quarta-feira, 18 de maio de 2016

Um mapa que explica o mundo

Sempre adorei mapas. O gosto vem desde a infância, quando levava um bom tempo observando os mapas da Europa para identificar as cidades que possuíam times nas principais ligas do continente. Essa relação de geografia com futebol levava a alguns equívocos, como acreditar que as capitais dos países eram as sedes das principais equipes do momento. Assim, Lyon substituía Paris como capital da França, Munique era a alemã e Milão a italiana. Bons tempos.

Eu não tenho dúvidas que esse interesse influenciou muito nos meus gostos de hoje. Quando passei a compreender que aquelas representações cartográficas na verdade representavam pessoas, culturas, interesses e pensamentos diferentes, foi amor à primeira vista. E hoje, em tempos de internet, as possibilidades para dissecar mapas são muitas. Páginas que acesso quase diariamente, como Amazing Maps, El Orden Mundial en el Siglo XXI e Eurasia postam verdadeiros mapas que costumam valer mais que mil palavras para entender o mundo.


E o que traz esta enrolação é um destes. Olhando rápido, pode ser simplesmente um mapa mundi com tons de marrom que representam a porcentagem que as matérias primas representam no PIB de cada país. Um olhar mais atento, ajuda em uma grande compreensão dos conflitos no mundo hoje e os que devem estar por vir, ou como costumam dizer “A Ordem Mundial”.

Primeiro as “ausências”. Sete das mais sentidas são facilmente compreendidas. Na África, a Líbia, um dos países com maiores reservas de petróleo no mundo, está destruída. A sede do governo reconhecido não fica na capital Tripoli, e boa parte dos poços de óleo estão nas mãos de milícias extremistas, inclusive o Grupo Estado Islâmico. Não tem como fazer a estimativa. Situação semelhante com a da Somália, um completo estado falido em guerra civil há décadas e que tem como uma das principais forças o Al Shabab, ligado à Al Qaeda. A área que não possui dados no Marrocos é a Saara Ocidental, envolvido em complexos imbróglios separatistas.

No Oriente Médio, o Irã, um dos maiores produtores de petróleo global, sofria com graves embargos para vender seu produto principal até o Acordo Nuclear. Difícil estimar a dependência. Depois, Cuba, Myanmar e Coréia do Norte. Três dos regimes mais fechados e com economias mais enigmáticas do mundo, apesar das aberturas nos dois primeiros. O outro dispensa comentários, até por falta de informações.

A região mais emblemática hoje é a América Latina. Brasil, Argentina e Venezuela tiveram grandes crescimentos econômicos durante a alta dos preços de matérias primas, principalmente se aproximando da China. A demanda global pelos produtos caiu, assim como o crescimento chinês, um não separado do outro. Com isso, graves crises atingiram as duas principais potências sul-americanas, que seus PIB’s dependem mais de 16% de commodities, sendo dispensável detalhar o caso brasileiro. Já na Argentina, o problema se somou a dificuldades anteriores, e levou a um cenário ainda pior. Apesar dos benefícios apontados por muitos meios da mídia estrangeira, Macri não resolveu toda a situação argentina, tendo estes, por exemplo, que conviver com enorme inflação no seu governo.

Comparar o que acontece na Venezuela com os dois países é bastante equivocado. A situação, que envolve possibilidades hoje de uma guerra civil, é imensamente mais delicada, e chavismos a parte, o mapa explica bem. A Venezuela é o único país em que seu PIB depende mais de 32% da exportação de matérias primas na região, e tendo em vista que boa parte vem do petróleo, já que os venezuelanos são detentores das maiores reservas mundiais, é mais compreensível. Durante boa parte dos últimos dez anos, o barril de óleo foi negociado a mais de 100 dólares, chegando facilmente aos 120. Neste ano, a commoditie chegou a valer menos de 30 dólares. É mais do que grave.

Equador e Bolívia são dois países preocupantes em um médio prazo. Os dois gozam de relativa estabilidade hoje, mas com o PIB dependendo mais de 16% da exportação de matérias primas, as conjunturas não podem omitir reformas necessárias. O Equador, membro da OPEP, terá problemas com o barril sendo negociado a preços mais baixos, apesar de hoje conseguir “surfar” na onda dos países que se voltaram aos acordos com o Pacífico e fugiram da queda chinesa. A Bolívia, também muito dependente de hidrocarbonetos, deve boa parte de sua estabilidade, justamente a uma estabilidade, a de Evo Moralez no poder de um país famoso pelos golpes de estado.

O país que se sobressai no Norte do mapa por conta da cor mais escura, é justamente o maior, a Rússia. Não vem de hoje que a queda no preço dos hidrocarbonetos deixa os russos com um dos piores desempenhos econômicos dentre os países mais importantes do mundo. A estratégia de Putin para lidar com o problema e manter sua popularidade entorno dos 80% é aumentar retórica nacionalista do país. O resultado são duas participações em dois dos principais conflitos da atualidade, a Crimeia e a Síria.

Apesar de peculiaridades em países como Canadá e Austrália, com populações pequenas e grande renda per capita, em geral os países mais estáveis do mundo são os mais claros no mapa. Por outro lado, o instável Oriente Médio, revela tons mais escuros e é área mais preocupante na representação.
O Iraque, por exemplo, tem mais de 65% de seu PIB relacionado com matérias primas, em especial o petróleo. Mas sua instabilidade não vem desde a queda no preço do barril, e sim de tensões anteriores. Os países do Golfo, com o caso emblemático da Arábia Saudita, conseguiram verdadeiros oásis em meio a tantas tensões, como por exemplo, alguns dos PIB’s per capitas mais altos do mundo e a Copa de 2022. Praticamente tudo com dinheiro de um petróleo caro e com alta demanda.

Estes países construíram estados de bem-estar social com a renda da commoditie, mas depender de matérias primas significa se submeter a volatilidades. Ainda mais se tratando de um combustível que em qualquer visão ambientalista, é obsoleto para o século XXI. E estes países já vêm enfrentando os custos de petróleo barato, como no caso do Bahrein. A ditadura sunita em um país de maioria xiita, normalmente conseguia conter sua população com reformas sociais caras, mas pouco inovadoras, sobrecarregando o funcionalismo público. O país tem mais de 32% de seu PIB atrelado a commodities, então com o petróleo a mais de 100 dólares o barril, a estabilidade era comprada, o que fica impossível nos atuais preços, e o país é provavelmente o foco da próxima grande tensão do Oriente Médio.

Alguns países entenderam a necessidade de mudança e saíram na frente, antes de virar um foco de tensão em um futuro não muito distante. O SaudiVision 2030 é um ambicioso programa que visa diversificar a economia do maior exportador de petróleo do mundo até 2030. A medida foi tomada depois que o FMI indicou que a atual economia saudita era insustentável dentro de cinco anos, mas convenhamos um pouco de bom senso e esse mapa poderia justificar a decisão. Aliás, bom senso, investimento em inovação e tecnologia são vitais em qualquer parte deste mapa. Fica a dica aos “abençoados por Deus e bonitos por natureza”.

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