O relato
“Why My Father Votes for Le Pen” publicado no New York Times nesta semana traz um excelente retrato sobre aqueles
que sucumbem a fenômenos como o “Brexit”, Trump e Marine Le Pen. Antes de
quaisquer rotulações pejorativas há de se ressaltar que grande parte destes eleitores
compõe os mais afetados, ou mesmo excluídos, pelas mudanças ocorridas nos
últimos anos. Portanto, quando uma candidata do sistema responsável por estas
mudanças como Hillary Clinton chama estes de “deploráveis” há uma prova
explicita de que o governo não está funcionando de maneira igual para todos.
Diferentemente
do “Brexit” e de Trump, a Frente Nacional acumula apoio há muitos anos, não se tratando
de um fenômeno efêmero. O pai de Marine Le Pen e fundador do partido, Jean-Marie
Le Pen, participou das eleições presidenciais entre 1982 a 2012, quando sua
filha disputou o pleito. Em 2002 o candidato extremista chegou inclusive ao
segundo turno. No caso norte-americano, Trump apareceu como um ponto fora da
curva no partido republicano, conhecido pela sigla G.O.P, para Grand Old Party,
agremiação que ostenta com orgulho ser “o partido de Abraham Lincoln”. Por sua
vez na França, Marine Le Pen busca amenizar o histórico de seu partido, o que a
levou a afastar até mesmo seu pai da Frente Nacional em 2015.
A
postura de Marine Le Pen é eleitoralmente acertada. A rejeição a seu pai na
França é quase unânime, prova disso são os 82% dos votos para seu opositor
Jacques Chirac no segundo turno das eleições de 2002. Jean-Marie Le Pen é um
antissemita explícito, chegando a declarar que o Holocausto, a maior atrocidade
de que se tem registro na atividade humana, teria sido um “detalhe” na História.
O político é visto como próximo à França de Vichy, regime chamado de colaboracionista
pelos franceses, que governou o país em acordo com os nazistas durante a
Segunda Guerra Mundial, inclusive entregando dezenas de milhares de judeus aos
alemães, e que seriam mortos no “detalhe” de Jean-Marie Le Pen.
Na
tentativa de amenizar a visão sobre a Frente Nacional, nos últimos meses Marine
Le Pen afastou do partido uma série de integrantes que fizeram afirmações
antissemitas, ou que tivessem ligação com grupos neonazistas. Mas para muitos
esta não passava de uma maquiagem com fins eleitorais e a candidata acabaria em
algum momento externando as raízes do partido. E este momento ocorreu pouco
antes do primeiro turno, quando Le Pen negou as atribuições colaboracionistas
do França de Vichy, que terminaram com dezenas de milhares de judeus em
Auschwitz. A declaração causou pânico na comunidade judaica, e muitos já
planejam a migração para Israel em caso de vitória da Frente Nacional.
Outra
comunidade aflita com a possibilidade de vitória de Le Pen é a muçulmana. A candidata
comparou muçulmanos rezando nas ruas francesas com a ocupação nazista. Uma das
principais plataformas políticas da Frente Nacional é contra a imigração, e
como grande parte dos imigrantes na França têm origem em países de maioria
muçulmana, muitos temem os reflexos que um governo de Le Pen pode causar. Outro
ponto importante para sua campanha é o combate ao terrorismo “islâmico” e faz
alusões a cercear direitos dos muçulmanos para tal.
Enorme
parcela da comunidade muçulmana francesa tem origem argelina, antiga colônia da
França que alçou independência em 1962 após um sangrento conflito. Entre os
franceses, assim como em outras antigas metrópoles, há um sentimento de
revisionismo pelos abusos cometidos contra os locais durante o período
colonial. A retratação junto aos argelinos é um ponto da campanha de Macron
extremamente rechaçado por Le Pen. Jean-Marie Le Pen combateu na Guerra de
Independência da Argélia, na qual é acusado de tortura.
Por mais
que sejam válidas as argumentações de que indivíduos devem ser separados do
legado de seus parentes, o caso da Frente Nacional é único. A legenda foi criada
por Jean-Marie Le Pen com um traço do que há de pior no antissemitismo europeu,
que tem origens muito anteriores ao nazismo, servindo como base para este.
Jean-Marie conquistou apoio de parte da população mais excluída dos franceses
culpando judeus e imigrantes por conta de seus problemas. Sua declaração de que
o Ebola poderia conter os problemas de imigração é uma das mais repugnantes de
um líder público nos últimos anos. E por sua vez Marine, a versão soft da xenofobia, apresenta uma Frente
Nacional como um partido diferente do fundado por seu pai, no entanto baseia
uma campanha eleitoral no medo dos franceses por meio da islamofobia e em
culpar a imigração pelos problemas de seu país. Macron não é essa Coca-Cola toda.
Mas a Frente Nacional é indefensável.
Marine e seu pai, que a mesma expulsou do seu próprio partido. Imagina o almoço em família (FOTO: Reuters)
Nenhum comentário:
Postar um comentário