perigoso poderia ser tomado por alguma cidade do Espírito Santo, em caso de prolongamento da crise da segurança pública. Em uma semana no Estado, 121 pessoas foram mortas, número que supera mais de 90 países em um ano inteiro. Estima-se que o Espirito Santo, segundo maior beneficiário dos royalties do petróleo, tenha sofrido uma queda recente no PIB de 19%, situação que se agravou por conta da tragédia envolvendo a Samarco.

No Rio de Janeiro, grande receptor dos fundos oriundos do petróleo, a queda estimada no PIB foi de 7%, mas em determinadas cidades a situação é bem mais grave. Em 2012, com o barril ainda em alta, a “Capital Nacional do Petróleo”, Macaé (RJ), recebeu repasses do governo federal de cerca de 605 milhões de reais, destes quase 90% relativos aos royalties. Em 2016, os recursos ficaram entorno de 266 milhões, menos da metade do recebido quatro anos atrás. Campos dos Goytacazes (RJ), que conta com cerca de 500 mil habitantes, mas graças aos royalties é um dos principais beneficiários de recursos da União, recebeu desta cerca de 1,625 bilhão em 2012, com 82% oriundos dos royalties. Em 2016 os royalties representaram aproximadamente 352 milhões para a cidade, pouco mais de 20% de quatro anos atrás.

Apesar de ter parte importante de sua economia centrada no turismo, Cabo Frio (RJ) sentiu o impacto da queda acentuada no preço do barril. Em 2012, 80% dos recursos federais provinham dos royalties, uma quantia de aproximadamente 318 milhões de reais. Em 2016, o governo repassou entorno de 82 milhões pela commoditie. Mesmo que a participações dos royalties nas transferências para o município tenha caído substancialmente no período, certamente a queda teve grande impacto no orçamento da cidade com menos de 200 mil habitantes.

A grave crise levou ao desemprego. Cerca de 20% dos postos de trabalho fechados no Brasil foram no Rio de Janeiro. A capital do Estado registrou o maior número de novos desempregados em 2016. Além da situação quantitativa, um percurso ao redor do Rio de Janeiro apresenta cenas dignas do Cinturão da Ferrugem nos Estados Unidos, por exemplo, em Itaboraí (RJ), que seria uma das grandes beneficiadas com os royalties, mas que conta hoje com uma “manada de elefantes brancos”, como um grande shopping sem movimento e prédios abandonados.

Assim como na Venezuela, o componente de crise econômica e desemprego gerou um aumento na violência. Em média, em todo o estado do Rio de Janeiro 16 pessoas são assassinadas por dia. No ranking mundial encabeçado por Caracas, que leva em conta homicídios em cidades com mais de 300 mil habitantes, figuram Vitória (ES) na 31º posição e Campos dos Goytacazes (RJ) na 39º, com 42 e 36 homicídios a cada 100 mil habitantes respectivamente.


A lista de países produtores de petróleo no mundo abrange situações bem distintas para continuar sendo reproduzida a ideia de “maldição do ouro negro”. Em nações como Venezuela e Angola, a corrupção e a incompetência generalizaram por todo território a crise oriunda pela queda do preço do barril. No Brasil, país que depende muito menos de um preço alto da commoditie para equilibrar as contas, a má distribuição do pacto federativo gerou um colapso para dois estados, que se veem em falência, e sem garantir sequer a segurança da população. No caso do Espírito Santo, a falta de reajuste salarial deixou os policiais militares com um dos menores salários do país, enquanto no Rio de Janeiro, que não figura entre os melhores ordenados para a categoria, a falta de pagamentos há meses gerou a crise. A propósito, os maiores salários para estes profissionais estão no Distrito Federal, onde o “efeito dominó” da greve não ameaça chegar. Ali, nada de Venezuela. Nem mesmo para se pronunciar sobre a crise no país vizinho.

Situação em Vitória (ES) se descontrolou com greve, mas já não era tranquila /FOTO: (Paulo Whitaker/Reuters)

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Um mapa que explica o mundo

Sempre adorei mapas. O gosto vem desde a infância, quando levava um bom tempo observando os mapas da Europa para identificar as cidades que possuíam times nas principais ligas do continente. Essa relação de geografia com futebol levava a alguns equívocos, como acreditar que as capitais dos países eram as sedes das principais equipes do momento. Assim, Lyon substituía Paris como capital da França, Munique era a alemã e Milão a italiana. Bons tempos.

Eu não tenho dúvidas que esse interesse influenciou muito nos meus gostos de hoje. Quando passei a compreender que aquelas representações cartográficas na verdade representavam pessoas, culturas, interesses e pensamentos diferentes, foi amor à primeira vista. E hoje, em tempos de internet, as possibilidades para dissecar mapas são muitas. Páginas que acesso quase diariamente, como Amazing Maps, El Orden Mundial en el Siglo XXI e Eurasia postam verdadeiros mapas que costumam valer mais que mil palavras para entender o mundo.


E o que traz esta enrolação é um destes. Olhando rápido, pode ser simplesmente um mapa mundi com tons de marrom que representam a porcentagem que as matérias primas representam no PIB de cada país. Um olhar mais atento, ajuda em uma grande compreensão dos conflitos no mundo hoje e os que devem estar por vir, ou como costumam dizer “A Ordem Mundial”.

Primeiro as “ausências”. Sete das mais sentidas são facilmente compreendidas. Na África, a Líbia, um dos países com maiores reservas de petróleo no mundo, está destruída. A sede do governo reconhecido não fica na capital Tripoli, e boa parte dos poços de óleo estão nas mãos de milícias extremistas, inclusive o Grupo Estado Islâmico. Não tem como fazer a estimativa. Situação semelhante com a da Somália, um completo estado falido em guerra civil há décadas e que tem como uma das principais forças o Al Shabab, ligado à Al Qaeda. A área que não possui dados no Marrocos é a Saara Ocidental, envolvido em complexos imbróglios separatistas.

No Oriente Médio, o Irã, um dos maiores produtores de petróleo global, sofria com graves embargos para vender seu produto principal até o Acordo Nuclear. Difícil estimar a dependência. Depois, Cuba, Myanmar e Coréia do Norte. Três dos regimes mais fechados e com economias mais enigmáticas do mundo, apesar das aberturas nos dois primeiros. O outro dispensa comentários, até por falta de informações.

A região mais emblemática hoje é a América Latina. Brasil, Argentina e Venezuela tiveram grandes crescimentos econômicos durante a alta dos preços de matérias primas, principalmente se aproximando da China. A demanda global pelos produtos caiu, assim como o crescimento chinês, um não separado do outro. Com isso, graves crises atingiram as duas principais potências sul-americanas, que seus PIB’s dependem mais de 16% de commodities, sendo dispensável detalhar o caso brasileiro. Já na Argentina, o problema se somou a dificuldades anteriores, e levou a um cenário ainda pior. Apesar dos benefícios apontados por muitos meios da mídia estrangeira, Macri não resolveu toda a situação argentina, tendo estes, por exemplo, que conviver com enorme inflação no seu governo.

Comparar o que acontece na Venezuela com os dois países é bastante equivocado. A situação, que envolve possibilidades hoje de uma guerra civil, é imensamente mais delicada, e chavismos a parte, o mapa explica bem. A Venezuela é o único país em que seu PIB depende mais de 32% da exportação de matérias primas na região, e tendo em vista que boa parte vem do petróleo, já que os venezuelanos são detentores das maiores reservas mundiais, é mais compreensível. Durante boa parte dos últimos dez anos, o barril de óleo foi negociado a mais de 100 dólares, chegando facilmente aos 120. Neste ano, a commoditie chegou a valer menos de 30 dólares. É mais do que grave.

Equador e Bolívia são dois países preocupantes em um médio prazo. Os dois gozam de relativa estabilidade hoje, mas com o PIB dependendo mais de 16% da exportação de matérias primas, as conjunturas não podem omitir reformas necessárias. O Equador, membro da OPEP, terá problemas com o barril sendo negociado a preços mais baixos, apesar de hoje conseguir “surfar” na onda dos países que se voltaram aos acordos com o Pacífico e fugiram da queda chinesa. A Bolívia, também muito dependente de hidrocarbonetos, deve boa parte de sua estabilidade, justamente a uma estabilidade, a de Evo Moralez no poder de um país famoso pelos golpes de estado.

O país que se sobressai no Norte do mapa por conta da cor mais escura, é justamente o maior, a Rússia. Não vem de hoje que a queda no preço dos hidrocarbonetos deixa os russos com um dos piores desempenhos econômicos dentre os países mais importantes do mundo. A estratégia de Putin para lidar com o problema e manter sua popularidade entorno dos 80% é aumentar retórica nacionalista do país. O resultado são duas participações em dois dos principais conflitos da atualidade, a Crimeia e a Síria.

Apesar de peculiaridades em países como Canadá e Austrália, com populações pequenas e grande renda per capita, em geral os países mais estáveis do mundo são os mais claros no mapa. Por outro lado, o instável Oriente Médio, revela tons mais escuros e é área mais preocupante na representação.
O Iraque, por exemplo, tem mais de 65% de seu PIB relacionado com matérias primas, em especial o petróleo. Mas sua instabilidade não vem desde a queda no preço do barril, e sim de tensões anteriores. Os países do Golfo, com o caso emblemático da Arábia Saudita, conseguiram verdadeiros oásis em meio a tantas tensões, como por exemplo, alguns dos PIB’s per capitas mais altos do mundo e a Copa de 2022. Praticamente tudo com dinheiro de um petróleo caro e com alta demanda.

Estes países construíram estados de bem-estar social com a renda da commoditie, mas depender de matérias primas significa se submeter a volatilidades. Ainda mais se tratando de um combustível que em qualquer visão ambientalista, é obsoleto para o século XXI. E estes países já vêm enfrentando os custos de petróleo barato, como no caso do Bahrein. A ditadura sunita em um país de maioria xiita, normalmente conseguia conter sua população com reformas sociais caras, mas pouco inovadoras, sobrecarregando o funcionalismo público. O país tem mais de 32% de seu PIB atrelado a commodities, então com o petróleo a mais de 100 dólares o barril, a estabilidade era comprada, o que fica impossível nos atuais preços, e o país é provavelmente o foco da próxima grande tensão do Oriente Médio.

Alguns países entenderam a necessidade de mudança e saíram na frente, antes de virar um foco de tensão em um futuro não muito distante. O SaudiVision 2030 é um ambicioso programa que visa diversificar a economia do maior exportador de petróleo do mundo até 2030. A medida foi tomada depois que o FMI indicou que a atual economia saudita era insustentável dentro de cinco anos, mas convenhamos um pouco de bom senso e esse mapa poderia justificar a decisão. Aliás, bom senso, investimento em inovação e tecnologia são vitais em qualquer parte deste mapa. Fica a dica aos “abençoados por Deus e bonitos por natureza”.