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terça-feira, 3 de maio de 2016

Os números do Senado

A votação pelo prosseguimento do processo de impeachment no Senado se aproxima, e o temor de um espetáculo que coloque o Brasil novamente em situação constrangedora é natural. A consulta no Congresso, que na sua cobertura internacional contou com ironia e espanto até de publicações mais tradicionais, como a revista The Economist, não deve ser parâmetro para a próxima.
A série de constrangimentos no dia 17 de abril, que contou com apologia a um torturador, cusparadas, confetes, inúmeras menções a Deus, e até a paz de Jerusalém, abalada no dia seguinte por um atentado a um ônibus, dificilmente deve se repetir no Senado. O caso do senador Cristovam Buarque é emblemático, já que o político se colocou plenamente a disposição para expor os argumentos para seu voto, inclusive em entrevista para a GloboNews. Situação bem diferente da ocorrida na outra casa, na qual, retratada na ironia dos meios internacionais, sobraram argumentos, mas não relacionados ao objeto da votação.
Ainda assim, o singular momento da política brasileira contará com marcos na história mundial. Segundo diversas pesquisas, pela primeira vez um chefe de estado que sofreu impeachment terá a chance de julgar outro processo do mesmo porte. Além disso, teremos o primeiro homem a ultrapassar a barreira dos 1000 gols votando a permanência de alguém no cargo máximo de um executivo democrático. Sabendo das qualidades de placares de jornais como Estadão e Folha de São Paulo, fomos atrás de outros números sobre a votação no Senado.
(Todas as indicações abaixo foram conferidas em veículos da imprensa ou nas mídias dos próprios políticos. O VPC se isenta de juízo de valor sobre o divulgado, achando melhor assim, não destacar quais números pertencem a cada senador)
-Um impeachment                                                                    
-1002 gols na carreira
-Um filho nos Panama Papers
-Uma Copa do Mundo
-455 kg de cocaína apreendidos em helicóptero da família
-12 senadores investigados na Operação Lava Jato
-Uma mãe do Supla
-Um aeroporto construído em terreno da família durante mandato de governador
-6 votos para Assembleia Legislativa antes de assumir como suplente
-Uma citação da frase: “Cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém”
-Dois condutores do reconhecimento do Genocídio Armênio na casa
-Um estado em que nenhum senador declara o voto
-Duas acusações de uso de trabalho escravo em propriedades da família
-Um delator na Operação Lava Jato
-Uma propaganda em que dizia “Como a mãe dele” e “Como a Dona Maria”
-Um vice da Libertadores como presidente do clube
-Duas casas pichadas por vândalos 
-Um filho exonerado de cargo na Câmara por nepotismo
-Uma citação da frase: “Relaxa e goza” durante crise da aviação
-Uma conta da família em Liechstein
-85 dias detido
-Três sem partido
-Uma música em que repete ser “Maluco por Jesus”
-Uma acusação de peculato arquivada por prescrição do crime
-Um presidente da casa investigado na Operação Lava Jato
-Um xaveco na Cléo Pires


São muito bem vindas sugestões de outros números. Principalmente as que se referirem a números de acusações e condenações por crimes eleitorais, além das trocas de partido, já que as limitações da equipe dificultaram estas apurações.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

O Brasil maquiavélico

A autoria da máxima “os fins justificam os meios” por Nicolau Maquiavel é questionada ao longo dos anos, no entanto que as ideias do autor de “O Príncipe” indicam que o resultado final deve ficar acima da moral com que ele foi alcançado é inegável. E em tempos de crise, a sociedade brasileira dá mostras que os pensamentos do antigo filósofo vigoram como leis que regem até hoje.

Sendo ou não ainda, “o país do futebol”, o esporte continua como uma grande mostra social do Brasil. Portanto, é sintomático um jogador da equipe de maior torcida do país, após vencer um campeonato com um gol irregular, declarar em entrevista que “roubado é mais gostoso”, pensamento compartilhado por milhões de pessoas sobre o ocorrido. Este episódio aconteceu na final do Campeonato Carioca, na mesma cidade em que seu outro símbolo, o Carnaval, foi vítima de polêmicas quanto às origens do financiamento da campeã Beija-Flor no ano de 2015. A resposta do principal membro da escola, Neguinho da Beija-Flor foi a de que a contravenção deveria receber agradecimentos. A participação de criminosos relacionados com o "jogo do bicho" na realização do Carnaval Carioca é de conhecimento comum, e muitos a defendem por uma “festa mais bonita”. No caso de 2015, a situação envolvia dinheiro oriundo de uma ditadura africana pouco conhecida no Brasil e o endossamento do regime por parte da escola de samba, o que foi esquecido pouco tempo depois.

Ainda sobre desconhecimento e ditaduras, recentemente foi publicada na revista “Época” uma reportagem sobre o uso de gás lacrimogênio brasileiro de forma letal, na repressão de protestos no regime do Bahrein. A matéria abordava inclusive a morte de um bebê por conta da utilização, além de demonstrar o descaso do fabricante quanto ao destino final de seu produto. A história que pode surpreender muitos causa ainda mais espanto com o grande número de comentários, que questionavam até a ocupação do autor da matéria. Muitos defendiam o fabricante, que “pelo menos estaria gerando emprego”.

E o descaso com a moral e a ética por trás dos objetivos alcançados só tende a aumentar na medida em que o sucesso destes seja mais relevante na vida do brasileiro. Pela manutenção de uma relativa estabilidade social, o clichê de que “bandido bom é bandido morto” ecoa por ruas e programas sensacionalistas quando o assunto abordado é a violência urbana. O resultado é uma sociedade que endossa publicamente uma polícia que é criticada no âmbito internacional por conta do alto número de execuções. Além disso, há o absurdo de analisar uma ação policial com X mortos, sendo X-3 “bandidos” sem julgamento, como um sucesso que infelizmente deixou “algumas vítimas”. O ciclo interminável de violência, com aval social, deixa o Brasil com cerca de 60 mil assassinatos por ano e 32 cidades entre as 50 com maior taxa de homicídio no mundo.

Na política, alguns defensores do atual governo apresentam contra as denúncias e condenações por corrupção os “avanços sociais” conquistados nos últimos anos. Além do fato surreal de contra argumentar crimes por conta das melhorias trazidas por eles à sociedade, algo que poderia, por exemplo, inocentar Pablo Escobar e “Chapo” Guzmán, há uma completa falta de questionamento sobre com base em quê foram conquistados estes avanços. A lista de abordagens que podem ser tomadas é imensa, mas ainda sobre armas no Oriente Médio: o Brasil é o quarto maior exportador de armas de pequeno e médio porte do mundo, e boa parte dessa expansão da indústria bélica ocorreu nos últimos governos. Sem praticamente conhecimento nenhum pela população, o Brasil aumentou quase 200% no último ano a venda de armas para a Arábia Saudita. Boa parte delas é usada na Guerra do Iêmen, iniciada ano passado e que matou milhares de civis. Nosso país exporta inclusive munições recriminadas internacionalmente.

As duas maiores empresas brasileiras privadas, em lucro, são a Vale e a JBS. Mineradoras, agronegócio e alto lucro não costumam ser propriamente grandes parceiros das questões ambientais. Apesar de algumas reduções nos índices de desmatamento, a destruição de biomas brasileiros teve um nível bastante acelerado durante os últimos anos por conta principalmente da expansão do cultivo de soja e da pecuária. Por outro lado, o dano ambiental que a mineração traz em longo prazo para rios e solos é difícil de ser calculado, por ser enorme. O completo desastre de Mariana e suas condenações falam por si só. Mas não é de admirar o descaso ambiental por parte de um governo que teve a frase “o Brasil não pode ficar a serviço de uma perereca” como uma das mais marcantes sobre o meio ambiente.

E quais são as reais intenções e atribuições morais daqueles encarregados por julgarem os escândalos do último governo? O principal juiz é idolatrado no país dos maquiavélicos, e deixa claro em um artigo escrito sobre a “Operação Mãos Limpas” na Itália a importância do Judiciário estar associado aos meios de comunicação e a opinião pública para condenar um esquema de corrupção como a Lava Jato. Isso no Brasil, país no qual a maior rede de comunicação é acusada sistematicamente de ter manipulado um debate presidencial que levou a derrota do ex-presidente investigado, além de a revista de maior circulação no país ser, de forma clara, contrária ao governo.

Não é nenhuma surpresa a opinião pública brasileira se colocar ao lado das investigações que vazaram grampos telefônicos na imprensa. No entanto, o que deve ser questionado de maneira imparcial é a validade deste ato, já que a justiça em um sistema pleno de direito como o brasileiro deve levar em conta mais que o clamor popular, ou provavelmente estaria aplicando a pena de morte. 
É gravíssima a divulgação das escutas telefônicas de um chefe de estado, sendo que esta pode claramente interferir em interesses nacionais. E sendo “petralha”, “coxinha” ou qualquer denominação que a insanidade da atual situação possa gerar, é cabível sim a indagação sobre o que ocorreria se o mesmo fosse feito nos EUA.

É imoral condenar de maneira seletiva os acusados de corrupção. Se o resultado final for “colocar os bandido na cadeia” como praticamente todos queremos, este fica bastante comprometido caso tenha havido interesses políticos e partidários durante as condenações, além de permitir que criminosos fiquem impunes.

Em nenhum lugar do mundo nasce uma classe diferente de seres humanos chamada “políticos” ou “eles”. As lideranças surgem, e refletem de maneira bastante precisa a sociedade que representam. E como é repetido incessantemente que o Brasil vive uma “crise de representação”, esta é uma grande oportunidade para questionar se são somente os governantes que não se importam com os meios pelos quais conseguiram suas posições, ou se “nós” teríamos tanta moral para não distribuirmos alguns ministérios para seguir no comando.

Cada vez mais no mundo há uma diferenciação entre “preço” e “custo”. O “preço” seria aquele aparente ao consumidor final, já o “custo” adiciona tudo aquilo demandado no processo. Ver somente os resultados exclui muitos valores fundamentais, já que um país ético, moralizado, justo, e com desenvolvimento sustentável custa muito caro.