Após o fim
do primeiro tempo da partida entre São Paulo e Atlético Goianiense, coloquei no
Jornal Nacional e assisti à cobertura da votação sobre o prosseguimento da denúncia sobre Temer na CCJ da Câmara. A sofrível atuação do Tricolor e o
resultado da comissão me fizeram brincar que eu “estaria me sentindo preso
na obra ‘A Náusea’, de Sartre”. Mas uma entrevista com bem menos repercussão do
que a votação na Câmara, e ofuscada por ser no dia seguinte à condenação de
Lula, me fez sentir ainda pior.
Ao ser
questionado sobre uma possível exoneração do cargo de ministro da Saúde,
Ricardo de Barros afirmou que é “um soldado do presidente”, e que estaria
disponível para ajudar seu aliado. Barros, eleito deputado pelo PP do Paraná,
poderia assim voltar à Câmara, garantindo mais um voto no plenário contra a
denúncia de Temer por corrupção passiva. Desta forma, o responsável máximo pela
Saúde no Brasil abdicaria de seu cargo para votar contra o prosseguimento de
uma denúncia, que na palavra do procurador geral da República, Rodrigo Janot,
contém uma “prova satânica”. Qualquer falante do português que tenha ouvido o “tem
que continuar isso ai” não tem grandes razões para duvidar disso.
O custo real
de uma troca em um ministério como a Saúde é incomensurável, principalmente tendo
em vista que o “soldado” Barros, ainda poderia ter de votar de maneira
contrária a ao menos outras duas denúncias que devem seguir à primeira, por
corrupção passiva. No entanto, o preço do apoio ao presidente, segundo
levantamento do Reuters, ficou em R$
1,5 bilhão apenas no mês de junho, frente a R$ 959 milhões no período anterior,
para emendas parlamentares, conhecidas moedas de troca em Brasília.
Notem que
diferencio “preço” de “custo”. O preço neste caso fica em quase R$ 600 milhões,
mas o custo social provavelmente é maior. O orçamento para ciências e inovação
no Brasil, que vem padecendo de recursos, é de R$ 2,5 bilhões neste ano. No
mundo atual é quase impossível vislumbrar um real desenvolvimento de uma nação
sem investir em tecnologias e inovação. O cenário é dramático e bem explicado
nesta entrevista.
No caso da
Saúde, as trocas no comando costumam ter efeitos em substituir cargos
importantes e na não continuidade de vitais políticas públicas. Recentemente
conversei com um dos principais representantes do Ministério, que me passou
ótima impressão. De currículo inquestionável, e no cargo desde janeiro deste
ano, anotava as demandas e sugestões dos presentes em uma plateia composta por
muitos funcionários municipais da saúde, e explicava com franqueza as condições
de sua pasta. Devido à institucionalidade, o perguntei sobre a “efemeridade do
cargo”, nada mais do que o troca-troca por conta da politicagem. Sua resposta
me agradou bastante: “É importante que as políticas públicas sejam de Estado,
não de Governo, para que as pessoas não sejam mais importantes do que as
políticas, e que estas tenham sua efetividade garantida”.
Pessoas
mais importantes do que a política. É disso que se tratou até agora o governo
Temer. Em outra pasta importantíssima, a Justiça, o Planalto foi ainda mais
longe ao defender os interesses do presidente em detrimento dos da nação. Osmar
Serraglio foi substituído por Torquato Jardim em grande parte por conta da
articulação deste junto ao TSE, tribunal do qual já foi presidente, e onde
Temer viria a ser julgado no histórico “velório” do qual três não quiseram
levar o caixão. A situação criou um problema inesperado para o Planalto, já que
Serraglio recusou a pasta da Transparência, retomando assim seu cargo na
Câmara. Sua vaga era ocupada justamente pelo suplente Rodrigo Rocha Loures, o “homem
da mala”, que perderia assim seu foro privilegiado, podendo ir preso logo e
deixando aberta a possibilidade de uma delação. O desespero no governo levou a
uma série de ofertas ministeriais aos deputados do PMDB do Paraná, inclusive na
Saúde.
A
possibilidade do PSDB desembarcar do governo coloca em dúvida a continuidade
nos trabalhos de todas as pastas que têm o partido à frente. Uma delas é o Itamaraty,
comandada por Aloysio Nunes. Em caso de mais uma troca, o Ministério das
Relações Exteriores terá seu quarto comandante em menos de três anos. Aqueles
que acompanham a pasta mais de perto vêm indicando uma racha em três frentes.
Uma composta pelos diplomatas de carreira e tradicionalmente respeitada, nesta
que é uma das chancelarias mais honradas do mundo, viria batendo de frente com
a ala política comandada por Nunes. Por outro lado, o Planalto quer adotar uma
postura mais resguardada, tendo em vista a instabilidade do governo.
Ter
políticos à frente de pastas importantes não representa um problema. No caso
das chancelarias, hoje uma das que vem mais se destacando no cenário
internacional por sua postura sensata é a alemã, comandada por Sigmar Gabriel.
O cargo tradicionalmente é ocupado pelo segundo líder mais votado que irá
compor a coalizão, no caso de Gabriel, líder do SPD, que comanda o país junto à
CDU de Merkel. O Foreing Office britânico
é normalmente comandado por uma figura pública relevante, hoje o ex-prefeito de
Londres Boris Johnson. Na gestão de Obama, os senadores John Kerry e Hillary
Clinton assumiram o Departamento de Estado.
Mas aqui,
mais do que a realização de escolhas “técnicas” ou não, o que estamos
assistindo é o uso dos cargos mais relevantes para a população com o fim
espúrio de dar sustentabilidade a um governo fortemente rechaçado. O custo das
trocas de cargos e a falta de continuidade em políticas públicas é impossível de
ser medido de fato, e provavelmente é mais impactante do que as enormes somas
desviadas do erário por corrupção. É nestes casos que devemos concentrar a “náusea”
que vem tomando conta do país desde o começo da crise.
FOTO: DIDA MACHADO, ESTADÃO
Renunciar a governar para os brasileiros já ocorreu há algum tempo
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