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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Em baixa na exportação de petróleo, Venezuela se mantém em alta nos clichês

Em meio às acusações quanto a vilania estadunidense com interesses em surrupiar o petróleo da explorada nação, algo que nem mesmo Maduro repete, e que parte de premissas geopolíticas atrasadas em quase 40 anos, surgiu a figura de Juan Guaidó. Em uma crise de quase seis anos, surgiu de um mês para o outro uma figura aceita como presidente pela comunidade internacional, e imbuída de caráter, compostura e moderação que fariam inveja a Mandela. O fim de Maduro estaria para ocorrer a qualquer momento. Nada muito diferente do que se divulga desde 2014.

O cenário real envolve bem mais pragmatismo do que geopolítica dos anos 70. A “iminência” da queda de Maduro é algo que deve demorar mais do que parece, e a união entorno de Guaidó é bem mais de situação do que a espécie de Nobel da Paz que alguns pintaram nas últimas semanas.

Estes dois ótimos artigos demonstram como a premissa que acusa os EUA de agirem meramente com o interesse imperialista no petróleo venezuelano é falsa. Dentre os muitos fatores envolvidos, chama atenção o fato de que a Venezuela importa petróleo norte-americano para produzir óleo de melhor qualidade e conseguir melhor posição no mercado internacional. Por sua vez, as explorações de xisto necessitam de um valor mais alto no mercado global do barril para serem viáveis, e a crescente na produção por este tipo de extração nos últimos anos nos EUA tornou as empresas lobistas poderosas, e a estas não interessa uma queda repentina na cotação da commoditie. Além disso, com Chavéz e Maduro a Venezuela seguiu sendo um dos maiores exportadores para os EUA. As mudanças ocorridas na posição norte-americana no mercado internacional de petróleo, tornando-se um dos maiores produtores mundiais, tornou obsoleta muitas das acusações contra o país que ouvimos há anos.

Resumo: negócios sobrepõe ideologias. E analisar geopolítica como à época da criação da OPEP pode gerar likes, mas não lucro.

Não faltam motivos que demonstrem hipocrisia no papel dos EUA no cenário global. A grande premissa que deslegitima hoje o governo de Maduro parte do processo fraudulento das eleições presidenciais em 2018. Como mostra a Foreign Police, a tática de pleitos adulterados foi a mesma utilizada no último mês pelo governo da R.D. do Congo, mas desta vez com apoio dos EUA à vitória de Felix Tshikendi. Se a dinâmica do petróleo mudou, a lógica atribuída a Franklin Delano Roosevelt sobre antigo ditador da Nicarágua, “Somoza pode ser um filho da puta, mas é o nosso filho da puta”, indica seguir presente.  

Outra boa peça vem da BBC Brasil. Hoje pouco lembrada, a Mesa de Unidade Democrática (MUD) foi por um tempo a principal força da oposição venezuelana. Um dos grandes problemas do grupo, sendo apontado por governistas, oposição e população, era que de unidade a legenda não tinha nada. Correntes políticas e ego disputaram a liderança como oposição a Maduro, e que em determinado de momento de 2019 chegou a Guaidó, com enorme apoio externo. Leopoldo López, preso desde 2014, pode até respaldar o presidente interino por conta de pertencer à mesma legenda, a Vontade Popular. Mas Henrique Caprilles e María Corina Machado não devem aceitar tão facilmente a liderança do neófito. As divisões ficaram claras em eventos importantes, como o boicote às presidenciais de 2018, que não foi seguido por setores da oposição, e a participação destas frações é hoje argumento de Maduro para validar o pleito.

Mas vem do apoio ao chavismo a maior razão que impede a “queda iminente de Maduro”, profetizada desde 2014. No plano interno, milícias servem ao regime na repressão contra protestos, como ficou marcado nas “Manifestações dos 100 dias” em 2018, que levaram a centenas o número de mortos e feridos. De fato, os grupos possuem uma lealdade menor à figura de Maduro, mas o chavismo ainda exerce um poder muito forte, e que garante relatos como estes da BBC Mundo. Bom aspecto assinalado com unanimidade é o poder que as forças armadas terão no processo. Leal a Chávez, o exército venezuelano galgou grande poder nos últimos 20 anos, e perder a estrutura deve significar o fim de Maduro. Mas afirmar a “iminência” do fato é achismo ou deter informação privilegiada que faria inveja aos melhores serviços de inteligência do mundo.

No exterior, a China, que fez seus maiores investimentos na América Latina no país caribenho é o outro grande fiel da balança. Maduro deposita enorme confiança nos “buenos amigos chinos”, mas o pragmatismo da realpolitik pode jogar contra o mesmo. Com débitos na casa dos dezenas de bilhões de dólares, a “amizade” pode não resistir a um aceno de Guaidó aos asiáticos. É sabido que o senador republicano Marco Rubio e o assessor de Segurança Nacional, John Bolton, desejam uma espécie de resgate da doutrina Monroe, e que a influência na Venezuela é um dos grandes planos desta ala do governo Trump para a região. Mas o que a China investiu nos últimos anos pode ser o gatilho de um dos primeiros grandes conflitos entre as duas maiores economia da atualidade. Entre China, EUA, Guaidó e Maduro, quem esperar lealdade à frente de estratégia pode sair derrotado.

A Rússia investiu militarmente no país, o que pode garantir uma maior segurança a Maduro. No mínimo, com a experiência internacional recente, a presença de equipamento militar russo serve para dissuadir intentos de intervenção. Longe de seu território e com interesse geopolítico menor do que, por exemplo na Síria, é difícil imaginar que Putin investiria muito além para a manutenção do regime. Com menor capacidade de investimento do que os chineses, preservar os interesses econômicos no país pode fazer com que Maduro perca mais um aliado, e é o que já cogita o Moscow Times. A partir de agora, o apoio deve ficar mais em esferas diplomáticas, como o Conselho de Segurança da ONU.

Os seguidos reconhecimentos de Guaidó como presidente interino demonstram uma enorme força, mas é preciso levar em conta também o apoio que ainda resta a Maduro. Dois dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança; uma potência petrolífera carregada de sanções que completa 40 anos como inimigo dos EUA no plano externo, o Irã; a estratégica Turquia, membra da OTAN; e uma série de países aliados ideologicamente que se beneficiaram do petróleo venezuelano, com destaque para Cuba e Nicarágua. Por sua vez, o México de Obrador é importante parceiro para uma negociação que envolva o governo, assim como o Uruguai.

“É lamentável que o país com as maiores reservas de petróleo do mundo, e que já foi uma potência regional na década de 70 chegue a este estágio de penúria com 3 milhões de refugiados e uma inflação anual de 1.000.000 % no último ano. A péssima gestão populista de Maduro, seguida por seus abusos autoritários não permitem mais chamar a Venezuela de democracia. A repressão contra opositores configura um crime, e os responsáveis devem ser punidos.” Não discordo de nada deste parágrafo, que escrevi em uma espécie de agregador para qualquer editorial no mundo. Mas sem melhor contexto, estamos fadados a repetir clichês. Hoje estes abundam mais do que o petróleo no que se refere à Venezuela.

Sugestão
Por fim, ninguém melhor para tratar do assunto do que Nicolás Maduro. Nas excelente série catalã Salvados (tem na Netflix), o homem tão falado, e nem tão ouvido, deu uma longa entrevista em 2017 a Jordi Évole em uma das melhores produções sobre Venezuela que já vi.       

                                      
                                        Cena da entrevista com Maduro em Salvados. Líder promete responder a todas perguntas. E o faz

segunda-feira, 31 de julho de 2017

Inconsequência e desinformação explicam apoio a Maduro em 2017

Os noticiários há pelo menos três anos são inundados pelas mesmas considerações sobre a crise na Venezuela: “situação drástica”, “governo insustentável”, “protestos reprimidos da oposição” e cifras sobre inflação, desabastecimento, queda no PIB e outros números para ilustrar o fracasso do governo de Nicolás Maduro. Desta forma, é compreensível que, por outro lado, os defensores do “socialismo na América Latina”, da “Revolução Bolivariana”, e do legado do chavismo para os mais pobres, se aferrem aos mesmos argumentos de 2014. No entanto, na realidade de 2017, a estratégia do que resta de apoio internacional do regime soa como um misto de desinformação e inconsequência.

De fato, o chavismo aproveitou bem o alto valor do petróleo para conseguir importantes investimentos na população mais desfavorecida da Venezuela, aumentando expectativa de vida e o poder de compra dos venezuelanos. Como já foi extensamente propagado nos últimos três anos, a queda no valor do barril, que chegou a custar menos que US$ 30, enquanto nos tempos dourados de Chavéz ultrapassava os US$ 100, foi um baque até hoje irreparável na economia que detém as maiores reservas de petróleo do mundo e exportações que dependem do óleo em 95%.

O lado menos contato da história, e que vem aparecendo gradualmente, é para onde foi outra parte deste dinheiro. A Venezuela, assim como o Brasil, não sofreu somente com a queda do preço internacional de matérias primas, mas também com um assalto aos cofres do Estado com um misto de incompetência, e a prioridade a interesses espúrios. No que a revista Economist classificou como “gangstercracia”, o ex-ministro do orçamento venezuelano Jorge Giordani afirma que dos US$ 1 trilhão que o país conseguiu com a venda do petróleo, US$ 300 bilhões teriam sido desviados. O atual vice-presidente, Tareck El Aissami, é acusado internacionalmente de integrar uma rede do narcotráfico, que contaria com a colaboração de altos funcionários do governo venezuelano. Quem fez a denúncia junto a Giordani foi Hector Navarro, que esteve à frente de cinco ministérios no governo de Chavéz, e que afirma “ladrões não têm ideologia”.

Desta forma, o que não devem pensar os 93% dos venezuelanos que afirmaram em pesquisa não conseguir comprar o que precisam de comida, assim como os cerca de 75% que perderam peso no ano passado ao ouvir a defesa do atual governo por conta de sua prioridade aos mais pobres? A inflação, que deve alcançar os 1000% neste ano, a maior do mundo, consome o poder de compra daqueles que veem este equiparado à década de 50. A mortalidade materna cresceu 66% no último ano, e a infantil 30%, números que para serem divulgados custaram o cargo da ministra da Saúde.

No começo da crise, uma das principais defesas que era feita ao regime foi a da manutenção das liberdades. Como o caso da ministra da Saúde ilustra, e que ficou evidente com o cerceamento aos trabalhos da procuradora-geral Luísa Ortega Díaz, chavista e que chegou a ter seus bens bloqueados por conta da oposição a Maduro, internamente a liberdade não passa de ilusão. A liberdade de imprensa, que de fato ainda é maior do que em históricas guinadas autoritárias na América Latina, foi cerceada nos últimos tempos, em especial com a simbólica ordem de fechamento da CNN.

Liberdade de manifestação, como se sabe, nunca foi o forte do governo de Maduro. Os primeiros protestos foram duramente reprimidos, culminando inclusive com uma série de encarceramentos e até em mortes. No entanto, desde as marchas que se iniciaram em abril deste ano, mais de 100 pessoas já perderam suas vidas em manifestações contra o governo, parte delas vítimas de assassinatos brutais por milícias urbanas. Apenas nos protestos em decorrência da votação pela Assembleia Constituinte, já são contabilizadas ao menos 15 mortes.

A capacidade de restabelecer a ordem democrática por meio da Assembleia, como é defendido por parte dos apoiadores do regime, é uma falácia. As 545 cadeiras em disputa pelo pleito reservavam importantes margens à setores ligados ao governo, inclusive com algumas pessoas podendo escolher por duas vezes seus representantes. A eleição municipal fez com que localidades pequenas tivessem a mesma equivalência das principais cidades, onde o antichavismo é mais forte, em uma violação da paridade do voto (sim, o que não deixa de ocorrer, de certa forma, no sistema eleitoral do EUA). As denúncias de que funcionários públicos foram ameaçados em caso de não comparecimento à votação foram frequentes, assim como as de sanções aos beneficiários de programas do governo que não o fizessem. Por fim, Diosdado Cabello, conhecido como número dois do chavismo, acusado de corrupção e envolvimento com o narcotráfico, Cilia Flores, esposa de Maduro, e Delcy Rodriguez, ministra das relações exteriores do governo, terminaram eleitos.

Diante do atual quadro do regime, não passa de uma retórica vazia as expressões que acusam uma suposta “direita” de arquitetar contra Maduro. Quanto às acusações norte-americanas de ingerência, o país segue comprando quase metade do petróleo exportado pelos venezuelanos, sendo sede de importantes operações da estatal PSVDA no ramo. Sanções contra o país dificilmente surtiriam efeito, já que reforçariam os argumentos “anti-imperialistas” de Maduro para sua base, e que buscaria outros parceiros, como a já importantíssima China e a Rússia, que passou a exercer mais influência após acordos venezuelanos com sua estatal petrolífera, a Rosneft. Por outro lado, os norte-americanos neste caso teriam pouco a ganhar, sendo obrigados a buscarem óleo em áreas mais onerosas e provavelmente assistindo a um aumento no preço do barril no cenário global.

Sanções contra a alta cúpula do regime, como El Aissami, que já conta com embargos norte-americanos, são um caminho responsável, e que pode surtir efeito. No entanto, nada além de forçar o regime a ir, de fato, à mesa de negociações pode representar o melhor aos interesses venezuelanos. Enquanto Maduro anunciava suas intenções de diálogo, como quando contou com a mediação do Vaticano, o regime se desviava cada vez mais do viés democrático. Desde 2014 presos políticos foram feitos na Venezuela, eleições marcadas foram adiadas sem prazo, um referendo revogatório previsto na constituição foi ignorado, e no auge do autoritarismo, o Tribunal Supremo assumiu os poderes da Assembleia Nacional, de maioria opositora, em um golpe que remonta ao século XX na América Latina e que a pressão internacional foi vital para o regime voltar atrás.

A instituição da Assembleia Constituinte representa um importante marco nas rupturas do processo democrático venezuelano que deve ser repudiado internacionalmente, tendo em vista minimizar suas consequências, que variam desde a instauração de uma ditadura plena à uma guerra civil. A inconsequência da ala petista que domina o partido com mais apoiadores no Brasil é lamentável, baseada em argumentos que não condizem com a realidade e a defesa de um regime transgressor do viés democrático. É fato que, somente os próprios venezuelanos e o diálogo poderão resolver a grave crise pela qual passa o país, no entanto, a mediação externa se faz necessária. Criticar atos de um regime que atenta à ordem democrática não faz ninguém menos aferrado a uma ideologia, assim como fizeram diversos respeitados intelectuais de esquerda e a procurado Ortega Diaz. Um posicionamento mais embasado para além de chavões distantes da realidade e dedinhos no bigode para cantar “tô com Maduro” é necessário neste momento em que sim, a Venezuela pode ter dado um passo sem volta rumo ao autoritarismo.

Maduro, longe demais no 30/07