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sábado, 21 de março de 2020

Na crise, "Adultos do mundo, uni-vos"

A pandemia relacionado à COVID-19 pegou grande parte do mundo de surpresa. Para uma menor parcela das pessoas, globalização e a interdependência cada vez maior entre agentes de uma cadeia internacional faziam de uma epidemia de proporções globais não uma mera possibilidade, apenas uma questão de quando. A SARS e a MERS não tiveram uma penetração em grande escala, e o Ebola se notabilizou muito mais pela mortalidade do que pela transmissão. Mas muita gente seguiu trabalhando contra o desastre.

A grande parcela do mundo que se deu ao luxo de ficar surpresa toma sua rotina como direito adquirido e inviolável. Trabalhar, se encontrar com os amigos nas folgas, ir ao mercado, para uma importante parcela da população são atos tão triviais quanto respirar. Quando uma quarentena rompe com isso, a fragilidade se mostra. Um médico em Aleppo antes de guerra civil da Síria, ou um advogado em Caracas pré-colapso venezuelano, também tinham suas rotinas, e as seguiam como se fossem invioláveis até o dia em que tudo mudou. A crise nos aproxima.

Porém, diferente de conflitos, quando é relativamente simples encontrar responsáveis, o drama causado pelo vírus deixa tudo menos nítido. Goffredo Buttini escreveu no Corriere Della Serra “Como um 11 de setembro dentro nós”. No texto, publicado por um diário de Milão, principal cidade da Lombardia, hoje epicentro da doença que: “O inimigo, o terrorista, o veículo da morte pode ser nosso irmão, nosso filho”. Além de romper bruscamente a rotina de uma das mais belas cidades europeias, o vírus coloca todos em uma situação de constante suspeita.

Em uma semana, a pandemia fez o bem de aniquilar os delírios relativos às críticas ao “globalismo” e à cooperação internacional. A vilipendiada ONU em tempos de paz, hoje é referência global com seu braço para a Saúde, a OMS. Governos críticos ao órgão, caso de Filipinas, EUA e Brasil, seguem as cartilhas de recomendações do mais alto nível de cooperação técnica em um mecanismo gerado por boa parte dos melhores recursos globais nas áreas. Prova disso é a liderança de um etíope, que tem resultados notáveis em seu país natal para a saúde. Em tempos de crise, inépcia é luxo para poucos.

A União Europeia é outra instituição que sai destacada. A Comissão, seu braço executivo, foi capaz de dar respostas rápidas e coordenadas à crise, sem retirar a independências de seus países membros. O BCE com seu pacote de estímulos foi pioneiro em diretrizes que diversos outros atores globais acabariam tomando. A dura cobrança em termos fiscais, notabilizada pelo caso italiano, em nenhum momento foi convertida em intransigência diante da calamidade, que afetou profundamente o membro que com frequência causa mais dificuldades com seu orçamento.

Pelo mundo, as diretrizes, tomadas em especial após a decisão italiana de quarentena completa, se distanciaram muito pouco. No geral, a gravidade da situação de cada lugar foi o que levou a decisões mais ou menos drásticas. Em 12 de março, a capa da Economist trazia o questionamento de uma solução “All’italiana” como referência para outros países, o que se confirmou na prática. Poucos temas recentes causaram tamanha convergência.

Acontece que os mesmos que não estão surpresos com a pandemia anteveem outra catástrofe, potencialmente mais grave. O impacto da crise climática já afeta bruscamente a rotina de milhões de pessoas, ainda que não seja determinante para impedir o funcionamento de cafés parisienses ou levar caos a Wall Street. O Sudeste Africano sofreu bruscamente com mudanças de temperatura e fenômenos extremos. Em ilhas como Tuvalu, pouco se pensa para além do aumento do nível dos oceanos. E em um dos casos mais dramáticos, o processo de desertificações em regiões africanas é uma das causas que abastecem o fluxo de refugiados que chegam à Europa, em um efeito que ai sim chama a atenção. E em tempos, o COVID-19 mostrou que crises e emergências devem ser tratadas com seriedade e a maior aptidão possível. Ou em algum momento se cogitou adolescentes como “vozes” contra a pandemia?

No Brasil, teremos de lidar com uma questão bem conhecida, e que se agravará com a pandemia. Com os níveis de violência do país, um potencial desabastecimento, ou mesmo as ruas vazias, pode causar um cenário de verdadeiro caos. Em São Paulo, já há relatos de arrastões em supermercados, tendência que deve se espalhar pelo país nos próximos dias. Crise em segurança pública é um tema para adultos, e que infelizmente foi contaminado por nichos ideológicos em um passado recente no Brasil. Que os ventos globais da responsabilidade e do bom senso possam direcionar o tratamento aqui. É hora do Memestão ficar de quarentena.

Do bom relato da correspondente do El País em Pequim: “Desta se saí, não duvidem. Obrigada por colaborar e ficar em casa”.

          Tedros Adhanom, líder na crise, tem importante repertório na Etiópia. FOTO: Instagram

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Análise sobre Temer na ONU: Passou no teste

Não se pode confundir um discurso na Assembleia Geral da ONU com um pronunciamento ao seu país. E não se pode esperar que uma fala de cerca de 15 minutos frente a todas as outras nações do mundo tenha um real efeito transformador. São discursos em que a diplomacia prevalece normalmente dotada de muita retórica, mas importantes para se avaliar a postura de um país no campo diplomático e na Ordem Mundial.

Nestes aspectos o primeiro discurso de Michel Temer se sobressaiu aos de Dilma Rousseff. Uma grande característica de Temer é o pragmatismo, que é normalmente mais efetivo no campo da diplomacia do que para captar apoio popular. Sem posturas duras em sua fala, o presidente do Brasil encerrou-a parabenizando o secretário geral da ONU, Ban Ki-Moon, pelos seus dez anos de serviços prestados no órgão, e que tem 2016 como seu último ano no posto. Além disso, fez uma ressalva à memória de Oswaldo Aranha, brasileiro fundamental na diplomacia global, e um dos grandes responsáveis pelo Brasil ter a honra de abrir oficialmente as Assembleias Gerais.

Portanto, não cabia esperar naquela fala uma postura incisiva sobre o processo de impeachment, ou indicativos sobre macroeconomia. Temer ressaltou de maneira pouco detalhada o respeito às instituições, a democracia e à constituição no Brasil. O grande acerto foi não ter desmerecido os países que não reconheceram a legitimidade do processo no país, e, que estavam ali presentes. O ministro das Relações Exteriores, José Serra, questionou a Bolívia e o Equador quanto a suas democracias e, portanto, sua posição para poderem arbitrar sobre o Brasil, o que Temer teve cuidado em não fazer em um local pouco propício para tal.

O discurso começou com críticas importantes a um dos grandes problemas atuais, a xenofobia. Temer questionou o problema, e ressaltou que o Brasil é composto por imigrantes de todo o mundo (o presidente é filho de libaneses). Continuou com a postura já abordada na última segunda de que o país esteve aberto a receber imigrantes e refugiados de todas as partes, vítimas das mais diversas adversidades. Quando o fez ontem, foi alvo de críticas, já que teria inflado o número de acolhidos com haitianos, que sob a ótica da Convenção de Refugiados de 51 não podem ser enquadrados como tal. A postura de Temer foi a de ressaltar as difíceis condições encontradas por estes em território nativo, já que o Haiti é o país mais pobre do Hemisfério Ocidental, e foi vítima de um terrível terremoto em 2010. A partir daí, o Brasil seria solidário abrindo suas portas.

E isto demonstra uma das grandes peculiaridades de uma reunião na ONU. O Brasil, de fato, possui uma política correta ao receber imigrantes haitianos. Mas no momento em que Temer abrange na mesma condição os imigrantes e os refugiados, este abre precedentes para que o mesmo ocorra, por exemplo, em um país europeu com uma política pouca aberta à recepção. E assim coloca em risco refugiados sírios e iraquianos, que podem encontrar maior adversidade de conseguirem asilo, já que estariam na mesma categoria que imigrantes do Magreb em busca de melhores condições.

Sobre o Oriente Médio, acertos. Ressaltou a importância de se encontrar uma saída diplomática para a Síria, e a necessidade de ajuda humanitária. Lembrou a postura do Brasil sobre uma solução de dois-estados no conflito árabe-israelense, o que é primordial depois dos desgastes sofridos pelo governo de Dilma com Israel, quando o Brasil chegou inclusive a ser chamado de anão diplomático por um porta voz israelense. E incentivou o Acordo Nuclear com o Irã, outra tradicional postura brasileira, sendo o Brasil durante o governo Lula um dos negociadores por tal solução.

Acertos também para a América Latina. Parabenizou o presidente Juan Manuel Santos e os colombianos pelo acordo de paz com as FARC. Lembrou que apesar dos avanços, é importante o fim do embargo norte-americano a Cuba. E indicou que respeita a pluralidade ideológica na região. O fato de ali não mencionar a Venezuela foi uma surpresa, mas se tratando de um país com desgaste com o atual presidente, a Assembleia Geral não era o lugar mais indicado para a ressalva da postura brasileira.

O presidente reafirmou a amizade e o compromisso brasileiro com os países africanos, algo que havia sido colocado em dúvida após Serra assumir o Itamaraty ao indicar uma política menos voltada à cooperação entre os chamados países do eixo Sul-Sul. Também criticou duramente os protecionismos, que seriam responsáveis por desemprego, em uma postura que o coloca na contramão de fenômenos populistas como Trump e Marine Le Pen.

Temer, como presidente de um país latino-americano com 60 mil homicídios por ano, não fez alusão ao tema e nem as drogas no continente. É inegável a importância do assunto em uma região que conta com cerca de 9% da população mundial, e 30% dos assassinatos, grande parte relacionados ao tráfico.

O presidente fez alusão a mudanças no Conselho de Segurança da ONU, mas não indicou, além disso, qual seria a abordagem do Brasil para o caso. A postura fica distante da aplicada pelo governo Lula, que via na entrada brasileira no órgão um grande objetivo, o que levou o país a gastar uma série de recursos, contanto com a sexta maior rede diplomática do mundo, perdendo somente para os cinco membros do Conselho. Temer provavelmente terá mais duas oportunidades de abrir a Assembleia com o assunto, 2017 e 2018, o que não é garantido em um país que, de fato, não é para principiantes. Na diplomacia mundial, Temer passou no teste. Resta saber se as ruas no Brasil vão achar o mesmo depois que seu programa de governo for aplicado.

Aqui o discurso na íntegra: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/09/20/politica/1474388524_553168.html

               Temer vai bem na casa do pragmatismo global / Foto: Drew Angerer (AFP)