Em 2017, o palco midiático estava montado para especiais sobre os 50 anos da ocupação israelense. A efeméride poderia
mostrar a dura vida em Gaza sob bloqueio, a situação dos refugiados nos
vizinhos, a vida dos palestinos em Israel. Mas 2017 foi o primeiro ano de
Donald Trump na presidência dos EUA, e a Guerra Civil da Síria era o principal
assunto no Oriente Médio. A Questão Palestina ainda ameaçou ganhar espaço com a
transferência da embaixada norte-americana para Jerusalém, o que prometia “colocar
fogo no mundo muçulmano”. Apesar de alguns distúrbios de início, a
representação seguiu na Terra Santa sem percalços. Mas, no geral, a data passou longe da atenção que se esperava.
A transferência inviabiliza a Solução de Dois Estados,
que até a última década era vista por grande parte do mundo como a melhor para
sanar o conflito que por anos foi a questão chave no noticiário internacional.
No comando de Benjamin Netanyahu, desde 2009, o que se viu foi o aumento de
assentamentos judeus em território que deveria pertencer a um futuro Estado palestino. Além disso, outras nações seguiram os EUA reconhecendo Jerusalém como capital israelense, o
que inviabiliza a noção de uma cidade compartilhada, parte fundamental da
Solução de Dois Estados.
A Guerra Civil da Síria ofuscou a Palestina em
diversas frentes. Em termos de tragédia humanitária, Gaza perdeu destaque para
Aleppo, ou a região que sofria na ocasião, quando o tema ganhava o efêmero
protagonismo nos noticiários. A questão dos refugiados em países vizinhos,
importante ponto nas negociações por conta do direito de regresso, perdeu força
frente às centenas de milhares de sírios deslocados. No Líbano, de população
diminuta e palco de frequentes tensões com palestinos, a leva de sírios ganhou
o foco. Premiado com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2017, “O Insulto”, que
trata das relações entre palestinos e libaneses, foi um dos poucos momentos em
que a situação Palestina ganhou destaque na década.
Na complexa Guerra Civil da Síria, o Hamas tomou uma
posição errática contra Bashar Al-Assad, que desagradou aliados fundamentais, em
especial o Irã, o que colocou o grupo em vulnerabilidade por falta de fundos. Por
outro lado, o potencial rival Fatah não conseguiu ocupar o vácuo do Hamas em
Gaza por enfrentar problemas internos, com duras denúncias de corrupção, que enfraqueceram também a gestão na Cisjordânia. Envelhecido, Mahmoud Abbas não fez sombra
a Yasser Arafat, antecessor com grande presença no imaginário internacional.
O Acordo Nuclear com o Irã abriu oportunidades para um
dos mais duros golpes à causa palestina. Ainda que com ressalvas
diplomáticas, o inimigo comum uniu Israel e Arábia Saudita naquela que é uma
das mais importantes guinadas geopolíticas na história recente. Os sauditas,
como tradicionais líderes entre os muçulmanos, compuseram a oposição ideológica
ao Estado de Israel. Agora, fazem parte dos grupos de governos árabes que
aceita a existência e convive com a nação, assim como Egito e Jordânia fizeram no
século passado. Além da importante proximidade militar, leva outros parceiros,
em especial os Emirados Árabes Unidos para a aliança. É importante ressaltar a
diferença entre governos e o povo em caso como este, já que a aceitação
geralmente é bem diferente entre a população em geral.
O grupo de nações em desenvolvimento que
tradicionalmente fez uma maioria para contestar Israel na ONU caiu na
última década. Além de países como a Guatemala, que decidiu transladar sua
embaixada, a hábil política externa israelense buscou estreitar laços com
dezenas de nações. Em 2016, já havia assinalado como a postura vinha ganhando
sucesso na África. Oferecendo tecnologia e parcerias estratégicas em áreas que
Israel é parte da liderança global, o país também ganhou em aproximação
ideológica. Assim como no caso de países latinos, que é bastante noticiado no
Brasil, comunidades evangélicas veem com bons olhos o estabelecimento do Estado
Judeu. O lobby foi fundamental na postura de Trump, mas também tem presença em
países como Uganda, em que o governo recentemente tomou posturas próximas à
religião. O potencial é ainda maior com a recentemente verificada expansão de
igrejas evangélicas no continente africano.
Na política interna israelense, mesmo com número
recorde de eleições por conta da paralisia em formar um governo, o tema foi
menos discutido do que historicamente. Irã, corrupção, crise habitacional e o
caráter do Estado foram assuntos mais determinantes para os eleitores do que a
questão com os palestinos. Por sua vez, os trabalhistas viram sua relevância
minguar a níveis de quase se tornarem irrelevantes. Yitzhak Rabin, signatário do
Acordo de Oslo, era do partido, e foi um dos principais nomes na defesa da
Solução de Dois Estados, assim como outras figuras históricas à exemplo de Shimon Peres.
O Haaretz, um
dos principais jornais israelenses, concluiu um resumo sobre a década na região sem citar
os palestinos nenhuma vez. Além da Primavera Árabe, na qual se insere a Guerra
Civil da Síria e outros conflitos, a publicação citou o Acordo Nuclear e o
Daesh como os fatores chaves. A proporção que o autointulado Estado
Islâmico ganhou fez com que os esforços internacionais se voltassem a um inimigo
comum, deixando outros conflitos em segundo plano. Com sua vocação ao
espetáculo e grande capacidade organizacional, o Daesh conseguiu unir
rivais e deixar qualquer situação como secundária, algo que a Al Qaeda não
chegou nem próxima de lograr.
Thomas Friedman, um dos principais colunistas de
política externa no mundo, escreveu que a Solução de Dois Estados estava morta algumas vezes. Mas não se
falar de um problema não acaba com a mesmo. É provável que a próxima década não
traga um acordo, mas Israel terá de lidar com uma questão fundamental. Ou dá
cidadania plena aos árabes em seu território, o que impede seu caráter judeu por
conta da demografia, ou vive um regime de exclusão com cidadãos de classes
diferentes, o que extingue seu caráter democrático. O palco é perfeito para extremismos. Certeza para o futuro é que perdemos a rara lucidez de Amos Oz, morto no fim de 2018, que acreditava que "a síndrome do século XXI é o choque dos fanáticos de todas as cores e o resto de nós".
Em dez anos, Netanyahu alterou o status do conflito. Mas nem isso bastou para estar entre os 50 mais influentes da década para o Financial Times. FOTO: Jack Guez/AFP
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