Sempre
adorei mapas. O gosto vem desde a infância, quando levava um bom tempo
observando os mapas da Europa para identificar as cidades que possuíam times
nas principais ligas do continente. Essa relação de geografia com futebol
levava a alguns equívocos, como acreditar que as capitais dos países eram as
sedes das principais equipes do momento. Assim, Lyon substituía Paris como capital
da França, Munique era a alemã e Milão a italiana. Bons tempos.
Eu não
tenho dúvidas que esse interesse influenciou muito nos meus gostos de hoje.
Quando passei a compreender que aquelas representações cartográficas na verdade
representavam pessoas, culturas, interesses e pensamentos diferentes, foi amor à
primeira vista. E hoje, em tempos de internet, as possibilidades para dissecar
mapas são muitas. Páginas que acesso quase diariamente, como Amazing Maps, El
Orden Mundial en el Siglo XXI e Eurasia postam verdadeiros mapas que costumam
valer mais que mil palavras para entender o mundo.
E o que
traz esta enrolação é um destes. Olhando rápido, pode ser simplesmente um mapa
mundi com tons de marrom que representam a porcentagem que as matérias primas
representam no PIB de cada país. Um olhar mais atento, ajuda em uma grande
compreensão dos conflitos no mundo hoje e os que devem estar por vir, ou como
costumam dizer “A Ordem Mundial”.
Primeiro
as “ausências”. Sete das mais sentidas são facilmente compreendidas. Na África,
a Líbia, um dos países com maiores reservas de petróleo no mundo, está
destruída. A sede do governo reconhecido não fica na capital Tripoli, e boa
parte dos poços de óleo estão nas mãos de milícias extremistas, inclusive o
Grupo Estado Islâmico. Não tem como fazer a estimativa. Situação semelhante com
a da Somália, um completo estado falido em guerra civil há décadas e que tem
como uma das principais forças o Al Shabab, ligado à Al Qaeda. A área que não
possui dados no Marrocos é a Saara Ocidental, envolvido em complexos imbróglios
separatistas.
No
Oriente Médio, o Irã, um dos maiores produtores de petróleo global, sofria com
graves embargos para vender seu produto principal até o Acordo Nuclear. Difícil
estimar a dependência. Depois, Cuba, Myanmar e Coréia do Norte. Três dos
regimes mais fechados e com economias mais enigmáticas do mundo, apesar das
aberturas nos dois primeiros. O outro dispensa comentários, até por falta de
informações.
A região
mais emblemática hoje é a América Latina. Brasil, Argentina e Venezuela tiveram
grandes crescimentos econômicos durante a alta dos preços de matérias primas,
principalmente se aproximando da China. A demanda global pelos produtos caiu,
assim como o crescimento chinês, um não separado do outro. Com isso, graves
crises atingiram as duas principais potências sul-americanas, que seus PIB’s
dependem mais de 16% de commodities, sendo dispensável detalhar o caso
brasileiro. Já na Argentina, o problema se somou a dificuldades anteriores, e
levou a um cenário ainda pior. Apesar dos benefícios apontados por muitos meios
da mídia estrangeira, Macri não resolveu toda a situação argentina, tendo
estes, por exemplo, que conviver com enorme inflação no seu governo.
Comparar
o que acontece na Venezuela com os dois países é bastante equivocado. A
situação, que envolve possibilidades hoje de uma guerra civil, é imensamente
mais delicada, e chavismos a parte, o mapa explica bem. A Venezuela é o único
país em que seu PIB depende mais de 32% da exportação de matérias primas na
região, e tendo em vista que boa parte vem do petróleo, já que os venezuelanos
são detentores das maiores reservas mundiais, é mais compreensível. Durante boa
parte dos últimos dez anos, o barril de óleo foi negociado a mais de 100 dólares,
chegando facilmente aos 120. Neste ano, a commoditie chegou a valer menos de 30
dólares. É mais do que grave.
Equador
e Bolívia são dois países preocupantes em um médio prazo. Os dois gozam de
relativa estabilidade hoje, mas com o PIB dependendo mais de 16% da exportação
de matérias primas, as conjunturas não podem omitir reformas necessárias. O
Equador, membro da OPEP, terá problemas com o barril sendo negociado a preços
mais baixos, apesar de hoje conseguir “surfar” na onda dos países que se
voltaram aos acordos com o Pacífico e fugiram da queda chinesa. A Bolívia, também
muito dependente de hidrocarbonetos, deve boa parte de sua estabilidade,
justamente a uma estabilidade, a de Evo Moralez no poder de um país famoso
pelos golpes de estado.
O país
que se sobressai no Norte do mapa por conta da cor mais escura, é justamente o
maior, a Rússia. Não vem de hoje que a queda no preço dos hidrocarbonetos deixa
os russos com um dos piores desempenhos econômicos dentre os países mais
importantes do mundo. A estratégia de Putin para lidar com o problema e manter
sua popularidade entorno dos 80% é aumentar retórica nacionalista do país. O
resultado são duas participações em dois dos principais conflitos da
atualidade, a Crimeia e a Síria.
Apesar
de peculiaridades em países como Canadá e Austrália, com populações pequenas e
grande renda per capita, em geral os países mais estáveis do mundo são os mais
claros no mapa. Por outro lado, o instável Oriente Médio, revela tons mais
escuros e é área mais preocupante na representação.
O
Iraque, por exemplo, tem mais de 65% de seu PIB relacionado com matérias
primas, em especial o petróleo. Mas sua instabilidade não vem desde a queda no
preço do barril, e sim de tensões anteriores. Os países do Golfo, com o caso
emblemático da Arábia Saudita, conseguiram verdadeiros oásis em meio a tantas
tensões, como por exemplo, alguns dos PIB’s per capitas mais altos do mundo e a
Copa de 2022. Praticamente tudo com dinheiro de um petróleo caro e com alta
demanda.
Estes
países construíram estados de bem-estar social com a renda da commoditie, mas
depender de matérias primas significa se submeter a volatilidades. Ainda mais
se tratando de um combustível que em qualquer visão ambientalista, é obsoleto
para o século XXI. E estes países já vêm enfrentando os custos de petróleo
barato, como no caso do Bahrein. A ditadura sunita em um país de maioria xiita,
normalmente conseguia conter sua população com reformas sociais caras, mas
pouco inovadoras, sobrecarregando o funcionalismo público. O país tem mais de
32% de seu PIB atrelado a commodities, então com o petróleo a mais de 100
dólares o barril, a estabilidade era comprada, o que fica impossível nos atuais
preços, e o país é provavelmente o foco da próxima grande tensão do Oriente
Médio.
Alguns
países entenderam a necessidade de mudança e saíram na frente, antes de virar
um foco de tensão em um futuro não muito distante. O SaudiVision 2030 é um ambicioso
programa que visa diversificar a economia do maior exportador de petróleo do
mundo até 2030. A medida foi tomada depois que o FMI indicou que a atual
economia saudita era insustentável dentro de cinco anos, mas convenhamos um
pouco de bom senso e esse mapa poderia justificar a decisão. Aliás, bom senso, investimento
em inovação e tecnologia são vitais em qualquer parte deste mapa. Fica a dica
aos “abençoados por Deus e bonitos por natureza”.
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