Um dos temas sociais mais importantes
hoje é o futuro do jornalismo. Nas faculdades de comunicação o assunto, principalmente
com o temor do desemprego, é constante, e vai desde o ingresso até a formação
do aluno. Alguns professores tendem a vislumbrar um futuro em que a saída será as assessorias de imprensa, outros mais fatalistas acreditam que nestes tempos
o jornalismo nem mesmo existirá, e preferem o saudosismo das épocas gloriosas.
O jornalismo vai existir, mas terá de mudar bruscamente. Hoje em dia praticamente não é rentável se produzir
jornais impressos, e algumas redações sobrevivem quase que a base de filantropia
de donos de jornal. A migração completa para internet só não ocorreu por um
motivo, e que é o mais importante: ainda não se sabe como fazer dinheiro lá.
Na virada do milênio, quando
houve o boom das ações de informática no mesmo momento em que os principais
jornais começaram a migrar para os meios digitais, havia a sensação de que o
problema financeiro estaria resolvido, já que a publicidade daria conta de manter os
custos de um jornal. Acontece que a propaganda online não chega nem perto da
efetividade que se tem nos impressos, e consequentemente os recursos empregados
não chegam a ser tão grandes. Prova disso é a extinção de editorias em
vários jornais, mas com os extensos classificados sempre presentes.
Então a fórmula é fazer com que o
consumidor pague pelo que ele recebe: a informação. Se o ser humano fosse menos
complexo, isto não seria grande problema, já que alguém que comprava jornal na
banca poderia simplesmente usar o mesmo dinheiro para pagar uma assinatura
online. Mas como se sabe, não é bem assim.
Uma série de estudos científicos, remetendo até aos comportamentos mais primitivos, demonstram que o ser
humano possui uma necessidade de se sentir proprietário. Isto faz com que
alguém possa gastar milhares de reais, por exemplo, comprando um novo aparelho de vídeo game,
mas se recusando veementemente a gastar alguns centavos por um jogo de celular
no qual a pessoa passará muito mais tempo. Em “As Viagens de Gulliver”, um dos
lugares visitados pelo protagonista é dominado por cavalos que aparentemente domesticam uma estranha criatura: o homem. A bizarra espécie briga
entre si pela posse de pequenos metais irrelevantes o tempo todo, enquanto
estes cavalos mantem uma cultura superior baseada no respeito e na sabedoria.
Se isto não convence, assista à série “Acumuladores” e entenda o quanto esta
espécie tem a bizarra necessidade de posse.
Mas o próprio jornalismo explica
a reticência nas pessoas em pagar por conteúdos na internet. A forma de se
consumir informação mudou completamente, e isto tem grande impacto no que se está disposto a investir. Há 20 anos muitas pessoas compravam um jornal local esperando ter ali notícias sobre sua cidade, país, mundo, esportes e economia.
Hoje esta mesma pessoa pode, no caso de um juiz-forano, ao invés de ler a
Tribuna de Minas, acessar o Diário Regional, a Folha de S. Paulo, o El País, o
globoesporte.com, e o Valor Econômico.
E assim fica inviável reclamar de
alguém que não assine todas estas publicações. Colocando uma média mensal de 15
reais para cada veículo, uma pessoa que acessasse os cinco citados gastaria
em média 75 reais por mês com informação. Isto falando de alguém que se atenha
a cinco publicações por dia, o que não é tão comum, e nem falando em um caso
extremo como o meu de alguém que perdeu as contas de quantos veículos acessa diariamente. Mas teme todo final de mês pelo fim do limite de leituras
gratuitos em versões online de veículos como Haaretz, NYT, Economist, FT, Estadão, O Globo e outros.
É possível vislumbrar uma solução
para este impasse, que para simplificar, chamemos de modelo Netflix. Boa parte
dos altos custos de uma assinatura online hoje deriva, justamente, do pequeno
número de pessoas que as fazem. Mas caso as pessoas tivessem como pagar um
valor mais cômodo, como os cerca de 20 reais pagos pelo Netflix, o número de
interessados iria aumentar, e consequentemente este valor se tornaria mais
viável.
Imagine se por esta quantia você
tivesse acesso a todos os jornais de seu maior interesse. Exemplificando, em
publicações de um cunho mais de centro, ter, com um layout bem organizado, diariamente
logo pela manhã todos os editorias do El País, do NYT e da Folha de S. Paulo,
assim como as colunas de Friedman, Llosa, Krugman, só alguns dos mestres que
escrevem nestes jornais. E a possibilidade de além deste pacote, pagando, por
exemplo, 10% do valor da assinatura você poderia ter também disponível algum
jornal local. Então por 22 reais ao mês haveriam as notícias locais de
maneira confiável e os melhores jornais do mundo, contribuindo, ainda, para a
existência de um jornalismo de qualidade.
Poderiam também haver outros
pacotes, como um direcionado a mais conservadores, contendo, por exemplo, Wall
Street Journal e Le Figaro. As possibilidades são muitas, e tratando de algo
rentável, tudo isso pode acontecer sem o empecilho do idioma, já que hoje pode
ser inviável a expansão a outras línguas, mas em um cenário como este, traduzir
um jornal para russo ou português não se assemelha a um problema.
Falo isto em relação ao
jornalismo de qualidade. Sem algo desta maneira, o cenário é uma anarquia da
desinformação na qual quem tem dinheiro para financiar o jornalismo tem que ter
algum interesse por trás, o que nunca é benéfico a ninguém. Por exemplo, a
agência de notícias que mais se expande hoje é a Sputnik, criada em 2014 com
edições em mais de 30 línguas. Em comparação a tradicional AFP, com mais de um
século só produz em seis idiomas. Mas não é atoa que a primeira é chamada de
assessoria de imprensa do governo russo.
Neste cenário desastroso
regressaríamos ao principio do jornalismo, muito mais voltado a propagação de
interesses de burgueses que o financiava do que com algum comprometimento pela
verdade. Particularmente acredito que o auge da função foi no século XX. Afinal
de contas, hoje mesmo com imensas melhorias, é impossível acreditar que um
jornal como o Toronto Star possa manter Ernest Hemingway como seu correspondente
na Europa, o que ocorreu no século passado. Mas isto não é nem sinal de um fim.
E
o resto?
Refiro-me aqui ao jornalismo
impresso da mais alta qualidade, e que passa por um momento dificílimo. A grande
parte da população não é impactada por este tipo de publicações, já que mesmo
dizendo que 22 reais é um valor razoável a se gastar por boa informação, parcela importante das pessoas não pode arcar com isto. Sobre a televisão como meio de se informar, acredito em melhoras, exemplo é a Globo News, mas que
ainda atinge um publico ínfimo. Mesmo assim, querendo ou não, nas produções
mais voltadas à massa, a presença do espetáculo ainda sobrepõe muito a
informação de qualidade.
O
impresso acaba?
O impresso não deve ser
simplesmente extinto, mas não terá futuro glorioso. Os jornais não conseguem
ter o mesmo fascínio dos livros, que alguns apontaram o fim após o surgimento
do ebook, mas que seguem firmes. Os livros além de possuírem uma identidade
maior de preservação, são bem melhores de serem lidos na versão impressa, e
querendo ou não, poucas decorações são tão bonitas quanto uma prateleira com
bons livros. Os jornais impressos devem permanecer capengando por algum tempo,
sustentados pela geração que teve o enorme prazer, do qual gostaria de ter
compartilhado mais vezes, de tomar café lendo o diário. Depois deve se reduzir
a algumas poucas versões semanais, como por exemplo, alguns dominicais do NYT.
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