Não se
pode confundir um discurso na Assembleia Geral da ONU com um pronunciamento ao
seu país. E não se pode esperar que uma fala de cerca de 15 minutos frente a
todas as outras nações do mundo tenha um real efeito transformador. São
discursos em que a diplomacia prevalece normalmente dotada de muita retórica,
mas importantes para se avaliar a postura de um país no campo diplomático e na
Ordem Mundial.
Nestes
aspectos o primeiro discurso de Michel Temer se sobressaiu aos de Dilma
Rousseff. Uma grande característica de Temer é o pragmatismo, que é normalmente
mais efetivo no campo da diplomacia do que para captar apoio popular. Sem
posturas duras em sua fala, o presidente do Brasil encerrou-a parabenizando o
secretário geral da ONU, Ban Ki-Moon, pelos seus dez anos de serviços prestados
no órgão, e que tem 2016 como seu último ano no posto. Além disso, fez uma ressalva à
memória de Oswaldo Aranha, brasileiro fundamental na diplomacia global, e um dos grandes
responsáveis pelo Brasil ter a honra de abrir oficialmente as Assembleias
Gerais.
Portanto,
não cabia esperar naquela fala uma postura incisiva sobre o processo de
impeachment, ou indicativos sobre macroeconomia. Temer ressaltou de maneira
pouco detalhada o respeito às instituições, a democracia e à constituição no
Brasil. O grande acerto foi não ter desmerecido os países que não reconheceram
a legitimidade do processo no país, e, que estavam ali presentes. O ministro
das Relações Exteriores, José Serra, questionou a Bolívia e o Equador quanto a
suas democracias e, portanto, sua posição para poderem arbitrar sobre o Brasil,
o que Temer teve cuidado em não fazer em um local pouco propício para tal.
O
discurso começou com críticas importantes a um dos grandes problemas atuais, a
xenofobia. Temer questionou o problema, e ressaltou que o Brasil é composto por
imigrantes de todo o mundo (o presidente é filho de libaneses). Continuou com a
postura já abordada na última segunda de que o país esteve aberto a receber
imigrantes e refugiados de todas as partes, vítimas das mais diversas adversidades.
Quando o fez ontem, foi alvo de críticas, já que teria inflado o número de
acolhidos com haitianos, que sob a ótica da Convenção de Refugiados de 51 não
podem ser enquadrados como tal. A postura de Temer foi a de ressaltar as
difíceis condições encontradas por estes em território nativo, já que o Haiti é
o país mais pobre do Hemisfério Ocidental, e foi vítima de um terrível
terremoto em 2010. A partir daí, o Brasil seria solidário abrindo suas portas.
E isto
demonstra uma das grandes peculiaridades de uma reunião na ONU. O Brasil, de
fato, possui uma política correta ao receber imigrantes haitianos. Mas no
momento em que Temer abrange na mesma condição os imigrantes e os refugiados, este
abre precedentes para que o mesmo ocorra, por exemplo, em um país europeu com
uma política pouca aberta à recepção. E assim coloca em risco refugiados sírios
e iraquianos, que podem encontrar maior adversidade de conseguirem asilo, já
que estariam na mesma categoria que imigrantes do Magreb em busca de melhores
condições.
Sobre o
Oriente Médio, acertos. Ressaltou a importância de se encontrar uma saída diplomática para a Síria, e a necessidade de ajuda humanitária. Lembrou a
postura do Brasil sobre uma solução de dois-estados no conflito
árabe-israelense, o que é primordial depois dos desgastes sofridos pelo governo
de Dilma com Israel, quando o Brasil chegou inclusive a ser chamado de anão
diplomático por um porta voz israelense. E incentivou o Acordo Nuclear com o Irã, outra tradicional postura
brasileira, sendo o Brasil durante o governo Lula um dos negociadores por tal
solução.
Acertos também para a América Latina. Parabenizou o presidente Juan Manuel Santos e os
colombianos pelo acordo de paz com as FARC. Lembrou que apesar dos avanços, é
importante o fim do embargo norte-americano a Cuba. E indicou que respeita a
pluralidade ideológica na região. O fato de ali não mencionar a Venezuela foi
uma surpresa, mas se tratando de um país com desgaste com o atual presidente, a
Assembleia Geral não era o lugar mais indicado para a ressalva da postura
brasileira.
O
presidente reafirmou a amizade e o compromisso brasileiro com os países
africanos, algo que havia sido colocado em dúvida após Serra assumir o
Itamaraty ao indicar uma política menos voltada à cooperação entre os chamados
países do eixo Sul-Sul. Também criticou duramente os protecionismos, que seriam
responsáveis por desemprego, em uma postura que o coloca na contramão de
fenômenos populistas como Trump e Marine Le Pen.
Temer,
como presidente de um país latino-americano com 60 mil homicídios por ano, não
fez alusão ao tema e nem as drogas no continente. É inegável a importância do
assunto em uma região que conta com cerca de 9% da população mundial, e 30% dos
assassinatos, grande parte relacionados ao tráfico.
O
presidente fez alusão a mudanças no Conselho de Segurança da ONU, mas não
indicou, além disso, qual seria a abordagem do Brasil para o caso. A postura
fica distante da aplicada pelo governo Lula, que via na entrada brasileira no
órgão um grande objetivo, o que levou o país a gastar uma série de recursos,
contanto com a sexta maior rede diplomática do mundo, perdendo somente para os
cinco membros do Conselho. Temer provavelmente terá mais duas oportunidades de
abrir a Assembleia com o assunto, 2017 e 2018, o que não é garantido em um país
que, de fato, não é para principiantes. Na diplomacia mundial, Temer passou no
teste. Resta saber se as ruas no Brasil vão achar o mesmo depois que seu
programa de governo for aplicado.
Aqui o discurso na íntegra: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/09/20/politica/1474388524_553168.html
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