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sábado, 15 de julho de 2017

A verdadeira "Náusea" ao Governo Temer

Após o fim do primeiro tempo da partida entre São Paulo e Atlético Goianiense, coloquei no Jornal Nacional e assisti à cobertura da votação sobre o prosseguimento da denúncia sobre Temer na CCJ da Câmara. A sofrível atuação do Tricolor e o resultado da comissão me fizeram brincar que eu “estaria me sentindo preso na obra ‘A Náusea’, de Sartre”. Mas uma entrevista com bem menos repercussão do que a votação na Câmara, e ofuscada por ser no dia seguinte à condenação de Lula, me fez sentir ainda pior.

Ao ser questionado sobre uma possível exoneração do cargo de ministro da Saúde, Ricardo de Barros afirmou que é “um soldado do presidente”, e que estaria disponível para ajudar seu aliado. Barros, eleito deputado pelo PP do Paraná, poderia assim voltar à Câmara, garantindo mais um voto no plenário contra a denúncia de Temer por corrupção passiva. Desta forma, o responsável máximo pela Saúde no Brasil abdicaria de seu cargo para votar contra o prosseguimento de uma denúncia, que na palavra do procurador geral da República, Rodrigo Janot, contém uma “prova satânica”. Qualquer falante do português que tenha ouvido o “tem que continuar isso ai” não tem grandes razões para duvidar disso.

O custo real de uma troca em um ministério como a Saúde é incomensurável, principalmente tendo em vista que o “soldado” Barros, ainda poderia ter de votar de maneira contrária a ao menos outras duas denúncias que devem seguir à primeira, por corrupção passiva. No entanto, o preço do apoio ao presidente, segundo levantamento do Reuters, ficou em R$ 1,5 bilhão apenas no mês de junho, frente a R$ 959 milhões no período anterior, para emendas parlamentares, conhecidas moedas de troca em Brasília.

Notem que diferencio “preço” de “custo”. O preço neste caso fica em quase R$ 600 milhões, mas o custo social provavelmente é maior. O orçamento para ciências e inovação no Brasil, que vem padecendo de recursos, é de R$ 2,5 bilhões neste ano. No mundo atual é quase impossível vislumbrar um real desenvolvimento de uma nação sem investir em tecnologias e inovação. O cenário é dramático e bem explicado nesta entrevista.

No caso da Saúde, as trocas no comando costumam ter efeitos em substituir cargos importantes e na não continuidade de vitais políticas públicas. Recentemente conversei com um dos principais representantes do Ministério, que me passou ótima impressão. De currículo inquestionável, e no cargo desde janeiro deste ano, anotava as demandas e sugestões dos presentes em uma plateia composta por muitos funcionários municipais da saúde, e explicava com franqueza as condições de sua pasta. Devido à institucionalidade, o perguntei sobre a “efemeridade do cargo”, nada mais do que o troca-troca por conta da politicagem. Sua resposta me agradou bastante: “É importante que as políticas públicas sejam de Estado, não de Governo, para que as pessoas não sejam mais importantes do que as políticas, e que estas tenham sua efetividade garantida”.

Pessoas mais importantes do que a política. É disso que se tratou até agora o governo Temer. Em outra pasta importantíssima, a Justiça, o Planalto foi ainda mais longe ao defender os interesses do presidente em detrimento dos da nação. Osmar Serraglio foi substituído por Torquato Jardim em grande parte por conta da articulação deste junto ao TSE, tribunal do qual já foi presidente, e onde Temer viria a ser julgado no histórico “velório” do qual três não quiseram levar o caixão. A situação criou um problema inesperado para o Planalto, já que Serraglio recusou a pasta da Transparência, retomando assim seu cargo na Câmara. Sua vaga era ocupada justamente pelo suplente Rodrigo Rocha Loures, o “homem da mala”, que perderia assim seu foro privilegiado, podendo ir preso logo e deixando aberta a possibilidade de uma delação. O desespero no governo levou a uma série de ofertas ministeriais aos deputados do PMDB do Paraná, inclusive na Saúde.

A possibilidade do PSDB desembarcar do governo coloca em dúvida a continuidade nos trabalhos de todas as pastas que têm o partido à frente. Uma delas é o Itamaraty, comandada por Aloysio Nunes. Em caso de mais uma troca, o Ministério das Relações Exteriores terá seu quarto comandante em menos de três anos. Aqueles que acompanham a pasta mais de perto vêm indicando uma racha em três frentes. Uma composta pelos diplomatas de carreira e tradicionalmente respeitada, nesta que é uma das chancelarias mais honradas do mundo, viria batendo de frente com a ala política comandada por Nunes. Por outro lado, o Planalto quer adotar uma postura mais resguardada, tendo em vista a instabilidade do governo.

Ter políticos à frente de pastas importantes não representa um problema. No caso das chancelarias, hoje uma das que vem mais se destacando no cenário internacional por sua postura sensata é a alemã, comandada por Sigmar Gabriel. O cargo tradicionalmente é ocupado pelo segundo líder mais votado que irá compor a coalizão, no caso de Gabriel, líder do SPD, que comanda o país junto à CDU de Merkel. O Foreing Office britânico é normalmente comandado por uma figura pública relevante, hoje o ex-prefeito de Londres Boris Johnson. Na gestão de Obama, os senadores John Kerry e Hillary Clinton assumiram o Departamento de Estado.

Mas aqui, mais do que a realização de escolhas “técnicas” ou não, o que estamos assistindo é o uso dos cargos mais relevantes para a população com o fim espúrio de dar sustentabilidade a um governo fortemente rechaçado. O custo das trocas de cargos e a falta de continuidade em políticas públicas é impossível de ser medido de fato, e provavelmente é mais impactante do que as enormes somas desviadas do erário por corrupção. É nestes casos que devemos concentrar a “náusea” que vem tomando conta do país desde o começo da crise. 

                                                FOTO: DIDA MACHADO, ESTADÃO
                              Renunciar a governar para os brasileiros já ocorreu há algum tempo

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Análise sobre Temer na ONU: Passou no teste

Não se pode confundir um discurso na Assembleia Geral da ONU com um pronunciamento ao seu país. E não se pode esperar que uma fala de cerca de 15 minutos frente a todas as outras nações do mundo tenha um real efeito transformador. São discursos em que a diplomacia prevalece normalmente dotada de muita retórica, mas importantes para se avaliar a postura de um país no campo diplomático e na Ordem Mundial.

Nestes aspectos o primeiro discurso de Michel Temer se sobressaiu aos de Dilma Rousseff. Uma grande característica de Temer é o pragmatismo, que é normalmente mais efetivo no campo da diplomacia do que para captar apoio popular. Sem posturas duras em sua fala, o presidente do Brasil encerrou-a parabenizando o secretário geral da ONU, Ban Ki-Moon, pelos seus dez anos de serviços prestados no órgão, e que tem 2016 como seu último ano no posto. Além disso, fez uma ressalva à memória de Oswaldo Aranha, brasileiro fundamental na diplomacia global, e um dos grandes responsáveis pelo Brasil ter a honra de abrir oficialmente as Assembleias Gerais.

Portanto, não cabia esperar naquela fala uma postura incisiva sobre o processo de impeachment, ou indicativos sobre macroeconomia. Temer ressaltou de maneira pouco detalhada o respeito às instituições, a democracia e à constituição no Brasil. O grande acerto foi não ter desmerecido os países que não reconheceram a legitimidade do processo no país, e, que estavam ali presentes. O ministro das Relações Exteriores, José Serra, questionou a Bolívia e o Equador quanto a suas democracias e, portanto, sua posição para poderem arbitrar sobre o Brasil, o que Temer teve cuidado em não fazer em um local pouco propício para tal.

O discurso começou com críticas importantes a um dos grandes problemas atuais, a xenofobia. Temer questionou o problema, e ressaltou que o Brasil é composto por imigrantes de todo o mundo (o presidente é filho de libaneses). Continuou com a postura já abordada na última segunda de que o país esteve aberto a receber imigrantes e refugiados de todas as partes, vítimas das mais diversas adversidades. Quando o fez ontem, foi alvo de críticas, já que teria inflado o número de acolhidos com haitianos, que sob a ótica da Convenção de Refugiados de 51 não podem ser enquadrados como tal. A postura de Temer foi a de ressaltar as difíceis condições encontradas por estes em território nativo, já que o Haiti é o país mais pobre do Hemisfério Ocidental, e foi vítima de um terrível terremoto em 2010. A partir daí, o Brasil seria solidário abrindo suas portas.

E isto demonstra uma das grandes peculiaridades de uma reunião na ONU. O Brasil, de fato, possui uma política correta ao receber imigrantes haitianos. Mas no momento em que Temer abrange na mesma condição os imigrantes e os refugiados, este abre precedentes para que o mesmo ocorra, por exemplo, em um país europeu com uma política pouca aberta à recepção. E assim coloca em risco refugiados sírios e iraquianos, que podem encontrar maior adversidade de conseguirem asilo, já que estariam na mesma categoria que imigrantes do Magreb em busca de melhores condições.

Sobre o Oriente Médio, acertos. Ressaltou a importância de se encontrar uma saída diplomática para a Síria, e a necessidade de ajuda humanitária. Lembrou a postura do Brasil sobre uma solução de dois-estados no conflito árabe-israelense, o que é primordial depois dos desgastes sofridos pelo governo de Dilma com Israel, quando o Brasil chegou inclusive a ser chamado de anão diplomático por um porta voz israelense. E incentivou o Acordo Nuclear com o Irã, outra tradicional postura brasileira, sendo o Brasil durante o governo Lula um dos negociadores por tal solução.

Acertos também para a América Latina. Parabenizou o presidente Juan Manuel Santos e os colombianos pelo acordo de paz com as FARC. Lembrou que apesar dos avanços, é importante o fim do embargo norte-americano a Cuba. E indicou que respeita a pluralidade ideológica na região. O fato de ali não mencionar a Venezuela foi uma surpresa, mas se tratando de um país com desgaste com o atual presidente, a Assembleia Geral não era o lugar mais indicado para a ressalva da postura brasileira.

O presidente reafirmou a amizade e o compromisso brasileiro com os países africanos, algo que havia sido colocado em dúvida após Serra assumir o Itamaraty ao indicar uma política menos voltada à cooperação entre os chamados países do eixo Sul-Sul. Também criticou duramente os protecionismos, que seriam responsáveis por desemprego, em uma postura que o coloca na contramão de fenômenos populistas como Trump e Marine Le Pen.

Temer, como presidente de um país latino-americano com 60 mil homicídios por ano, não fez alusão ao tema e nem as drogas no continente. É inegável a importância do assunto em uma região que conta com cerca de 9% da população mundial, e 30% dos assassinatos, grande parte relacionados ao tráfico.

O presidente fez alusão a mudanças no Conselho de Segurança da ONU, mas não indicou, além disso, qual seria a abordagem do Brasil para o caso. A postura fica distante da aplicada pelo governo Lula, que via na entrada brasileira no órgão um grande objetivo, o que levou o país a gastar uma série de recursos, contanto com a sexta maior rede diplomática do mundo, perdendo somente para os cinco membros do Conselho. Temer provavelmente terá mais duas oportunidades de abrir a Assembleia com o assunto, 2017 e 2018, o que não é garantido em um país que, de fato, não é para principiantes. Na diplomacia mundial, Temer passou no teste. Resta saber se as ruas no Brasil vão achar o mesmo depois que seu programa de governo for aplicado.

Aqui o discurso na íntegra: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/09/20/politica/1474388524_553168.html

               Temer vai bem na casa do pragmatismo global / Foto: Drew Angerer (AFP)