O Grupo
Estado Islâmico, ou Daesh, ataca um asilo no Iêmen e mata 16 pessoas. A reação
de boa parte das pessoas no Brasil passa por mais uma vez lamentar um triste
episódio que aconteceu “naqueles lados lá”. Realmente, é bastante infeliz mais
uma atrocidade cometida pelo grupo, mas em um mundo globalizado, cada vez as
questões se definem menos entre “aqui” e “lá”, e no caso da catástrofe que vive
esse pequeno país no Golfo Pérsico, a relação do Brasil é bem maior do que
muitos podem imaginar.
Aqui, eu
explico um pouco mais a guerra civil que ocorre no Iêmen, mas simplificando a
situação: o Oriente Médio vive uma espécie de Guerra Fria entre as duas
potências, Arábia Saudita, sunita, e o Irã, xiita. As convulsões trazidas pela
Primavera Árabe levaram ao fim do regime corrupto e ditatorial de Saleh no
Iêmen, aliado dos sauditas. Saleh havia unificado Iêmen do Norte, capitalista,
e Iêmen do Sul, socialista, durante os anos 90. O país ainda sofre com ondas
separatistas no sul. A divisão sectária tem uma minoria da sua população de
cerca de 30% seguindo uma vertente xiita, e uma parcela desse grupo, aproveitou
o suporte financeiro do Irã, interessado em expandir sua influência e compõe as
chamadas milícias houthis que desejam governar o Iêmen.
É lógico
que esses elementos levariam uma tragédia ao mais pobre dos países árabes. A
Arábia Saudita organizou em março de 2015 uma coalizão para combater os
houthis, fazendo ataques aéreos e com ações terrestres. O resultado foi um país
esfacelado, mais de 5 mil mortos, boa parte de civis, o crescimento da Al Qaeda
da Península Arábica (autora do Charlie Hebdo) e do Daesh, que era praticamente
inexistente no país antes da guerra.
Agora a
relação com o quarto maior exportador de armas de pequeno e médio porte,
amplamente utilizadas na guerra, Brasil. Seguindo na contramão de países como a
Suécia, que cancelou algumas exportações de armas para a Arábia Saudita por
conta dos desrespeitos aos direitos humanos cometidos pelo regime, o valor das
exportações bélicas do Brasil aos sauditas em 2015 chegou a quase 110 milhões
de dólares, segundo informações do próprio governo brasileiro. O aumento da
arrecadação com o negócio da Avibrás, grande responsável pelas exportações, foi
de quase 140 vezes na comparação de 2014 com 2015, ano em que a Arábia Saudita
passou a intervir no Iêmen.
Além
disso, denuncias de que armamentos utilizados pelos sauditas e que são
desaprovados por convenções internacionais, caem sobre a empresa, que tem
dificuldades em desmentir que forneceu as armas. As acusações são endossadas
por grupos como a Anistia Internacional e Human Rights Watch, no entanto os
grupos têm problemas em conseguir maiores detalhes e confirmações por conta das
dificuldades impostas pela guerra no país que condena, por exemplo, milhares de
pessoas a terem acesso à água e comida muito restrito.
Enquanto
a guerra na Síria conta com enorme apelo nos noticiários, seja por de fato ser
a maior tragédia humanitária do século XXI, ou por motivos menos nobres como
envolver interesses estratégicos das grandes potencias e os refugiados do
conflito incomodarem uma parte destas, a situação no Iêmen passa quase pelo
esquecimento. Evidentemente, quando os atores não tem interesse em resolver a
crise, e a comunidade internacional não tem ali seu foco, soluções são
distantes e a possibilidade da impunidade para aqueles que desrespeitam os
direitos humanos é eminente.
O
crescimento no faturamento da indústria bélica brasileira, extremamente
fundamentada durante o regime militar, mas que se baseou bastante em
exportações nos últimos anos é um tema pouquíssimo tratado e discutido no Brasil.
Quando essa grande força pouca conhecida passa a ser acusada de desrespeitar
direitos humanos em um conflito pouco abordado, é vital que a sociedade civil
haja no sentido de buscar esclarecer os fatos e caso tenham ocorrido infrações,
que os culpados sejam punidos. São questões importantes de serem abordadas em
mundo cada vez mais integrado, principalmente para que antes de pensar em
mortes como distantes, lembrar que a munição pode ser “made in Brazil”.
Ótimos
textos sobre o tema: http://sur.conectas.org/edicao-22/armas-como-politica-externa-o-caso-brasileiro/
https://medium.com/@jnascim/como-armas-brasileiras-vendidas-%C3%A0-ar%C3%A1bia-saudita-ajudam-a-matar-civis-no-i%C3%AAmen-3acbbf3303f7#.110uwphse
http://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/13/opinion/1447441086_369498.html
http://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/13/opinion/1447441086_369498.html
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