sexta-feira, 28 de abril de 2017

Coreia do Norte: mais geopolítica do que pânico

A despeito do que é amplamente divulgado na imprensa, a principal questão da Física relacionada ao regime norte-coreano não é a nuclear, mas a “Lei da Inércia”. O atual status quo da complexa equação geopolítica na Coreia do Norte é favorável aos cinco principais atores envolvidos, e para isto, é vital a visão de que o regime é dominado por um lunático disposto a explodir o mundo a qualquer momento. Evidentemente, não é bem assim.

As fake news em relação ao regime norte-coreano são divulgadas há muito tempo, e com um potencial sem comparações, já que não há porta-vozes na comunidade internacional para defender o contraditório. Uma mentira é amplamente divulgada, o mundo acredita, e se por um acaso for falsa, há a sensação “ah, mas nada impede que fosse verdade”.

Alguns fatos: a Coreia do Norte possui embaixada no Brasil, retribuída com uma representação brasileira em Pyongyang. A capital norte-coreana vive um boom imobiliário, e bem nascidos no regime vão ampliando seu poder de compra. O principal destino de exportação da Coreia do Norte é a China, sua principal aliada, mas em segundo lugar vem a longínqua Argélia e em terceiro a Coreia do Sul, com quem, em tese, o norte continua em guerra, já que em 1953 apenas um armistício foi assinado. O país é membro da ONU.

As ameaças militares da Coreia do Norte são a maior justificativa para os EUA manterem cerca de 35 mil soldados na Península Coreana, região cada vez mais importante para o comércio global com o crescimento chinês. Com a onda recente de tensões, os norte-americanos estão instalando a estrutura antimísseis Thaat na Coreia do Sul, o que é criticado pela China, que teme um aumento do poder dos EUA na região. O Thaat é um dos principais assuntos da campanha eleitoral sul-coreana, antecipado por conta do impeachment da presidente conservadora Park Geun-Hye, favorável ao escudo. Na liderança das pesquisas para a eleição do próximo 9 de maio está um liberal, contrário ao Thaat, e seus adversários usam a ameaça do norte para criticá-lo.

A possibilidade de o Japão ser atacado é uma das poucas justificativas que o governo tem para um tom belicista. O país, que a exemplo da Alemanha adquiriu uma guinada pacifista após a derrota na Segunda Guerra, nos anos recentes sob o comando de Shinzo Abe vem sendo levado por um tom nacionalista, retomando algumas posturas históricas. Até a Segunda Guerra Mundial, o Japão ocupava a Península da Coreia e regiões da China.

Com o regime norte-coreano a China tem um importante contraponto em meio aos aliados norte-americanos no Pacífico. Fiel incondicionalmente aos chineses, a ditadura de Kim Jong-un serve como um tampão a quaisquer expansões dos EUA na região. Para a crescente economia chinesa, os subsídios dispendidos à pequena Coreia do Norte são mais em conta do que investiduras militares. Além do mais, um colapso da ditadura levaria milhões de refugiados a cruzarem a fronteira para o país que já é o mais populoso do mundo.

A Coreia do Norte quer ser um país com arsenais nucleares, e faz alusão às outras oito nações que possuem ogivas, que totalizam mais de 13 mil pelo mundo, para justificar as suas. Os EUA não reconhecem, fazem jogo duro e afirmam que somente a desistência de possuir armas nucleares pode levar ao fim das sanções, que castigam principalmente a população no interior. Por meio da filosofia “Juche” o governo controla seu povo para servir sua pátria contra a ameaça “imperialista” a todo custo. Os norte-coreanos acreditam durante toda vida estar a cargo do bem maior do “Rei Sol”, Kim Il-sung, avô do atual ditador, e que fundou a nação. Desta forma, todos os homens têm de servir ao exército, o quinto maior do mundo e, proporcionalmente, por sua população de cerca de 25 milhões de habitantes, a maior força armada global.

Kim Jong-un tem motivos para temer abandonar seu programa nuclear. Já no exercício do poder viu a OTAN invadir a Líbia para depor o ditador Muammar Khadafi, que sempre almejou armamentos nucleares, em 2011. Em 2003 viu os EUA invadirem sem o aval do Conselho de Segurança da ONU, ao qual a China tem poder de veto, o Iraque para dar fim à ditadura de Saddam Hussein. Não é impossível que Kim Jong-un aceite um acordo, bem mais difícil do que o alcançado com o Irã, para pôr fim a suas armas nucleares, mas será necessária muita diplomacia chinesa e concessões ao regime.

O ponto fora da curva neste momento é Trump. O inexperiente e midiático presidente é imprevisível, e pode, sim, colocar à prova esta verdadeira aula de pragmatismo geopolítico. À frente de seu Departamento de Estado está Rex Tillerson, mais contido, mas com pouca experiência diplomática. A expectativa pela prudência fica a cargo dos ex-militares, em especial o Secretário de Defesa, Jim Mattis, e o conselheiro de Segurança Nacional, general McMaster.

Qualquer passo em falso seria trágico. Um ataque preventivo dos EUA levaria a Coreia do Norte a atacar o sul, com potencial de atingir Seul, a apenas 50  km da fronteira, no que pode ser a maior tragédia da história, na cidade com cerca de 10 milhões de habitantes. O regime norte-coreano não é suicida. Sobrevive no poder há 69 anos, se manteve após o fim da URSS, o que levou o país a uma das maiores fomes coletivas na história recente, quando inclusive teve de contar com ajuda da comunidade internacional. Perpassou pelas mudanças chinesas, país maoísta a principio, mas que gradualmente se integrou ao capital global com as reformas de Deng Xiaoping e a adesão à OMC. E do outro lado, Trump, que balança com 100 dias de mandato.

Palpitaço
Até aqui, análise. Mas neste caso acho justo não me eximir, e tentar traçar os possíveis panoramas. Em curto prazo, a situação deve aumentar em tensões, com um tom mais beligerante dos dois lados e cercado de ameaças. Mais sanções ao regime serão impostas pela ONU, mas sem grande impacto. Em médio, é possível que a Coreia do Norte tenha êxito em seu sexto teste nuclear, obrigando os EUA a uma reação mais significativa. Nada muito sério deve ocorrer, mas será preciso intensa diplomacia chinesa. Em longo, não acredito que o regime resista. Em um mundo extremamente conectado, cada vez menos norte-coreanos estarão dispostos a passar fome para manter uma ditadura com propósitos ultrapassados, enquanto a alguns quilômetros ao sul tem a sua disposição os benefícios da pujante economia sul-coreana. Não me arrisco além.

Boa parte do comércio global hoje passa por esta região

Obs: Para o mínimo de entendimento com isenção sobre a Coreia do Norte, o documentário “The Propaganda Game” é necessário. O filme perpassa o país sem juízo de valor. Tem no Netflix.

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