domingo, 6 de março de 2016

Isso "cê" não conta...

O Grupo Estado Islâmico, ou Daesh, ataca um asilo no Iêmen e mata 16 pessoas. A reação de boa parte das pessoas no Brasil passa por mais uma vez lamentar um triste episódio que aconteceu “naqueles lados lá”. Realmente, é bastante infeliz mais uma atrocidade cometida pelo grupo, mas em um mundo globalizado, cada vez as questões se definem menos entre “aqui” e “lá”, e no caso da catástrofe que vive esse pequeno país no Golfo Pérsico, a relação do Brasil é bem maior do que muitos podem imaginar.

Aqui, eu explico um pouco mais a guerra civil que ocorre no Iêmen, mas simplificando a situação: o Oriente Médio vive uma espécie de Guerra Fria entre as duas potências, Arábia Saudita, sunita, e o Irã, xiita. As convulsões trazidas pela Primavera Árabe levaram ao fim do regime corrupto e ditatorial de Saleh no Iêmen, aliado dos sauditas. Saleh havia unificado Iêmen do Norte, capitalista, e Iêmen do Sul, socialista, durante os anos 90. O país ainda sofre com ondas separatistas no sul. A divisão sectária tem uma minoria da sua população de cerca de 30% seguindo uma vertente xiita, e uma parcela desse grupo, aproveitou o suporte financeiro do Irã, interessado em expandir sua influência e compõe as chamadas milícias houthis que desejam governar o Iêmen.

É lógico que esses elementos levariam uma tragédia ao mais pobre dos países árabes. A Arábia Saudita organizou em março de 2015 uma coalizão para combater os houthis, fazendo ataques aéreos e com ações terrestres. O resultado foi um país esfacelado, mais de 5 mil mortos, boa parte de civis, o crescimento da Al Qaeda da Península Arábica (autora do Charlie Hebdo) e do Daesh, que era praticamente inexistente no país antes da guerra.

Agora a relação com o quarto maior exportador de armas de pequeno e médio porte, amplamente utilizadas na guerra, Brasil. Seguindo na contramão de países como a Suécia, que cancelou algumas exportações de armas para a Arábia Saudita por conta dos desrespeitos aos direitos humanos cometidos pelo regime, o valor das exportações bélicas do Brasil aos sauditas em 2015 chegou a quase 110 milhões de dólares, segundo informações do próprio governo brasileiro. O aumento da arrecadação com o negócio da Avibrás, grande responsável pelas exportações, foi de quase 140 vezes na comparação de 2014 com 2015, ano em que a Arábia Saudita passou a intervir no Iêmen.

Além disso, denuncias de que armamentos utilizados pelos sauditas e que são desaprovados por convenções internacionais, caem sobre a empresa, que tem dificuldades em desmentir que forneceu as armas. As acusações são endossadas por grupos como a Anistia Internacional e Human Rights Watch, no entanto os grupos têm problemas em conseguir maiores detalhes e confirmações por conta das dificuldades impostas pela guerra no país que condena, por exemplo, milhares de pessoas a terem acesso à água e comida muito restrito.

Enquanto a guerra na Síria conta com enorme apelo nos noticiários, seja por de fato ser a maior tragédia humanitária do século XXI, ou por motivos menos nobres como envolver interesses estratégicos das grandes potencias e os refugiados do conflito incomodarem uma parte destas, a situação no Iêmen passa quase pelo esquecimento. Evidentemente, quando os atores não tem interesse em resolver a crise, e a comunidade internacional não tem ali seu foco, soluções são distantes e a possibilidade da impunidade para aqueles que desrespeitam os direitos humanos é eminente.

O crescimento no faturamento da indústria bélica brasileira, extremamente fundamentada durante o regime militar, mas que se baseou bastante em exportações nos últimos anos é um tema pouquíssimo tratado e discutido no Brasil. Quando essa grande força pouca conhecida passa a ser acusada de desrespeitar direitos humanos em um conflito pouco abordado, é vital que a sociedade civil haja no sentido de buscar esclarecer os fatos e caso tenham ocorrido infrações, que os culpados sejam punidos. São questões importantes de serem abordadas em mundo cada vez mais integrado, principalmente para que antes de pensar em mortes como distantes, lembrar que a munição pode ser “made in Brazil”.


https://medium.com/@jnascim/como-armas-brasileiras-vendidas-%C3%A0-ar%C3%A1bia-saudita-ajudam-a-matar-civis-no-i%C3%AAmen-3acbbf3303f7#.110uwphse

http://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/13/opinion/1447441086_369498.html

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Foi bom o acordo para a Síria?

Depende. O acordo em Munique foi feito com uma participação muito pequena da oposição síria, determinando termos muito vagos e evidentemente sem os importantíssimos elementos terroristas, a Al Nusra (Al Qaeda na Síria) e o Daesh (Estado Islâmico). O acerto foi o “fim das hostilidades”, algo muito menos específico do que um cessar-fogo e o principal: definições para a chegada de ajuda humanitária em áreas ocupadas por rebeldes e cercadas pelo regime.

A primeira parte, apesar de parecer muito importante, não é tanto. No mesmo dia em que o resultado das negociações foi anunciado, Assad, de longe o maior causador de mortes no país, deu uma entrevista à agência AFP em que reafirmou o compromisso de recuperar todo o território e que isso poderia custar muito por vários anos. Por outro lado, a oposição mais moderada que concordou com a diminuição das hostilidades hoje é muito enfraquecida, esfacelada entre as mais de 1000 milícias que lutam na Síria e que cada vez perde mais força para os grupos extremistas, tendo a Al Nusra junta a uma grande parcela destas.

Os ataques aéreos russos iniciados no fim de setembro fortaleceram muito o regime, sendo parte importante das ações de retomada de Assad, que agindo por terra com seus aliados conseguiu dar uma guinada a seu favor na guerra. O outro evento que favoreceu o ditador foram os ataques em Paris no 13 de novembro, quando o Ocidente, em parte de maneira mais explícita e outra menos, passou a aceitar o presidente como uma espécie de mal menor, frente aos bárbaros terroristas. Em uma boa analogia com a Segunda Guerra, Assad passou a figurar como um aliado pontual e sanguinário como Stálin, mas contra genocidas como os nazistas e o Daesh.

O fortalecimento do regime levou ao enfraquecimento dos resquícios de uma oposição moderada, hoje em extinção na Síria. Aqueles contrários ao regime passaram então a serem mais extremistas, com uma parte importante aderindo a Al Nusra, outra menor ao Daesh, e com grupos radicalizando suas ações. Por isso a resolução deve ser vista com desconfiança: por um lado quem aceitou hoje já não é tão forte e o outro é um ditador sanguinário responsável pela morte de centenas de milhares e sem nenhum pudor para manter-se no poder.

O acordo de certa forma legitima o governo de Assad, colocando suas ações no mesmo patamar das da oposição. O ditador está prestes a tomar Aleppo, segunda cidade do país e até pouco controlada pelos rebeldes, e não há indícios de que o resolvido em Munique o fará recuar.

Por isso, o mais importante é a questão humanitária. O presidente sírio já demonstrou ao longo dos quase cinco anos de guerra civil que para manter-se no poder não terá os menores escrúpulos, seja para isolar uma cidade inteira ou para ordenar ações que matem inocentes. Nos últimos meses o mundo assistiu incrédulo à situação em Mandaya, onde crianças estavam morrendo de fome e pessoas tinham como única opção às vezes comerem terra. As cenas chocaram todos e a pressão internacional fez com que o regime deixasse que a ajuda chegasse a estes isolados pela guerra. O mesmo ocorre em vários outros locais da Síria dominados por rebeldes, onde a estratégia de Assad, condenada no Tribunal Penal Internacional, é isolar populações inteiras.

O acordo prevê que o regime permitirá a entrada de ajuda nestes lugares (normalmente um pouco de comida, água e remédio para algumas semanas) e ao menos aliviar um pouco a crise vivida por estas pessoas, que normalmente não conseguem sequer fugir destas localidades por conta dos bloqueios. Pouco, mas deve evitar as cenas chocantes por um tempo e poupar desagrados em jantares de famílias no Ocidente. Melhor que as negociações frustradas até agora.

Obs: a guerra contra o Daesh segue a mesma.


terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Onde o Sol se põe

Magreb em árabe é o nome da última das cinco orações diárias que todo muçulmano deve fazer, portanto a do pôr do sol. E é também a denominação dada ao noroeste da África, região que contempla Marrocos, Argélia, Saara Ocidental, Tunísia, Líbia e a Mauritânia. O nome deriva exatamente da ideia de que ali seria o último lugar onde o sol se poria dentro do Império Árabe que possuía vastas extensões desde sua origem na Península Arábica até a Península Ibérica.

A história que vou contar aqui se refere exatamente ao último país citado, a Mauritânia, mas há práticas nesse lugar que remontam aos tempos do califado. Última nação a abolir a escravidão no mundo, apenas em 1981, a prática só se tornou crime no ano de 2007. Ainda assim, como não faltam exemplos, inclusive nosso próprio país, o simples fato de proibir não indica necessariamente que mais ninguém será escravizado no local. Além disso, as fraturas sociais criadas entre aqueles que mantinham seres humanos como posse e seus subordinados são dificílimas de serem rompidas, o que também é verificado em diversos lugares.

Sendo assim, 40% da população da Mauritânia, composta por negros, tem uma importante parcela deste grupo ainda servindo como escravos, evidentemente de uma pequena parte, da maioria árabe-berbere, como de maneira simplificada são chamados os brancos naquela região. Estimativas indicam que dos 3,5 milhões de habitantes que a Mauritânia possui, de 10 a 20% deles trabalham em regime de escravidão, mesmo que não comprovada por organizações internacionais nas quais esse número é de 4%, de longe o maior no mundo.

Pouquíssimos negros ocupam cargos de comando e as prisões por conta do crime de escravidão são poucas e sequer costumam cumprir a pena mínima de 10 anos estabelecida. Na prática filhos de escravas seguem sendo escravos e o Partido Abolicionista (sim, no século XXI) tem seu líder perseguido e frequentemente preso. O país não é tão pobre em relação às condições de outros no Oeste da África, mas a segregação cria grandes bolsões de pobreza principalmente para os negros.

O sol há de se pôr na Mauritânia e essa prática por pressões internas e externas deve pelo menos ser muito reduzida na próxima década. Mas o que vem disso? Jovens pobres e frustrados em um país com poucas opções, cenário perfeito para a ascensão de grupos radicais que seguem uma versão distorcida do Islã. O vizinho Mali com sua Al Qaeda do Magreb Islâmico e o Boko Haram são grandes exemplos de um futuro que pode aguardar a Mauritânia se nada for feito.

Árabes de uma elite subjugando negros em um regime ditatorial? É o que simplificadamente também explica a terrível guerra civil que o Sudão vem enfrentando há anos, e se nessa década o assunto ficou fora das manchetes, não é porque a situação ficou melhor. É preciso muita ajuda da comunidade internacional para resolver essa delicada situação. Mas enquanto houver escravidão nesse lugar, o mundo nunca pode achar que o sol de fato se pôs no Magreb.

sábado, 26 de dezembro de 2015

Enfim um Feliz Ano Novo

Fim de ano é uma boa época para se distanciar do cotidiano com suas picuinhas e focar no que realmente importa. Aqui, como no ano passado, vai mais uma vez o assunto que independente de serem sírios, alemães, palestinos, bengaleses ou brasileiros, é o principal na vida de todos: o clima. E dessa vez as coisas animam.

Olhando de qualquer jeito, não dá para ficar muito otimista com as notícias desse ano: boa parte da população e dos candidatos do país mais importante do mundo não acredita no homem como agente que muda o clima; o fato de a economia do maior poluidor do mundo desacelerar levar a um colapso global; Kátia Abreu no Ministério da Agricultura e Pecuária do país com mais florestas no mundo. Mariana. Lama. E por ai vai.

A questão é que cientistas, e o que a imprensa repassa, fazem parte de uma intenção que pode ser denominada no consenso popular como maquiavélica, aqui, sem juízo de valor. Seguindo a ideia depreendida de Nicolau, de que os fins justificariam os meios, a estratégia para sensibilizar a opinião pública e consequentemente seus comandantes é a de criar um futuro sombrio e de caos no imaginário comum. A partir daí, torna-se mais fácil, por exemplo, um acordo como o de Paris, que vai reduzir o crescimento econômico e será mais facilmente digerido.

E por que isso é difícil? Há uma máxima que diz que um populista pensa nas próximas eleições, e um político nas próximas gerações. A questão é que hoje em dia, se alguém não pensar nas próximas eleições nunca será um político, já que não terá sequer o mínimo para financiar sua campanha. E ai, sabemos exatamente que quem vai dar dinheiro para estas campanhas não será um ambientalista, e sim, por exemplo, no Brasil, a maior empresa privada em lucros no país, a JBS, que tem boa parte de seu faturamento relacionada ao agronegócio, e que sabemos, não é o ideal para o clima. Nos EUA? Petroleiras. E que financiam boa parte dos republicanos que dizem não acreditar nas mudanças climáticas.

Mas não é fácil assim. Uma das parcelas mais ricas da população não ia deixar suas fortunas a mercê de um raciocínio pouco complicado. Então começaram a usar a tática dos próprios cientistas contra eles.

Os principais meios de propaganda que afirmam que o homem não causa o aquecimento global fazem o seguinte: usam previsões de cientistas que não se confirmaram e as colocam contra eles. Isso, por exemplo, na população média norte-americana, mais preocupada com sua hipoteca e em pagar a gasolina do seu 4x4, tem um efeito enorme. Daí, o fato de uma parte dos EUA não acreditarem nas mudanças climáticas como causadas pelo homem.

Pesquisas do tipo das que afirmam que o Golfo Pérsico estará inabitável em 2100 e que nesta época países como Tuvalu e as Ilhas Marshall estarão completamente inundados saem a todo instante. Essa máquina de propaganda pega algumas pesquisas de um determinado espaço de tempo, como os anos 2000, e desconstroem aquelas que se confirmaram erradas, desfazendo a credibilidade de uma boa parte da comunidade cientifica. Mas vale lembrar que meteorologistas erram a previsão do tempo para o dia seguinte. Acertar o que acontecerá daqui 15 anos é dificílimo, e um século então?

E para combater essa contrapropaganda, cientistas soltam dados cada vez mais alarmistas, criando um grande ciclo. Se eles estão errados? Complicado. Cabe um grande debate filosófico, mas já aviso, há pessoas usando meios piores para fins pouco altruístas neste exato momento.

Os fatos que temos que ter em conta, e que ai não tem contra argumentação: 2014 foi o ano mais quente já registrado, e tudo indica que 2015 tenha sido ainda mais. De 28 problemas ambientais seriamente analisados em 2014, metade foi constada como causada pelas mudanças climáticas do homem. O El Niño, fenômeno do aquecimento das águas do Pacífico, foi mais forte que o normal e afetou o mundo inteiro. Isso fica a parte de discussões, são fatos científicos que comprovam a importância de uma ação urgente para o clima.

Enfim, a boa notícia é que aqueles que decidem nosso futuro vão cada vez mais entendendo que a questão climática não é um jogo de soma zero, no qual uns ganham e os outros perdem. Isso vinha por muito tempo tomando conta do cenário, já que países em desenvolvimento acreditam que podem poluir mais até atingir um nível estável como o dos desenvolvidos, que poluíram por anos sem restrições. É um argumento importante, mas que deve ser colocado de lado pelo simples fato de que se fracassa um na questão do clima, fracassam todos.

E as soluções na COP21 de Paris foram interessantes. Um acordo firmado por 195 países (Kyoto só tinha 37) indicou que todos devem reduzir suas emissões de tal maneira que a temperatura no fim do século não suba mais do que 1,5 grau, uma redução importante já que nas condições normais, esse aumento seria de 4 graus. E é bom ver que a intenção inicial era de que a meta fosse de 2 graus, mas uma iniciativa liderada pelas Ilhas Marshall, fortemente afetada, colocou todos em uma resolução melhor.

A questão entre desenvolvidos e em desenvolvimento ficou acertada em um fundo anual de 100 bilhões de dólares financiado pelos mais ricos para ajudar os menos favorecidos. A divisão é complicada, mas é o menos importante. O outro dado econômico que leva ao otimismo no ano é a queda no preço do petróleo, a menos de 40 dólares o barril, lembrando que há pouco tempo o produto passava dos 100 dólares, o que em curto prazo pode aumentar a utilização, no entanto a longo beneficia investimento nas energias renováveis.

É o suficiente? De forma alguma. O cenário é tão terrível quanto o que vão plantar? Nem tanto. Mas que venha 2016, com suas notícias ruins na imprensa e com seus avanços valendo, nem que seja por de baixo dos panos.

Obs: Budweiser e Bira, papai faz isso pensando em vocês.




segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Obrigado? É pouco

Duas vezes já fui enquadrado naquelas discussões que não levam a lugar nenhum, só fortalecem a amizade, mas são ruins de perder igual a uma partida no FIFA com um gol aos 90 minutos. Nas duas o tema era minha idolatria por Rogério Ceni (M1TO), e foram bem parecidas:

-Kibe, o que você vê tanto nesse cara?
-É o maior ídolo do São Paulo, ganhou vários títulos, dedicou a vida ao time.
-Mas Raí, vários outros ganharam até mais títulos, só saíram porque não eram goleiros, ganharam as Copas do Mundo que você valoriza tanto...
-Mas ele é o maior goleiro artilheiro da história, fez algo inédito na posição, revolucionou o modo de defender.
-Ok, mas e se um meia batesse os pênaltis e as faltas? Não dava no mesmo? Por que o goleiro? Só pra ser diferente?
-Mas não é só isso, ele foi totalmente diferente, tem personalidade, motiva o time, é chato quando tem que ser, coloca ACDC no vestiário...
-Eu sou chato, tenho personalidade, motivo as pessoas, e ouço ACDC onde eu estiver.
-Bom (esse é o momento que se o tema fosse política, economia, culinária, moda, ou qualquer outro assunto que dois amigos sem nada pra fazer estiverem a fim de discutir, poderia representar um nocaute). Eu até concordo com alguns pontos, mas...
-Mas o que? Eu quero saber.
-Futebol não é exato, não pode ser só fatos. Você sente e pronto, se eu pensasse tanto antes de torcer eu xingaria o juiz mesmo sabendo que foi falta contra o meu time, e que ele é um profissional absolutamente mal preparado pelas milionárias e corruptas federações que dão salários enormes aos seus membros, mas não dão condição da arbitragem se dedicar exclusivamente ao dever dela? Chamaria alguém que sempre passou dificuldades de mercenário só por aceitar uma proposta ótima do exterior?
-É Kibe, acho que entendi...
-Acha que...
-Não, tá certo, deixa seu ídolo. Mais uma Brahma?

Deixando os porquês a parte, só tenho a agradecer. Agradecer aquele que me inspirou a bater uma falta quando eu achava futebol chato, já que minha habilidade mal me permitia ficar no gol pra completar time. Agradecer por aquela bola, que eu fechei os olhos e chutei de bico, ter entrado e eu sentir pela primeira vez o que era fazer um gol. Agradecer por depois daquilo, ter me tornado um oportunista nato dentro da pequena área, apaixonado por fazer gols e com o futebol como melhor passatempo (oportunista nem tão nato, mas não com menos amor). Agradecer por ter tido alguns dos melhores momentos da minha vida, assim como os grandes amigos, graças ao esporte bretão.


E não sei se agradecer é forte o suficiente para falar da alegria que sinto de torcer pelo gigantesco São Paulo Futebol Clube, graças ao senhor. Os vários momentos felizes que esse clube maravilhoso me proporcionou vão ficar para sempre na minha memória, estando mais ou menos afastado do futebol, que graças ao senhor, M1TO, aprendi a amar.

Não tenho esperança de ver a Libertadores torcendo e me emocionando do mesmo jeito que quando o senhor jogava. Não só por isso, a paixão esfriou e os oito jogos na televisão por semana deram lugar a um máximo de três, acompanhados de leitura sobre o financiamento suspeito de times. Pelo menos vê-lo no gol e lembrar-se das defesas fantásticas ou da minha primeira alegria no futebol não vai dar espaço à indignação com empresários corruptos.

Espero que o senhor saiba, que as palavras de agradecimento que faltam neste momento, podem simplesmente dar espaço a xingamentos assim que o senhor voltar ao São Paulo em outra função. Mas acho que não preciso me preocupar, já que o chato pra caralho, goleiro comum embaixo das traves, velho e acabado sempre deu a volta por cima e para como o maior atleta que eu vi atuar. Obrigado M1TO. Até breve. 


domingo, 22 de novembro de 2015

Homer Simpson e o terrorismo

Em um dos brilhantes episódios de Simpsons, infelizmente não me lembro qual, Homer parecia em uma situação desfavorável, até que solta a seguinte frase: "Você só não contava com uma coisa: a minha indiferença com a vida humana." Isso serve bem para definir a volta das atenções à Al Qaeda depois do último ataque em um hotel no Mali.

Diversas pessoas depois dos atentados de Paris desmereceram a capacidade da Al Qaeda em detrimento do Daesh (ISIS). A questão é que quando se lida com gente que acredita que não tem nada a perder, as análises não podem ser comuns como, por exemplo, dizer que o Reino Unido não tem o mesmo poder de antes ou que a China virou um grande ator global. Basta a oportunidade para um tipo de ação como a atentado em Bamako, que matou 27 pessoas, que pronto, um grupo volta a ter destaque.

É fato que a Al Qaeda não é tão forte quanto na última década, quando além do 11 de setembro, o grupo cometeu ainda grandes atentados em Londres, Madri (o maior da Europa) e Bali. Ainda assim, com suas ramificações, consegue ser um ator fundamental em pelo menos quatro grandes conflitos: Al Qaeda do Magreb Islâmico no Mali, Al Qaeda da Península Arábica no Iêmen, Al-Shabab na Somália e Frente Al Nusra na Síria. Além disso, há diversos grupos que já pelo menos declararam se aliar aos ideais destes terroristas em muitos locais, como Afeganistão e Filipinas.

O Mali reúne praticamente todos os elementos perfeitos para a ascensão de uma ramificação radical como a Al Qaeda. País paupérrimo é palco de grande instabilidade desde a chamada Revolução Tuaregue em 2012, que foi sufocada com tropas francesas. Ou seja, possui diversos jovens frustrados e indignados dispostos a morrer por uma causa aparentemente justa. O ataque ao hotel visava matar estrangeiros, que nesse tipo de situação, são vistos apenas como ocidentais e a nacionalidade de fato faz pouca diferença.

O que vale para a enfraquecida Al Qaeda, vale para a preocupação do momento, Daesh. Ações contra estes grupos podem surtir efeitos importantes contra o terrorismo, como vimos no caso da rede de Osama Bin Laden, que alguns chegaram até a pensar que estivesse acabada. A intervenção na Síria e no Iraque provavelmente vai diminuir muito o poder do Daesh, mas enquanto a ideia de jihadismo destes terroristas não for derrotada, o cenário será apenas a morte de mais jihadistas.

O caminho para isso passa por uma discussão sobre quem de fato financia o terrorismo pelo mundo, além de colocar em pauta a vertente wahabista do islã que vem sendo exportada há anos pelo regime saudita e é a base de grande parte dos grupos extremistas islâmicos. Mas estes são temas que uma hora ou outra vão ter de ser abordados.

O foco é que a análise de grupos extremistas não pode ser feita de maneira simples, já que a grande arma destes normalmente é a total indiferença com a vida humana, o que como estamos assistindo, pode ser mais valioso que um serviço de inteligência de qualidade e um exército bem armado.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

O texto do Estadão que nos denunciou

Não é o tipo de momento que me sinto mais a vontade para escrever sobre o tema da atualidade, e felizmente não depender disso hoje profissionalmente permite meu silêncio. Acho que visões complexas ficam perdidas em meio à infinidade de informação que recebemos depois de uma tragédia como a do último dia 13, e prefiro então tentar absorver o que tem de mais útil.

Eu fazia isso no domingo até me deparar com o texto “Por que a França” no Estadão. A opinião do correspondente na França, Gilles Lapouge, tinha bons elementos, dos quais eu concordo bastante. Tudo ia muito bem, em uma análise que saia da obviedade dos principais motivos do ataque ter se direcionado à França que ouvimos no noticiário, até a seguinte frase: “O EI não perdoa a França por ter assinado, em 1916, o acordo de Sykes-Picot, que desmantelou o Império Otomano e dividiu seus despojos entre a França, que recebeu o Líbano, e a Inglaterra, que ficou com a Síria.”. Eu concordo com a ideia, e voltaremos nela, mas há algo grave e vou explicar.

Não é demérito nenhum não conhecer o acordo de Sykes-Picot. A questão é que as fronteiras artificiais definidas por ele são fundamentais para entender os conflitos de hoje no Oriente Médio. Há um enorme ranço de parte das populações dominadas pelo Império Britânico (termo bem melhor que “Inglaterra” usado) e a França. Agora, o acordo previa que a Síria ficaria sobre influência francesa, enquanto Jordânia, Palestina, Iraque e uma parte do Kuwait ficariam com os britânicos (só por curiosidade, ai se dá a escalada do conflito árabe-israelense). Tudo bem o autor do texto ter errado, quem sabe pode até ter sido algo na tradução. O ponto que quero chegar se refere aos comentários.

Imagine um texto sobre o Tratado de Tordesilhas, mas nele há a informação de que o ocidente ficaria com Portugal e o oriente com a Espanha. Seria algo completamente incorreto e que inverteria a intenção do tratado. Foi isso o que aconteceu com o texto sobre Sykes-Picot. Qualquer pessoa que tivesse de fato interessada em saber um pouco mais sobre a origem de conflitos no Oriente Médio teria feito uma simples pesquisa sobre o acordo, notado a falha gigantesca e feito referência a ela. Procurei bastante e ninguém havia feito isso.

Em compensação, teóricos da conspiração sobravam nos comentários criticando o imperialismo atual das grandes nações. Os solidários por Mariana, que podem fazer doações além de falar na internet, questionavam o imenso espaço dado à tragédia francesa. Islamofobia, xingamentos a Dilma Rousseff e outras coisas típicas dos comentários recentes, também tinham seu lugar. Não sei se fiquei acostumado com o Globoesporte, mas senti falta de menções ao campeão de 87.

O que essa situação simbólica demonstra é que podemos até estar dispostos a sermos todos Mariana, Paris, Beirute, Maiduguri e onde mais alguém estiver sofrendo. Mas enquanto seguir faltando a hashtag #SomosMenosIgnorantes, o desconhecimento e o preconceito vão seguir reinando até o próximo momento de comoção, seja com grande atenção da mídia ou não.

Foi algo como eu disse bastante simbólico e que infelizmente representa boa parte de nós, seja neste caso especifico ou em outros assuntos. Mas em contrapartida gostei da quantidade de pessoas pesquisando e perguntando sobre os contextos da tragédia. Acredito que apesar de problemas como o caso aqui retratado, muitas pessoas vêm buscando conhecer mais sobre termos tão discriminados hoje em dia como árabes, Oriente Médio, Islã, muçulmanos e o mais importante: descobrir que não são nem um pouco sinônimos de terrorismo.

E sim, concordo muito na influência que o Sykes-Picot tem na escolha da França como alvo. Mas é assunto pra depois.

                                                                Acordo de Sykes-Picot