domingo, 22 de novembro de 2015

Homer Simpson e o terrorismo

Em um dos brilhantes episódios de Simpsons, infelizmente não me lembro qual, Homer parecia em uma situação desfavorável, até que solta a seguinte frase: "Você só não contava com uma coisa: a minha indiferença com a vida humana." Isso serve bem para definir a volta das atenções à Al Qaeda depois do último ataque em um hotel no Mali.

Diversas pessoas depois dos atentados de Paris desmereceram a capacidade da Al Qaeda em detrimento do Daesh (ISIS). A questão é que quando se lida com gente que acredita que não tem nada a perder, as análises não podem ser comuns como, por exemplo, dizer que o Reino Unido não tem o mesmo poder de antes ou que a China virou um grande ator global. Basta a oportunidade para um tipo de ação como a atentado em Bamako, que matou 27 pessoas, que pronto, um grupo volta a ter destaque.

É fato que a Al Qaeda não é tão forte quanto na última década, quando além do 11 de setembro, o grupo cometeu ainda grandes atentados em Londres, Madri (o maior da Europa) e Bali. Ainda assim, com suas ramificações, consegue ser um ator fundamental em pelo menos quatro grandes conflitos: Al Qaeda do Magreb Islâmico no Mali, Al Qaeda da Península Arábica no Iêmen, Al-Shabab na Somália e Frente Al Nusra na Síria. Além disso, há diversos grupos que já pelo menos declararam se aliar aos ideais destes terroristas em muitos locais, como Afeganistão e Filipinas.

O Mali reúne praticamente todos os elementos perfeitos para a ascensão de uma ramificação radical como a Al Qaeda. País paupérrimo é palco de grande instabilidade desde a chamada Revolução Tuaregue em 2012, que foi sufocada com tropas francesas. Ou seja, possui diversos jovens frustrados e indignados dispostos a morrer por uma causa aparentemente justa. O ataque ao hotel visava matar estrangeiros, que nesse tipo de situação, são vistos apenas como ocidentais e a nacionalidade de fato faz pouca diferença.

O que vale para a enfraquecida Al Qaeda, vale para a preocupação do momento, Daesh. Ações contra estes grupos podem surtir efeitos importantes contra o terrorismo, como vimos no caso da rede de Osama Bin Laden, que alguns chegaram até a pensar que estivesse acabada. A intervenção na Síria e no Iraque provavelmente vai diminuir muito o poder do Daesh, mas enquanto a ideia de jihadismo destes terroristas não for derrotada, o cenário será apenas a morte de mais jihadistas.

O caminho para isso passa por uma discussão sobre quem de fato financia o terrorismo pelo mundo, além de colocar em pauta a vertente wahabista do islã que vem sendo exportada há anos pelo regime saudita e é a base de grande parte dos grupos extremistas islâmicos. Mas estes são temas que uma hora ou outra vão ter de ser abordados.

O foco é que a análise de grupos extremistas não pode ser feita de maneira simples, já que a grande arma destes normalmente é a total indiferença com a vida humana, o que como estamos assistindo, pode ser mais valioso que um serviço de inteligência de qualidade e um exército bem armado.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

O texto do Estadão que nos denunciou

Não é o tipo de momento que me sinto mais a vontade para escrever sobre o tema da atualidade, e felizmente não depender disso hoje profissionalmente permite meu silêncio. Acho que visões complexas ficam perdidas em meio à infinidade de informação que recebemos depois de uma tragédia como a do último dia 13, e prefiro então tentar absorver o que tem de mais útil.

Eu fazia isso no domingo até me deparar com o texto “Por que a França” no Estadão. A opinião do correspondente na França, Gilles Lapouge, tinha bons elementos, dos quais eu concordo bastante. Tudo ia muito bem, em uma análise que saia da obviedade dos principais motivos do ataque ter se direcionado à França que ouvimos no noticiário, até a seguinte frase: “O EI não perdoa a França por ter assinado, em 1916, o acordo de Sykes-Picot, que desmantelou o Império Otomano e dividiu seus despojos entre a França, que recebeu o Líbano, e a Inglaterra, que ficou com a Síria.”. Eu concordo com a ideia, e voltaremos nela, mas há algo grave e vou explicar.

Não é demérito nenhum não conhecer o acordo de Sykes-Picot. A questão é que as fronteiras artificiais definidas por ele são fundamentais para entender os conflitos de hoje no Oriente Médio. Há um enorme ranço de parte das populações dominadas pelo Império Britânico (termo bem melhor que “Inglaterra” usado) e a França. Agora, o acordo previa que a Síria ficaria sobre influência francesa, enquanto Jordânia, Palestina, Iraque e uma parte do Kuwait ficariam com os britânicos (só por curiosidade, ai se dá a escalada do conflito árabe-israelense). Tudo bem o autor do texto ter errado, quem sabe pode até ter sido algo na tradução. O ponto que quero chegar se refere aos comentários.

Imagine um texto sobre o Tratado de Tordesilhas, mas nele há a informação de que o ocidente ficaria com Portugal e o oriente com a Espanha. Seria algo completamente incorreto e que inverteria a intenção do tratado. Foi isso o que aconteceu com o texto sobre Sykes-Picot. Qualquer pessoa que tivesse de fato interessada em saber um pouco mais sobre a origem de conflitos no Oriente Médio teria feito uma simples pesquisa sobre o acordo, notado a falha gigantesca e feito referência a ela. Procurei bastante e ninguém havia feito isso.

Em compensação, teóricos da conspiração sobravam nos comentários criticando o imperialismo atual das grandes nações. Os solidários por Mariana, que podem fazer doações além de falar na internet, questionavam o imenso espaço dado à tragédia francesa. Islamofobia, xingamentos a Dilma Rousseff e outras coisas típicas dos comentários recentes, também tinham seu lugar. Não sei se fiquei acostumado com o Globoesporte, mas senti falta de menções ao campeão de 87.

O que essa situação simbólica demonstra é que podemos até estar dispostos a sermos todos Mariana, Paris, Beirute, Maiduguri e onde mais alguém estiver sofrendo. Mas enquanto seguir faltando a hashtag #SomosMenosIgnorantes, o desconhecimento e o preconceito vão seguir reinando até o próximo momento de comoção, seja com grande atenção da mídia ou não.

Foi algo como eu disse bastante simbólico e que infelizmente representa boa parte de nós, seja neste caso especifico ou em outros assuntos. Mas em contrapartida gostei da quantidade de pessoas pesquisando e perguntando sobre os contextos da tragédia. Acredito que apesar de problemas como o caso aqui retratado, muitas pessoas vêm buscando conhecer mais sobre termos tão discriminados hoje em dia como árabes, Oriente Médio, Islã, muçulmanos e o mais importante: descobrir que não são nem um pouco sinônimos de terrorismo.

E sim, concordo muito na influência que o Sykes-Picot tem na escolha da França como alvo. Mas é assunto pra depois.

                                                                Acordo de Sykes-Picot

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Brasil decime qué se siente...

A ideia da continuidade de um regime político por mais quatro anos, após permanecer doze no poder, sendo ameaçada, o que era impensável em prévias das eleições é só mais uma das semelhanças entre as tentativas do PT e do kirchnerismo de um quarto mandato. A insatisfação que levou votos para a oposição não difere muito entre Brasil e Argentina: mau desempenho econômico gerando elevação de taxas de desemprego, inflação, esquemas de corrupção e acusações de má gestão de recursos.

A aposta que elevou o Brasil a uma potência econômica durante o governo Lula e que tirou a Argentina da situação deplorável que se encontrava em 2001 foi uma aproximação com a China, especialmente na exportação de commodities. A desaceleração do crescimento chinês complicou a economia dos dois países, que haviam utilizado da expansão econômica para aumentar gastos do governo em detrimento de reinvestir os ganhos.

O resultado foi de um panorama ruim após o fim do boom, mas não para uma oposição até então enfraquecida por conta do sucesso das políticas de distribuição de renda. Antes das eleições, a maior discussão de quem analisava o pleito argentino era se o candidato governista, Daniel Scioli, conseguiria a quantidade de votos necessária para vencer ainda no primeiro turno, para tanto deveria alcançar no mínimo 45% destes, ou pelo menos 40% e uma margem de diferença maior do que 10 pontos porcentuais sobre o segundo colocado. No fim das contas, o candidato da oposição, Mauricio Macri, ficou com praticamente 2% a menos de votos do que o rival, levando as eleições mais acirradas da história da Argentina pós-ditadura para um segundo turno.

Até a morte de Eduardo Campos, que alçou Marina Silva a uma real chance de vencer as eleições presidenciais de 2014, Dilma Rousseff aparecia com uma larga vantagem nas pesquisas frente ao segundo colocado Aécio Neves. Em dados momentos, analistas desacreditaram totalmente nas possibilidades do opositor de se tornar presidente. No entanto, uma série de fatores como a evolução das denúncias de corrupção do governo petista e a campanha ferrenha de desconstrução de Marina por parte da situação, criaram um cenário que tornou o segundo turno das eleições o mais acirrado desde o retorno da democracia brasileira. Em algumas pesquisas, Aécio chegou a aparecer na frente de Dilma.

Os argumentos de desconstrução do adversário são parecidos entre os dois candidatos governistas. Frequentemente o nacionalismo é invocado para defender uma não aproximação com os Estados Unidos, proposta pelos opositores. O apelido de “candidato dos mercados” é usado tanto para denominar Aécio quanto Macri. As críticas pessoais não são tão diferentes, sendo os dois considerados por alguns como “playboys”: o argentino é um empresário que já foi presidente do Boca Juniors, enquanto o brasileiro tinha as facilidades conseguidas por conta dos cargos de familiares muito lembradas. Até as esposas dos dois não foram de todo esquecidas.

O fator determinante são os cerca de 20% dos votos dos terceiros colocados. Apesar do apoio declarado por Marina Silva, Aécio não conseguiu capitar a parte necessária deste eleitorado e acabou derrotado no segundo turno. Na Argentina, Sergio Massa detém essa parcela dos eleitores que será fundamental tanto para Scioli quanto para Macri.

Scioli é governador da província de Buenos Aires, onde os kirchneristas perderam boa parte dos cargos na eleição de domingo. Isso pode contar a favor de Macri, prefeito da capital argentina. Mas fazer previsões para o pleito do dia 22 de novembro em um cenário que surpreendeu tanto é complicado.

Gostaria de destacar quatro vitórias da democracia argentina: foi realizado para estas eleições o primeiro debate televisivo entre os presidenciáveis desde a redemocratização, ainda que sem Scioli, que já anunciou que participará contra Macri no segundo turno. A realização de um segundo turno já é uma boa amostra de que a pluralidade de pensamentos está mais presente na política. Além disso, um dos principais temores quanto a essas eleições não passou nem perto de ser um destaque: as fraudes eleitorais, infelizmente comuns por conta da utilização de cédulas. E por fim, parece que depois de muito tempo é possível falar da política hermana sem citar Perón.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Como seriam os países mais ricos do mundo no Brasileirão?


É óbvio que o que vou tentar fazer aqui é impossível de ser algo exato e levado como uma verdade incontestável, por um motivo muito simples: futebol não é geopolítica, muito menos economia e os times brasileiros são bons exemplos disso. Ainda assim, acredito que esse tipo de comparação tende a ser válida para tornar termos complexos mais palpáveis ao cotidiano. O que estará em questão aqui é a avaliação dos mercados para as 20 maiores economias do mundo nos últimos anos, sem necessariamente levar em conta o tamanho do PIB ou a importância do país.

O Brasil seria como o Fluminense, fez algumas escolhas controversas, com aviso prévio de boa parte da mídia. Essas acabaram criando conflitos internos, culminando em resultados ruins que só acirraram os ânimos de todos e geraram ainda mais desconfiança. Seria um time de meio de tabela caso não fosse a apresentação de um relatório deficitário nas contas públicas, e como muitos sonham no futebol, o mercado acabou agindo como um fair play financeiro, tirando boa parte da confiança no Brasil e colocando o país próximo da zona de rebaixamento. Os dois tem um problema claro de estrutura, já que o Fluminense não tem uma defesa confiável desde quando Thiago Silva era do clube, e o Brasil, apesar do crescimento, nunca fez os investimentos necessários em infraestrutura, o que nesses tempos de crise se mostrou um grande equívoco. A situação é muito ruim, mas vale lembrar que ainda se trata da elite econômica global e que já superamos adversidades maiores, não vamos sequer precisar de viradas de mesa. E claro, assim como no Brasileirão que tem o Vasco, há gente pior.

Um líder falastrão autoritário, que gosta de se meter onde não tem mais como apitar tem muitos anos. Putin ou Eurico, o fato é que a semelhança entre as duas figuras ajudou a colocar tanto a Rússia como o Vasco no fundo do poço. Soma-se a isso a extrema dependência de peças que há alguns anos renderiam bastante, mas que não estão bem hoje em dia, como Dagoberto, Guiñazu, petróleo e gás natural.

Com constância no topo e ótimos resultados nos últimos anos, a China seria o Corinthians. O fato dos dois serem tão importantes e estarem bem faz com que qualquer crise, seja uma queda na bolsa ou um resultado ruim fora de casa, tenha enorme repercussão e já coloque em cheque todo o êxito dos últimos anos. Ainda assim segue no topo, mesmo com os alardes na imprensa.

O Flamengo seria a Índia. Enorme, mas normalmente com uma administração confusa, às vezes se acerta e consegue grandes resultados que animam a todos, especialmente a mídia. Os resultados econômicos indianos já viraram rotina em publicações como a The Economist e a figura do atual primeiro ministro, Narendra Modi, já é tão comum nestes espaços como a de Paolo Guerrero nos tabloides cariocas. O topo do mundo ou o hepta sempre são logo ali, mas às vezes tem problemas no caminho.

Inter e México fizeram grandes investimentos, apareceram muito bem na imprensa, no entanto velhos problemas acabaram complicando o seguimento dos dois. Em um caso, o fato de deixar o Brasileirão de lado, que já não ganha desde 1979, e o excesso de medalhões rendendo pouco. No outro, corrupção e narcotráfico, problemas tipicamente latinos.

A maior potência no cenário internacional não vive grandes momentos desde 2008, alternando fases ruins e estabilidade, mas sem ser o protagonista de outrora. A economia dos EUA se recupera a passos lentos, enquanto o São Paulo faz bons jogos no campeonato brasileiro. Os dois tem um problema que parece latente e nunca se saem bem, no caso dos americanos, o complexo Oriente Médio, já para os são paulinos a Copa do Brasil, que as últimas eliminações: Bragantino, Coritiba e Avaí, fazem parecer a competição mais complicada que conflitos sectários.

Tanto o Palmeiras quanto a União Europeia já foram bem mais imponentes no passado, no entanto de uns tempos para cá, decisões equivocadas acabaram atrapalhando ambos e enormes crises se instalaram. A medida encontrada foi a austeridade, que por momentos criou graves problemas, como no quase rebaixamento do Verdão no ano passado, ou o caos que se instaurou em economias mais frágeis, o que é evidente no caso grego. Ainda assim, parece que as coisas se estabilizaram, a Europa voltou a crescer a passos curtos, e o Palmeiras faz boa campanha no Brasileirão brigando pelo G4. E um aviso aos europeus, a extrema-esquerda contra a austeridade do Syriza e do Podemos não são nenhum Gabriel Jesus, ou seja, um achado raro que vai ajudar as coisas a se resolverem mais rápido.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

A humanidade em uma lente

Na medida em que você ouve e lê relatos sobre as atrocidades da humanidade, esses parecem cada vez mais perderem a capacidade de comover e nos fazer lembrar de que aquilo se trata de outros seres humanos. Uma frase creditada a Stálin diz que “Uma única morte é uma tragédia, um milhão de mortes é uma estatística”, e ilustra bem isso. Recentemente li um dos livros que considero entre os mais difíceis da minha vida, “Gostaríamos de informa-lhe de que amanhã seremos mortos com nossas famílias” trata do genocídio de Ruanda e relata como vizinhos de uma hora para outra passaram a matar famílias inteiras com facões simplesmente por uma suposta diferença entre etnias. Não consegui ler dois capítulos seguidos sem uma longa pausa para lamentar.

Outra obra que tive acesso há pouco, “A Civilização do Espetáculo”, do Nobel Mario Vargas Llosa, trata exatamente da diferença que as imagens têm de nos mobilizar em comparação aos outros meios. Nestes últimos tempos eu já havia ouvido e lido sobre as maiores barbaridades cometidas pelos três lados da Guerra da Síria, ficado chocado com o número estimado de mortos no ano passado, mais de 70 mil, no entanto a foto do menino morto na praia, tentando fugir dos horrores que lutamos para entender, teve um impacto sem precedentes.

Não sei se a comoção pelo caso se dá pelo fato de praticamente todos nós conhecermos, e termos enorme carinho, com alguma criança de idade parecida, ou meramente pelo tão perturbante e surreal que é aquela imagem. A questão é que o drama dos refugiados e o desastre na Síria tomaram outra esfera de mobilização depois do caso. O problema disso, que é o endossado na obra de Llosa, é que a mesma capacidade que uma foto tem de comover, ela pode ter para alienar sobre o seu real significado.

O que ocorreu naquela praia turca foi um reflexo de um drama vivido por milhares de pessoas em um país devastado por uma guerra, que cabe a nós refletirmos, interessa a quem? A outra parte da história são as péssimas condições que os refugiados enfrentam para tentarem parar de lutar pela sobrevivência e passarem a ter uma vida. O impacto que uma imagem como essa tem em nossos instintos é perigoso, já que vale lembrar que a revolta gerada pelos vídeos do 11 de setembro acabaram dando embasamento para a invasão do Iraque, uma operação desastrosa que tem inclusive como consequência a atual Guerra na Síria que vitimou o pobre menino. A falta de racionalidade em uma situação como esta, pode acabar levando a adoção de medidas equivocadas, em um momento que apesar das enormes dificuldades, Irã, EUA e Rússia parecem estar concordando em uma estratégia comum, o que seria um grande passo para o fim da catástrofe.

Enquanto isso na Europa, não podemos nos esquecer da quantidade enorme de movimentos xenófobos, que inclusive vêm se refletindo na política. A Suécia, famosa pelo bom trato aqueles que precisam de ajuda, elegeu recentemente para cargos legislativos políticos de ideologia próximas ao neonazismo. Na França, o berço dos atuais princípios democráticos, quem lidera as pesquisas para as eleições do próximo ano é Marine Le Pen, da Frente Nacional, famosa pelas tentativas de combate aos imigrantes. Seu pai, Jean-Merie Le Pen, fundador do partido, chegou a declarar que o “Sr. Ebola” seria a solução para os problemas relativos à migração, em uma frase indigna de ser comentada.

A reação frente a uma imagem como aquela, tende a não ser das mais fáceis. O El País decidiu sequer publicar a imagem, enquanto outros veículos de igual prestígio quiseram demonstrar o drama que a foto representa. Chorar, se indignar, ou qualquer outra coisa nesse sentido é absolutamente comum. Mas não devemos nos esquecer de tentar buscar as soluções para que nunca mais tenhamos de nos deparar com uma imagem como esta e lembrar que lágrimas não servem apenas para lubrificar os olhos.


Descanse em paz Aylan Kurdi.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Dilma no Divã

Vejo sintomas na personalidade de Dilma que podem ter ajudado a colocar o Brasil na profunda crise atual. O motivo é que apesar de discordar em quase tudo da presidente, vejo grandes semelhanças no modo de agir dela com o meu.
Dilma é economista formada na Unicamp, graduação famosa no Brasil pelo viés de esquerda keynesiana. Eu me recuso a acreditar que durante seu primeiro mandato, Dilma não foi avisada das grandes implicações que a manutenção da política econômica brasileira em meio a uma projeção de dificuldades no cenário internacional, faziam com que a continuidade de elevados gastos sociais sem reinvestimento em infraestrutura pudesse colocar o Brasil onde está. Acredito que a presidente deva ter ouvido os avisos, agradecido por estes, no entanto dito que havia sido eleita com as propostas de não cortar benefícios sociais, e que daria a última palavra, por conta de seu cargo. Deu no que deu.
Se Dilma fosse uma ministra da Fazenda que tivesse dado os avisos e estes tivessem sido dispensados pelo presidente, acredito que ela teria simplesmente feito um ultimato, dizendo que não colocaria seu nome em risco por conta de uma política que não era aquela com a qual ela concordava. A postura se repetiu na articulação política, com a enxurrada de ministros que foram demitidos por Dilma no começo do seu primeiro mandato, o que certamente estremeceu sua relação com a base aliada que hoje em dia é sua maior inimiga. Sem dúvida, houve aviso.
Dilma fez seu mandato de 2011 até as eleições de 2014. Com o país em crise e sua popularidade em baixa, a presidente viu que para manter o poder deveria começar a compor um governo, e óbvio, não gostou disso. Para uma economista ver sua política econômica aplicada durante quatro anos levar o país à ruína, e depois ter que chamar um liberal com uma visão completamente diferente da sua para dar uma guinada totalmente oposta no país, não é fácil.
O mesmo vale para a articulação política, que ficou com o vice Michel Temer, praticamente decretando a soberania do PMDB no poder. A presidente de certa forma terceirizou seu mandato, delegando a economia e a composição do governo a duas visões diferentes da sua e parece que dificilmente vai mudar isso. O resultado é a apatia de Dilma, que parece simplesmente querer a chegada de janeiro de 2019 logo, com o menor número possível de bobagens ditas em seus discursos, e finalmente descansar tranquila deixando picuinhas e ofensas de lado. A lista de interessados pela posição é grande e não quer de forma alguma esperar até as eleições de 2018.
Em uma comparação esdrúxula, mas acho que motivada pelo mesmo fim, acredito que Dilma, assim como eu, detestava trabalho em grupo na escola ou na faculdade. Ela só devia aceitar duas maneiras para fazer tal: ou escolhia e mandava em tudo, independente do que qualquer colega falasse, como seu primeiro mandato; ou simplesmente ficava de lado, sem participar de nada, apenas ouvindo e torcendo para tudo aquilo acabar logo e enfim ela poder tomar uma cerveja no Sebá, assim como seu segundo governo. Talvez a parte do Sebá não seja coisa exatamente da Dilma, mas dá no mesmo.
A questão é a seguinte: há um governo. Ele é composto por deputados, senadores, ministros e boa parte das pessoas mais competentes de um país para fazê-lo funcionar da melhor maneira possível. O líder disso tudo deve saber ouvir e tomar a melhor decisão possível, depois de intensas discussões para saber qual é esta. Eu quero ser um jornalista, não um político, exatamente por saber que eu não sei fazer isso. Se cinco anos atrás alguém também tivesse tomado essa decisão, provavelmente estaríamos bem melhores.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

O Prêmio das Delações

É bem complicado falar sobre a política de um país em que o resultado de uma investigação tem mais impacto do que as próprias peças do cenário. Soma-se a isso a clara divisão criada no país desde as eleições do ano passado em que comentários um pouco mais críticos ao governo podem levar a uma sentença de golpismo e em contrapartida um elogio já é quase uma nota fiscal para demonstrar que você foi comprado pela situação. Se alguém ainda não percebeu isso, faça o seguinte exercício: abra uma notícia sobre política de um jornal estrangeiro e leia os comentários. Há discussões e argumentos e poucas vezes vi Angela Merkel ser chamada de vaca ou Isaac Herzog ser acusado de golpista.
Claro que o cenário de crise política deriva em grande parte dos fracassos econômicos recentes do Brasil e que enquanto inflação e desemprego estavam controlados, os nomes do vice, do presidente da câmara e do ministro da Fazenda sequer eram de fato conhecidos pela maioria. A partir do momento que uma eleição termina com a oposição fortalecida e o mais alto escalão do governo sob suspeita em uma investigação, o cenário se faz perfeito para a disputa pelo poder.
O PMDB soube explorar isso muito bem, exemplo foi a articulação política ter ficado com Michel Temer com menos de seis meses de novo governo. Uma movimentação que deixou claro que desta vez o partido seria protagonista. A presidência da câmara foi a grande vitória do PMDB que se aliou a oposição e se impôs sobre um governo enfraquecido e que tinha cada vez menos apoio. Medidas de grande apelo popular, junto a uma enorme quantidade de votações que dão a impressão de que a câmara está de fato trabalhando, levaram a Eduardo Cunha uma popularidade alcançada poucas vezes por alguém em seu cargo na história do Brasil. Junto a isso, a alcunha de primeiro-ministro, que se fez cada vez mais verdadeira com a apatia da presidente, o que levou a até comparações desta com a Rainha da Inglaterra.
Tudo indicava que Cunha só esperava o momento certo para romper de vez com o governo, e com sua enorme base de apoio, de fato se consolidar como a principal força política do país, dominando a câmara enquanto a presidente ficava com uma aprovação abaixo dos 10%. Eis que uma delação colocou o político em uma situação complicada, com indícios de que teria recebido 5 milhões de dólares nos esquemas que assolam o país. Cunha agiu rápido e rompendo sua ligação com o governo, conseguiu uma manchete que ofuscou a acusação. Ainda assim a perda de capital político foi enorme e boa parte dos quadros que o apoiavam incondicionalmente não vão querer ter seus nomes ligados a um caso de corrupção. É cedo para decretar seu fim político, ainda assim o primeiro-ministro de sucesso meteórico vai ter que segurar suas aspirações por um tempo.
Com o PT se desgastando cada vez mais, a alternativa para muitos políticos com medo de arranhar sua imagem foi atacar o partido, óbvio, criticando a corrupção e ganhando apoio popular. Marta Suplicy encabeçou o movimento e inclusive rompeu com o PT. Lula, visto como o Dom Sebastião brasileiro, na lenda o rei português que retornaria depois de anos para salvar o país, cada vez mais se distância do governo e já dá mostras de que pode se inspirar em José Mujica e criar uma Frente Ampla de esquerda. Tudo isso, claro, contando que os resultados das investigações permitam a carreira do Dom Sebastião tupiniquim, assim como seu estado de saúde.
O esgotamento do PT fragmentou o principal partido da oposição (a maior oposição é interna, sem dúvidas), o PSDB vê 2018 como momento ideal para vencer as eleições e evidentemente o quadro paulista liderado por Alckmin e Serra não está satisfeito com o candidato natural do partido, Aécio Neves para as eleições. A disputa interna pode dificultar a campanha do partido, assim como a participação de um candidato do PMDB, que é praticamente garantida.
30%. Segundo a agência de classificação de risco Eurasia, uma referência no mundo, essa é a chance de Dilma Rousseff não terminar o mandato. O número é muito alto principalmente levando em conta que ainda faltam mais de três anos para a presidente. A agência demorou muito para aumentar de 20% para 30% a possibilidade e há grandes indícios políticos de que a oposição, apesar de resistência interna, se movimente para um impeachment, e não, isso não tem nada com golpe. Todo este cenário depende do prosseguimento das investigações da Lava Jato e que CPI’s como a do BNDES não sejam abertas, já que estas podem tornar tudo ainda mais complicado para o governo.
Há chances para Dilma e o PT? Acredito que sim, apesar de vencer 2018 sem Lula ser praticamente impossível, uma recuperação econômica pode colocar o partido a ser de novo uma força importante, ainda que não para cargos majoritários. O rompimento de Eduardo Cunha junto às denúncias ao deputado pode ter sido a primeira boa notícia para os governistas em muito tempo. O fato é que 2018 está muito longe e quando o juiz Sérgio Moro passa a ser uma figura mais ativa politicamente que Dilma Rousseff e suas mandiocas, alguma coisa não está certa. A justiça tem seu preço.