sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

O terrorismo mais perto do que se pensa

“Creio que a síndrome do século XXI é o choque de fanáticos de todas as cores e o resto de nós.” A frase é de um dos maiores escritores israelenses, Amós Oz, nascido em Jerusalém durante o mandato britânico, e que se considera um especialista em “fanatismo comparado”. Vivendo na Terra Santa por tanto tempo, este local capaz de suscitar tantas paixões, é compreensível que seu ensaio “Como Curar um Fanático” seja uma grande peça para entender o extremismo. Só não diria que é necessário, pois este tipo de imposição já é um dos princípios apontados por Oz para o fanatismo, do qual nenhum ser humano é completamente imune.

Um dos antídotos contra o fanatismo apontados por Oz é a imaginação, atrelada à capacidade de se colocar no lugar do outro. Usando desta imaginação, suponhamos que o autor do massacre em Campinas fosse muçulmano, ou simplesmente tivesse gritado algumas expressões em árabe. Quais seriam os principais destaques para o atentado? “Terrorismo islâmico chega ao Brasil?” “Estado Islâmico assume a autoria de atentado em Campinas?”. Se as repercussões não fossem tão extremas, asseguro que o termo “terrorismo” e a religião do autor teriam sido bem mais difundidos do que ocorreu no caso.

Segundo Oz, a luta entre fanáticos e o resto da sociedade se dá entre pessoas que “acreditam que o fim, qualquer fim, justifica os meios, e o resto de nós, que acredita que a vida é um fim, não um meio.” Os fins no caso do atentado em Campinas, seriam as ideias misóginas e machistas do autor, e a ação em si, que seria algo justificável para ele, o meio. É o que Oz descreve quando diz “É uma luta entre os que por um lado pensam que justiça- o que quer que entendam por esta palavra- é mais importante que a vida, e os que pensam que a vida tem muito mais importância que outros valores, convicções ou crenças.” Nos trechos divulgados da carta do terrorista, em que este relativiza a possibilidade de morrer, esta luta é nítida.

Mas não foi só este massacre no ano novo que teve seu viés terrorista deixado em segundo plano. No ano passado, um supremacista branco nos EUA invadiu uma igreja e matou nove pessoas negras, o que foi apenas mais um dentre as dezenas de crimes de ódio envolvendo massacres no país. Além disso, a deputada britânica Jo Cox foi morta em um atentado de um ultranacionalista que considerava os contrários ao Brexit, assim como Cox, traidores. Pouco se falou em terror.

Para o autor argentino J.L. Borges: “O nacionalismo só permite afirmações e, toda doutrina que descarte a dúvida, a negação, é uma forma de fanatismo e estupidez.”. No âmbito do terrorismo, o nacionalismo foi uma das formas de fanatismo que mais fizeram vítimas durante o século XX. As organizações, ETA no país basco, IRA na Irlanda do Norte e a própria Organização pela Libertação Palestina (OLP), até o abandono da luta armada, compuseram grande parte do cenário do terror no período, assim como as milícias de ideal marxista, como as FARC na Colômbia, e o PKK no Curdistão, que também possui um viés nacionalista. O terror islamista como conhecemos vem do final do século XX, com grupos como o Hamas e Al Qaeda, de orientação sunita extrema. Até então o terrorismo muçulmano era vinculado mais a grupos xiitas, de exemplo, o Hezbollah.

Marxismo, nacionalismo, extremismo islamista, anarquismo e qualquer outra orientação que tenha servido como base para fanáticos ao longo da história propõe certezas para os anseios do ser humano. Segundo Oz estas certezas se alteraram de tempos para cá: “Até a metade do século XIX, a maioria das pessoas, na maior parte do mundo, tinha pelo menos três certezas fundamentais: onde eu vou passar a minha vida, o que vou fazer da minha vida e o que vai acontecer comigo depois que eu morrer.”. Segundo o autor, em um mundo de pouca mobilidade social e geográfica, sendo temente a seu deus, a vida terminaria no paraíso. Hoje não é bem assim.

Um estudo recente indicou que uma edição dominical do New York Times oferece mais informação do que, em média, um cidadão do século XVII recebia durante toda a vida, o que complica quaisquer certezas. O diplomata norte-americano Henry Kissinger classifica o saber em três instâncias: informação, conhecimento e sabedoria. De fato, esta é a era da informação. A questão é o quanto disso o ser humano processa para transformar em conhecimento, ou sabedoria. As duas últimas instâncias necessitam de análises profundas, reflexões, sendo fundamental compreender o outro lado das histórias.

O que temos hoje não chega a isso. Pessoas comentam com fanatismo simplesmente ao observarem uma manchete, seja ela sobre terrorismo, Trump, aquecimento global, Temer, Lula, Dilma, ou mesmo fofocas. Não se busca o conhecimento para entender o que ali ocorre, e já se exclama “é”, e por vezes até mesmo se discute com conhecidos do “não é”. Evidentemente esta instância do saber fica bem longe da sabedoria.

Claro que dentro deste fanatismo existem várias instâncias. Não se pode comparar alguém que tenta convencer se foi ou não golpe e um vegano que quer fazer alguém parar de comer carne, com um terrorista ou um perpetrador de limpeza étnica. Mas para Oz, o fanatismo tem duas essências fundamentais: “autojustificativa sem concessões” e “o desejo de forçar outras pessoas a mudar”. E neste aspecto os casos se enquadram, e somos todos suscetíveis, já que como traz o autor: “A natureza humana parece que não muda. A única diferença entre fazer amor no tempo do Rei Davi e fazer amor hoje em dia é o cigarro depois”.

Como traz o começo do texto, também acredito que a batalha contra o fanatismo será uma síndrome do século XXI, e arrisco dizer que é a principal questão deste, junto às mudanças climáticas. Portanto, combates como os que matam jihadistas sem destruir as raízes que os levam a isto serão como enxugar gelo, mas gerando um ciclo vicioso de derramamento de sangue. Lidar com as causas deste extremismo é um dos grandes desafios, e será de suma importância entender que a fonte é a mesma, seja para islamistas, misóginos, nacionalistas ou anarquistas: nossa própria natureza.

A propósito, outros dois antídotos que Oz sugere contra o fanatismo são o humor e a literatura. Humor, e não sarcasmo, o autor define como a capacidade de rir de si mesmo. Dizer sarcasticamente que contar uma piada a um terrorista pode parar um ataque não serve, mas em compensação, o Grupo Estado Islâmico nunca soube rir de si mesmo e jura de morte quem faz sarro com ele. E a literatura sugerida não é a superficial, ou a que suscita ainda mais fanatismo, e sim a que coloca o leitor na mente de outra pessoa. Diria que é vital a todos, mas como trouxe J.L. Borges: “A leitura não deve ser obrigatória. O prazer não é obrigatório, o prazer é algo buscado.”.

Uma aula em 100 páginas (FOTO: Divulgação)


quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Mais uma semana de 2016...

Terceira Guerra?
Claro que causa alvoroço o assassinato do embaixador de uma das maiores potências do mundo, mas boa parte das preocupações com a execução do representante russo foi exagerada. Rússia e Turquia estiveram em grande tensão no fim do ano passado, quando os turcos abateram um avião russo, o que desencadeou sanções e diversas acusações entre os dois países. Mas em 2016 as duas nações restabeleceram relações diplomáticas, o que é de bastante interesse mútuo.

Junto ao Irã, nesta mesma semana Turquia e Rússia criaram um pacto conjunto de cooperação, em especial para lidar com o terrorismo. Irã e Rússia apoiam o ditador Bashar Al-Assad na Síria, e os turcos sempre foram um dos maiores opositores do regime, inclusive financiando terroristas. As conjunturas deram vitórias a Assad, o que deve reduzir a influência turca no país, mais restrita na contenção dos curdos ao norte. A morte do embaixador russo em termos geopolíticos enfraquece a Turquia, já que desestimula o turismo, fonte vital de renda do país, e que já vinha debilitada desde os últimos ataques terroristas. 

Provavelmente Erdogan, que vem aproveitando a tentativa de golpe de estado em julho deste ano para destroçar toda a oposição, deve vincular o atentado a seu grande rival, o clérigo Fetullah Gulen, ou aos curdos do PKK. A Rússia já ofereceu ajuda para esclarecer o atentado, o que prontamente foi aceito pela Turquia. Os dois países vão cooperar, condenar o terrorismo e priorizar outros aspectos da relação. Nada de terceira guerra. Acho que decepciona alguns.

Terror na Alemanha
A despeito do que as acusações populistas e a agência do Grupo Estado Islâmico, ou Daesh, possam fazer parecer, o ataque com o caminhão em Berlim demanda muita cautela. Um paquistanês foi preso e logo depois liberado por falta de provas, enquanto islamofóbicos e xenófobos se deleitavam em acusações nas redes sociais. O Daesh se apressou em reclamar a autoria do atentado por meio de seu meio de comunicação, a agência Amaq, o que faz total sentido. Os terroristas não tem nada a perder vinculando uma informação como esta, e se apresentam como importantes, enquanto o grupo não para de sofrer derrotas militares em seus locais de origem. A mídia informando a suposta autoria como “breaking news”, ou seja, de suma importância, é tudo o que o grupo quer.

Merkel enfrentará grande pressão até as eleições do ano que vem, quando tentará mais um mandato. Um deputado do AfD, o partido de extrema-direita alemão, indicou logo depois do atentado que a chanceler teria “sangue em suas mãos”, por conta da sua política de recepção aos refugiados. Até o momento Merkel é favorita para vencer as eleições, mas existem muitas possibilidades nestes próximos nove meses, como 2016 nos provou. Cautela e pragmatismo serão extremamente necessários para a estadista que como apontada em 2015 pela revista Time, é a “chanceler do mundo livre”. Mais do que nunca.

Enquanto isso...
Na República Democrática do Congo, que não é o Congo (os dois países são banhados pelo rio, pasmem, Congo), a situação é extremamente delicada. O presidente Kabila deveria ter deixado o cargo, que ocupa desde 2001, na última segunda-feira, o que não aconteceu. Kabila deveria ter organizado novas eleições, o que protelou e quer fazer em meados de 2018, e, claro, se mantendo no cargo até lá. O presidente chegou ao poder depois que seu pai foi assassinado em 2001, e venceu eleições em 2006 e 2011. A constituição impede mais um mandato, o que Kabila tenta burlar de todas as formas.

A população foi às ruas protestar pela saída do presidente, e foi duramente reprimida. As redes sociais foram cerceadas, e os relatos de prisões arbitrárias se espalharam pela República. A comunidade internacional pressiona Kabila pela saída, mas não tem planos de ação até aqui para fazê-lo na prática. A R.D.C enfrentou uma violenta guerra civil durante a década de 90, e é um país tido por muitos como ingovernável desde sua independência em 1960. Os conflitos desde então deixaram, segundo estimativas, ao menos três milhões de mortos. A ONU confirma 260 mil mortes na Guerra da Síria. Não dá para ignorar.

"World in 1 minute" do mestre Ian Bremmer, presidente da Eurasia:
https://twitter.com/ianbremmer/status/811329245179969536
Sei que não cheguei nem perto, mas como dizem, primeiro passo é tentar...

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

O marxismo de Trump

A frase de Marx: “Eu tenho meus princípios. Se você não gosta dele, bem, eu tenho outros” foi usada de maneira brilhante no editorial do New York Times no dia 24 de novembro, para referir-se às posturas de Trump desde sua eleição. A máxima é uma das melhores proferidas por Groucho Marx, humorista norte-americano dotado de uma das visões irônicas de mundo mais interessantes do século XX. Não à toa, Marx é o maior ídolo de Pernalonga, outra grande figura do período. Já Trump não tem graça. Usa a volatilidade de um adolescente tentando se enquadrar em diferentes grupos para comandar a maior potência do planeta.

A segunda-feira dessa semana começou com bons indícios para o meio-ambiente. Trump se encontrou com Al Gore, que já foi vice-presidente dos EUA, e que saiu derrotado nas eleições de 2000 no colégio eleitoral, apesar de ter tido mais votos no país, assim como Hillary Clinton. Desde então Al Gore é uma das mais proeminentes figuras na defesa do clima, conseguindo grande destaque para a questão depois de seu filme “Uma Verdade Inconveniente”, um marco no tratamento sobre as mudanças climáticas. Ambos declararam saírem satisfeitos da reunião, o que animou os ambientalistas. Depois de eleito, Trump, em entrevista ao New York Times indicou que acredita que o homem possa ter impacto nas mudanças climáticas. Já durante a campanha, o magnata chegou a propor que o aquecimento global era uma invenção chinesa.

Na prática, o bilionário nomeou no dia seguinte Scott Pruitt para a Agência de Proteção ao Meio-Ambiente, E.P.A. na sigla em inglês. Pruitt é o promotor geral de Oklahoma, estado com a maior utilização intensiva de hidrocarbonetos nos EUA. O promotor chegou a entrar com ações contra a própria E.P.A., e segundo indícios, cartas que o mesmo enviou ao processo teriam sido redigidas por agentes da indústria do petróleo. Pruitt foi um ardoroso opositor das regulamentações ambientais de Obama, que possibilitaram, por exemplo, o Acordo de Paris. Por fim, o novo homem forte da E.P.A. diz não acreditar no homem como transformador do clima.

Trump foi eleito com um discurso voltado aos trabalhadores, que estariam sendo derrotados com a globalização. Como secretário de Emprego, o presidente eleito dos EUA nomeou Andrew Puzder. O novo secretário é responsável por uma cadeia de fast-foods, ramo conhecido nos EUA pelas condições de trabalho ruins. Puzder é contra o aumento do salário mínimo no país, atualmente em U$$ 7,25 a hora, o que é insuficiente para muitos trabalhadores manterem ao menos suas casas. Além disso, a rede comandada por Puzder foi condenada em 60% dos casos trabalhistas pelos quais a processaram, a maioria por não pagamento do mínimo e falta de remuneração por horas extras.

Goldman Sachs e Wall Street foram acusados ferozmente durante a campanha de Trump de serem responsáveis por grande parte dos problemas norte-americanos. Eis que o nomeado para o cargo de secretário do Tesouro é Steve Mnuchin. O escolhido por Trump para cuidar do dinheiro no país trabalhou por 17 anos no Goldman Sachs. Outra figura importante de Wall Street que vai compor o novo governo é Wilbur Ross, investidor de ativos em crise, os apelidados “tubarões”, e que chefiará a pasta do Comércio.

Após um mês eleito, Trump já criou um desgaste diplomático com a China ao atender um telefonema da presidente de Taiwan. Recebeu elogios de Duterte, presidente das Filipinas que chamou Barack Obama de “filho da p...” e é responsável por uma política de execuções extraoficiais que já matou milhares. Nomeou o editor de um site supremacista branco para ser conselheiro da Casa Branca e um islamófobico para o Conselho de Segurança. Mas nada disso surpreende, já que seguindo outra máxima de Marx: “Acho que a televisão é muito educativa. Todas as vezes que alguém liga o aparelho, vou para a outra sala e leio um livro” Trump, que fez carreira com seu reality show na televisão, não dá mostras de ter recebido tal educação.

Al Gore comenta encontro. Esperança durou pouco

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

A Amazônia é nossa?

Tirando alguns casos extremos de conspiração, como as do nível de que o juiz Sérgio Moro seria um agente treinado pela CIA servindo aos interesses norte-americanos para tomar o pré-sal, esta pergunta não deveria ser muito difícil de se responder. Já quando se pensa nos complicados casos de biopirataria e no tráfico internacional de animais silvestres, realmente a questão fica mais complicada. Mas, em termos gerais, a Amazônia no território brasileiro, sim, pertence ao Brasil.

No entanto, o quanto os brasileiros conhecem da maior floresta do mundo? A excelente reportagem de Simon Romero, correspondente do NYT no Brasil, é uma boa provocação para a pergunta. Romero traz um grave problema que não pode ser chamado de esquecido, já que sequer um dia foi abordado de maneira massiva: a pirataria no rio Amazonas. Os relatos apresentam casos semelhantes aos famosos de pirataria moderna na Somália, exemplificados no filme indicado ao Oscar, Capitão Philips, com atuação de Tom Hanks. Por aqui, descaso no “mar de água doce” e sequestros acontecem em regiões em que é possível ficar dias sem avistar outra embarcação.

O principal alvo dos piratas brasileiros são os combustíveis. Além de abastecerem seus próprios barcos, a mercadoria é traficada para outras atividades ilegais, como as madeireiras. Em uma das regiões mais pobres do Brasil, os negócios ilícitos aparecem como alternativas interessantes para diversas pessoas, que veem ali uma possibilidade de ganhar a vida. No caso da pirataria ainda há mais uma implicação, já que os bandidos também atacam trabalhadores que tentam levar uma vida honesta, sobretudo com a pesca. Segundo os relatos de Romero, estas comunidades vivem em um clima de terror constante com medo dos piratas.

Outra boa fonte de informação sobre a Amazônia é a coluna “Pé na Praia” da DW, assinada pelo correspondente do Die Zeit no Brasil, Thomas Fischermann. O colunista afirma que a Amazônia é seu lugar preferido no país, e as interessantes histórias sobre as pessoas que vivem de maneira paralela ao restante do Brasil justificam o interesse. Fischermann conta sobre cidadãos isoladas das decisões tomadas em Brasília, alheias aos acontecimentos no eixo Rio-São Paulo e que compõe um universo fascinante em meio ao “pulmão do mundo”.

Quando não se tratam de questões que sofrem por interesses políticos, é inegável o bom trabalho jornalístico realizado pela rede catarí Al Jazeera. No Brasil, o exercício tem um foco na Amazônia, trazendo histórias de povoados isolados, dificuldades e principalmente das riquezas da região. A cobertura política e econômica fica em segundo plano, salvo em casos extremos como o impeachment de Dilma Rousseff, ou de grande relevância, o que nos últimos tempos já não vem sendo exceção.

Um dos grandes destaques nacionais para a cobertura da floresta é a escritora e jornalista Eliane Brum, que consegue aliar as duas vocações contando histórias de grandes personagens da Amazônia em verdadeiras obras-primas. A autora vem se destacando nos últimos tempos ao falar do drama dos afetados pela construção da usina de Belo Monte, projeto que afetou diversas comunidades no entorno da bacia do Xingu, fazendo de alguns “refugiados em seu próprio país”, como Eliane costuma chamar. Muitos, além de mostrarem como suas vidas foram afetadas, relatam até mesmo estar passando fome.

No texto“O ritmo da fome não é o da burocracia” Eliane Brum contou sobre o descompasso que os ribeirinhos desalojados por Belo Monte sofrem em meios às discussões com os tecnocratas responsáveis pelo processo. Enquanto os locais não têm as mais básicas necessidades atendidas, os burocratas dos grandes centros do país se valem de promessas que não vem sendo cumpridas e que, em tese, seriam a reparação por conta dos danos causados pela usina. Na prática os moradores seguem sofrendo a duras penas, enquanto Belo Monte deixou de ser assunto nas maiores capitais do Brasil há certo tempo. As colunas de Eliane são publicadas em sua maioria na versão brasileira do espanhol El País.

Piratas e refugiados poderiam sim serem problemas distantes do Brasil, mas como estas exceções de bom exercício jornalístico para a Amazônia provam, na verdade são problemas distantes de um dos Brasis. Já que, enquanto se discute no centro das decisões a crise política, ética, econômica, a vida no pulmão do mundo segue seu rumo. E para responder a pergunta do texto, nos últimos tempos, no que se refere a transmitir os anseios da floresta, assim como seus bons personagens, “os gringos tão levando tudo”.



Boa imagem trazida na matéria de Romero para o NYT. / FOTO: Dado Galdieri (New York Times)

domingo, 6 de novembro de 2016

A hora da verdade

Enfim chegou a hora da verdade. Depois de um período extenso de campanha, os norte-americanos se deparam com seu peculiar sistema eleitoral em que, no caso desta campanha, as acusações, mentiras e ofensas dão espaço para uma busca desesperada por votos nos chamados swing-states.

Isto ocorre por conta de eles serem, de fato, fundamentais na eleição. Um candidato pode vencer mais estados, e até possuir mais votos no país inteiro e não se tornar presidente. Em 2000, o democrata Al Gore conseguiu maior votação geral do que o republicano George W. Bush, mas perdeu no estado mais relevante naquela eleição, a Flórida, e o resultado final os iraquianos sabem melhor do que ninguém.

O sistema dos colégios eleitorais vem do começo da história dos EUA independentes, quando os ditos estados unidos, temiam que alguma região pudesse concentrar mais poderes do que outra. 
Sendo assim, foi estabelecido o complexo sistema que, de fato, representa as maiores populações, mas que leva em conta números relativo aos congressistas e senadores. Hoje o colégio eleitoral conta ao todo com 548 delegados divididos entre os 50 estados. Para se tornar presidente, Clinton ou Trump devem conseguir ao menos 270. O sistema é o chamado winner takes all, ou seja, o vencedor de cada estado leva todos os delegados.

O maior, com 55 delegados, é a Califórnia, onde um republicano não vence desde 1988, com George Bush. O segundo é o Texas, que conta com 38 delegados, e é ainda mais definido, onde um democrata não vence desde Jimmy Carter desde 1976. Em terceiro vem Nova Iorque, com 29, e que um republicano não leva desde Reagan em 1984. Também com 29 vem a Flórida, estado em que desde 1996 quem venceu se tornou presidente. Daí o apelido de “grande prêmio das eleições”.

Depois como tradicionais swing-states importantes estão Pensilvânia e Ohio, com 20 e 18 delegados respectivamente. Existem outros, e claro, também são relevantes ainda mais se tratando de uma eleição disputada. E em 2016, uma peculiaridade. Alguns estados tradicionalmente considerados “sólidos” de um dos partidos passaram a ter disputas intensas, em especial pela alta rejeição dos dois candidatos. Assim, Arizona e Geórgia, dois estados do Sul, o tradicional reduto republicano, passaram a condição de swing-states, e Clinton tem reais possibilidades de ganhar lá.

Para acompanhar tudo isto na prática, recomendo o Real Clear Politics, que usa uma fórmula com o maior número de pesquisas possíveis, e atribuindo a cada uma determinado valor de acordo com o grau de confiança, para indicar suas expectativas. No dia, acredito que o NYT, que abriu seu conteúdo gratuitamente no período das eleições, não deve decepcionar, trazendo assim uma cobertura brilhante como vem fazendo.
Mapa eleitoral: Real Clear Politics
Outros candidatos
Diferente dos amplamente divulgados swing-states, este assunto aparece bem menos na imprensa. Mas existem outros candidatos, e são mais de mil. Na prática o único relevante é o libertário Gary Johnson, que oscila entre 3% e 6% das intenções de votos nas pesquisas. Sobre ele fala-se pouco, além de não ter grandes recursos para divulgar sua campanha e ainda menos espaço na mídia. Seu momento mais marcante foi quando perguntou o que era Aleppo, a segunda maior cidade da Síria que vive o maior drama humanitário da atualidade. O que acontece em Aleppo é de alto interesse dos EUA, e foi bastante difundido durante as eleições. O episódio para muitos fez com que Johnson não figurasse mais como um candidato sério, sendo seu resultado eleitoral mero reflexo das altas rejeições de Trump e Clinton.

A ausência na prática de outros candidatos se deve principalmente ao sistema distrital utilizado pelos EUA, que beneficia o bipartidarismo. Outro fator determinante é o federalismo, sendo complicado para os candidatos se registrarem nas cédulas de votação em todos os estados, já que a legislação altera-se bastante de um para outro. Assim, somente os três citados até agora conseguiram estar à disposição dos eleitores em todos os 50 estados. A quarta força, Jill Stein, é digna de nota. A candidata do Partido Verde conseguiu cerca de 2% na intenção de voto nas pesquisas gerais, sendo que seu nome está disponível nas cédulas de menos de 20 estados. Todos os mais de mil candidatos podem receber votos, mas desde que o eleitor escreva o nome deste no papel de votação. Sim, na prática, voltamos a Trump x Clinton  e os swing-states.

Abstenção
A abstenção nos EUA tem papel fundamental e é uma das maiores preocupações dos candidatos até o último momento. Pesquisas prévias muito favoráveis podem desestimular o eleitor a ir votar, por conta do “já ganhou”, neste que é um dos países democráticos com menor índice de participação nos processos eleitorais. Até a previsão do tempo pode ser relevante em um caso assim, já que tradicionalmente um tempo ruim faz com que muitos desanimem de ir votar.

Grande parte desta falta de participação se dá pelo fato de que é difícil votar nos EUA. A lei de que a votação tem de ocorrer em uma terça-feira vem de uma época em que só homens brancos podiam exercer o direito do voto, e que o país era, sobretudo, dependente da produção agrária. Hoje as terças-feiras são dias comerciais, e boa parte dos trabalhadores tem dificuldades para se deslocar aos locais de votação e enfrentar as filas, em dias que são como quaisquer outros.

Existem diversos movimentos para alterar o dia de votação, o favorito seria seguir a América Latina e adotar o domingo. Outra ideia é tornar a terça-feira da eleição um feriado, o que tem maior peso econômico. O fato é que os norte-americanos tem uma predisposição a seguir regras de sua constituição de maneira inquestionável, mesmo que isto represente um ultraje ao bom senso. Grande exemplo é a negação de qualquer mudança na lei que regulamenta armas, por conta do texto ancestral da Segunda Emenda, e que permite que hoje, pessoas com suspeitas de ligações terroristas possam comprar armas. Mas isto é pra outra hora.


quinta-feira, 20 de outubro de 2016

O outro lado na eleição dos EUA


É a primeira vez que o blog trata das eleições norte-americanas de 2016. No Twitter e no programa semanal de rádio, o assunto é abordado com frequência há pelo menos um ano, mas o propósito aqui é diferente. Por questões de logística e recursos, a ideia deste espaço é trazer assuntos menos abordados pelos meios de comunicação, ou ao menos tratar uma perspectiva diferente destes, o que se pode verificar no primeiro post do Vale do Paraibuna Connection, ainda em 2013, que é uma contrapartida aos que execram por completo o chamado bullying.

Desde que Donald Trump anunciou, em 2015, que concorreria à presidência o candidato virou o centro das atenções. A cada vez que sua candidatura parecia mais surreal, seja insultando mexicanos, propondo o banimento de muçulmanos dos EUA, ou ofendendo mulheres, grande parte da mídia e os analistas reagiam em contrapartida, no sentido de conter o chamado “bufão fascista”. O fato é que durante as primárias republicanas a estratégia da imprensa falhou, já que Trump derrotou favoritos como Jeb Bush e Marco Rubio, e por fim fez com que o extremista Ted Cruz parecesse uma alternativa viável para frear o fenômeno grotesco. Para deixar claro, já que este parágrafo resume quase um ano de intensas movimentações, Cruz é parte do Tea Party, a ala mais radical dos republicanos e nunca foi, de fato, alguém moderado, caso de John Kasich, a melhor opção que o partido tinha nas primárias.

A questão é que a cada editorial criticando Trump, assim como a cada político de relevância que se posicionava contra o candidato, sendo o sensato Kasich um dos primeiros a fazê-lo dentro do partido republicano, uma parcela nada desprezível deste fenômeno ficava de lado, seus apoiadores. Sempre que o bilionário parecia mais grotesco, as análises faziam com que seus eleitores também parecessem, e logo estes passaram a ser insultados quase da mesma forma com que Trump faz com aqueles que não o apoiam.

O perfil é tradicional: o homem branco, com pouca educação, interiorano, e que foi atropelado pelo fenômeno da globalização, não conseguindo se estabelecer na nova ordem mundial. Além disso, ele sente seus privilégios ameaçados por minorias que teoricamente tomariam seus empregos e direitos. 
O discurso de Trump, dito “politicamente incorreto” contra “tudo o que está ai”, aliado a xenofobia que promete trazer de volta estes empregos para os EUA, “making America great again”, como diz seu slogan, é uma espécie de musica nos ouvidos destes atrasados provincianos que não pegaram o bonde da história. Esta é uma síntese de boa parte das explicações do fenômeno Trump. O que se suprime é como estes “atrasados” se sentem quando são chamados assim.

Alguns analistas chegaram ao ponto de classificar esta parcela nada irrelevante da população norte-americana de “white trash”, que realmente tem o mesmo teor de se chamar alguém de lixo branco no Brasil. Mesmo que menos pejorativos, os veículos de comunicação passaram a tratar os eleitores de Trump de maneira parecida, como se fossem uma parcela indesejável do país. Ninguém gosta de ser marginalizado, e quando isto se dá com pessoas que se sentem cada vez mais excluídas e frustradas, o efeito pode ser catastrófico.

Trump não é um imbecil, mesmo que seja difícil acreditar nisso. Quando disse publicamente que poderia atirar em alguém na Quinta Avenida, em Nova Iorque, e que mesmo assim não perderia votos, sabia que tinha alguma razão naquilo. O motivo pelo qual grande parte dos cerca de 40% dos EUA, segundo as últimas pesquisas, votarão em Trump não é pelo que ele é nem pelo que diz, e sim por ele não ser Hillary Clinton, o que foi indicado pelo Pew Research com 33% dos argumentos. Quando o bilionário tomou plena consciência disso, a campanha passou a cair ladeira abaixo, se assemelhando a disputas entre garotos de quarta série.

E foi neste cenário que Hillary Clinton cometeu seu grande erro na campanha até aqui. Em um discurso a candidata indicou que “você pode colocar metade dos simpatizantes de Trump no que eu chamo de cesta dos deploráveis”. Ou seja, disse acreditar que cerca de 20% das pessoas que ela provavelmente vai liderar a partir de 2017 são deploráveis. A expressão é gravíssima, e torna quase impossível que estes eleitores que não confiam nela passem a fazê-lo, o que é fundamental para a democracia norte-americana no sentido de rechaçar demagogias e populismos, e que se evite mais um “contra tudo o que está ai”. Ainda mais que o próximo pode não ser tão nefasto como Trump, ou ainda pior, em um cenário que se deteriore tanto nestes quatro anos: um bufão pior que o bilionário assumindo a Casa Branca.

Assim como no caso do Brexit, a mídia tem papel fundamental no sentido de amenizar os ressentimentos. A votação britânica mostrou que difamar um eleitorado frustrado por conta de suas opiniões não é a melhor estratégia de uma imprensa normalmente vista por estes como parte da causa de seus problemas.

Quem rechaça Trump seguirá rechaçando Trump, agora o que nenhum país precisa é de uma presidente considerando 20% do eleitorado como deplorável, ou que analistas chamem estas pessoas de “white trash”. É possível e justificado fazer um texto criticando cada um dos aspectos demonstrados por Trump durante a campanha, mas é realmente necessário neste momento? E o principal, subjugar uma parcela da população frustrada é realmente uma boa estratégia? A votação pelo Brexit provou que não para as duas perguntas.


Valendo-me de uma expressão que vem sendo utilizada sobre Trump, o candidato é “pós-moderno” nos seus conceitos de verdade. Clinton pode ser mentirosa, mas a campanha do bilionário se dissipa de qualquer conceito de realidade. Em um dos poucos artigos críticos à cobertura da mídia sobre as eleições, a The Economist questionou um dos protagonistas jornalísticos nesta campanha, o fact-checking. A revista indicou que, depois de tudo o que Trump já disse verificar a veracidade de seus discursos não parece nada mais do que arrogância para muitos de seus eleitores. Em uma campanha que tamanho do pênis e acusações de abusos sexuais foram mais relevantes do que os planos para a nação mais importante do mundo, nada surpreende que a verdade apareça para muitos como mero detalhe arrogante. As análises da mídia também.

                                                                Motivo? Ele não é Clinton

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Uma solução para "O Futuro do Jornalismo"

Um dos temas sociais mais importantes hoje é o futuro do jornalismo. Nas faculdades de comunicação o assunto, principalmente com o temor do desemprego, é constante, e vai desde o ingresso até a formação do aluno. Alguns professores tendem a vislumbrar um futuro em que a saída será as assessorias de imprensa, outros mais fatalistas acreditam que nestes tempos o jornalismo nem mesmo existirá, e preferem o saudosismo das épocas gloriosas.

O jornalismo vai existir, mas terá de mudar bruscamente. Hoje em dia praticamente não é rentável se produzir jornais impressos, e algumas redações sobrevivem quase que a base de filantropia de donos de jornal. A migração completa para internet só não ocorreu por um motivo, e que é o mais importante: ainda não se sabe como fazer dinheiro lá.

Na virada do milênio, quando houve o boom das ações de informática no mesmo momento em que os principais jornais começaram a migrar para os meios digitais, havia a sensação de que o problema financeiro estaria resolvido, já que a publicidade daria conta de manter os custos de um jornal. Acontece que a propaganda online não chega nem perto da efetividade que se tem nos impressos, e consequentemente os recursos empregados não chegam a ser tão grandes. Prova disso é a extinção de editorias em vários jornais, mas com os extensos classificados sempre presentes.

Então a fórmula é fazer com que o consumidor pague pelo que ele recebe: a informação. Se o ser humano fosse menos complexo, isto não seria grande problema, já que alguém que comprava jornal na banca poderia simplesmente usar o mesmo dinheiro para pagar uma assinatura online. Mas como se sabe, não é bem assim.

Uma série de estudos científicos, remetendo até aos comportamentos mais primitivos, demonstram que o ser humano possui uma necessidade de se sentir proprietário. Isto faz com que alguém possa gastar milhares de reais, por exemplo, comprando um novo aparelho de vídeo game, mas se recusando veementemente a gastar alguns centavos por um jogo de celular no qual a pessoa passará muito mais tempo. Em “As Viagens de Gulliver”, um dos lugares visitados pelo protagonista é dominado por cavalos que aparentemente domesticam uma estranha criatura: o homem. A bizarra espécie briga entre si pela posse de pequenos metais irrelevantes o tempo todo, enquanto estes cavalos mantem uma cultura superior baseada no respeito e na sabedoria. Se isto não convence, assista à série “Acumuladores” e entenda o quanto esta espécie tem a bizarra necessidade de posse.

Mas o próprio jornalismo explica a reticência nas pessoas em pagar por conteúdos na internet. A forma de se consumir informação mudou completamente, e isto tem grande impacto no que se está disposto a investir. Há 20 anos muitas pessoas compravam um jornal local esperando ter ali notícias sobre sua cidade, país, mundo, esportes e economia. Hoje esta mesma pessoa pode, no caso de um juiz-forano, ao invés de ler a Tribuna de Minas, acessar o Diário Regional, a Folha de S. Paulo, o El País, o globoesporte.com, e o Valor Econômico.

E assim fica inviável reclamar de alguém que não assine todas estas publicações. Colocando uma média mensal de 15 reais para cada veículo, uma pessoa que acessasse os cinco citados gastaria em média 75 reais por mês com informação. Isto falando de alguém que se atenha a cinco publicações por dia, o que não é tão comum, e nem falando em um caso extremo como o meu de alguém que perdeu as contas de quantos veículos acessa diariamente. Mas teme todo final de mês pelo fim do limite de leituras gratuitos em versões online de veículos como Haaretz, NYT, Economist, FT, Estadão, O Globo e outros.

É possível vislumbrar uma solução para este impasse, que para simplificar, chamemos de modelo Netflix. Boa parte dos altos custos de uma assinatura online hoje deriva, justamente, do pequeno número de pessoas que as fazem. Mas caso as pessoas tivessem como pagar um valor mais cômodo, como os cerca de 20 reais pagos pelo Netflix, o número de interessados iria aumentar, e consequentemente este valor se tornaria mais viável.

Imagine se por esta quantia você tivesse acesso a todos os jornais de seu maior interesse. Exemplificando, em publicações de um cunho mais de centro, ter, com um layout bem organizado, diariamente logo pela manhã todos os editorias do El País, do NYT e da Folha de S. Paulo, assim como as colunas de Friedman, Llosa, Krugman, só alguns dos mestres que escrevem nestes jornais. E a possibilidade de além deste pacote, pagando, por exemplo, 10% do valor da assinatura você poderia ter também disponível algum jornal local. Então por 22 reais ao mês haveriam as notícias locais de maneira confiável e os melhores jornais do mundo, contribuindo, ainda, para a existência de um jornalismo de qualidade.

Poderiam também haver outros pacotes, como um direcionado a mais conservadores, contendo, por exemplo, Wall Street Journal e Le Figaro. As possibilidades são muitas, e tratando de algo rentável, tudo isso pode acontecer sem o empecilho do idioma, já que hoje pode ser inviável a expansão a outras línguas, mas em um cenário como este, traduzir um jornal para russo ou português não se assemelha a um problema.

Falo isto em relação ao jornalismo de qualidade. Sem algo desta maneira, o cenário é uma anarquia da desinformação na qual quem tem dinheiro para financiar o jornalismo tem que ter algum interesse por trás, o que nunca é benéfico a ninguém. Por exemplo, a agência de notícias que mais se expande hoje é a Sputnik, criada em 2014 com edições em mais de 30 línguas. Em comparação a tradicional AFP, com mais de um século só produz em seis idiomas. Mas não é atoa que a primeira é chamada de assessoria de imprensa do governo russo.

Neste cenário desastroso regressaríamos ao principio do jornalismo, muito mais voltado a propagação de interesses de burgueses que o financiava do que com algum comprometimento pela verdade. Particularmente acredito que o auge da função foi no século XX. Afinal de contas, hoje mesmo com imensas melhorias, é impossível acreditar que um jornal como o Toronto Star possa manter Ernest Hemingway como seu correspondente na Europa, o que ocorreu no século passado. Mas isto não é nem sinal de um fim.

E o resto?
Refiro-me aqui ao jornalismo impresso da mais alta qualidade, e que passa por um momento dificílimo. A grande parte da população não é impactada por este tipo de publicações, já que mesmo dizendo que 22 reais é um valor razoável a se gastar por boa informação, parcela importante das pessoas não pode arcar com isto. Sobre a televisão como meio de se informar, acredito em melhoras, exemplo é a Globo News, mas que ainda atinge um publico ínfimo. Mesmo assim, querendo ou não, nas produções mais voltadas à massa, a presença do espetáculo ainda sobrepõe muito a informação de qualidade.

O impresso acaba?

O impresso não deve ser simplesmente extinto, mas não terá futuro glorioso. Os jornais não conseguem ter o mesmo fascínio dos livros, que alguns apontaram o fim após o surgimento do ebook, mas que seguem firmes. Os livros além de possuírem uma identidade maior de preservação, são bem melhores de serem lidos na versão impressa, e querendo ou não, poucas decorações são tão bonitas quanto uma prateleira com bons livros. Os jornais impressos devem permanecer capengando por algum tempo, sustentados pela geração que teve o enorme prazer, do qual gostaria de ter compartilhado mais vezes, de tomar café lendo o diário. Depois deve se reduzir a algumas poucas versões semanais, como por exemplo, alguns dominicais do NYT.