Chorei
copiosamente em 2015 quando vi a foto de Aylan Kurdi, hoje, na de Omran não.
Como disse no caso de Kurdi, a tragédia pode ser incorporada, se tornando
comum. Às vezes ocorre até o pior, vira número e estatística, como as que dizem
que mais de 60 mil pessoas são assassinadas por ano no Brasil, ou que a Guerra
da Síria já deixou mais de 500 mil vítimas. Citando Stálin, “uma única morte
é uma tragédia, a de um milhão é estatística”.
Enquanto
o mundo segue sua vida normal, competindo ou assistindo aos jogos olímpicos, é
travada em Aleppo, a outrora segunda cidade da Síria, lar de médicos,
advogados, pedreiros, estudantes, uma das maiores batalhas urbanas da era
moderna. O lado Oeste é dominado pelo regime sírio de Assad, e o lado Leste
pelos muitos rebeldes, incluindo a agora chamada Fatah Al Sham, até mês passado
Al Nusra que tinha ligações com a Al Qaeda, o que segundo os membros não mantém
nesta nova fase. A presença deste e de outros terroristas justificaria os
bombardeio russos e sírios nesta região, e a passividade do Ocidente que acena
com uma “cooperação” contra o terror.
Aleppo
também era o lar de Omran e sua família, o menino de cinco anos que nunca conheceu
a paz, e que sua fotografia aparece na mídia lembrando a existência do conflito
sírio. Levianos pelo mundo pedem o fim do conflito e dos bombardeios, sem fazer
ideia das complexidades deste conflito que resumidamente têm três frentes,
Grupo Estado Islâmico, rebeldes e o regime, mas que na verdade envolvem
interesses geopolíticos, religiosos e econômicos, de dezenas de países e povos
que vão desde norte-americanos a turcomenos.
A imagem
é forte, e tem um potencial de mobilização muito maior que qualquer relato por
mais atroz que seja sobre o que acontece na Síria, e mais ainda do que qualquer
número sobre a maior catástrofe do século XXI. Assim como no caso de Aylan, a
partir deste momento o drama, no caso dele o dos refugiados no Mediterrâneo, e agora
o caos em Aleppo, as atenções do mundo vão para resolver o problema, até
outrora pouco conhecido pela comunidade internacional, e negociado colocando
interesses mesquinhos à frente da humanidade pelos responsáveis.
A União
Europeia organizou uma reunião emergencial para discutir a situação em Aleppo.
Até então, reinava a passividade frente à Assad, responsável pelo bombardeio de
Omran, e pelo maior número de mortos na guerra da Síria, já que este é visto
como um “mal menor” que o Grupo Estado Islâmico, visão que em termos gerais
compartilho. Mas enquanto isso, a maior ação sobre o conflito eram as reuniões
em Genebra, quase sempre com o mesmo resultado fracassado, especialmente por
não concordarem com russos em alguns pontos, como a continuidade ou não de
Assad.
E nisso
Aleppo sendo destruída. Cessar-fogo, e a importantíssima ajuda humanitária
chegando pela via de Castello são discutidos em meio a interesses geopolíticos.
Para os habitantes, o cenário já foi descrito por muitos como “um inferno na
terra”, com dezenas de crianças morrendo em meio aos bombardeios, e também
médicos, que se esforçam bravamente para tentarem amenizar o drama dos muitos
que não tem medicamentos e às vezes nem água ou comida, daí a importância da
ajuda humanitária.
Que a
guerra vai continuar é fato. Mesmo tendo sofrido algumas derrotas recentemente
em Aleppo, Assad tem tudo para conquistar o outro lado da cidade, o que vai
desde um armamento melhor, no caso os decisivos aviões, e aliados muito mais
engajados. Crianças vão continuar tendo que ir a escola no porão, isso para as
mais sortudas, já que tem de conviver com bombardeios e balas perdidas. O
alento vai para Omran, que graças a qualquer força superior para quem acredita,
e para quem não, devido ao que for, sobreviveu, não padecendo assim como Kurdi.
Sua família provavelmente vai servir de troféu em um leilão para qual país vai aparecer como solidário já deve estar sendo selado, como no caso do pai de Aylan, único sobrevivente no naufrágio que matou sua família, e que conseguiu se refugiar depois da tragédia, o que não havia ocorrido antes quando pediu ajuda ao Canadá. A reflexão que fica é o poder de uma imagem, frente a burocratas responsáveis por prolongar a tragédia. Seria a paz mundial fácil: mais fotógrafos e menos diplomatas?
Eles também queriam escolher um dos três iniciais
Mas a escolha é essa