quarta-feira, 1 de junho de 2016

A Maior Tragédia do Mundo?

“From here to eternity” foi o bom título escolhido pela The Economist, para em uma pioneira matéria, tratar da atual situação do maior campo de refugiados do mundo, Dadaab, no Quênia. A localidade que conta com 350 mil pessoas, população maior que a da Islândia, é constituída em sua grande maioria por pessoas fugindo da terrível guerra da Somália, que devasta o país há décadas e não indica perspectivas de fim em um curto prazo.

Boa parte dos somalis de Dadaab chegou em 1991, ano que marca um grande acirramento do conflito no país e que deixou milhares de mortos, além de inúmeros refugiados. Portanto, muitos dos 350 mil habitantes ou perdeu as posses na Somália, assim como o contato com suas famílias, ou nasceu em um campo no Quênia, o que lhes coloca em uma situação próxima a de apátridas, já que não tem os direitos nem de um cidadão somali nem de um queniano. Na década passada, o drama vivido por estas pessoas chegou a receber grande mobilização internacional, assim como o de outros conflitos africanos como o do Sudão, no entanto, o foco na crise de refugiados no Oriente Médio tirou boa parte da atenção para estes dramas humanitários.

Em 2010 a renda per capita anual de um habitante de Dadaab era de 223 dólares, o que dá menos de um dólar por dia, no entanto, com o auxílio da ACNUR, a agência da ONU para refugiados e ONG’s, crianças eram alfabetizadas na medida do possível e doentes eram atendidos. Depois que as atenções se voltaram para a crise do Mediterrâneo, a renda anual passou a ser de 148 dólares, valor que torna qualquer atividade, mesmo que as intenções sejam as melhores, muito mais difícil. Um grande número de jovens devem crescer analfabetos, tornando as perspectivas de uma vida melhor que a de Dadaab, ainda mais complicadas, além dos muitos que terão graves consequências na saúde por conta da falta de recursos mínimos.

Mas o alarmista título da The Economist foca em uma tragédia que pode ser ainda maior, e que passou a ser preocupação de somalis e grupos de defesa de direitos humanos nos últimos dias. O governo queniano quer fechar Dadaab. A medida deixaria centenas de milhares de pessoas sem terem para onde ir, e como principal opção retornar a uma Somália, na qual muitos são ameaçados de morte. Além dos que fugiram por conta das ameaças dos grupos armados que disputam a guerra no país, há o restante que terá de enfrentar uma nação destruída pelas décadas de conflito. Conflito no qual, o grupo terrorista islâmico Al Shabab, afiliado local da Al Qaeda, ganha cada vez mais terreno, o que consequentemente leva a uma intensificação dos bombardeios de drones americanos que combatem os terroristas.

E é justamente o Al Shabab a alegação do governo queniano para fechar o campo de Dadaab. O Quênia, com uma das economias mais pujantes do continente africano, sofreu recentemente dois grandes ataques dos terroristas, o que abalou fortemente a confiança de habitantes e investidores. O primeiro destes aconteceu em um shopping em Nairóbi em 2013, matando mais de 70 pessoas, e em 2015, uma universidade foi o alvo e levou 147 pessoas a óbito. Segundo o grupo, os dois atacaram lugares que representam valores ocidentais contrários ao radical Islã que eles dizem acreditar.

Para o governo do Quênia, Dadaab seria abrigo de terroristas do Al Shabab, que poderiam aproveitar do disfarce de meros refugiados para realizarem novos ataques no território do país. A complexa acusação justificaria assim, o fechamento do campo, em um dos maiores casos de punição coletiva da atualidade.

Assim se chega ao título da matéria que inicia o texto. De Dadaab para onde? O destino de muitos, em caso de fechamento, sem dúvidas será a eternidade. Caso nada seja feito para impedir a ação, o do governo do Quênia também, como causador de uma das maiores tragédias humanitárias de nossos tempos.

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