“Creio
que a síndrome do século XXI é o choque de fanáticos de todas as cores e o
resto de nós.” A frase é de um dos maiores escritores israelenses, Amós Oz, nascido
em Jerusalém durante o mandato britânico, e que se considera um especialista em “fanatismo
comparado”. Vivendo na Terra Santa por tanto tempo, este local capaz de
suscitar tantas paixões, é compreensível que seu ensaio “Como Curar um Fanático”
seja uma grande peça para entender o extremismo. Só não diria que é
necessário, pois este tipo de imposição já é um dos princípios apontados por Oz
para o fanatismo, do qual nenhum ser humano é completamente imune.
Um dos
antídotos contra o fanatismo apontados por Oz é a imaginação, atrelada à capacidade de se
colocar no lugar do outro. Usando desta imaginação, suponhamos que o autor do massacre em Campinas fosse muçulmano, ou simplesmente
tivesse gritado algumas expressões em árabe. Quais seriam os principais
destaques para o atentado? “Terrorismo islâmico chega ao Brasil?” “Estado
Islâmico assume a autoria de atentado em Campinas?”. Se as repercussões não
fossem tão extremas, asseguro que o termo “terrorismo” e a religião do autor
teriam sido bem mais difundidos do que ocorreu no caso.
Segundo
Oz, a luta entre fanáticos e o resto da sociedade se dá entre pessoas que “acreditam
que o fim, qualquer fim, justifica os meios, e o resto de nós, que acredita que
a vida é um fim, não um meio.” Os fins no caso do atentado em Campinas, seriam as ideias misóginas e machistas do autor, e a ação em si, que seria algo
justificável para ele, o meio. É o que Oz descreve quando diz “É uma luta entre os que
por um lado pensam que justiça- o que quer que entendam por esta palavra- é
mais importante que a vida, e os que pensam que a vida tem muito mais importância
que outros valores, convicções ou crenças.” Nos trechos divulgados da carta do
terrorista, em que este relativiza a possibilidade de morrer, esta luta é nítida.
Mas não
foi só este massacre no ano novo que teve seu viés terrorista deixado em
segundo plano. No ano passado, um supremacista branco nos EUA invadiu uma
igreja e matou nove pessoas negras, o que foi apenas mais um dentre as dezenas
de crimes de ódio envolvendo massacres no país. Além disso, a deputada britânica Jo Cox foi morta em um atentado de um ultranacionalista que considerava os
contrários ao Brexit, assim como Cox, traidores. Pouco se falou em terror.
Para o autor
argentino J.L. Borges: “O nacionalismo só permite afirmações e, toda doutrina que
descarte a dúvida, a negação, é uma forma de fanatismo e estupidez.”. No âmbito
do terrorismo, o nacionalismo foi uma das formas de fanatismo que mais fizeram vítimas
durante o século XX. As organizações, ETA no país basco, IRA na Irlanda do
Norte e a própria Organização pela Libertação Palestina (OLP), até o abandono
da luta armada, compuseram grande parte do cenário do terror no período, assim
como as milícias de ideal marxista, como as FARC na Colômbia, e o PKK no
Curdistão, que também possui um viés nacionalista. O terror islamista como
conhecemos vem do final do século XX, com grupos como o Hamas e Al Qaeda, de
orientação sunita extrema. Até então o terrorismo muçulmano era vinculado mais
a grupos xiitas, de exemplo, o Hezbollah.
Marxismo,
nacionalismo, extremismo islamista, anarquismo e qualquer outra orientação que
tenha servido como base para fanáticos ao longo da história propõe certezas
para os anseios do ser humano. Segundo Oz estas certezas se alteraram de tempos para cá: “Até a
metade do século XIX, a maioria das pessoas, na maior parte do mundo, tinha pelo
menos três certezas fundamentais: onde eu vou passar a minha vida, o que vou
fazer da minha vida e o que vai acontecer comigo depois que eu morrer.”.
Segundo o autor, em um mundo de pouca mobilidade social e geográfica, sendo
temente a seu deus, a vida terminaria no paraíso. Hoje não é bem assim.
Um
estudo recente indicou que uma edição dominical do New York Times oferece mais informação do que, em média, um cidadão
do século XVII recebia durante toda a vida, o que complica quaisquer certezas. O diplomata norte-americano Henry
Kissinger classifica o saber em três instâncias: informação, conhecimento e
sabedoria. De fato, esta é a era da informação. A questão é o quanto
disso o ser humano processa para transformar em conhecimento, ou sabedoria. As
duas últimas instâncias necessitam de análises profundas, reflexões, sendo
fundamental compreender o outro lado das histórias.
O que
temos hoje não chega a isso. Pessoas comentam com fanatismo simplesmente ao
observarem uma manchete, seja ela sobre terrorismo, Trump, aquecimento global,
Temer, Lula, Dilma, ou mesmo fofocas. Não se busca o conhecimento para entender
o que ali ocorre, e já se exclama “é”, e por vezes até mesmo se
discute com conhecidos do “não é”. Evidentemente esta instância do saber fica
bem longe da sabedoria.
Claro
que dentro deste fanatismo existem várias instâncias. Não se pode comparar
alguém que tenta convencer se foi ou não golpe e um vegano que quer fazer
alguém parar de comer carne, com um terrorista ou um perpetrador de limpeza
étnica. Mas para Oz, o fanatismo tem duas essências fundamentais: “autojustificativa
sem concessões” e “o desejo de forçar outras pessoas a mudar”. E neste aspecto
os casos se enquadram, e somos todos suscetíveis, já que como traz o autor: “A
natureza humana parece que não muda. A única diferença entre fazer amor no
tempo do Rei Davi e fazer amor hoje em dia é o cigarro depois”.
Como traz o começo do texto, também acredito que a batalha contra o fanatismo
será uma síndrome do século XXI, e arrisco dizer que é a principal questão
deste, junto às mudanças climáticas. Portanto, combates como os que matam
jihadistas sem destruir as raízes que os levam a isto serão como enxugar gelo,
mas gerando um ciclo vicioso de derramamento de sangue. Lidar com as causas
deste extremismo é um dos grandes desafios, e será de suma importância entender que a fonte é a mesma,
seja para islamistas, misóginos, nacionalistas ou anarquistas: nossa própria
natureza.
A
propósito, outros dois antídotos que Oz sugere contra o fanatismo são o humor e
a literatura. Humor, e não sarcasmo, o autor define como a capacidade de rir de
si mesmo. Dizer sarcasticamente que contar uma piada a um terrorista pode parar
um ataque não serve, mas em compensação, o Grupo Estado Islâmico nunca soube rir
de si mesmo e jura de morte quem faz sarro com ele. E a literatura sugerida não
é a superficial, ou a que suscita ainda mais fanatismo, e sim a que coloca o
leitor na mente de outra pessoa. Diria que é vital a todos, mas como trouxe
J.L. Borges: “A leitura não deve ser obrigatória. O prazer não é obrigatório, o
prazer é algo buscado.”.
Uma aula em 100 páginas (FOTO: Divulgação)
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