quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Terrorismo: excelente queda, e ainda mais trabalho

O ano de 2017 terminou com uma redução de 46,7% no número de mortos por ataques terroristas frente a 2016. No último ano, 7654 padeceram por esta causa, enquanto foram 14356 no período anterior. Grande parte da queda foi por conta de Grupo Estado Islâmico, ou Daesh, que causou 3321 mortes em 2017, frente a 9340 no ano anterior, uma queda de 65,45%. Apesar disso, grupos como o Talibã e o Al Shabab, este que ganhou notoriedade por conta do maior atentado desde o 11 de setembro, fizeram mais vítimas em 2017 do que no período anterior, e ligam o alerta para 2018.

O ano que se passou marcou em efetivo a queda do autoproclamado califado que o Daesh tentou estabelecer entre a Síria e o Iraque. Com as retomadas de Raqqa e Mossul, suas capitais no primeiro e segundo país respectivamente, o grupo ainda viu áreas importantes em seu poder como a província de Deir ez-Zor serem ocupadas por forças rivais no último ano, deixando seu território restrito a poucas áreas no Levante. Apesar disso, a influência do Daesh na Líbia e na Província do Sinai pouco diminuiu, demonstrando que vácuos de poder podem fazer com que o grupo conquiste territórios. Isso ocorreu em Palmira, que havia sido retomada por forças leais ao exército sírio, e que acabaram voltando às mãos da Daesh. Foi na histórica cidade que o grupo cometeu algumas das maiores destruições ao patrimônio da humanidade. Palmira já foi reconquistada.

No entanto, a guerra contra o Daesh nunca foi habitual. O desmantelamento do califado não deixa de fazer com que o grupo siga relevante, ainda com capacidades operacionais para atacar no Levante e em outras partes do mundo. Um destes alvos pode ser justamente a Rússia, que em 2018 recebe a Copa do Mundo. O país, que sofreu recentemente um atentado no metrô de São Petersburgo, viu muitos de seus nacionais, sobretudo de regiões com grandes populações islâmicas como a Chechênia e Daguestão, rumarem ao Levante para integrar as fileiras do Daesh. Grande parte dos sobreviventes do exército do grupo é composta por estrangeiros, que podem retornar aos seus países de origem no intuito de cometer ataques. Além do terror jihadista, a Rússia também pode ser alvo de grupos nacionalistas, como os partidários da independência chechena, que já atacaram o país em outros tempos, sendo este um dos alertas principais para 2018.

Lisboa recebeu neste ano Boaz Ganor, israelense e uma das principais referências mundiais sobre terrorismo. Ganor foi a principal presença da III Conferência Internacional de Terrorismo, e na ocasião, além de muitos detalhes técnicos preciosos obtidos com anos de trabalho e análise na prevenção de ataques, o israelense apresentou o que chama de fórmula para o terrorismo: motivação x capacidade operacional = atentado.
Nenhum outro país no mundo diminuiu tanto a capacidade operacional de possíveis terroristas nas últimas décadas como Israel. Quando em 2015, alguns analistas acreditavam que os ataques de lobos solitários com atropelamentos haviam sido uma invenção do terror na Europa, Israel já lidava com este estilo de problema há anos, inclusive desenvolvendo soluções efetivas de dissuasão. No entanto, como se sabe, em poucos lugares potenciais terroristas possuem tanta motivação para atacar quanto em território israelense, ou a forças de segurança do país na Palestina ocupada. E 2017, definitivamente, não foi um ano que amenizou tal motivação.

Reduzir a capacidade operacional de grupos terroristas como Daesh, Talibã, Al Shabab, ou Al Qaeda da Península Arábica, com ataques que deixam destruição e vítimas civis pode amenizar uma parte da equação, mas em contrapartida eleva a outra. Matar jihadistas sem atacar o jihadismo é como enxugar gelo, mas com um custo de enorme derramamento de sangue. Quando se lembra ainda que a prevenção ao terrorismo é um eterno embate entre segurança e preservação de liberdades individuais, tem-se uma noção melhor do desafio.
Cheguei à Lisboa um mês depois do atentado em Barcelona. Com muitos portugueses com quem conversei, a sensação de que "somos os próximos” era iminente. E infelizmente, os mesmos, e agora eu, temos muito a temer.

Como dito incessantemente após os atentados em Paris e Barcelona, estes são lugares que celebram a vida, o que terroristas odeiam. Lisboa também é um destes lugares. Para além disso, nos ataques à Espanha os jihadistas falaram na retomada do califado. E de fato, a região de al-Andaluz, tendo Córdoba, na Andaluzia, como capital compreendia a Espanha, mas também Portugal. O país, que cada vez recebe mais turistas e prêmios no ramo, é um alvo que sentiria sensivelmente com um ataque. Vale lembrar que parte deste bom momento vem justamente por conta de pessoas que deixaram visitar o Norte da África com receio do terrorismo. Para além, Portugal é membro da OTAN, e contribui com muitas das missões rechaçadas por jihadistas. A motivação é grande, e não há muito o que se fazer quanto a isso. Cabe reduzir a capacidade operacional.

Neste aspecto, acredito que a capital portuguesa vem fazendo bom trabalho. A melhor prova é disso é quando estou em uma região como a extremamente turística, e, portanto, visada Belém. Costumo perguntar às pessoas se estão a perceber o aparato anti-terrorista que está ali montado. Fico muito feliz com as respostas: “Não.” “O quê?” “Onde?”. Além do nível de policiamento bastante incomum em outras zonas, Belém conta, por exemplo, com blocos de concreto simples, mas que têm capacidade de impedir muitos ataques de possíveis lobos solitários. Segurança, e sem diminuir as liberdades individuais. Ainda assim, vejo muitas falhas e possíveis alvos. No entanto, acredito que poucas cidades do mundo que nunca passaram pela experiência de um ataque terrorista moderno consigam ter um aparato com tamanha segurança. Como exemplo o Rio de Janeiro durante as Olimpíadas, que reforcei como possível alvo, e elogiei o esquema montado. Haviam também importantes lacunas, que não se verificam uma cidade como Jerusalém ou Nova Iorque.

Tratando sobre terrorismo em 2017, é digno nota sobre o curioso caso de inversão do fenômeno da indignação seletiva durante um dos muitos atentados do Al Shabab. Em outubro, uma ação do grupo, que matou 964 pessoas apenas em 2017, deixou 512 mortos. Na ocasião, muitos nas redes sociais prestaram atenção por pouco mais de uma semana na Somália, e alguns perceberam até mais do que as ações da afiliada local da Al Qaeda, e que é apenas mais uma das diversas milícias que agem no país, falido e em guerra desde 1991. Isso sem citar desastres humanitários próximos, como o de Dadaab, campo de refugiados para pessoas que fogem desta tragédia. Acontece que apenas em um período de dez dias que engloba esta ação, outras 255 pessoas morreram em atentados em locais que permaneceram longe das redes sociais como Kandahar e Maiduguri. Ironicamente, o questionamento da indignação seletiva com à atenção na Somália no #PrayForSomalia, assim como Londres e Paris em outros momentos, ofuscou outras grandes tragédias. Para quem já se acostumou com a incongruência na cobertura de ataques, não surpreende, mas ainda assim, vale o registro.

Para além da grande redução no número de mortos em atentados, 2017 reservou outra excelente notícia. O período foi o mais seguro da história da aviação. "Em 71 anos, foram 3.180 acidentes com voos comerciais, de carga e de passageiros, e 82.412 mortos.", como trouxe reportagem da BBC. É quase o que se morre a cada 2 anos em acidentes de carro, apenas no Brasil. A relação que faço, é que assim como a percepção sobre a segurança na aviação é extremamente irracional, o mesmo ocorre com o terrorismo. Para além de grandes heróis, declarações políticas, e o que tiver grande repercussão em ambos os casos, quem faz a real diferença são trabalhadores sérios, competentes, e que não podem falhar. Eu acrescentaria outra fórmula à do grande especialista israelense: mais Boaz Ganor, menos #PrayFor.


Obs: Todos os números são da plataforma START, referência na área e fundamental para acompanhar o terrorismo com parcimônia e a razoabilidade necessárias. Neste momento, 2018 já registra 13 ataques e 38 mortes. https://storymaps.esri.com/stories/terrorist-attacks/?year=2018

START. Ótimo amigo para quem quer entender o terrorismo além do #PrayFor

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Estamos preparados para chegar 2018?

Durante as eleições autárquicas, o que mais me chamou a atenção foi o pragmatismo das propostas durante a campanha, em especial para as juntas de freguesia. No Brasil o que há de mais semelhante a essa esfera são as sub-prefeituras, inexistentes na maior parte dos municípios. Na ocasião, partidos de espectros políticos diferentes para grandes causas, como o Bloco de Esquerda e o CDS, propunham ações práticas, como a reforma de uma praça, ou a criação de um grupo de atividades esportivas para idosos. Ao meu ver, são apenas propostas políticas positivas. No Brasil de hoje, acredito que tentariam rotulá-las no eixo direita-esquerda, como vêm se deturpando as definições com uma criatividade impressionante.

O propósito das juntas de freguesia funciona muito bem. Pessoas próximas às suas comunidades são eleitas, e desenvolvem uma política bastante compreensiva com as necessidades da região. Assim, juntas de freguesia com programas mais competentes são premiadas, criando um sentido de competição positivo. Melhores gestões acabam por atrair mais investimentos, em um ciclo virtuoso no qual todos saem ganhando. A minha junta, por exemplo, é referência nacional em sustentabilidade. Sei disso por ler o jornal da JFC (Junta de Freguesia de Campolide). Sim, sou apaixonado pela ideia.

Logo pensei: “Pronto, tá ai um modelo que pode elevar a participação política e aproximar os moradores de quem toma decisões no Brasil” (como escrevi aqui). Mas infelizmente, é bem mais complexo do que isso. E é o que quero tratar visando 2018. Surgirão uma infinidade de boas ideias no papel, com pessoas se dizendo de fora da política tradicional tendo uma nova visão, e que vão aparentar ter inventado a roda. A triste realidade é que provavelmente a ideia já foi implementada de outras maneira, talvez já exista, ou simplesmente as consequências não tenham sido analisadas com a parcimônia necessária. Como diria o professor Paulo Roberto Figueira Leal, “Em política, não existe receita de bolo”. E acompanhar isso é uma eterna desilusão.

O Brasil já buscou na prática o mesmo ciclo virtuoso proporcionado pelas juntas de freguesia. Em 1985, o país possuía 3.992 municípios, número que em 2000 aumentou 40%, chegando a 5.507. Ao invés de criar soluções, motivos como a falta de fiscalização e a arrecadação tributária excessivamente voltada à esfera federal, fizeram com que centenas de cidades passassem a existir com administrações incompetentes, e a um altíssimo custo de dinheiro público. E diferencio preço de custo mais uma vez. O valor da corrupção nestas prefeituras, e não apenas da mesma, mas também de funcionários ineficientes contratados pode até ser mensurado. O que isso custa quando a mesma verba poderia ter sido destinada a um hospital sem equipamentos, ou a uma escola básica precária, já é impossível de se medir.

Alexandre Versignassi, economista, e um verdadeiro poço de bom senso no Brasil de hoje, foi um dos poucos que li na esfera pública a aventar a seriedade do problema. Seu texto “Não adianta pintar a casa. Ela vai continuar caindo” é uma aula sobre os problemas estruturais do país, que não serão resolvidos a despeito dos resultados das eleições do ano que vem.

“Não que número de municípios em si seja um problema. A Alemanha tem 11 mil. A diferença é que, lá, eles existem 407 distritos administrativos para controlar a grana que vai para as cidades. Aqui não. Cada uma tem todo o maquinário administrativo instalado – estrutura que acaba servindo ao mesmo tempo como cabide de emprego e como aquela varinha de condão que transforma dinheiro de merenda em Hilux de vereador e L200 de assessor de porra nenhuma.”, resume, com sua linguagem clara característica. Não sou especialista, mas qualquer um que já tenha analisado com razoabilidade as contas públicas de um município pequeno, e que conheça processos licitatórios, ao mínimo não cai na bravata de que “o problema do Brasil tá em Brasília.”

No ano passado, abordei quase 50 pessoas nas ruas de maneira aleatória, tentando seguir o padrão populacional do IBGE, com o intuito de realizar uma pesquisa que buscava compreender a relação do consumo de mídia e as visões políticas no Brasil. A experiência mostrou-me um padrão nas percepções de competência do cidadão comum (a grande maioria não procurava por política no Facebook). O que ouvi acabou, em certa parte, sendo confirmado em pesquisa da fundação Perseu Abramo no começo deste ano. Em sua maioria, o brasileiro acredita que as responsabilidades do que lhe está próximo são de competência da prefeitura. Já nos casos mais afastados é culpa da presidência. O legislativo é eximido de culpa, assim como os importantíssimos governos estaduais. Muitos não sabiam dizer sequer quem era o atual governador de Minas Gerais. Sendo mais honesto, a maioria apontava o “eu sei quem é, mas agora não tô lembrado”, que ganharia qualquer eleição no Brasil.

As minhas amadas juntas de freguesia iriam no mesmo caminho. Mais um órgão público consumindo recursos, que por conta da arrecadação tributária, teriam de receber repasses da União, e que provavelmente acabaria como cabide de empregos e mais corrupção. A proximidade com a população serviria para que as pessoas votassem em mais conhecidos sem analisar propostas, como já ocorre em boa parte dos casos das eleições para vereador.

O previsível fracasso das minhas juntas representa algo muito maior. O Brasil tem problemas estruturais gravíssimos, e 2018 será palco perfeito para demagogos proporem soluções simples a problemas extremamente complexos. Desconfie sempre da frase “O problema do Brasil é (insira aqui)”. Não tenho as respostas para o Brasil. Mas sei perguntas fundamentais que devem ser feitas, e que, infelizmente, estão perdendo espaço por discussões sobre a validade de piadas e clipes. Feliz, e preocupante, 2018.
Vista do aqueduto na JFC. Ok, a cerveja na associação de moradores também é muito barata
FOTO: Site Idealista

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Como saber as capitais mundiais foi útil para mim

Saber todas as capitais do mundo para mim sempre foi um objetivo, mas não imaginava que o conhecimento pudesse ir além de um hobbie. Com o tempo, vieram algumas divertidas competições e os clássicos desafios na escola em que os amigos se juntavam para testar até onde chegava aquilo. Não pensava que algo hoje resolvido com uma pesquisa de dez segundos em um smartphone chegasse a ter alguma relevância.


Até então, meu contato com estrangeiros se resumia a alguns países bem conhecidos. Realmente, não há muito valor em começar uma conversa perguntando a um argentino se o mesmo era natural de Buenos Aires, ou a um espanhol se este vinha de Madri. Mas em alguns casos, e não são poucos, isso pode mudar tudo.


Entrevistei nesta segunda-feira Gérard Niyondiko, criador de um sabonete que serve como repelente à malária em Burkina Faso, país localizado no Centro-Oeste da África. Niyondiko viu morrer seis de seus 12 irmãos por conta da doença, que é a principal causa de mortes em sua região. A importância do produto ser um sabonete, e não, por exemplo, as redes protetoras contra mosquitos, é que o sabão já faz parte da cultura popular, com cerca de 95% das pessoas o utilizando. A expectativa é que sua invenção salve cerca de 100 mil vidas até 2020.


Apesar do enorme feito, Niyondiko começou a conversa em um misto de hesitação e humildade, esta que lhe é característica e torna a figura do jovem químico ainda mais fantástica. Ao entrarmos no centro de imprensa, acanhado, o químico me perguntou se poderíamos realmente estar ali e se desculpou por seu inglês. Então logo perguntei se ele vinha de Ouagadougou, capital de Burkina Faso, o que gerou certa surpresa, e mudou o rumo da conversa.


Niyondiko me perguntou se eu já havia estado na cidade, e me disse que na verdade ele não era original de Burkina Faso, mas do Burundi, e logo desandou a contar sua brilhante trajetória com muito mais desenvoltura. Na terça-feira, aos nos despedirmos, o já bem menos hesitante inventor me convidou a visitar Ouagadougou, e que quando o fizesse deveria entrar em contato com o mesmo.


Em conversas informais o conhecimento pode ser ainda mais relevante. Uma das primeiras pessoas com quem conversei em Portugal era azeri. Quando a perguntei se vinha de Baku, ela logo exclamou “Oh, mas você conhece Baku. Ninguém aqui sabe o que é.”, e daí começamos a falar sobre a “Terra do Fogo”, alcunha que, confesso, conhecer com grande ajuda do Atlético de Madrid.


Não é aleatório começar uma conversa com alguém original de um país menos relevante no cenário internacional com sua capital. Em um caso como o uruguaio, em que nós no Brasil podemos ter como conhecimento comum que a capital é Montevidéu, a informação não é tão difundida em países mais longínquos. Tendo em vista que a capital tem quase 50% da população do país, concentra grande parte das pessoas com poder aquisitivo para estar no exterior, ou ao menos é um ponto de referência para um cidadão que trabalhou lá, a chance da menção à cidade causar um efeito positivo é grande. No caso de turistas, ao menos pelo aeroporto da capital o mesmo deve passar.


E assim meu conhecimento, que eu mesmo considerava um tanto quanto obsoleto na era dos smartphones, e na qual o Google deu cabo às boas discussões, vem me ajudando. Que a cerveja de 0,5L por € 1 me permite lembrar, assim já foram conversas com pessoas desde a Guiné-Bissau à Eslovênia, indo por Lituânia a Cabo-Verde, dentre outros. Em um mundo de mudanças constantes em que habilidades tornam-se dispensáveis com a invenção de um novo aplicativo, vale sempre refletir sobre o questionamento do poeta norte-americano T.S. Eliot “Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento? Onde está o conhecimento que perdemos na informação?”

Gérard, "O Cara". Espero poder ter minhas dicas de Lisboa retribuídas em visita à sua Ouagadougou, que segundo o mesmo, é mais fácil de se chegar do que eu pensava. (FASO SOAP)

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Lições para o Brasil de uma eleição portuguesa

Não era preciso cruzar o Atlântico e ouvir dos principais jornais para constatar a obviedade: O Brasil não está muito interessado no resultado previsível das eleições autárquicas de Portugal. O pleito, em parte equivalente ao que há no Brasil para as eleições municipais, reforçou o PS no poder, frente a um enfraquecimento do PSD, o que levou o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho a renunciar à liderança do partido. O que isto muda na prática para o resto do mundo? Pouco. Qual o espaço que a notícia leva ao ocorrer no mesmo dia do atentado em Las Vegas e da escalada de violência na Catalunha? Os próprios portugueses, que ainda se dividiam entre o clássico Sporting x Porto, tiveram dificuldades em responder.

Mas o que mais chama a atenção nas eleições autárquicas, para alguém como eu, fica longe das principais manchetes, ou do suntuoso palácio do PS na região central de Lisboa em que acompanhei parte do dia da votação. Fica a, segundo o Google Maps (principal meio de transporte em terras lusitanas), preciso 1 km do palácio em que dezenas de jornalistas aguardavam uma palavra do primeiro-ministro, António Costa, que desembarcou com seu motorista em um carro luxuoso. Na tradicional Padaria do Povo, uma cooperativa regada à Sagres, Superbock, bifanas, pregos e outras deliciosas iguarias portuguesas bem menos divulgadas que o bacalhau, o PURP - Partido Unido dos Reformistas e Aposentados, havia combinado de se encontrar para acompanhar a apuração dos votos.

O PURP foi fundado em 2015, após a reunião de aposentados em um grupo de Facebook. Para angariar as 7 mil assinaturas necessárias, o grupo de senhores foi às ruas, e conseguiu ultrapassar a marca em mais de mil, grande parte destas em ambientes universitários. Hoje o partido, que não tem direito as contribuições de campanha, se sustenta com uma verba de €1 mensal por membro. Para a as autárquicas, o PURP gastou apenas €500, estes para financiar algumas bandeiras e os panfletos.

No total, as campanhas para os 309 municípios portugueses custou €38 milhões. O pleito envolve as câmaras municipais, as assembleias, e as juntas de freguesia. Para se ter um efeito de comparação, um candidato à Prefeitura de São Paulo no ano passado tinha a possibilidade legal de gastar até R$ 44 milhões. Parte importante dos €38 milhões em Portugal foram utilizados em comícios e grandes outdoors pelos maiores partidos. Mas nem por isso menores como PURP, que fez sua campanha com um grupo de cinco ou seis idosos caminhando horas por dia no sol de Lisboa, frequentemente em um calor superior aos 30°, ou o Nós, agremiação um pouco maior e com estratégia semelhante, deixaram de ter seus espaços.

Em comum aos grandes e pequenos partidos, uma palavra me chamou atenção: pragmatismo. Enquanto nas eleições municipais do ano passado no Brasil candidaturas menores expressavam-se em temas fora das alçadas do âmbito municipal, e algumas até mesmo do Estado, como uma luta transnacional contra o capital, em Portugal as propostas centram-se em resolver os problemas do dia-a-dia das pessoas. Neste ano, como não poderia deixar de ser, o grande foco foi a habitação. O boom do turismo vem gerando um problema de gentrificação para os portugueses. Em Porto, do ano passado para cá, o aluguel médio de um quarto aumentou 40%, chegando a €270, situação que é ainda pior em Lisboa. Levando em conta que este é um país com um grande número de jovens ainda desempregados, apesar da recuperação econômica, e em que muito aposentados recebem menos de €500 ao mês, a situação se apresenta como urgente, e muitos já estão sendo obrigados a deixar suas atuais casas. Nesta toada, o Airbnb anunciou que na alta temporada de 2017, com relação a do ano passado, seu número de reservas em Portugal aumentou 52%.

As propostas para habitação foram o principal foco na campanha do Bloco de Esquerda, partido importante, mas minoritário no cenário nacional. As ideias passavam por possíveis soluções realistas, que aceitavam a importância do turismo sem demonizar o mesmo. Dentre estas, está, por exemplo, a limitação no número de alojamentos disponíveis para aluguéis de curta duração em cada junta de freguesia, o que limitaria, em tese, a gentrificação, e diluiria o problema. Confesso não fazer ideia se na prática o plano é bom, mas me parece uma proposta sensata, e que tem seu valor a ser debatido.

Para quem trabalhou com fact-checking na última eleição, poucas propostas são mais frustrantes do que as voltadas à “fomento, desenvolvimento, incentivo”, e as demais generalidades afloradas a cada campanha. Por aqui, as pragmáticas propostas envolvem desde a solução para praças específicas, a demandas muito claras como o investimento em programas sociais delimitados. E isso em todas as esferas, passando pelas juntas de freguesia (que podem representar um bom modelo para o Brasil), até ao cargo máximo da presidência da câmara.

Em Portugal, as agremiações já atendem à tendência global de suplantar o espectro direita-esquerda, e as hierarquizações partidárias. Parte importante das siglas mais novas já não utilizam a nomenclatura de partido, e até mesmo o PAN, que tem, por exemplo, um homônimo mexicano, por aqui representa o “Pessoas, Animais e Natureza”, algo como os “verdes”, comuns na Europa. Estes que, demonstram uma evolução importante frente ao limitado espectro “direita-esquerda”, que toma conta de parte das auto intituladas “discussões” e “polêmicas” no Brasil.

Nem tudo são flores. A participação política por aqui é bastante carente, e os questionamentos à classe são os mesmos do Brasil, e de qualquer outro lugar do mundo: “só pensam neles mesmos”, “não ligam para o povo”, “só aparecem para a eleição”. Na própria Padaria do Povo, o PURP sofreu um revés: as três televisões do local estavam ligadas no clássico Sporting x Porto. O governo chegou até mesmo a tentar impedir que partidas fossem realizadas em dias de votação, visando limitar a abstenção, que foi superior a 50%. Eu logo me rendi ao pragmatismo local, peguei uma Sagres e acompanhei o final do modorrento 0x0.

A bandeira da foto foi pintada pela esposa do Fernando à esquerda, que é brasileira de Porto Alegre. PURP é uma das histórias mais interessantes que encontrei neste país

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Pequena exaltação da verdade

A esposa de um influente político, que atualmente cumpre pena, é pega com o equivalente a U$ 20 milhões dentro de caixas em seu carro, que são logo confiscadas pela polícia local. O Ministério Público nacional afirma que investigará o caso. Enquanto isso, uma mulher, segundo quem sua família sofre perseguições, teve cerca de U$10 mil dólares confiscados pelos supostos algozes. O dinheiro era destinado ao tratamento no hospital de sua avó de 100 anos, que não tem seguro. As duas situações aparentemente distintas aconteceram hoje, em uma espécie de Gato de Schrödinger venezuelano.


Lilian Tintori, esposa do opositor Leopoldo López, que atualmente cumpre prisão domiciliar, teve 200 milhões de bolívares confiscados. A informação foi confirmada nesta quarta pelo novo procurador-geral venezuelano, Tarek William Saab. Segundo o mesmo, a polícia científica do país encontrou o dinheiro em quatro caixas de madeira dentro de um carro pertencente à família de López. No câmbio oficial, o valor corresponde a U$$ 20 milhões, enquanto no paralelo, segundo o dolartoday.com, a soma equivale a U$$ 11.400. Tintori postou no Twitter uma foto que mostraria sua avó no hospital, segundo ela, internada há dias sem seguro, e a quem se destinaria o dinheiro.


O procurador-geral Tarek Saab assumiu o cargo após a saída de Luísa Ortega Díaz, dissidente chavista que afirma ter provas de corrupção no governo de Maduro, em especial envolvendo a Odebrecht, e que, por isso, sofreria perseguições na Venezuela. Saab será o principal responsável nas investigações do caso envolvendo Tintori, esta que se notabilizou por denunciar a políticos da região a situação venezuelana. Dentre estes, alguns são acusados de corrupção nas delações da Odebrecht, e um dos mais notáveis, Aécio Neves, é alvo de uma série de inquéritos no Brasil.


As investigações seriam as mesmas caso o vice-presidente venezuelano, Tarek El Aissami, ou o homem forte do chavismo Diosdado Cabello, tivessem eles sido apanhados? Acredito que não. A repercussão na imprensa internacional caso um deles fosse pego teria sido a mesma? Também acredito que não.

A sabedoria prega que a primeira vítima em uma guerra é sempre a verdade. A Venezuela pode não ter chegado a este estágio de confronto, mas há muito a informação já foi vitimada no país. Em situações como estas, infelizmente sabemos bem quem são os mais afetados. E nenhum deles carrega U$ 2 milhões, tampouco U$ 11.400. Seus números são outros: inflação, desemprego, homicídios, escassez… Mas chega, prometi que seria breve.

Tintori. Bem ou mal? Infelizmente, a verdade não há

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

O Holocausto e “qualquer coisa que valha”

"Auschwitz, Treblinka, ou qualquer coisa que valha". Foram estas referências que Fernanda Torres utilizou para equivaler uma unidade do sistema prisional brasileiro, em sua coluna “Treblinka”, no jornal Folha de S.Paulo. Com “qualquer coisa que valha” infere-se que a autora acredita serem identificáveis crimes que possam se comparar ao maior que a humanidade cometeu desde que se tem notícias, quando mais de 6 milhões de judeus, negros, romas, homossexuais foram mortos, em essência, meramente por o serem. Mais de 1 milhão foram assassinados somente em Auschwitz. Não, Fernanda, não há “qualquer coisa que valha” ao que os judeus chamam de “Shoá”.


O termo “genocídio” fora cunhado após o Holocausto pelo judeu polonês Raphael Lemkin, justamente no intuito de denominar o pior crime passível de ser cometido pelo homem: “genos”, do grego, algo como tribo, e “cídio”, do latim, matar, portanto, o assassinato de uma tribo. Lemkin conhece bem o crime, já que grande parte de seus familiares foram vítimas da “Shoá”, destino que o mesmo teria, caso não lograsse sua fuga aos Estados Unidos.


Não há “qualquer coisa que valha” ao genocídio perpetrado pelos colonizadores portugueses e espanhóis por séculos na América, exterminando indígenas, sob o pretexto destes serem bárbaros, quando na verdade, os mesmos que o eram, como já apontava Montaigne à época. Como não há equivalência com a diáspora forçada pelos turcos aos armênios, quando grande parte da população preferiu padecer no deserto a enfrentar os genocidas do exército, que chegaram a matar bebês os arremessando à pedras.


E nada se iguala ao regime do Khmer Vermelho, que dentre os genocídios que cometeu no Camboja, matou supostos chans muçulmanos pelo único argumento destes se recusarem a comer carne de porco. Ou aos 100 dias de assombro em Ruanda, em que vizinhos mataram outros, pelos meios mais rudimentares possíveis, meramente por diferenças étnicas em grande parte impostas por um regime imperial. E para não ficar somente nos exemplos mais antigos, a intenção genocida do Grupo Estado Islâmico junto aos yazidis no Monte Sinjar em 2014 não pode ser comparada a nada na história.


Alguns pais judeus contam que, após seus filhos aprenderem na escola sobre o Holocausto, os mesmos perguntavam aflitos pelas razões de tal atrocidade. Como explicar a uma criança que matavam membros de seu grupo pelo mero fato de sê-lo? E a explicação de que jovens, idosos, homens e mulheres foram exterminados pelo simples fato de não pertencerem a uma comunidade, mas a outra, é mais fácil para adultos? Cada um destes crimes demanda suas próprias respostas, não devendo serem comparados a nada. Como os perpetradores foram capazes? Por quais razões ninguém interviu? Qual o castigo merecem os criminosos? “É isto um homem?”, como a histórica obra de Primo Levi busca responder. Estas e outras perguntas sem resposta correta são cabíveis a cada um destes momentos, e, somente a eles.


“Genocídio é um crime cometido com o intuito de destruir, o todo ou uma parte de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”, com base na Convenção das Nações Unidas de 1948. Uma das determinações da mesma convenção é “Honrar o legado das vítimas inclui dois compromissos: o de não as esquecer e o de prevenir o risco de genocídios futuros, ambos com o objetivo de criar um mundo pacífico que soube aprender com as lições do passado.” Não esquecer a dimensão do chamado “crime dos crimes”, é, portanto, uma ação vital por parte da determinação das Nações Unidas.


Primo Levi e Elie Wiesel foram dois sobreviventes ao Holocausto, e figuras vitais na missão de preservar as ações do período e “não as esquecer”. Suas obras estão disponíveis até hoje, e podem ser consultadas antes de uma menção ao crime. O legado de Lemkin também pode ser assimilado atualmente, este que dedicou sua vida a denominar o inominável e lutar contra a ocorrência de tal.


É compreensível que uma visita a um presídio brasileiro possa causar profundos impactos sobre as considerações ali refletidas. Prisões estas frequentemente anunciadas como violadoras de direitos humanos em relatórios de organizações internacionais. Mas é necessário um aprofundamento maior sobre os “crimes dos crimes” antes de o equivaler a “qualquer coisa que o valha”.


A era atual, em especial no Brasil, é dotada de um esvaziamento das palavras e designações históricas que as mesmas representam. Uma posição discordante pode servir como base para acusações de apoio ao fascismo, ao nazismo, ao comunismo, ou qualquer outra denominação, carecendo de um contexto histórico como base. As razões deste esvaziamento haverão de serem discutidas ao longo das próximas gerações. No entanto, é sempre importante ressaltar que o jurista e filólogo Raphael Lemkin antes de criar o neologismo que hoje denomina o maior crime que a humanidade pode cometer, o estudou toda uma vida. Isto também não é “qualquer coisa que valha”.

Lemkin. É desta mente brilhante que saiu um dos termos mais banalizados nos dias de hoje. História formidável

segunda-feira, 31 de julho de 2017

Inconsequência e desinformação explicam apoio a Maduro em 2017

Os noticiários há pelo menos três anos são inundados pelas mesmas considerações sobre a crise na Venezuela: “situação drástica”, “governo insustentável”, “protestos reprimidos da oposição” e cifras sobre inflação, desabastecimento, queda no PIB e outros números para ilustrar o fracasso do governo de Nicolás Maduro. Desta forma, é compreensível que, por outro lado, os defensores do “socialismo na América Latina”, da “Revolução Bolivariana”, e do legado do chavismo para os mais pobres, se aferrem aos mesmos argumentos de 2014. No entanto, na realidade de 2017, a estratégia do que resta de apoio internacional do regime soa como um misto de desinformação e inconsequência.

De fato, o chavismo aproveitou bem o alto valor do petróleo para conseguir importantes investimentos na população mais desfavorecida da Venezuela, aumentando expectativa de vida e o poder de compra dos venezuelanos. Como já foi extensamente propagado nos últimos três anos, a queda no valor do barril, que chegou a custar menos que US$ 30, enquanto nos tempos dourados de Chavéz ultrapassava os US$ 100, foi um baque até hoje irreparável na economia que detém as maiores reservas de petróleo do mundo e exportações que dependem do óleo em 95%.

O lado menos contato da história, e que vem aparecendo gradualmente, é para onde foi outra parte deste dinheiro. A Venezuela, assim como o Brasil, não sofreu somente com a queda do preço internacional de matérias primas, mas também com um assalto aos cofres do Estado com um misto de incompetência, e a prioridade a interesses espúrios. No que a revista Economist classificou como “gangstercracia”, o ex-ministro do orçamento venezuelano Jorge Giordani afirma que dos US$ 1 trilhão que o país conseguiu com a venda do petróleo, US$ 300 bilhões teriam sido desviados. O atual vice-presidente, Tareck El Aissami, é acusado internacionalmente de integrar uma rede do narcotráfico, que contaria com a colaboração de altos funcionários do governo venezuelano. Quem fez a denúncia junto a Giordani foi Hector Navarro, que esteve à frente de cinco ministérios no governo de Chavéz, e que afirma “ladrões não têm ideologia”.

Desta forma, o que não devem pensar os 93% dos venezuelanos que afirmaram em pesquisa não conseguir comprar o que precisam de comida, assim como os cerca de 75% que perderam peso no ano passado ao ouvir a defesa do atual governo por conta de sua prioridade aos mais pobres? A inflação, que deve alcançar os 1000% neste ano, a maior do mundo, consome o poder de compra daqueles que veem este equiparado à década de 50. A mortalidade materna cresceu 66% no último ano, e a infantil 30%, números que para serem divulgados custaram o cargo da ministra da Saúde.

No começo da crise, uma das principais defesas que era feita ao regime foi a da manutenção das liberdades. Como o caso da ministra da Saúde ilustra, e que ficou evidente com o cerceamento aos trabalhos da procuradora-geral Luísa Ortega Díaz, chavista e que chegou a ter seus bens bloqueados por conta da oposição a Maduro, internamente a liberdade não passa de ilusão. A liberdade de imprensa, que de fato ainda é maior do que em históricas guinadas autoritárias na América Latina, foi cerceada nos últimos tempos, em especial com a simbólica ordem de fechamento da CNN.

Liberdade de manifestação, como se sabe, nunca foi o forte do governo de Maduro. Os primeiros protestos foram duramente reprimidos, culminando inclusive com uma série de encarceramentos e até em mortes. No entanto, desde as marchas que se iniciaram em abril deste ano, mais de 100 pessoas já perderam suas vidas em manifestações contra o governo, parte delas vítimas de assassinatos brutais por milícias urbanas. Apenas nos protestos em decorrência da votação pela Assembleia Constituinte, já são contabilizadas ao menos 15 mortes.

A capacidade de restabelecer a ordem democrática por meio da Assembleia, como é defendido por parte dos apoiadores do regime, é uma falácia. As 545 cadeiras em disputa pelo pleito reservavam importantes margens à setores ligados ao governo, inclusive com algumas pessoas podendo escolher por duas vezes seus representantes. A eleição municipal fez com que localidades pequenas tivessem a mesma equivalência das principais cidades, onde o antichavismo é mais forte, em uma violação da paridade do voto (sim, o que não deixa de ocorrer, de certa forma, no sistema eleitoral do EUA). As denúncias de que funcionários públicos foram ameaçados em caso de não comparecimento à votação foram frequentes, assim como as de sanções aos beneficiários de programas do governo que não o fizessem. Por fim, Diosdado Cabello, conhecido como número dois do chavismo, acusado de corrupção e envolvimento com o narcotráfico, Cilia Flores, esposa de Maduro, e Delcy Rodriguez, ministra das relações exteriores do governo, terminaram eleitos.

Diante do atual quadro do regime, não passa de uma retórica vazia as expressões que acusam uma suposta “direita” de arquitetar contra Maduro. Quanto às acusações norte-americanas de ingerência, o país segue comprando quase metade do petróleo exportado pelos venezuelanos, sendo sede de importantes operações da estatal PSVDA no ramo. Sanções contra o país dificilmente surtiriam efeito, já que reforçariam os argumentos “anti-imperialistas” de Maduro para sua base, e que buscaria outros parceiros, como a já importantíssima China e a Rússia, que passou a exercer mais influência após acordos venezuelanos com sua estatal petrolífera, a Rosneft. Por outro lado, os norte-americanos neste caso teriam pouco a ganhar, sendo obrigados a buscarem óleo em áreas mais onerosas e provavelmente assistindo a um aumento no preço do barril no cenário global.

Sanções contra a alta cúpula do regime, como El Aissami, que já conta com embargos norte-americanos, são um caminho responsável, e que pode surtir efeito. No entanto, nada além de forçar o regime a ir, de fato, à mesa de negociações pode representar o melhor aos interesses venezuelanos. Enquanto Maduro anunciava suas intenções de diálogo, como quando contou com a mediação do Vaticano, o regime se desviava cada vez mais do viés democrático. Desde 2014 presos políticos foram feitos na Venezuela, eleições marcadas foram adiadas sem prazo, um referendo revogatório previsto na constituição foi ignorado, e no auge do autoritarismo, o Tribunal Supremo assumiu os poderes da Assembleia Nacional, de maioria opositora, em um golpe que remonta ao século XX na América Latina e que a pressão internacional foi vital para o regime voltar atrás.

A instituição da Assembleia Constituinte representa um importante marco nas rupturas do processo democrático venezuelano que deve ser repudiado internacionalmente, tendo em vista minimizar suas consequências, que variam desde a instauração de uma ditadura plena à uma guerra civil. A inconsequência da ala petista que domina o partido com mais apoiadores no Brasil é lamentável, baseada em argumentos que não condizem com a realidade e a defesa de um regime transgressor do viés democrático. É fato que, somente os próprios venezuelanos e o diálogo poderão resolver a grave crise pela qual passa o país, no entanto, a mediação externa se faz necessária. Criticar atos de um regime que atenta à ordem democrática não faz ninguém menos aferrado a uma ideologia, assim como fizeram diversos respeitados intelectuais de esquerda e a procurado Ortega Diaz. Um posicionamento mais embasado para além de chavões distantes da realidade e dedinhos no bigode para cantar “tô com Maduro” é necessário neste momento em que sim, a Venezuela pode ter dado um passo sem volta rumo ao autoritarismo.

Maduro, longe demais no 30/07