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segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Portugal elege maioria com pragmatismo, mas uma história preocupa


Com resultados dentro do previsto na maioria das pesquisas, Portugal optou pela continuidade. Em uma situação bem mais tranquila do que em 2015, o PS poderá escolher os parceiros para formar uma nova coalizão. Com uma política econômica equilibrada, capitaneada pelo ministro das Finanças Mário Centeno, de excelente imagem junto aos mercados, o atual governo tirou motivos do voto à direita e conquistou um bom resultado que passou perto de uma maioria absoluta. Mas uma cadeira dentre as 230 no parlamento conta uma história que preocupa.

Até então o único país do sul da Europa imune à extrema-direita, Portugal viu chegar ao parlamento André Ventura com o seu “Chega!”. Político em Loures, cidade próxima à Lisboa, Ventura ficou famoso por suas declarações críticas à minorias, e em especial ataques contra à mais vulnerável do país, os ciganos. Enquanto as atenções se voltam, com razão, aos bons resultados alcançados na última eleição quanto a candidatos negros, os ciganos seguem em uma difícil situação em que indicadores sociais destoam muito do restante da população.

Os votos que elegeram Ventura no distrito de Lisboa vieram sobretudo de Loures, Sintra e Amadora, notórias pela grande população cigana. Há de se ressaltar que no sistema político português a criação de um partido é bastante simples, mas a chegada no parlamento, e o consequente financiamento público são bem complicados de se lograr, sendo a entrada do “Chega!” um grande feito. O resultado mostra que, enquanto Portugal ostenta prêmios de melhor destino turístico do mundo, e Lisboa se coloca como uma cidade cosmopolita, nos arredores há um grave problema social a ser levado em conta e o voto em Ventura é a expressão disso.

O deputado acusa o “politicamente correto” com frequência, e de fato, a queixa é comum em amplas camadas da sociedade portuguesa. O questionamento é uma das plataformas políticas abordadas por Antônio Sousa Lara, um dos ideólogos do partido, e que concorreu pelo “Chega!” nas últimas eleições. Longe da caricatura global da extrema-direita, Sousa Lara é um notório intelectual, sendo um dos mais prestigiados professores do país. Conservador de profunda sensatez, dentre os muitos aspectos de sua interessante biografia está o respeito pelo regime cubano, que surpreende aqueles acostumados ao maniqueísmo que tomou conta do cenário político.

Nas outras 229 cadeiras, vigorou o típico pragmatismo português. Com um governo de esquerda responsável, coube à oposição apostar nas críticas quanto à corrupção e a gestão de crises que marcaram o mandato, sem grande efeito. No último dia de campanha, Antônio Costa deu motivação aos críticos ao se destemperar e agressivamente responder a um senhor que lhe questionou no Terreiro do Paço. A reação foi criticada pelo público em geral e marcou uma campanha até então tranquila.

O PAN – Pessoas, Animais e Natureza conseguiu aumentar sua presença parlamentar e é uma opção para governar junto ao PS. O partido, criticado por não conseguir se posicionar com consistência em questões para além dos animais, é expressão de uma preocupação ambiental maior. O europeísta Livre, que tem como uma de suas principais plataformas um Green New Deal para a UE, também conseguiu representação. Se posicionar nos debates nacionais e orçamentários é um desafio que ambas as legendas terão na Assembleia da República.

Em um ambiente tranquilo e de estabilidade econômica, o PURP, partido dos aposentados sobre o qual contei a curiosa história em 2017 na Piauí, não conseguiu engrenar. Criado em meio à crise, quando os idosos no país chegaram a serem considerados como “a peste grisalha”, mas o cenário mais favorável aos reformados levou os portugueses à escolhas mais ortodoxas. O divertido líder do partido, Fernando Loureiro, chegou a dizer na campanha que em caso de fracasso, iria abandonar a política para ir pescar.      

Como bem apontado por Mathias Alencastro: "O papel irrelevante das redes sociais, e a consequente ausência de fake news, é, sem dúvida, um dado essencial para entender a qualidade da democracia portuguesa." As redes sociais, responsáveis pelo tumulto político em outros países, não tem o mesmo efeito em Portugal, beneficiando a estabilidade e soluções menos populistas escolhidas pelos portugueses. Os “coletes amarelos” no país foram um fracasso, provando a menor tentação do pragmático povo aos cantos de sereia dos bastiões da internet que buscam reinventar a roda diariamente.

Um dos debates mais interessantes que ocorre hoje no país é justamente como o governo pode beneficiar os meios de comunicação chamados de “referência”, sem que os mesmos percam independência. Portugal entende que “jornalismo de qualidade demanda recursos” e que o mesmo é um dos pilares da democracia, o que leva a discutir formas de enquadrar os subsídios no enxuto orçamento de constante escrutínio de Centeno.

A desconfiança que evita populismos tem como fruto também a alta abstenção, de 45,5% na última eleição, um recorde. Com o jargão “são todos uns corruptos”, perpetua na sociedade um clima de constante desilusão com a política. Por sua vez, a falta de paixão auxilia em um escrutínio constante, com casos de incompetência ou desvios sendo punidos a despeito de ideologias políticas. Algum português que tenha lido até aqui já deve estar me xingando e dizendo que não, “tá tudo uma merda”, e como tenho saudades de ouvir isso a “tomar uns copos”. 

   Assembleia da República, que agora passa a contar com a extrema-direita. FOTO: Wikimedia

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Estamos preparados para chegar 2018?

Durante as eleições autárquicas, o que mais me chamou a atenção foi o pragmatismo das propostas durante a campanha, em especial para as juntas de freguesia. No Brasil o que há de mais semelhante a essa esfera são as sub-prefeituras, inexistentes na maior parte dos municípios. Na ocasião, partidos de espectros políticos diferentes para grandes causas, como o Bloco de Esquerda e o CDS, propunham ações práticas, como a reforma de uma praça, ou a criação de um grupo de atividades esportivas para idosos. Ao meu ver, são apenas propostas políticas positivas. No Brasil de hoje, acredito que tentariam rotulá-las no eixo direita-esquerda, como vêm se deturpando as definições com uma criatividade impressionante.

O propósito das juntas de freguesia funciona muito bem. Pessoas próximas às suas comunidades são eleitas, e desenvolvem uma política bastante compreensiva com as necessidades da região. Assim, juntas de freguesia com programas mais competentes são premiadas, criando um sentido de competição positivo. Melhores gestões acabam por atrair mais investimentos, em um ciclo virtuoso no qual todos saem ganhando. A minha junta, por exemplo, é referência nacional em sustentabilidade. Sei disso por ler o jornal da JFC (Junta de Freguesia de Campolide). Sim, sou apaixonado pela ideia.

Logo pensei: “Pronto, tá ai um modelo que pode elevar a participação política e aproximar os moradores de quem toma decisões no Brasil” (como escrevi aqui). Mas infelizmente, é bem mais complexo do que isso. E é o que quero tratar visando 2018. Surgirão uma infinidade de boas ideias no papel, com pessoas se dizendo de fora da política tradicional tendo uma nova visão, e que vão aparentar ter inventado a roda. A triste realidade é que provavelmente a ideia já foi implementada de outras maneira, talvez já exista, ou simplesmente as consequências não tenham sido analisadas com a parcimônia necessária. Como diria o professor Paulo Roberto Figueira Leal, “Em política, não existe receita de bolo”. E acompanhar isso é uma eterna desilusão.

O Brasil já buscou na prática o mesmo ciclo virtuoso proporcionado pelas juntas de freguesia. Em 1985, o país possuía 3.992 municípios, número que em 2000 aumentou 40%, chegando a 5.507. Ao invés de criar soluções, motivos como a falta de fiscalização e a arrecadação tributária excessivamente voltada à esfera federal, fizeram com que centenas de cidades passassem a existir com administrações incompetentes, e a um altíssimo custo de dinheiro público. E diferencio preço de custo mais uma vez. O valor da corrupção nestas prefeituras, e não apenas da mesma, mas também de funcionários ineficientes contratados pode até ser mensurado. O que isso custa quando a mesma verba poderia ter sido destinada a um hospital sem equipamentos, ou a uma escola básica precária, já é impossível de se medir.

Alexandre Versignassi, economista, e um verdadeiro poço de bom senso no Brasil de hoje, foi um dos poucos que li na esfera pública a aventar a seriedade do problema. Seu texto “Não adianta pintar a casa. Ela vai continuar caindo” é uma aula sobre os problemas estruturais do país, que não serão resolvidos a despeito dos resultados das eleições do ano que vem.

“Não que número de municípios em si seja um problema. A Alemanha tem 11 mil. A diferença é que, lá, eles existem 407 distritos administrativos para controlar a grana que vai para as cidades. Aqui não. Cada uma tem todo o maquinário administrativo instalado – estrutura que acaba servindo ao mesmo tempo como cabide de emprego e como aquela varinha de condão que transforma dinheiro de merenda em Hilux de vereador e L200 de assessor de porra nenhuma.”, resume, com sua linguagem clara característica. Não sou especialista, mas qualquer um que já tenha analisado com razoabilidade as contas públicas de um município pequeno, e que conheça processos licitatórios, ao mínimo não cai na bravata de que “o problema do Brasil tá em Brasília.”

No ano passado, abordei quase 50 pessoas nas ruas de maneira aleatória, tentando seguir o padrão populacional do IBGE, com o intuito de realizar uma pesquisa que buscava compreender a relação do consumo de mídia e as visões políticas no Brasil. A experiência mostrou-me um padrão nas percepções de competência do cidadão comum (a grande maioria não procurava por política no Facebook). O que ouvi acabou, em certa parte, sendo confirmado em pesquisa da fundação Perseu Abramo no começo deste ano. Em sua maioria, o brasileiro acredita que as responsabilidades do que lhe está próximo são de competência da prefeitura. Já nos casos mais afastados é culpa da presidência. O legislativo é eximido de culpa, assim como os importantíssimos governos estaduais. Muitos não sabiam dizer sequer quem era o atual governador de Minas Gerais. Sendo mais honesto, a maioria apontava o “eu sei quem é, mas agora não tô lembrado”, que ganharia qualquer eleição no Brasil.

As minhas amadas juntas de freguesia iriam no mesmo caminho. Mais um órgão público consumindo recursos, que por conta da arrecadação tributária, teriam de receber repasses da União, e que provavelmente acabaria como cabide de empregos e mais corrupção. A proximidade com a população serviria para que as pessoas votassem em mais conhecidos sem analisar propostas, como já ocorre em boa parte dos casos das eleições para vereador.

O previsível fracasso das minhas juntas representa algo muito maior. O Brasil tem problemas estruturais gravíssimos, e 2018 será palco perfeito para demagogos proporem soluções simples a problemas extremamente complexos. Desconfie sempre da frase “O problema do Brasil é (insira aqui)”. Não tenho as respostas para o Brasil. Mas sei perguntas fundamentais que devem ser feitas, e que, infelizmente, estão perdendo espaço por discussões sobre a validade de piadas e clipes. Feliz, e preocupante, 2018.
Vista do aqueduto na JFC. Ok, a cerveja na associação de moradores também é muito barata
FOTO: Site Idealista

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Como saber as capitais mundiais foi útil para mim

Saber todas as capitais do mundo para mim sempre foi um objetivo, mas não imaginava que o conhecimento pudesse ir além de um hobbie. Com o tempo, vieram algumas divertidas competições e os clássicos desafios na escola em que os amigos se juntavam para testar até onde chegava aquilo. Não pensava que algo hoje resolvido com uma pesquisa de dez segundos em um smartphone chegasse a ter alguma relevância.


Até então, meu contato com estrangeiros se resumia a alguns países bem conhecidos. Realmente, não há muito valor em começar uma conversa perguntando a um argentino se o mesmo era natural de Buenos Aires, ou a um espanhol se este vinha de Madri. Mas em alguns casos, e não são poucos, isso pode mudar tudo.


Entrevistei nesta segunda-feira Gérard Niyondiko, criador de um sabonete que serve como repelente à malária em Burkina Faso, país localizado no Centro-Oeste da África. Niyondiko viu morrer seis de seus 12 irmãos por conta da doença, que é a principal causa de mortes em sua região. A importância do produto ser um sabonete, e não, por exemplo, as redes protetoras contra mosquitos, é que o sabão já faz parte da cultura popular, com cerca de 95% das pessoas o utilizando. A expectativa é que sua invenção salve cerca de 100 mil vidas até 2020.


Apesar do enorme feito, Niyondiko começou a conversa em um misto de hesitação e humildade, esta que lhe é característica e torna a figura do jovem químico ainda mais fantástica. Ao entrarmos no centro de imprensa, acanhado, o químico me perguntou se poderíamos realmente estar ali e se desculpou por seu inglês. Então logo perguntei se ele vinha de Ouagadougou, capital de Burkina Faso, o que gerou certa surpresa, e mudou o rumo da conversa.


Niyondiko me perguntou se eu já havia estado na cidade, e me disse que na verdade ele não era original de Burkina Faso, mas do Burundi, e logo desandou a contar sua brilhante trajetória com muito mais desenvoltura. Na terça-feira, aos nos despedirmos, o já bem menos hesitante inventor me convidou a visitar Ouagadougou, e que quando o fizesse deveria entrar em contato com o mesmo.


Em conversas informais o conhecimento pode ser ainda mais relevante. Uma das primeiras pessoas com quem conversei em Portugal era azeri. Quando a perguntei se vinha de Baku, ela logo exclamou “Oh, mas você conhece Baku. Ninguém aqui sabe o que é.”, e daí começamos a falar sobre a “Terra do Fogo”, alcunha que, confesso, conhecer com grande ajuda do Atlético de Madrid.


Não é aleatório começar uma conversa com alguém original de um país menos relevante no cenário internacional com sua capital. Em um caso como o uruguaio, em que nós no Brasil podemos ter como conhecimento comum que a capital é Montevidéu, a informação não é tão difundida em países mais longínquos. Tendo em vista que a capital tem quase 50% da população do país, concentra grande parte das pessoas com poder aquisitivo para estar no exterior, ou ao menos é um ponto de referência para um cidadão que trabalhou lá, a chance da menção à cidade causar um efeito positivo é grande. No caso de turistas, ao menos pelo aeroporto da capital o mesmo deve passar.


E assim meu conhecimento, que eu mesmo considerava um tanto quanto obsoleto na era dos smartphones, e na qual o Google deu cabo às boas discussões, vem me ajudando. Que a cerveja de 0,5L por € 1 me permite lembrar, assim já foram conversas com pessoas desde a Guiné-Bissau à Eslovênia, indo por Lituânia a Cabo-Verde, dentre outros. Em um mundo de mudanças constantes em que habilidades tornam-se dispensáveis com a invenção de um novo aplicativo, vale sempre refletir sobre o questionamento do poeta norte-americano T.S. Eliot “Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento? Onde está o conhecimento que perdemos na informação?”

Gérard, "O Cara". Espero poder ter minhas dicas de Lisboa retribuídas em visita à sua Ouagadougou, que segundo o mesmo, é mais fácil de se chegar do que eu pensava. (FASO SOAP)

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Lições para o Brasil de uma eleição portuguesa

Não era preciso cruzar o Atlântico e ouvir dos principais jornais para constatar a obviedade: O Brasil não está muito interessado no resultado previsível das eleições autárquicas de Portugal. O pleito, em parte equivalente ao que há no Brasil para as eleições municipais, reforçou o PS no poder, frente a um enfraquecimento do PSD, o que levou o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho a renunciar à liderança do partido. O que isto muda na prática para o resto do mundo? Pouco. Qual o espaço que a notícia leva ao ocorrer no mesmo dia do atentado em Las Vegas e da escalada de violência na Catalunha? Os próprios portugueses, que ainda se dividiam entre o clássico Sporting x Porto, tiveram dificuldades em responder.

Mas o que mais chama a atenção nas eleições autárquicas, para alguém como eu, fica longe das principais manchetes, ou do suntuoso palácio do PS na região central de Lisboa em que acompanhei parte do dia da votação. Fica a, segundo o Google Maps (principal meio de transporte em terras lusitanas), preciso 1 km do palácio em que dezenas de jornalistas aguardavam uma palavra do primeiro-ministro, António Costa, que desembarcou com seu motorista em um carro luxuoso. Na tradicional Padaria do Povo, uma cooperativa regada à Sagres, Superbock, bifanas, pregos e outras deliciosas iguarias portuguesas bem menos divulgadas que o bacalhau, o PURP - Partido Unido dos Reformistas e Aposentados, havia combinado de se encontrar para acompanhar a apuração dos votos.

O PURP foi fundado em 2015, após a reunião de aposentados em um grupo de Facebook. Para angariar as 7 mil assinaturas necessárias, o grupo de senhores foi às ruas, e conseguiu ultrapassar a marca em mais de mil, grande parte destas em ambientes universitários. Hoje o partido, que não tem direito as contribuições de campanha, se sustenta com uma verba de €1 mensal por membro. Para a as autárquicas, o PURP gastou apenas €500, estes para financiar algumas bandeiras e os panfletos.

No total, as campanhas para os 309 municípios portugueses custou €38 milhões. O pleito envolve as câmaras municipais, as assembleias, e as juntas de freguesia. Para se ter um efeito de comparação, um candidato à Prefeitura de São Paulo no ano passado tinha a possibilidade legal de gastar até R$ 44 milhões. Parte importante dos €38 milhões em Portugal foram utilizados em comícios e grandes outdoors pelos maiores partidos. Mas nem por isso menores como PURP, que fez sua campanha com um grupo de cinco ou seis idosos caminhando horas por dia no sol de Lisboa, frequentemente em um calor superior aos 30°, ou o Nós, agremiação um pouco maior e com estratégia semelhante, deixaram de ter seus espaços.

Em comum aos grandes e pequenos partidos, uma palavra me chamou atenção: pragmatismo. Enquanto nas eleições municipais do ano passado no Brasil candidaturas menores expressavam-se em temas fora das alçadas do âmbito municipal, e algumas até mesmo do Estado, como uma luta transnacional contra o capital, em Portugal as propostas centram-se em resolver os problemas do dia-a-dia das pessoas. Neste ano, como não poderia deixar de ser, o grande foco foi a habitação. O boom do turismo vem gerando um problema de gentrificação para os portugueses. Em Porto, do ano passado para cá, o aluguel médio de um quarto aumentou 40%, chegando a €270, situação que é ainda pior em Lisboa. Levando em conta que este é um país com um grande número de jovens ainda desempregados, apesar da recuperação econômica, e em que muito aposentados recebem menos de €500 ao mês, a situação se apresenta como urgente, e muitos já estão sendo obrigados a deixar suas atuais casas. Nesta toada, o Airbnb anunciou que na alta temporada de 2017, com relação a do ano passado, seu número de reservas em Portugal aumentou 52%.

As propostas para habitação foram o principal foco na campanha do Bloco de Esquerda, partido importante, mas minoritário no cenário nacional. As ideias passavam por possíveis soluções realistas, que aceitavam a importância do turismo sem demonizar o mesmo. Dentre estas, está, por exemplo, a limitação no número de alojamentos disponíveis para aluguéis de curta duração em cada junta de freguesia, o que limitaria, em tese, a gentrificação, e diluiria o problema. Confesso não fazer ideia se na prática o plano é bom, mas me parece uma proposta sensata, e que tem seu valor a ser debatido.

Para quem trabalhou com fact-checking na última eleição, poucas propostas são mais frustrantes do que as voltadas à “fomento, desenvolvimento, incentivo”, e as demais generalidades afloradas a cada campanha. Por aqui, as pragmáticas propostas envolvem desde a solução para praças específicas, a demandas muito claras como o investimento em programas sociais delimitados. E isso em todas as esferas, passando pelas juntas de freguesia (que podem representar um bom modelo para o Brasil), até ao cargo máximo da presidência da câmara.

Em Portugal, as agremiações já atendem à tendência global de suplantar o espectro direita-esquerda, e as hierarquizações partidárias. Parte importante das siglas mais novas já não utilizam a nomenclatura de partido, e até mesmo o PAN, que tem, por exemplo, um homônimo mexicano, por aqui representa o “Pessoas, Animais e Natureza”, algo como os “verdes”, comuns na Europa. Estes que, demonstram uma evolução importante frente ao limitado espectro “direita-esquerda”, que toma conta de parte das auto intituladas “discussões” e “polêmicas” no Brasil.

Nem tudo são flores. A participação política por aqui é bastante carente, e os questionamentos à classe são os mesmos do Brasil, e de qualquer outro lugar do mundo: “só pensam neles mesmos”, “não ligam para o povo”, “só aparecem para a eleição”. Na própria Padaria do Povo, o PURP sofreu um revés: as três televisões do local estavam ligadas no clássico Sporting x Porto. O governo chegou até mesmo a tentar impedir que partidas fossem realizadas em dias de votação, visando limitar a abstenção, que foi superior a 50%. Eu logo me rendi ao pragmatismo local, peguei uma Sagres e acompanhei o final do modorrento 0x0.

A bandeira da foto foi pintada pela esposa do Fernando à esquerda, que é brasileira de Porto Alegre. PURP é uma das histórias mais interessantes que encontrei neste país