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domingo, 6 de novembro de 2016

A hora da verdade

Enfim chegou a hora da verdade. Depois de um período extenso de campanha, os norte-americanos se deparam com seu peculiar sistema eleitoral em que, no caso desta campanha, as acusações, mentiras e ofensas dão espaço para uma busca desesperada por votos nos chamados swing-states.

Isto ocorre por conta de eles serem, de fato, fundamentais na eleição. Um candidato pode vencer mais estados, e até possuir mais votos no país inteiro e não se tornar presidente. Em 2000, o democrata Al Gore conseguiu maior votação geral do que o republicano George W. Bush, mas perdeu no estado mais relevante naquela eleição, a Flórida, e o resultado final os iraquianos sabem melhor do que ninguém.

O sistema dos colégios eleitorais vem do começo da história dos EUA independentes, quando os ditos estados unidos, temiam que alguma região pudesse concentrar mais poderes do que outra. 
Sendo assim, foi estabelecido o complexo sistema que, de fato, representa as maiores populações, mas que leva em conta números relativo aos congressistas e senadores. Hoje o colégio eleitoral conta ao todo com 548 delegados divididos entre os 50 estados. Para se tornar presidente, Clinton ou Trump devem conseguir ao menos 270. O sistema é o chamado winner takes all, ou seja, o vencedor de cada estado leva todos os delegados.

O maior, com 55 delegados, é a Califórnia, onde um republicano não vence desde 1988, com George Bush. O segundo é o Texas, que conta com 38 delegados, e é ainda mais definido, onde um democrata não vence desde Jimmy Carter desde 1976. Em terceiro vem Nova Iorque, com 29, e que um republicano não leva desde Reagan em 1984. Também com 29 vem a Flórida, estado em que desde 1996 quem venceu se tornou presidente. Daí o apelido de “grande prêmio das eleições”.

Depois como tradicionais swing-states importantes estão Pensilvânia e Ohio, com 20 e 18 delegados respectivamente. Existem outros, e claro, também são relevantes ainda mais se tratando de uma eleição disputada. E em 2016, uma peculiaridade. Alguns estados tradicionalmente considerados “sólidos” de um dos partidos passaram a ter disputas intensas, em especial pela alta rejeição dos dois candidatos. Assim, Arizona e Geórgia, dois estados do Sul, o tradicional reduto republicano, passaram a condição de swing-states, e Clinton tem reais possibilidades de ganhar lá.

Para acompanhar tudo isto na prática, recomendo o Real Clear Politics, que usa uma fórmula com o maior número de pesquisas possíveis, e atribuindo a cada uma determinado valor de acordo com o grau de confiança, para indicar suas expectativas. No dia, acredito que o NYT, que abriu seu conteúdo gratuitamente no período das eleições, não deve decepcionar, trazendo assim uma cobertura brilhante como vem fazendo.
Mapa eleitoral: Real Clear Politics
Outros candidatos
Diferente dos amplamente divulgados swing-states, este assunto aparece bem menos na imprensa. Mas existem outros candidatos, e são mais de mil. Na prática o único relevante é o libertário Gary Johnson, que oscila entre 3% e 6% das intenções de votos nas pesquisas. Sobre ele fala-se pouco, além de não ter grandes recursos para divulgar sua campanha e ainda menos espaço na mídia. Seu momento mais marcante foi quando perguntou o que era Aleppo, a segunda maior cidade da Síria que vive o maior drama humanitário da atualidade. O que acontece em Aleppo é de alto interesse dos EUA, e foi bastante difundido durante as eleições. O episódio para muitos fez com que Johnson não figurasse mais como um candidato sério, sendo seu resultado eleitoral mero reflexo das altas rejeições de Trump e Clinton.

A ausência na prática de outros candidatos se deve principalmente ao sistema distrital utilizado pelos EUA, que beneficia o bipartidarismo. Outro fator determinante é o federalismo, sendo complicado para os candidatos se registrarem nas cédulas de votação em todos os estados, já que a legislação altera-se bastante de um para outro. Assim, somente os três citados até agora conseguiram estar à disposição dos eleitores em todos os 50 estados. A quarta força, Jill Stein, é digna de nota. A candidata do Partido Verde conseguiu cerca de 2% na intenção de voto nas pesquisas gerais, sendo que seu nome está disponível nas cédulas de menos de 20 estados. Todos os mais de mil candidatos podem receber votos, mas desde que o eleitor escreva o nome deste no papel de votação. Sim, na prática, voltamos a Trump x Clinton  e os swing-states.

Abstenção
A abstenção nos EUA tem papel fundamental e é uma das maiores preocupações dos candidatos até o último momento. Pesquisas prévias muito favoráveis podem desestimular o eleitor a ir votar, por conta do “já ganhou”, neste que é um dos países democráticos com menor índice de participação nos processos eleitorais. Até a previsão do tempo pode ser relevante em um caso assim, já que tradicionalmente um tempo ruim faz com que muitos desanimem de ir votar.

Grande parte desta falta de participação se dá pelo fato de que é difícil votar nos EUA. A lei de que a votação tem de ocorrer em uma terça-feira vem de uma época em que só homens brancos podiam exercer o direito do voto, e que o país era, sobretudo, dependente da produção agrária. Hoje as terças-feiras são dias comerciais, e boa parte dos trabalhadores tem dificuldades para se deslocar aos locais de votação e enfrentar as filas, em dias que são como quaisquer outros.

Existem diversos movimentos para alterar o dia de votação, o favorito seria seguir a América Latina e adotar o domingo. Outra ideia é tornar a terça-feira da eleição um feriado, o que tem maior peso econômico. O fato é que os norte-americanos tem uma predisposição a seguir regras de sua constituição de maneira inquestionável, mesmo que isto represente um ultraje ao bom senso. Grande exemplo é a negação de qualquer mudança na lei que regulamenta armas, por conta do texto ancestral da Segunda Emenda, e que permite que hoje, pessoas com suspeitas de ligações terroristas possam comprar armas. Mas isto é pra outra hora.


quinta-feira, 20 de outubro de 2016

O outro lado na eleição dos EUA


É a primeira vez que o blog trata das eleições norte-americanas de 2016. No Twitter e no programa semanal de rádio, o assunto é abordado com frequência há pelo menos um ano, mas o propósito aqui é diferente. Por questões de logística e recursos, a ideia deste espaço é trazer assuntos menos abordados pelos meios de comunicação, ou ao menos tratar uma perspectiva diferente destes, o que se pode verificar no primeiro post do Vale do Paraibuna Connection, ainda em 2013, que é uma contrapartida aos que execram por completo o chamado bullying.

Desde que Donald Trump anunciou, em 2015, que concorreria à presidência o candidato virou o centro das atenções. A cada vez que sua candidatura parecia mais surreal, seja insultando mexicanos, propondo o banimento de muçulmanos dos EUA, ou ofendendo mulheres, grande parte da mídia e os analistas reagiam em contrapartida, no sentido de conter o chamado “bufão fascista”. O fato é que durante as primárias republicanas a estratégia da imprensa falhou, já que Trump derrotou favoritos como Jeb Bush e Marco Rubio, e por fim fez com que o extremista Ted Cruz parecesse uma alternativa viável para frear o fenômeno grotesco. Para deixar claro, já que este parágrafo resume quase um ano de intensas movimentações, Cruz é parte do Tea Party, a ala mais radical dos republicanos e nunca foi, de fato, alguém moderado, caso de John Kasich, a melhor opção que o partido tinha nas primárias.

A questão é que a cada editorial criticando Trump, assim como a cada político de relevância que se posicionava contra o candidato, sendo o sensato Kasich um dos primeiros a fazê-lo dentro do partido republicano, uma parcela nada desprezível deste fenômeno ficava de lado, seus apoiadores. Sempre que o bilionário parecia mais grotesco, as análises faziam com que seus eleitores também parecessem, e logo estes passaram a ser insultados quase da mesma forma com que Trump faz com aqueles que não o apoiam.

O perfil é tradicional: o homem branco, com pouca educação, interiorano, e que foi atropelado pelo fenômeno da globalização, não conseguindo se estabelecer na nova ordem mundial. Além disso, ele sente seus privilégios ameaçados por minorias que teoricamente tomariam seus empregos e direitos. 
O discurso de Trump, dito “politicamente incorreto” contra “tudo o que está ai”, aliado a xenofobia que promete trazer de volta estes empregos para os EUA, “making America great again”, como diz seu slogan, é uma espécie de musica nos ouvidos destes atrasados provincianos que não pegaram o bonde da história. Esta é uma síntese de boa parte das explicações do fenômeno Trump. O que se suprime é como estes “atrasados” se sentem quando são chamados assim.

Alguns analistas chegaram ao ponto de classificar esta parcela nada irrelevante da população norte-americana de “white trash”, que realmente tem o mesmo teor de se chamar alguém de lixo branco no Brasil. Mesmo que menos pejorativos, os veículos de comunicação passaram a tratar os eleitores de Trump de maneira parecida, como se fossem uma parcela indesejável do país. Ninguém gosta de ser marginalizado, e quando isto se dá com pessoas que se sentem cada vez mais excluídas e frustradas, o efeito pode ser catastrófico.

Trump não é um imbecil, mesmo que seja difícil acreditar nisso. Quando disse publicamente que poderia atirar em alguém na Quinta Avenida, em Nova Iorque, e que mesmo assim não perderia votos, sabia que tinha alguma razão naquilo. O motivo pelo qual grande parte dos cerca de 40% dos EUA, segundo as últimas pesquisas, votarão em Trump não é pelo que ele é nem pelo que diz, e sim por ele não ser Hillary Clinton, o que foi indicado pelo Pew Research com 33% dos argumentos. Quando o bilionário tomou plena consciência disso, a campanha passou a cair ladeira abaixo, se assemelhando a disputas entre garotos de quarta série.

E foi neste cenário que Hillary Clinton cometeu seu grande erro na campanha até aqui. Em um discurso a candidata indicou que “você pode colocar metade dos simpatizantes de Trump no que eu chamo de cesta dos deploráveis”. Ou seja, disse acreditar que cerca de 20% das pessoas que ela provavelmente vai liderar a partir de 2017 são deploráveis. A expressão é gravíssima, e torna quase impossível que estes eleitores que não confiam nela passem a fazê-lo, o que é fundamental para a democracia norte-americana no sentido de rechaçar demagogias e populismos, e que se evite mais um “contra tudo o que está ai”. Ainda mais que o próximo pode não ser tão nefasto como Trump, ou ainda pior, em um cenário que se deteriore tanto nestes quatro anos: um bufão pior que o bilionário assumindo a Casa Branca.

Assim como no caso do Brexit, a mídia tem papel fundamental no sentido de amenizar os ressentimentos. A votação britânica mostrou que difamar um eleitorado frustrado por conta de suas opiniões não é a melhor estratégia de uma imprensa normalmente vista por estes como parte da causa de seus problemas.

Quem rechaça Trump seguirá rechaçando Trump, agora o que nenhum país precisa é de uma presidente considerando 20% do eleitorado como deplorável, ou que analistas chamem estas pessoas de “white trash”. É possível e justificado fazer um texto criticando cada um dos aspectos demonstrados por Trump durante a campanha, mas é realmente necessário neste momento? E o principal, subjugar uma parcela da população frustrada é realmente uma boa estratégia? A votação pelo Brexit provou que não para as duas perguntas.


Valendo-me de uma expressão que vem sendo utilizada sobre Trump, o candidato é “pós-moderno” nos seus conceitos de verdade. Clinton pode ser mentirosa, mas a campanha do bilionário se dissipa de qualquer conceito de realidade. Em um dos poucos artigos críticos à cobertura da mídia sobre as eleições, a The Economist questionou um dos protagonistas jornalísticos nesta campanha, o fact-checking. A revista indicou que, depois de tudo o que Trump já disse verificar a veracidade de seus discursos não parece nada mais do que arrogância para muitos de seus eleitores. Em uma campanha que tamanho do pênis e acusações de abusos sexuais foram mais relevantes do que os planos para a nação mais importante do mundo, nada surpreende que a verdade apareça para muitos como mero detalhe arrogante. As análises da mídia também.

                                                                Motivo? Ele não é Clinton